Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
144/14.1TTVLG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NÉLSON FERNANDES
Descritores: CUMPRIMENTO DOS ÓNUS LEGAIS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONCEITO DE RETRIBUIÇÃO
PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
INDEMNIZAÇÃO POR CESSAÇÃO UNILATERAL PELA EMPREGADORA DE ACORDO DE DESTACAMENTO INTERNACIONAL EM COMISSÃO DE SERVIÇO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP20240115144/14.1TTVLG.P2
Data do Acordão: 01/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSOS PARCIALMENTE PROCEDENTES, ALTERADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - Para cumprir os ónus legais estabelecidos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, o recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto deve alegar e indicar nas conclusões, sob pena de rejeição do recurso, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, como estabelecido na alínea a) do seu n.º 1, enquanto definição do objeto do recurso, sendo que, noutros termos, já quando ao cumprimento do disposto nas alíneas b) e c) do mesmo número, desde que vertido no corpo das alegações, a respetiva não inclusão nas conclusões não determina tal rejeição do recurso, desde que, no que se refere à última, a decisão alternativa pretendida resulte, de forma inequívoca, das alegações.
II - A retribuição do trabalho é integrada pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar, regular e periodicamente, ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada – mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida.
III - O princípio da irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares auferidas em função da natureza das funções ou da especificidade do desempenho, as quais podem ser suprimidas logo que cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
IV - Não obstante a fidúcia não ser de aceitar como característica geral dos contratos de trabalho, em algumas situações, a relação baseia-se numa relação de confiança pessoal entre o empregador e o trabalhador, que decorre do tipo de função que o segundo é chamado a desempenhar, sendo essa circunstância que justifica o enquadramento especial deste tipo de vínculos, em que se inclui a comissão de serviço, sendo que é daquele princípio geral que decorre a maior especificidade do seu regime, que é possibilidade de pôr termo ao vínculo de comissão de serviço independentemente de ocorrência de justa causa (artigos 163.º e 164.º do Código do Trabalho (CT).
V - Em face do referido em IV, constando expressamente de um acordo de destacamento de trabalhador no estrangeiro que aquele o era em comissão de serviço, não se podendo dizer que o recurso a essa comissão não tivesse no caso sustentação legal, prevendo-se expressamente que poderia cessar designadamente por decisão do empregador com aviso prévio de 60 dias, cláusula essa conforme a previsão do n.º 1 do artigo 163.º do CT, num caso em que não seja cumprido de tal prazo de aviso prévio é de aplicar o regime que se encontra estabelecido no n.º 2 do mesmo normativo, assim que “a falta de aviso prévio não obsta à cessação da comissão de serviço, constituindo a parte faltosa na obrigação de indemnizar a contraparte nos termos do artigo 401.º”
VI - Em face do que resulta da lei, designadamente o regime que decorre dos artigos 483.º e 496.º do Código Civil, são quatro os requisitos da tutela dos danos não patrimoniais: (a) comportamento ilícito e culposo do agente; (b) existência de danos; (c) que esses danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito; (d) que se verifique um nexo causal entre aquele comportamento e o dano, por forma a que este seja daquele consequência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação/processo n.º 144/14.1TTVLG.P2
Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo - Juiz 1

Autor: AA
Rés: A..., S.A., e B..., S.L.U.
______
Nélson Fernandes (relator)
Rui Penha
Eugénia Pedro


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. AA intentou ação com processo comum contra A..., S.A. (1.ª Ré), e B..., S.L.U. (2.ª Ré), peticionando que estas fossem condenadas: “A) a 1ª Ré, a reconhecer e atribuir ao Autor a categoria profissional de Quadro Superior Especialista Sénior, em conformidade com as funções que efetivamente eram desempenhadas pelo Autor, ou, sem prescindir e em alternativa, caso assim não se entenda, a reconhecer e atribuir ao Autor a categoria profissional de Quadro Superior Especialista II; B) a 1ª Ré, a integrar o Autor no desempenho de funções efetivas de Assessoria ao seu Conselho de Administração, no Porto, por ser justamente neste local e essas as funções que o Autor desempenhava antes das nomeações em comissão de serviço; C) a 1ª Ré, a reconhecer que o Autor, em conformidade com o seu estatuto remuneratório, tem direito à utilização de Veículo de Utilização Permanente, plafond mensal de combustível e plafond mensal de chamadas telefónicas; D) a 1ª Ré, a reconhecer e a incluir no salário do Autor, em conformidade com o seu estatuto remuneratório, o montante de €721,79, correspondente ao valor global das parcelas retributivas respeitantes ao Veículo de Utilização Permanente, plafond mensal de combustível e plafond mensal de chamadas telefónicas; E) a 1ª Ré, a pagar ao Autor, em conformidade com o seu estatuto remuneratório, a quantia de €8.661,48, correspondente aos 12 meses compreendidos entre Junho de 2013 e Maio de 2014, equivalente ao valor da renda mensal do VUP, ao plafond mensal de 100 litros de combustível e ao plafond mensal de chamadas telefónicas; F) a 1ª Ré, a pagar ao Autor, o montante que se vier a vencer mensalmente, a partir de Maio de 2014, até à data em que a 1ª Ré incluir no salário do Autor, o valor das parcelas retributivas respeitantes ao VUP, plafond mensal de combustível e plafond mensal de chamadas telefónicas, no total de €721,79; G) ambas, solidariamente, a pagarem ao Autor, a título de subsídio de destacamento internacional, o montante de €19.500 (dezanove mil e quinhentos euros), correspondente aos últimos treze meses por que vigorou a comissão de serviço internacional; H) a 1ª Ré, a pagar ao Autor, a quantia de €25.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais graves que lhe tem infligido com os seus comportamentos e atitudes ilegais; I) ambas, solidariamente, a pagarem ao Autor, juros de mora à taxa legal sobre as quantias supra discriminadas, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.”.
Alegou, em síntese, que: a relação jurídico-laboral existente entre o Autor e a 1ª Ré, tem-se pautado pela celebração de vários “contratos de cedência ocasional”, no âmbito dos quais, a 1ª Ré cedeu o Autor a empresas terceiras que fazem parte do grupo da 1ª Ré, como foi o caso do contrato firmado em 01.09.2000, entre a 1ª Ré, o Autor, e a C...; do contrato firmado em 01.08.2001, entre a 1ª Ré, o Autor, e a empresa D..., como cessionária, prevendo a sua cláusula 3ª que “Enquanto vigorar o presente contrato o terceiro contraente terá direito a uma remuneração adicional no valor de 100.000$00 por mês”, mas não obstante, essa remuneração manteve-se mesmo após a cessação do aludido contrato, que veio a ocorrer em 03.07.2009; ao longo da cedência ocasional foi atribuída ao Autor viatura de utilização permanente (VUP), com plafond de 150 litros de combustível mensal, sendo que o Autor já dispunha de uma VUP; em 01.01.2006, foi atribuída ao Autor a viatura com a matrícula ..-..-ZJ, de marca Peugeot, modelo ..., com valor de aquisição de €19.930,00, e cuja renda mensal correspondia à quantia de €348,70. O plafond de combustível mensal atribuído ao Autor era ilimitado, sendo que, caso fosse ultrapassado o consumo mensal de 150 litros, impendia apenas sobre o Autor a obrigação de proceder ao preenchimento do mapa justificativo da atividade e consumo respetivo; previa o Acordo de Utilização de VUP que o mesmo caducaria com a cessação da nomeação do Autor como Delegado Norte no âmbito dessa cedência ocasional; em 09.07.2009, mediante deliberação por despacho proferido pelo Conselho de Administração da 1ª Ré, foram-lhe atribuídas as funções de Assessoria ao mesmo Conselho de Administração, tendo na mesma altura também sido atribuída uma viatura de uso permanente (VUP) de tipo III, com o plafond mensal de 100 litros de combustível e ainda um telemóvel com plafond mensal de €60,00 para chamadas telefónicas; em 23/12/2010, cessou funções de Assessoria ao Conselho de Administração da 1ª Ré, tendo sido nomeado, em comissão de serviço, para as funções de Adjunto de Atendimento, no âmbito da SNC/RDT, mantendo, no entanto, o mesmo estatuto remuneratório; tal nomeação veio a cessar através do despacho proferido pelo Conselho de Administração da 1ª Ré, datado de 02.06.2011, com produção de efeitos a partir de 01.07.2011, no qual se previa a autorização para a celebração de um Acordo de Destacamento do Autor para exercer funções de responsável pelo “Desenvolvimento de oportunidades de negócio e respetiva operacionalização, entre Espanha e Portugal, no âmbito da cadeia de valor do Grupo A...”, na delegação de Madrid da aqui 2ª Ré, B..., S.L.U., Espanha; em 01.07.2011, foi celebrado esse Acordo de Destacamento, tendo o Autor sido nomeado, em comissão de serviço, para exercer as aludidas funções em Madrid, Espanha; foi acordado que mantinha o estatuto remuneratório que gozava e teria ainda direito a um subsídio de destacamento internacional, no montante de € 1.500 (mil e quinhentos euros) mensais, a serem pagos 12 vezes por ano; uma viatura automóvel adequada às funções que iria exercer e, telemóvel de serviço, de acordo com regras em vigor na B.... Vindo, assim, a ser atribuída ao Autor a viatura com a matrícula ....-GRZ, de marca Audi, modelo ..., cuja renda mensal correspondia à quantia de €743,01, bem como, o plafond mensal de 150 litros de combustível; o referido Acordo de Destacamento tinha início a 01 de Julho de 2011 e duraria pelo prazo de um ano, renovável até três anos, podendo, contudo, cessar por uma das seguintes formas: a) cessação do contrato de trabalho entre o Autor e a 1ª Ré; b) denúncia do Autor, com aviso prévio de 60 dias; c) decisão da 1ª Ré, mediante aviso prévio de 60 dias; ou d) por acordo entre as partes; tal Acordo de Destacamento renovou-se em 1 de Julho de 2013, correspondendo, assim, ao terceiro e último ano do prazo, sendo que desde Junho de 2013, inclusive, não mais foi pago ao Autor, o subsídio de destacamento internacional, no montante de €1.500 (mil e quinhentos euros) mensais; em Junho de 2013, a 1ª Ré colocou o Autor no Departamento de Distribuição Postal do Norte (RDTN), no Porto, sem lhe atribuir, tão pouco, quaisquer funções e na mesma data retirou-lhe a viatura de utilização permanente (VUP), o plafond mensal de 100 litros de combustível, e ainda o telemóvel com plafond de €60,00 mensais; entende que deveria ter sido reintegrado no seu posto de trabalho efetivo, o qual se consubstanciava no desempenho de funções de Assessoria ao Conselho de Administração da 1ª Ré, no Porto, funções que apenas cessaram por força das nomeações em comissão de serviço; tendo a 1ª Ré esvaziado completamente a sua atividade profissional de qualquer tarefa prática e conteúdo, é grande a sua humilhação, a vergonha, a angústia e sofrimento, vivendo, desde então, num permanente estado de elevada ansiedade e “stress”, com evidentes sinais de perturbação comportamental, a tal ponto de, no dia 15 de Março de 2014, ter sido fulminado por um enfarte agudo do miocárdio, na sequência do qual foi imediatamente transportado para o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, tendo dado entrada na Unidade de Cuidados Intensivos de Cardiologia do Hospital Santos Silva, onde, após a realização de um procedimento médico de cateterismo de diagnóstico de emergência, pelo método de angiografia coronária selectiva, foi-lhe diagnosticado “coronária direita com estenose de 95% no 1/3 médio”; foi sujeito a um procedimento médico de cateterismo de intervenção de emergência, consubstanciado numa “Angioplastia da coronária direita média, com colocação directa de stent revestido com Everolimus”; por força do enfarte agudo do miocárdio de que foi vítima, correu perigo de vida e sofreu graves e irreversíveis lesões no coração, nomeadamente, a morte do músculo cardíaco devido a obstrução da artéria coronária, sendo que tais lesões, acarretam como sequelas, que essa zona fica irreversivelmente impossibilitada de exercer a sua função contráctil, sendo que, por outro lado, a ocorrência de um enfarte, uma vez que seja, faz aumentar exponencialmente o grau de probabilidade de ocorrência de outros enfartes futuros, pelo que é com um enorme sentimento de medo, que o Autor encara essa realidade; esteve internado na Unidade de Cuidados Intensivos de Cardiologia do Hospital Santos Silva, até dia 18 de Março de 2014 e mesmo depois da alta, continua a carecer da devida assistência médica, que lhe é prestada naquela mesma Unidade Hospitalar, tanto na consulta externa de cardiologia, como na consulta externa de reabilitação cardíaca; toda esta situação, intencionalmente provocada pela 1ª Ré, faz o Autor sentir-se extremamente fragilizado, receoso e angustiado, levando-o também a um estado de tristeza tão grande, que o faz refugiar-se da sociedade, ao mesmo tempo que vê atingida a sua dignidade e brio profissional, continuando a sentir constrangimento pela sua situação laboral, nomeadamente quando confrontado por colegas de trabalho e amigos.

Realizada a audiência de partes e frustrada a tentativa de conciliação, foram as Rés notificadas para contestar.

A 1.ª Ré excecionou a prescrição dos créditos laborais peticionados a título de pagamento de subsídio de destacamento internacional entre 1 de julho de 2013 até 30 de junho de 2014, por já ter decorrido mais de um ano a contar da data da cessação desse contrato, que ocorreu no dia 3 de maio de 2013 e, no mais, impugnou a factualidade essencial alegada pelo Autor, para concluir pela improcedência da ação e sua absolvição de todo o peticionado.

A 2.ª Ré também excecionou a prescrição dos créditos invocados pelo Autor, impugnando ainda depois os factos que lhe são imputados, para concluir pela improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.

O Autor respondeu, pugnando pela improcedência das exceções deduzidas e terminando como na petição inicial.

Realizada audiência preliminar, com saneamento dos autos, foi relegado para final o conhecimento das exceções deduzidas pelas Rés, sendo ainda fixada por acordo das partes factualidade que consideravam desde já assente, sendo identificado de seguida o objeto do litígio.

Com data de 10 de março de 2015 o Autor procedeu à ampliação do pedido, ao abrigo do disposto no artigo 265.º do Código de Processo Civil (CPC) – reclamando então também o pagamento da quantia de €13.145,73, sendo €743,01corrrespondentes ao valor da renda mensal do VUP da marca Audi, modelo ..., com a matrícula ....-GRZ, €208,20, correspondentes ao valor mensal de 150 litros de combustível e €60,00 correspondentes ao valor mensal do “plafond” de chamadas telefónicas –, ampliação essa que, porém, foi liminarmente indeferida pelo Tribunal recorrido, sendo que essa decisão foi impugnada no recurso que veio a ser interposto da decisão final.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, no seu decurso o Autor apresentou dois articulados supervenientes, que foram admitidos, contestados pelas Rés e sobre cuja factualidade foi produzida prova: no primeiro, o Autor alegou, em síntese, que a 1.ª Ré, para a ocupação dos mais variados cargos na nova Direção de Operações Norte, nomeou praticamente todos os trabalhadores que compunham o extinto Departamento OP/RDTN, com exceção dele Autor, que ficou sem saber, com essa remodelação, onde seria colocado; no segundo, alegou, em síntese, que a 1.ª Ré convocou-o para uma junta médica a fim de tentar fazer cessar o contrato de trabalho, a pretexto de uma sua situação de “invalidez”.
Em 13.02.2019, foi proferido o seguinte despacho:
“Pretende a Ré A... que seja declarada a alegada inutilidade superveniente da lide (por facto não imputável à R.) relativamente a todos os pedidos do Autor que estejam relacionados com a manutenção do contrato de trabalho e com o seu regular desenvolvimento, como os de atribuição de funções, atribuição de VUP, plafond de combustível e plafond de chamadas telefónicas, inclusão no seu vencimento e ou atribuição de qualquer valor a título de renda mensal decorrente da atribuição de VUP, plafond de combustível e plafond de chamadas telefónicas, bem como dos respetivos juros peticionados, dado entretanto o Autor se ter aposentado.
Por sua vez o Autor, aceitando a caducidade do contrato de trabalho por aposentação em 05/09/2018, considera só haver lugar à declaração de inutilidade superveniente da lide, relativamente ao pedido identificado na alínea B) da petição inicial, com a seguinte formulação: “integrar o Autor no desempenho de funções efetivas de Assessoria ao seu Conselho de Administração, no Porto, por ser justamente neste local e essas as funções que o Autor desempenhava antes das nomeações em comissão de serviço”, sendo que os outros pedidos remuneratórios caso venham a ser judicialmente reconhecidos e declarados, implicará, então, um impacto direto no montante para o qual deverá ser ampliada a sua pensão de aposentação, direito futuro esse, que jamais renunciou ou abdicou.
Entendo caber razão ao Autor pelo que de um modo inequívoco, o pedido formulado em B) deixou de ter razão de ser, enquanto que os demais pedidos, nomeadamente os pedidos relativos ao seu estatuto remuneratório continuam a ter que ser apreciados apenas limitados no tempo em que operou a caducidade do contrato, pois que a partir dessa data a Ré A... não tem de continuar a pagar o vencimento devido ao Autor.
Pelo exposto, considero existir uma situação de inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido formulado em B), prosseguindo os autos relativamente aos demais pedidos.
Acrescento deste modo à matéria de facto assente uma alínea AB) com o seguinte teor: “O contrato de trabalho do Autor cessou por aposentação deste, ocorrida no dia 5 de setembro de 2018”.”

Terminada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, de cujo dispositivo se fez constar:
“Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e consequentemente decido:
– Indeferir a exceção de prescrição dos créditos laborais.
– Condenar a 1ª Ré A..., S.A., a pagar ao Autor a quantia de €22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros moratórios desde a citação e até integral pagamento, calculado à taxa supletiva legal, no mais sendo totalmente absolvida.
– Absolver a 2ª Ré B..., S.L.U, da totalidade dos pedidos.
Custas pelo Autor e 1ª Ré na proporção dos respetivos decaimentos.”
2. O Autor apresentou recurso de apelação, pugnando que, no seu provimento: deve “revogar-se o despacho que indeferiu a ampliação do pedido em mais €13.145,73, lavrado em 27/05/2015, com a refª eletrónica 352529224 e, substituído por outro despacho que, para além de deferir a ampliação do pedido em mais €13.145,73, deverá condenar, consequentemente, a Apelada A... a pagar ao Apelante, também essa quantia de € 13.145,73. Deve, igualmente, revogar-se a douta sentença na parte recorrida, tudo em conformidade com o acima exposto e com as legais consequências, fazendo-se, assim, inteira JUSTIÇA!”

Contra-alegou a Ré, concluindo que “deve o recurso, no que a esta parte da sentença se refere, ser considerado improcedente e, em consequência, confirmada a sentença recorrida com a consequente absolvição da Recorrida do pedido, o que se requer e com o que se fará Justiça. Apresentou recurso subordinado, concluindo, a final, que: “deve a sentença recorrida ser revogada e, em consequência, ser a Ré A... absolvida dos pedidos de pagamento de subsídio de destacamento e de indemnização por danos não patrimoniais ao Autor, com o que se fará JUSTIÇA. Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o recurso independente ser considerado improcedente, e o recurso subordinado ser considerado procedente, com as legais consequências, com o que se fará JUSTIÇA.”

2.1. Em 16 de novembro de 2021 veio a ser proferido Acórdão nesta Relação, de cujo dispositivo se fez constar:
“IV – A Decisão
Atento o exposto, acórdão os Juízes que compõem esta Secção Social em:
1. - Anular a sentença recorrida, e o respectivo processado desde a audiência de discussão e julgamento, se for o caso, para prova, conhecimento e decisão na 1.ª instância dos factos que sustentam o pedido ampliado, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, devendo ser proferida nova decisão de facto e de direito, em conformidade.
Custas a final, pela parte vencida.”

3. Descidos os autos à 1.ª instância, foi determinada a reabertura da audiência de discussão e julgamento para prova e conhecimento dos factos que sustentam o pedido ampliado, a qual decorreu segundo o legal formalismo, após o que foi proferida nova sentença, de cujo dispositivo se fez constar:
“DECISÃO
Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e consequentemente decido:
I- indeferir a exceção de prescrição dos créditos laborais.
II- julgar parcialmente procedente a ampliação do pedido quanto à 1ª Ré.
III- Condenar a 1ª Ré A..., S.A a pagar ao Autor a quantia total de € 35.559,93 (trinta e cinco mil quinhentos e cinquenta e nove euros e noventa e três cêntimos), acrescida de juros moratórios desde a citação e até integral pagamento, calculado à taxa supletiva legal, no mais sendo aquela Ré absolvida.
IV- Absolver a 2ª Ré B..., S.L.U, da totalidade dos pedidos, incluindo da ampliação do pedido.
Custas pelo Autor e 1ª Ré na proporção dos respetivos decaimentos, de 33,11% (quanto ao autor) e de 66,89% (quanto à 1ª ré), (artigo 527º do Código de Processo Civil).
Registe e Notifique.”

3.1. Não se conformando com o assim decidido, a 1.ª Ré apresentou requerimento de interposição de recurso, finalizando as suas alegações, após convite ao respetivo aperfeiçoamento, com as conclusões que seguidamente se transcrevem:
……………………
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3.2. Contra-alegou o Autor, apresentando ainda recurso subordinado.
Apresentou as conclusões seguintes (transcrição):
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3.3. Antes da subida dos autos em 1.ª instância foram proferidos despachos com o teor seguinte:
“(…) Por estar em tempo, a recorrente ter legitimidade, a decisão ser recorrível e o requerimento conter a alegação da recorrente, incluindo as conclusões, admito o recurso interposto pela Ré “A..., S.A.”, o qual é de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (artigos 79º-A, nº1, al.a), 80º, nºs 1 e 3, 81º, nºs 1 e 3, 82º, nº1, 83º, nºs 2, 4 e 5 e 83º-A, nº1, todos do CPT).
Mais admito o recurso subordinado interposto pelo Autor (artigo 81º, nº5 do CPT).
Notifique.
***
Nos termos do disposto no artigo 614º, nºs 1 e 2, do CPC corrijo o seguinte erro de escrita constante da sentença recorrida devido a lapso manifesto de escrita, deferindo-se o requerimento do recorrido na sua contra-alegação nesse sentido:
Onde na linha 18 da página 27 da sentença recorrida se lê “AY - As declarações de parte do Autor, conjugadas com o depoimento credível”, deve passar a ler-se “AX- As declarações de parte do Autor, conjugadas com o depoimento credível”.
Rectifique a sentença recorrida, mormente no seu suporte em papel, em conformidade, lavrando-se o respectivo termo, e notifique nos termos e para os efeitos do disposto no artº614º, nº2, do CPC.”

4. Foi emitido parecer pelo Ministério Público, junto desta Relação, no sentido da improcedência do recurso, parecer esse sobre o qual as partes não se pronunciaram.
*
Cumpridas as formalidades legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:
II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) reapreciação da matéria de facto / ambos os recursos; (2) saber se a sentença aplicou adequadamente o direito, recurso principal e subordinado, sobre: exceção da prescrição dos créditos laborais - recurso principal / 1.ª Ré; cessação do acordo / momento em que operou a cessação e seus efeitos / valores de renda mensal pela atribuição de VUP, plafond de combustível e plafond de chamadas telefónicas / ambos os recursos; condenação em indemnização por dados não patrimoniais / ambos os recursos.
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III – Fundamentação
A) Fundamentação de facto
Fazendo-se constar da sentença agora recorrida, aquando da pronúncia sobre a matéria de facto, respetivamente, “1) Foram considerados provados no Acórdão proferido em 15.11.2021 pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto nos presentes autos, os seguintes factos” e “4- Matéria de facto não provada descrita no Acórdão proferido em 15.11.2021 pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto nos presentes autos”, importa deixar claro que, tal como expressamente resulta do Acórdão desta Relação em causa, os factos aí mencionados como provados ou não provados foram-no, não em apreciação que tenha sido realizada nesse Acórdão, assim designadamente em pronúncia no âmbito dos recursos então interpostos a respeito da matéria de facto e sim, noutros termos, como mera referência, como expressamente aí se diz, de que “Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto: “Resultaram provados os seguintes factos: (…) Matéria de facto não provada (…)”.
Ou seja, a pronúncia constante do referido Acórdão limita-se, afinal, a fazer constar os factos que na sentença proferida foram considerados provados e não provados, sendo que, mais uma vez como do mesmo resulta, por decorrência da apreciação da 1.ª questão aí apreciada, assim levantada no recurso dirigido à decisão que indeferiu a ampliação do pedido em mais € 13.145,73, lavrado em 27/05/2015, com a refª eletrónica 352529224”, no sentido da procedência desse recurso, aí se mencionou que daí decorria “a inevitável anulação da sentença final, e respectivo processado desde a audiência de discussão e julgamento, se for o caso, para prova, conhecimento e decisão na 1.ª instância do objecto do pedido ampliado” e que, como consequência, “fica prejudicado o conhecimento dos recursos, quer o principal, quer o subordinado, interpostos da sentença final ora anulada”.
Deste modo, a referência à factualidade provada e não provada deve ser tida como aquela que resulta, não do aludido Acórdão, e sim, apenas, da sentença recorrida.

Atendendo ao referido esclarecimento e correção, constata-se que o tribunal a quo deu como provados, na sentença recorrida, os factos seguidamente transcritos:
A) A segunda Ré é uma empresa do Grupo A..., S.A.
B) Por contrato de trabalho sem termo, datado de 06 de Outubro de 1976, o Autor foi admitido ao serviço da 1ª Ré para, sob as ordens, direção, fiscalização e por conta desta, exercer a sua atividade profissional.
C) A 1ª Ré dedica-se a atividades postais sujeitas a obrigações de serviço universal.
D) As relações de trabalho entre o Autor e a 1ª Ré são reguladas pelo Acordo de Empresa (AE) publicado no BTE nº 15, de 22 de Abril de 2013.
E) Em 02/02/2009, foi atribuída e reconhecida pela 1ª Ré ao Autor, a categoria profissional de Técnico Sénior (TSR), que ainda mantém.
F) Em Maio de 2014 o Autor auferia a remuneração base mensal de €2.587,20, remuneração essa que está compreendida no grau de qualificação VII do A.E., anexo III.
G) No dia 01/09/2000, a 1ª Ré, o Autor, e a C..., celebraram o “Contrato de Cedência Ocasional de Trabalhador” cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 108 a 110 e que se dá por integralmente reproduzido.
H) Entretanto, tal contrato, viria a dar lugar em 01/08/2001, à celebração de outro contrato de cedência, desta feita, entre a 1ª Ré, o Autor, e a empresa D... celebraram o “Contrato de Cedência Ocasional de Trabalhador” cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 114 a 116, que se dá por integralmente reproduzido, prevendo a cláusula 3ª deste contrato que “Enquanto vigorar o presente contrato o terceiro contraente terá direito a uma remuneração adicional no valor de 100.000$00 por mês”.
I) Tal contrato de cedência veio a terminar por acordo no dia 03/07/2009.
J) Por força do contrato de cedência ocasional efetuado com a empresa “D...” foi atribuído ao autor um veículo de uso permanente (VUP) com plafond de 150 litros de combustível mensal.
K) O acordo de utilização do VUP celebrado entre a D... e o Autor caducava com a cessação da nomeação do Autor como Delegado Norte no âmbito da referida cedência ocasional.
L) No dia 09/07/2009 o Conselho de Administração da 1ª Ré deliberou atribuir ao TSR AA (...08), enquanto no exercício das mesmas: um telemóvel de serviço com plafond de 60,00€ mensais e uma viatura de uso permanente (VUP) tipo III com plafond mensal de 100 litros de combustível.
M) Por despacho de 09/07/2009 o Conselho de Administração da 1ª Ré atribui ao Autor as funções de Assessoria no âmbito da Análise do Modelo de Negócio do correio não endereçado em Espanha.
N) Tais funções de assessoria do Conselho de Administração cessaram no dia 23/12/2010.
O) Por decisão do Conselho de Administração da 1ª Ré de 23/12/2010 foi atribuído ao Autor as funções de Adjunto do Atendimento no âmbito da SNC/RDT, cessando as funções de assessoria ao Conselho de Administração e enquanto no desempenho dessas novas funções era mantido o atual estatuto remuneratório, ficando a aplicação dessa deliberação condicionada à assinatura do correspondente acordo de comissão de serviço, produzindo esse despacho efeitos imediatos.
P) Entretanto, tal nomeação, veio a cessar através do despacho proferido pelo Conselho de Administração da 1ª Ré, datado de 02/06/2011, com produção de efeitos a partir de 01/07/2011.
Q) O qual, no seu ponto 1, previa a autorização para a celebração de um Acordo de Destacamento do Autor para exercer funções de responsável pelo “Desenvolvimento de oportunidades de negócio e respetiva operacionalização, entre Espanha e Portugal, no âmbito da cadeia de valor do Grupo A...”, na delegação de Madrid da aqui 2ª Ré, B..., S.L.U., Espanha.
R) Em 01/07/2011, foi, efetivamente, celebrado esse Acordo de Destacamento, tendo o Autor sido nomeado, em comissão de serviço, para exercer as aludidas funções em Madrid, Espanha.
S) Nos termos do acordo de destacamento celebrado entre as Rés e o Autor cuja cópia se encontra junta a fls. 134 a 136, durante a vigência do referido acordo o Autor manteria o quadro remuneratório que auferia nos A... e sobre o qual continuarão a incidir os descontos para a Segurança Social Portuguesa, que são os seguintes:
2.2.1.: Retribuição base mensal ilíquida de €2.587,20 ( Dois mil, quinhentos e oitenta e sete euros e vinte cêntimos ), inerentes à categoria profissional, a serem pagos 14 vezes por ano;
2.2.2: Diuturnidades e diuturnidade especial, no valor mensal de €227,10 (Duzentos e vinte e sete euros e dez cêntimos), a serem pagos 14 vezes por ano.
2.2.3: Durante a vigência do contrato, o trabalhador beneficiará das eventuais atualizações salariais praticadas nos A... em relação ao seu vencimento base, bem como das evoluções da carreira que, eventualmente, se lhe apliquem, em virtude da regulamentação interna em vigor.
T) Foi atribuída ao Autor a viatura com a matrícula ....-GRZ, de marca Audi, modelo ..., cuja renda mensal correspondia à quantia de €743,01 (setecentos e quarenta e três euros e um cêntimo), bem como, o plafond mensal de 150 litros de combustível, conforme também resulta da cláusula sexta do Acordo de Utilização de VUP
W) Por outro lado, resulta também do item 1.2 da cláusula 1ª do referido Acordo de Destacamento que, o mesmo teria início a 01 de Julho de 2011 e duraria pelo prazo de um ano, renovável até três anos,
V) podendo, contudo, cessar segundo uma das formas previstas na cláusula 5ª do mesmo, ou seja, a) cessação do contrato de trabalho entre o Autor e a 1ª Ré; b) denúncia do Autor, com aviso prévio de 60 dias; c) decisão da 1ª Ré, mediante aviso prévio de 60 dias; e, finalmente, d) por acordo entre as partes.
X) Não foi pago ao Autor o Subsídio de Destacamento Internacional, pelo menos desde Junho de 2013.
Y) Em Junho de 2013, a 1ª Ré, colocou o Autor no Departamento de Distribuição Postal do Norte (RDTN), no Porto.
Z) A Ré faz progredir o Autor na sua carreira profissional nos seguintes termos:
- carteiro entre 06/10/1976 a 12/03/1998;
- Técnico Postal e de Gestão de 13/03/1998 a 01/02/2009;
- Técnico Sénior desde 02/02/2009;
AA) Após a cessação do Contrato de Destacamento e antes de iniciar as suas funções na RDTN, o Autor gozou férias entre 27 de Maio e 1 de Julho de 2013.
AB) No dia 10 de Dezembro de 2015, a Comissão Executiva da Ré A..., emitiu uma ordem de serviço, sob o assunto “Estrutura Orgânica”, com a codificação “OS00262015CE”, onde consta o seguinte:
“A Comissão Executiva, na sua reunião de hoje, entendeu efetuar ajustamentos à estrutura da direção de Operações e Distribuição (OP), pelo que deliberou:
1. Aprovar a missão, funções e organograma da direção de Operações e Distribuição (OP), que constitui o anexo à presente ordem de serviço;
2. Alterar a OS00102015CE, no que concerne à direção acima referida, em conformidade com as modificações agora aprovadas; 3. Revogar todas as disposições e normativos que contrariem o presente diploma;
4. Esta ordem de serviço produz efeitos a partir de 01 de Janeiro de 2016.
AC) Dou aqui por integralmente reproduzido o teor do respetivo anexo, junto a fls. 449 verso a 467, do qual consta designadamente, a missão, funções e o novo organograma da direção de Operações e Distribuição (OP).
AD) No dia 22 de Dezembro de 2015, a Comissão Executiva da Ré A..., emitiu também um despacho, sob o assunto “Nomeações”, com a codificação “DE14202015CE”, do qual faz também parte integrante um anexo, correspondente à lista dos trabalhadores nomeados para ocupação dos cargos e exercício das funções que aí se mostram melhor indicadas, cuja cópia está junta a fls. 468 a 470 e que dou por integralmente reproduzido.
AE) Do teor desse despacho consta o seguinte:
“Na sequência da aprovação de alterações à estrutura da direção de Operações e Distribuição (OP), a Comissão Executiva deliberou:
1. Nomear, em regime de comissão de serviço, os trabalhadores constantes da lista anexa como responsáveis pelas unidades organizativas e funções indicadas.
2. Manter as atuais condições remuneratórias até eventual nova decisão.
3. Este despacho produz efeitos a partir de 01 de Janeiro de 2016, sem prejuízo da sua aplicação ficar condicionada à assinatura dos correspondentes acordos de comissão de serviço e/ou de cedência ocasional.
AF) Todas estas alterações, estão a vigorar plenamente na Ré A..., desde o dia 01 de Janeiro de 2016.
AG) Em consequência das profundas alterações operadas na estrutura orgânica da Ré A..., o Departamento OP/RDTN em que o A. se encontrava colocado, desde Junho de 2013, foi extinto, tendo, em seu lugar, sido criada na nova estrutura orgânica da Ré A..., a Direção de Operações Norte.
AH) A Ré A..., para ocupar o cargo de Diretor da recém criada Direção de Operações Norte, nomeou BB, cargo que, efetivamente, desde 01 de Janeiro de 2016, aquele trabalhador da Ré A... se encontra a exercer.
AI) Para ocupar o cargo de responsável pelo também recém criado Departamento de Organização dos Transportes Nacionais, nomeou CC cargo que, efetivamente, desde 01 de Janeiro de 2016, aquele trabalhador da Ré A... também se encontra a exercer. AJ) Tanto o BB, como o CC, estiveram conjuntamente com o Autor a exercerem funções em regime de comissão de serviço internacional, na Ré B..., em Madrid, Espanha.
AK) O AA G DD; EE; FF; GG; HH e II, estavam colocados no Departamento OP/RDTN à data da extinção deste – 31 Dezembro de 2015, tendo sido nomeados para ocupação dos cargos e exercício das respetivas funções na recém criada Direção de Operações Norte.
AL) A Ré “A..., S.A.” decidiu, no dia 26 de junho de 2017, convocar o Autor para a realização de uma Junta Médica no dia 4 de julho de 2017, por carta recebida por este no dia 29 de junho de 2017, com o seguinte teor:
“Assunto: Junta Médica
Solicita-se a sua comparência no dia 04 de Julho de 2017 às 14,30h (ordem de chegada),
Edifício A... – Avenida ... (…) em Lisboa, para ser presente a Junta Médica, podendo indicar um médico à sua escolha, que a comparecer será remunerado pelo valor de €36,56.
Deverá fazer-se acompanhar de informação clínica e exames auxiliares de diagnóstico (Rx, análises e outros) que possua e se relacionem com a situação em causa. (…)”.
AM) O Autor encontra-se ininterruptamente de baixa médica prolongada desde 15 de março de 2016, procedendo a Ré “A...” ao pagamento de seu vencimento.
AN) O Autor encontrando-se na situação de doença desde 15 de Março de 2014, foi submetido a Junta Médica em 23 de Setembro de 2014, para averiguar da existência de doença que justificasse o seu absentismo e se o mesmo estava apto a regressar de imediato ao trabalho, a qual proferiu o seguinte Parecer:
“1 – Justifica-se o absentismo
2 – Não está apto a regressar de imediato ao trabalho.
Deve voltar à Junta Médica passados 120 dias. (…)”.
AO) Realizada Junta Médica no dia 20 de Janeiro de 2015, foi emitido o seguinte Parecer da Junta Médica: “O funcionário já está a trabalhar com o que a Junta Médica é cancelada”.
AP) O Autor estava ao serviço desde 15 de Dezembro de 2015, situação em que permaneceu até 12 de Março de 2015, data em que entrou, novamente, na situação de doença.
AQ) Em 17 de Julho de 2015, encontrando-se o Autor na situação de doença, que durava desde 12.03.2015, a R. solicitou a realização de nova Junta Médica, com o objectivo de averiguar da existência de doença que justificasse o absentismo do A. e se o mesmo estava apto a regressar de imediato ao trabalho.
AR) Não tendo o Autor comparecido à Junta Médica realizada em 21 de Julho de 2015, realizou-se nova Junta Médica para averiguar da existência de doença que justificasse o absentismo do A. e se o mesmo estava apto a regressar de imediato ao trabalho em 1 de Agosto de 2015, a qual emitiu o seguinte Parecer:
“1 – Tem doença que justifica o absentismo
2 – Não está apto a regressar de imediato ao trabalho.
Deve voltar à Junta Médica passados 120 dias. (…)”.
AS) O Autor regressou ao serviço em 20 de Novembro de 2015, tendo entrado na situação de férias entre 4 de Janeiro e 15 de Março de 2016.
AT) O Autor entrou na situação de doença em 16 de Março de 2016, e, em 2 de Agosto de 2016, foi requerida a realização de nova Junta Médica, novamente para averiguação da existência de doença que justificasse o seu absentismo e se o mesmo estava apto a regressar de imediato ao trabalho, tendo a Junta Médica emitido o seguinte Parecer:
“1 – Tem doença que justifica o absentismo
2 – Não está apto a regressar de imediato ao trabalho.
Deve voltar à Junta Médica passados 120 dias. (…)”.
AU) Na Junta Médica referida em AL) foi emitido o seguinte Parecer:
“Solicita-se Relatório de Psiquiatria”.
AV) A Ré A... integrou no vencimento base mensal do Autor a quantia de 100.000$00 que este auferia na “D...” e após cessar tal contrato de cedência ocasional a esta empresa (resposta a 2º).
AW) Provado apenas o que consta nas alíneas J), L), O), T), U) dos factos assentes (resposta a 3º e 4º).
AX) Após o Autor ter regressado da “B...” e ter sido integrado na RDTN da 1ª Ré, esteve na maior parte do tempo sem ter qualquer tarefa para fazer, o que o humilhou e entristeceu (resposta a 5º e 7º).
AY) O Autor quando regressou a Portugal, após ter estado a trabalhar na “B...” em Espanha, teve de proceder, ainda nesse País à entrega da viatura automóvel e do telemóvel que utilizava (resposta a 6º).
AZ) O Autor no dia 15 de março de 2014 sofreu um enfarte agudo do miocárdio (resposta a 8º).
BA) Na sequência desse enfarte, o Autor foi imediatamente transportado para o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, tendo dado entrada na Unidade de Cuidados Intensivos de Cardiologia do Hospital Santos Silva, (resposta a 9º)
BB) onde, após a realização de um procedimento médico de cateterismo de diagnóstico de emergência, pelo método de angiografia coronária seletiva, foi-lhe diagnosticado “coronária direita com estenose de 95% no 1/3 médio”. (resposta a 10º).
BC) Depois foi sujeito a um procedimento médico de cateterismo de intervenção de emergência, consubstanciado numa “Angioplastia da coronária direita média, com colocação direta de stent revestido com Everolimus” (resposta a 11º).
BD) Por força do enfarte agudo do miocárdio de que foi vítima, o Autor correu perigo de vida. (resposta a 12º).
BE) Em consequência do enfarte o Autor sofreu morte de parte seu do músculo cardíaco e que à data da alta hospitalar tinha uma fração de injeção média de 56 % que é considerada dentro do normal (resposta de 13º a 15º).
BF) A existência de um enfarte do miocárdio faz aumentar o risco de um novo enfarte. (resposta a 16º).
BG) O Autor esteve internado na Unidade de Cuidados Intensivos de Cardiologia do Hospital Santos Silva, até dia 18 de Março de 2014. (resposta a 17º).
BH) O Autor após ter tido alta hospitalar foi encaminhado para a consulta externa de cardiologia desse hospital e consulta externa de reabilitação cardíaca. (resposta a 18º).
BI) As funções que o Autor desempenhava na D... eram as de: Organização, operacionalidade e controlo das equipas de distribuição de correio publicitário, prospeção de mercado/desenvolvimento do negócio assistência pós venda e relacionamento com o cliente interno (A...) quer a nível de rede de atendimento, quer a nível da rede de distribuição. (resposta a 22º).
BJ) O contrato de Destacamento na 2ª Ré B... vigorou até ao dia 03/05/2013, tendo cessado por determinação da 1ª Ré. (resposta a 23º).
BK) O Autor por razões pessoais, dado ser feriado em Espanha nos dias 1 e 2 de maio, pediu aos “A...” para vir embora apenas no dia 3 de Maio e não no final de Abril de 2013, como a co-ré ““A...” tinha ordenado. (resposta a 25º).
BL) O Autor em 22 de abril de 2013, já sabia que o seu contrato de Destacamento na B..., terminaria no final desse mês. (resposta a 26º).
BM) O Autor quando regressou a Portugal foi informado pela co-ré “A...”” que até indicação da sua nova colocação, ficava dispensado do dever de assiduidade (resposta a 27º).
BN) O Autor foi integrar a RDTN, com o horário flexível de 39 horas semanais, sendo-lhe atribuído um gabinete individual, ao contrário de outros funcionários que estavam a trabalhar em open space. (resposta a 28º).
BO) Incumbia ao Autor o registo de constrangimentos na distribuição em virtude de situação de intempéries (resposta a 29º). BP) As funções do Autor de assessoria, ao conselho de administração da ré ““A...”, visavam a assessoria na análise do negócio do correio não endereçado em Espanha aproveitando o conhecimento adquirido enquanto esteve ao serviço da ““D...” (resposta a 32º).
BQ) A situação de doença do Autor iniciada em 14 de Maio de 2014 durou até 12 de dezembro de 2014. (resposta a 33º).
BR) Considerando os conhecimentos e percurso profissional do Autor, a 1ª Ré aquando da implementação da nova estrutura orgânica, colocou-o nos serviços da Direção de Organização e Controlo das Operações (OCO), visando a atribuição, de funções técnicas na área da organização dos processos de subcontratação com empresas terceiras que prestam serviços de distribuição de correio aos A... (resposta a 39º e 40º).
BS) O que lhe foi comunicado no dia 23 de dezembro de 2015 pela Srª Engª JJ, que ficou a dirigir a referida O.C.O. (resposta a 41º).
BT) O Autor pretendeu gozar dias de férias a que tinha direito antes de ir para a O.C.O. (resposta a 42º).
BU) Após esse gozo de férias, entrou logo de baixa por doença prolongada. (resposta a 43º).
BV) Quer o Dr. BB - atual OPRN –, quer o Engº CC– actual Responsável da Organização Transportes Nacionais, no âmbito da direção de Operações/Organização e Desenvolvimento da Produção e Logística (OP/ODP/OTN) – desempenharam sempre cargos de chefia na Ré A..., sendo que, antes da reestruturação de Janeiro/2016, desempenhavam já cargos de chefia na RDTN e, bem assim, noutros serviços que foram integrados na OP. (resposta a 44º).
BW) Os trabalhadores referidos em AK) estavam todos eles já nomeados para funções em comissão de serviço, sendo:
O DD - ora CPLN – Centro de Produção e Logística, na dependência do OPRN; anteriormente RDTN – Rede de Distribuição Norte, na dependência do OP;
O EE - ora LPLL – Linha de Produção e Logística – Logística, na dependência do CPLN; anteriormente ADTN – Área de Distribuição 2, na dependência do RDTN;
O FF - ora AOPN – Área de Operações Norte 2, na dependência do OPRN; anteriormente OCD – Organização e Controlo da Distribuição Norte, na dependência do RDTN;
O GG– ora AOPN – Área de Operações Norte 3, na dependência do OPRN; anteriormente ADTN – Área de Distribuição 1, na dependência do RDTN;
A HH - ora AOPN – Área de Operações Norte 4, na dependência do OPRN; anteriormente ADTN – Área de Distribuição 3, na dependência do RDTN e o II - ora AOPN – Área de Operações Norte 5, na dependência do OPRN; anteriormente ADTN – Área de Distribuição 4, na dependência do RDTN. (resposta a 45º).
BX) A junta médica, referida em AL) enviou uma carta à médica psiquiátrica, Srª Drª KK, que acompanha e assiste clinicamente o Autor, carta com o seguinte teor:
“Junta Médica A...
Caro Colega o(a) trabalhador(a) AA que é seguido(a) pelo(a) colega foi avaliado pela junta Médica A... no dia 04/07/2017.
A Junta Médica agradece o seu relatório.
O Sr AA está de baixa de forma quase ininterrupta há 3 anos.
Está definitivamente incapaz de prestar serviço contínuo e útil?
Em caso afirmativo solicita-se relatório que fundamente o pedido de junta médica à Caixa Geral de Aposentações para reforma por invalidez.
Com os melhores cumprimentos.
P’ Presidente da Junta Medica A... Dr. LL” (resposta a 46º).
BY) A Ré A... não interpela os médicos assistentes dos trabalhadores, sendo a matéria da junta médica de natureza sigilosa, e da única e exclusiva competência desta, não tendo a 1ª Ré acesso aos Pareceres, Relatórios ou quaisquer outros documentos dos quais constem informações clínicas dos trabalhadores, resultados de exames médicos ou comunicações entre médicos assistentes, constantes nessas juntas médicas, nem tinha conhecimento que a junta médica tivesse solicitado qualquer informação à médica psiquiátrica assistente do Autor. (resposta de 47º a 49º).

2. Pelo despacho proferido em 13.02.2019, foi ainda acrescentada à matéria de facto assente uma alínea com o seguinte teor:
BZ) O contrato de trabalho do Autor cessou por aposentação deste, ocorrida no dia 5 de setembro de 2018.

3. Após a reabertura da audiência de discussão e julgamento, resultam provados os seguintes factos que sustentam o pedido ampliado aí discutido:
CA) Para além do referido em T), cuja renda mensal correspondia à quantia de €743,01, foi conferido ao A. o referido em U) no valor mensal de €201,60 e ainda um plafond mensal de chamadas telefónicas no valor mensal de €60,00, (cfr. artº5º do articulado de ampliação do pedido).
CB) - O valor da renda mensal do VUP atribuído ao A., da marca Audi, modelo ..., com a matrícula ....-GRZ, os €201,60, correspondentes ao valor mensal de 150 litros de combustível e o plafond mensal de chamadas telefónicas no valor de €60 perfaz o montante mensal de €1.004,61, e total de €13.059,93, correspondente aos últimos treze meses em que vigoraria a comissão de serviço internacional, (cfr. artº6º do articulado de ampliação do pedido).

Por sua vez, como factos não provados fez-se constar da mesma sentença o seguinte (transcrição):
1) O trabalho era entregue ao Autor por via de regra confiado com explicitação dos objetivos finais, apenas condicionado pelas estratégias e políticas empresariais; ele conduzia projetos, ações e estudos de elevada complexidade, com implicações importantes para a gestão global da empresa; participava de forma determinante na conceção das estratégias e das políticas empresariais, desenvolvendo-as posteriormente em objetivos específicos, planos, projetos, ações e soluções técnicas e de gestão; contribuía frequentemente, em grande parte por iniciativa própria, para a alteração de sistemas e instrumentos de gestão, concretizando soluções com impacto significativo em toda a organização e muito relevantes no que respeita ao processo de mudança empresarial; e distinguia-se por uma atitude permanente de procura, estudo e implementação das melhores práticas; assumia como prioridade a orientação para o cliente, incorporando-a por sistema nos trabalhos e projetos que concretizava.
2) Por causa da conduta adotada pela 1ª Ré, o Autor tenha sofrido o enfarte agudo do miocárdio
3) O Autor sinta-se extremamente fragilizado, receoso e angustiado, levando-o também a um estado de tristeza tão grande, que o faz refugiar-se da sociedade, ao mesmo tempo que vê atingida a sua dignidade e brio profissional, degradando-se a sua qualidade de vida, bem como a da sua família, sentindo constrangimento pela sua situação laboral, nomeadamente quando confrontado por colegas de trabalho e amigos.
4) O preço médio de venda ao público de gasóleo, desde 2013 até a atualidade se situa nos 1,388 / litro.
5) Tenha existido conversações entre o Autor e as Rés no sentido de pôr fim ao “Contrato de Destacamento”, na B..., tendo chegado a consenso que tal ocorreria no final de Abril de 2013.
6) Cabia ao Autor quando foi colocado na RDTN efetuar as seguintes funções na área da Qualidade e do ...:
«análise diária dos dados ..., devendo sempre que necessário fazer alertas ao OCD sobre eventuais anomalias dos CDP/CAD;
«substituição do QS – MM - nas suas ausências, na videoconferência diária do ..., para o que foi submetido a um período de aprendizagem de aproximadamente um mês em que acompanhava o QS MM na Videoconferência;
«controlo diário das trocas instituídas entre CDP de proximidade (3 CDP Porto e 4 de Gaia) do Correio Prioritário, com elaboração do mapa da RDTN com base na informação recebida dos CDP;
«teve formação na aplicação SIGAP da A...EXPRESSO, tendo-lhe sido atribuída a função de controlo da boa utilização da aplicação pelos CDP, fazendo alertas de correcção diariamente aos CDP, sempre que verificasse existirem falhas;
«esteve no GT com os SD e o OCD, para a criação de Mapas de Controlo da
Qualidade que foram implementados na Acção de Controlo de Qualidade implementada na RDTN;
«validação de todas os CDP e Lojas e avaliar necessidades de alterar volumetria das viaturas a utilizar, no processo de recolhas dos EMS nas Lojas pelos CDP pertencentes à área de atuação do CO de Braga;
«registo e controlo em mapa próprio da RDTN, das deslocações ocasionais feitas pelos CDP para corrigir errados encaminhamentos em quantidade de correio prioritário, CN com padrão queimado e SEM,
7) Tarefas essas que o Autor desempenhou normalmente, tendo sido integrado com facilidade, quer no que respeita ao serviço quer aos colegas, com os quais almoçava amiúde.
8) O Autor nunca transmitiu insatisfação ou demonstrado desagrado no decurso normal do trabalho ou em reuniões da RDTN para as quais foi convocado e às quais compareceu.
9) As funções de assessoria no Conselho de Administração da 1ª Ré, tenham sido efectuadas a pedido do Autor.
10) O facto de o Autor ter historial de uso de tabaco e se encontrar em programa de cessão, cerca de uma semana antes da data do enfarte do miocárdio aliado à situação de doença grave de familiares próximos, concorreu para a ocorrência do enfarte do miocárdio.
11) A Ré A... para a ocupação dos mais variados cargos na nova Direção de Operações Norte, nomeou praticamente todos os trabalhadores que compunham o extinto Departamento OP/RDTN, com exceção do Autor.
12) O Autor continua sem efetuar qualquer tarefa profissional ao serviço da Ré A..., ficando sem saber onde seria colocado.
13) Continua a sentir um extremo constrangimento pela presente situação, nomeadamente, quando confrontado por colegas de trabalho e amigos, sentindo-se humilhado, angustiado e triste, profundamente envergonhado e discriminado.
14) Tenha sido a 1ª Ré quem pretendeu que a junta médica enviasse a carta à médica psiquiátrica do Autor, Srª Drª KK.
15) o valor mensal de 150 litros de combustível referidos em U) fosse de € 208,20, (cfr. artº5º do articulado de ampliação do pedido);
16) o valor da renda mensal do VUP atribuído ao A., da marca Audi, modelo ..., com a matrícula ....-GRZ, os €201,60, correspondentes ao valor mensal de 150 litros de combustível e o plafond mensal de chamadas telefónicas perfaça o montante mensal de €1.011,21, e total de € 13.145,73, correspondente aos últimos treze meses por que vigorou a comissão de serviço internacional, (cfr. artº6º do articulado de ampliação do pedido).
*
B) Discussão
1. Matéria de facto / recursos sobre a matéria de facto
1.1. Critérios de admissibilidade
Em ambos os recursos (principal e subordinado) é impugnada a matéria de facto, razão ela qual importa verificar se os mesmos estão ou não em condições de serem admitidos nessa parte.
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do CPT, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Aí se abrangem, também, naturalmente, sem prejuízo dos casos em que se justifica intervenção oficiosa do tribunal de recurso, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada pelo recorrente por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, caso este em que, porém, se impõe àquele a observação dos ónus previstos no artigo 640.º, do CPC, em que se dispõe:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Socorrendo-nos das palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[1]. Contudo, como também sublinha, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[2].
A respeito do cumprimento do ónus estabelecido na citada alínea c) do n.º 1, se pronunciou, muito recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 17 de outubro de 2023[3], uniformizando a Jurisprudência nos seguintes termos: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”.
Muito embora apenas tenha sido fixada jurisprudência a respeito da referida alínea, resultam, porém, do mesmo Acórdão, assim da sua fundamentação, considerações que temos como claramente relevantes quanto às demais exigências que resultarão do mesmo preceito, nos termos que seguidamente se transcrevem:
«(…) Desse modo, impõe-se a respetiva harmonização com os mais ditames no que concerne à admissibilidade do recurso, legitimidade para recorrer, prazos para tanto, bem como as regras no que concerne ao modo de interposição, no que para aqui releva, os recursos interpõem-se por meio de requerimento, devendo conter obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade, artigo 637, n.º 1 e n.º 2, especificando o n.º 1, do artigo 639, que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, artigo 639, n.º 1, preceito legal de cariz genérico, reportando-se assim aos recursos onde sejam apenas suscitadas questões de direito, mas também se pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto(57), procedendo à delimitação do objeto do recurso, como avulta do previsto no artigo 635, n.º 3 e 4.
Em conformidade, não surpreende que no artigo 640 não se faça qualquer referência aos aspetos formais, antes enunciados, relevando sim, que sejam dadas essencialmente as indicações previstas na alínea a), na medida em que as mesmas delimitam a atividade de reapreciação junto do Tribunal da Relação, do julgado quanto à matéria de facto.
4 - Não pode, no entanto, ser esquecida a ratio legis, no atendimento dos princípios já enunciados na abordagem do histórico do preceito, que seria despiciendo repisar, mas também, e com eles necessariamente relacionados, os hodiernos vertidos no vigente Código de Processo Civil, caso do princípio da cooperação, enquanto responsabilidade conjunta de todos os intervenientes processuais, numa visão instrumental do processo para a obtenção da solução justa e atempada do litígio, bem como, com as devidas adaptações, o dever da gestão processual na vertente da respetiva adequação, sublinhando a prevalência da matéria em relação à forma, sempre pautados pelo dever de boa-fé, não esquecendo o ónus de alegação, numa pretendida colaboração ativa para a apreciação a realizar pelo Tribunal, inculcada com a inclusão do apontamento da decisão alternativa, e tendo presente a imprescindível consideração da proporcionalidade e razoabilidade que para a causa em concreto seja atendível e se justifique.
Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso.
Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador(58), chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso(59), conforme o n.º 1, alínea c) (60) do artigo 640, apresentando algumas divergências ou em sentido não totalmente coincidente, vejam-se os Autores, Henrique Antunes(61), Rui Pinto(62), Abílio Neto(63).
5 - Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada. (…)»
Do que nos parece transparecer também da citada fundamentação, afigura-se-nos adequado, em face do que resulta da lei, sufragar o entendimento de que, para cumprir os ónus legais, o recorrente sempre terá de alegar e levar para as conclusões, sob pena de rejeição do recurso, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, como estabelecido na alínea a) do n.º 1 do preceito citado, enquanto definição do objeto do recurso, sendo que, noutros termos, já quando ao cumprimento do disposto nas alíneas b) e c) do mesmo número, desde que vertido no corpo das alegações, a respetiva não inclusão nas conclusões não determina tal rejeição do recurso (quanto à última, nos termos da Jurisprudência fixada, desde que a decisão alternativa pretendida resulte, de forma inequívoca, das alegações).
Por último, diremos, ainda, que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[4] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, então, a impugnação que é feita não se deve bastar com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova[5] (artigo 607.º, n.º 5, do CPC)[6].
Tendo por referência ao mencionado regime, de seguida verificaremos se esse foi ou não cumprido no caso, procedendo-se à apreciação na eventualidade de a resposta dever ser positiva.

1.2. Recurso principal / 1.ª Ré
Em face do que resulta das conclusões constata-se que a Ré / recorrente estrutura o seu recurso por temas / questões, que indica como sendo três logo na sua 1.ª conclusão e a que diz dirigir o recurso – assim: “a excepção da prescrição dos créditos laborais, condenação na indemnização por dados não patrimoniais e bem assim da Renda Mensal pela atribuição de Viatura de Utilização Permanente, plafond de combustível e plafond de chamadas telefónicas, referentes aos últimos 13 meses de renovação da comissão de serviço internacional” –, sendo que é por referência a cada uma dessas questões que, depois, se pronuncia, com argumentos de facto e de direito. Ou seja, não cuidou a Recorrente de separar expressamente, como entendemos que justificaria a melhor prática, os argumentos de facto dos argumentos de direito, circunstância essa que dificulta a nossa análise.
Não obstante a aludida maior dificuldade, em termos da pretendida reapreciação da matéria de facto, única que agora importa analisar, na consideração do regime que antes mencionámos a respeito da necessária indicação nas conclusões dos pontos de facto a que é dirigido o recurso, importa dizer o seguinte:
Referente às conclusões que apresentou, em particular as VII a XVII, constatando-se que a Recorrente faz nas demais diversas considerações sobre temas ou meios de prova, o que se constata é que apenas é feita indicação expressa dos pontos de facto a que é dirigido o recurso nas duas últimas, em cumprimento do ónus legal estabelecido na supra citada alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º, do CPC, assim, por um lado, a respeito da alínea BL) provada e, por outro, embora refira que deve ser adicionado à matéria de facto provada um novo facto, que se estará a referir ao ponto 5.º não provado, razão pela qual, só quanto a tais pontos de facto cumpriu o referido ónus, mas já não no mais que argumenta, com a consequente rejeição do recurso nessa parte.
Por outro lado, de seguida, neste caso em particular nas conclusões XXIII a XXXVIII, começando por referir que “a respeito da segunda questão objecto do presente Recurso e ao montante da indemnização atribuída ao Recorrente a título de danos não patrimoniais é especialmente relevante a Matéria de Facto constante das alíneas Y), AA), AM), AN), AP), AS), AT), AX), AZ), BN), BO), BQ), BR), BS), BT) e BU) dos Factos Assentes e, também, a matéria vertida nos Pontos 2), 3), 12) e 13) dos Factos Não Provados”, no entanto, porém, limita-se a fazer de seguida, mais uma vez, diversas considerações sobre assuntos / temas, como ainda ao que diz resultar de meios de prova, sem que, no entanto, o que se imporia, caso a sua intenção fosse a de impugnar qualquer matéria de facto, designadamente qualquer das referidas alíneas e pontos que começou por mencionar, tenha indicado, em cumprimento do ónus legal que antes mencionámos, expressamente, qualquer dessas alíneas ou pontos da matéria de facto, provada ou não provada, a que esteja a dirigir o recurso, assim no sentido de que fossem dados ou como provados ou porventura como não provados, do que decorre, assim, nos termos do regime que antes assinalámos, a consequente rejeição do recurso nesta parte.
Por último, nomeadamente nas conclusões XXXIX a XVII, fazendo do mesmo modo nas demais diversas considerações sobre temas ou assuntos, bem como a meios de prova, apenas nas conclusões LV e LVI a Recorrente faz indicação expressa dos pontos de facto a que dirige o recurso nesta parte, assim às alíneas T) e U) da factualidade provada, pelo que, nos termos que antes assinalámos, só quanto a estas o recurso está em condições de ser apreciado, rejeitando-se no mais.
Concluindo, rejeitando-se o recurso no mais, por incumprimento do ónus legal estabelecido na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, a nossa apreciação, o que faremos seguidamente, apenas incidirá sobre: alínea BL) da factualidade provada e ponto 5.º não provado; alíneas T) e U) da factualidade provada.

1.2.1. Alínea BL) da factualidade provada e ponto 5.º não provado
A referida alínea, tida como provada, tem a redação seguinte:
“BL) O Autor em 22 de abril de 2013, já sabia que o seu contrato de Destacamento na B..., terminaria no final desse mês. (resposta a 26º).”
Por sua vez, do ponto 5.º não provado resulta: “5) Tenha existido conversações entre o Autor e as Rés no sentido de pôr fim ao “Contrato de Destacamento”, na B..., tendo chegado a consenso que tal ocorreria no final de Abril de 2013.”
Defende a Recorrente, a respeito da alínea BL) provada, que a sua redação deve ser alterada, passando a ser “BL) o Autor em 13 de fevereiro de 2013, já sabia que o seu contrato de Destacamento na B..., terminaria no final do mês de Abril de 2013”, e, como se disse percebendo-se que referente ao ponto 5.º não provado, que deve ser dado como provado “Existiram conversações entre o Autor e as Rés, tendo chegado a consenso que a data do fim do “Contrato de Destacamento”, na B..., seria o dia 3 de Maio de 2013 e não o dia 30 de Abril, conforme comunicado pela Ré A....”
Ainda com recurso ao corpo das alegações, indica, para suportar o recurso, o que diz resultar, para além do teor do “Contrato de Destacamento Internacional”, das declarações prestadas pelo Autor e da testemunha NN, transcrevendo e localizando no registo de gravação extratos.
Sustenta o Autor / apelado, por sua vez, a improcedência do recurso nesta parte, sendo que, não obstante outras considerações, apenas indica expressamente, em termos de prova, o que diz resultar do documento de fls. 339.
Pronunciando-se o Ministério Público no parecer que emitiu pela improcedência do recurso, constatando-se que da motivação constante da sentença sobre a matéria de facto, no que à alínea e ponto reanalisados se refere, apenas se fez constar, respetivamente, “BL) - o teor do documento junto aos autos a fls. 250 - e mail enviado pelo Autor em 22 de abril de 2013, no qual refere estar previsto o seu regresso a Portugal no final desse mês.” e “5) – O que em contrário resultou provado de que a cessação foi decidida unilateralmente pela Ré “A...”, no entanto, imediatamente antes, aí pronunciando-se sobre as alíneas BJ) e BK), fez-se constar:
“(…) BJ), BK) – as declarações de parte do autor que referiu ter vindo embora da B... em acatamento a uma ordem e que tal não era a sua vontade, conjugadas com o depoimento da testemunha NN, que era administrador da B... que referiu que quem podia fazer cessar o acordo de destacamento eram os A..., que a B... não podia fazer cessar a comissão de serviço e que na reunião da B... ocorrida em Madrid no dia 13 de fevereiro de 2013 não foi deliberado fazer cessar o contrato do Autor, dado precisamente essa ser uma competência dos A.... Também referiu que o Autor sempre demonstrou desagrado e oposição ao seu regresso a Portugal, que foi uma ordem dos A... contrária à sua vontade. Disse também que só veio no dia 3 de maio e não no dia 30 de abril porque tinha de levantar dinheiro do banco e os dias 1 e 2 de maio são feriados em Espanha. Atendi também ao depoimento da testemunha Dr. BB, atual Diretor de Operações Norte dos A... e que também trabalhou na B... referiu que a denúncia do contrato que levou o Autor à B... só podia ser efetuada por este ou pelos A..., tinha de revestir a forma escrita, realçando ainda que o Autor nunca revelou vontade de fazer cessar tal contrato.”
Pois bem, cumprindo-nos apreciar, começaremos por esclarecer que, não tendo sido o recurso dirigido à expressa impugnação das alíneas BJ) e BK), o que se imporia caso se pretendesse quanto a essas dar coisa diversa como provada, importa ter presente que, resultando das mesmas que “o contrato de Destacamento na 2ª Ré B... vigorou até ao dia 03/05/2013, tendo cessado por determinação da 1ª Ré” e que “o Autor por razões pessoais, dado ser feriado em Espanha nos dias 1 e 2 de maio, pediu aos “A...” para vir embora apenas no dia 3 de Maio e não no final de Abril de 2013, como a co-ré “A...” tinha ordenado”, sendo que, constando desses, pois, que o contrato cessou “por determinação da 1ª Ré”, bem como que foi o Autor que pediu “aos “A...” para vir embora apenas no dia 3 de Maio e não no final de Abril de 2013, como a co-ré “A...” tinha ordenado”, então, a pretensão da Recorrente de que se dê como provado, no presente recurso, que existiram conversações entre as partes seguida de que essas chegaram a um qualquer acordo que se pretenda que diga respeito à cessação desse contrato, a ser essa a intenção, entraria em contradição com o facto, provado na referida alínea BJ), de que esse cessou por “por determinação da 1ª Ré”. Ou seja, se a intenção era a de que se desse como provado que esse contrato cessou por decorrência de um qualquer consenso entre as partes, então, teria a Recorrente de ter dirigido também expressamente o recurso, o que não fez, também àquela alínea provada.
De resto, não podendo ainda confundir esse facto, assim de quem derivou a declaração de cessação do contrato, com um qualquer acordo que porventura tenha existido mas já referente ao momento em que o Autor deveria voltar a Portugal, o que se verifica é que é neste último âmbito se insere também, expressamente, a pronúncia constante da referida alínea BK) provada, como se disse não impugnada, da qual resulta, afinal, que o Autor, pelas razões aí indicadas, pediu para vir embora apenas no dia 3 de maio e não no final de abril de 2013, como lhe havia sido determinado.
Na consideração do que antes dissemos, carece de sustentação a pretensão da Recorrente, no analisado âmbito, por entrar em contradição com o que resulta provado nas mencionadas alíneas.
Do exposto resulta que apenas teremos de verificar, pois que já não ocorre o obstáculo antes mencionado, aqui no que diz respeito à alínea BL), se a prova produzida e que é indicada dá suporte à convicção defendida pela Recorrente, assim no sentido de que se dê como provado, nessa, que o conhecimento do Autor, de que o seu contrato de destacamento na B... terminaria no final do mês de abril de 2013, tivesse ocorrido em 13 de fevereiro de 2013 e não, pois, em 22 de abril, como se deu como provado.
Como primeira nota, sendo verdade que o teor da alínea agora analisada diz respeito apenas ao momento em que o Autor teria tido o aludido conhecimento, não podemos, no entanto, deixar de fazer algumas considerações a propósito do documento a que alude o Apelado nas contra-alegações e que foi junto aos autos, datado de 29 de maio de 2013, assinado pelo Presidente da CEO, do qual consta expressamente o seguinte: “O Conselho de Administração, na reunião de hoje, decidiu: 1- Fazer cessar o destacamento na B... do TSF AA (...08), cessando as funções que aí vinha desempenhando. 2. Colocá-lo na OP/RDTN. 3. Este despacho produz efeitos em 27 de Maio de 2013”. Na verdade, este documento, junto pelo Autor, cujo conteúdo não foi afinal impugnado pela Ré – pois que se limitou a dar-lhe um enquadramento dizendo que se trataria de fazer “plasmar a cessação de tal destacamento já verificada anteriormente e plenamente reconhecida”[7].
É que, percebendo-se assim que o Apelado pretende fazer aqui apelo a tal regime, relembraremos que resulta do n.º 1 do artigo 373.º, do Código Civil (CC), que “os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor, ou por outrem a seu rogo, se o rogante não souber ou não puder assinar”, dizendo-nos depois o n.º 1 do artigo 374.º que “a letra e assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado (…)”, sendo que, face ao n.º 1 do artigo 376.º, “o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (…) e, de acordo com o seu n.º 2, “os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (…)”.
Utilizando os ensinamentos de Menezes Cordeiro[8], a respeito do documento particular assinado, a sua letra e assinatura ou só a assinatura consideram-se verdadeiras (374.º/l), quando reconhecidas pela parte contra quem o documento é apresentado; quando não impugnadas por essa mesma parte; quando, sendo atribuídas à parte em causa, esta declare não saber se lhe pertencem; quando sejam legal ou judicialmente havidas como verdadeiras…O documento particular cuja autoria seja reconhecida e salvo a arguição e a prova da sua falsidade, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (376.º/l). Quanto aos factos contidos na declaração: consideram-se provados na medida em que se apresentem contrários aos interesses do declarante; a declaração é, contudo, indivisível, em termos aplicáveis à confissão (376.º/2).”
Ora, neste âmbito, referindo-se, é certo, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de abril de 2005[9], que a força probatória do documento particular circunscreve-se, “no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nela constam como feitas pelo respectivo subscritor” – acrescentando-se de seguida que, “tal como no documento autêntico, a prova plena estabelecida pelo documento respeita ao plano da formação da declaração, não ao da sua validade ou eficácia”, mas salvaguardando que, “diferentemente do documento autêntico, que provém duma entidade dotada de fé pública, o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objecto da sua percepção directa” – sendo pois o âmbito da sua força probatória “bem mais restrito" –, como ainda, agora no Acórdão do mesmo Tribunal de 28 de Maio de 2009[10], que importa assim distinguir “entre a força probatória formal e a força probatória material do documento, ou seja no dizer de M. Andrade, entre a autenticidade do documento e o conteúdo do documento, (às declarações nele exaradas)”[11], esclarecendo-se de seguida que “uma coisa é saber se o documento provém da pessoa ou entidade a quem é imputado (força probatória formal) e outra, de saber em que medida os actos nele referidos e os factos nele mencionados se consideram como correspondentes à realidade (força probatória material)” – mais se acrescentando que a força ou eficácia probatória plena atribuída pelo nº 1 do artigo 376º às declarações documentadas limita-se à materialidade, isto é, à existência dessas declarações, não abrangendo a exatidão das mesmas –, ainda assim, no que ao caso importa, tratando-se inegavelmente de documento particular, cuja autoria foi reconhecida afinal pela Ré, sempre esse poderia ser tido em consideração no que se refere à própria prova das declarações que do mesmo constam, ou seja, dos factos que dele resultem, na medida em que se apresentem contrários aos interesses do declarante, em que se inclui, afinal, a expressa declaração de que, na reunião de 29 de maio de 2013, o Conselho de Administração decidiu “fazer cessar o destacamento na B... do TSF AA (...08), cessando as funções que aí vinha desempenhando”.
Dizemos apenas poder ser tido em consideração (e não mais, pois), dada a circunstância de, apenas estando aqui neste momento em apreciação a questão da data em que o Autor teria tido conhecimento da cessação, mesmo resultando afinal dos factos provados, assim da alínea BJ) antes mencionada, não impugnada neste recurso, que “o contrato de Destacamento na 2ª Ré B... vigorou até ao dia 03/05/2013, tendo cessado por determinação da 1ª Ré”, mal se compreenderá, então, mesmo por referência esta data (anterior como se constata à que se fez constar do documento a que antes nos referimos), que se queira atribuir a esse conhecimento, porque prévio à data da declaração de cessação (incluindo aquela que se fez constar da referida alínea), mais do que uma qualquer intenção, ainda que porventura já firmada pela Ré ou Rés, de dar a conhecer que iria cessar o destacamento. Na verdade, com salvaguarda do devido respeito, não se pode confundir, mesmo no puro âmbito da pronúncia em sede de matéria de facto, esta que agora nos ocupa, o que seja a efetiva decisão de cessação, por um lado, e, por outro, o que diga respeito à transmissão de uma mera intenção de aquela vir a ocorrer.
De resto, prosseguindo-se já na apreciação, só no referido âmbito podem/devem ser valoradas, fundadamente, as provas indicadas pela Ré / recorrente, assim o que foi referido pelo Autor e pela testemunha NN, pois que, ouvidos aliás os respetivos registos de gravação, extrai-se, desde logo, que, vindo é certo o conhecimento que o Autor possa ter tido do que lhe teria sido mencionado pela referida testemunha, conhecimento esse a que ambos efetivamente se referem expressamente, em conversa (ou conversas) que teria ocorrido entre ambos, no entanto, sequer se pode fixar, com exatidão, qual teria sido a data exata em que tal testemunha o teria transmitido ao Autor, pois que, apenas referindo o Autor como sendo um mês antes, mais ou menos um mês antes…, um tempo antes…, como ainda para aí abril ou março… eu não posso precisar a data, que teria sido o Dr. NN, após a reunião do conselho de administração… – mas também resultando que ao mesmo teria então referido que quem tinha de o mandar embora eram os A..., que não tinha contrato com a B... (ao que esse teria retorquido que sim, que sabia… que não estaria a dizer tens de ir embora… (passagem a 1 hora e 5 minutos no registo de gravação) –, como ainda que nunca recebeu comunicação escrita ou verbal dos A... (no registo, 1hora e 16 minutos) e também que na altura o Dr. NN tinha um contrato de cedência para o B...… e que era só administrador desta (no registo, 1 h, 22 a 24 m), por sua vez, no que diz respeito àquela testemunha extrai-se ter a mesma referido que, tendo sido na reunião do conselho de administração da B... que seria para terminar o destacamento e que ele ficou incumbido de dizer ao Autor, mencionou depois eu informei …, comuniquei verbalmente no dia 18..., à volta de 18 de fevereiro de... e, de seguida, confrontado pela Ilustre Mandatária de que antes dissera que tinha sido no dia 13 de fevereiro e que tinha comunicado no próprio dia, respondeu é possível que em 13.
Pois bem, não sendo é certo exatamente coincidentes as referidas declarações e testemunho, como ainda, do mesmo modo, sequer apontam inequivocamente para datas certas em que teria ocorrido tal conversa entre ambos, retira-se, porém, com suficiente segurança, que a conversa teria ocorrido, afinal, sem dúvidas em momento anterior ao que fez constar o Tribunal recorrido, pois que é o próprio Autor que admite que poderia ter ocorrido já no mês de março de 2013 (minutos 49/50 do registo de gravação), razão pela qual se justifica, por ter suporte bastante, convicção no sentido de que se dê tal como provado, mas também, de modo a que a factualidade traduza o que então foi referido pelo Autor, que este retorqui que quem tinha de o mandar embora eram os A..., pois não tinha contrato com a B....
Por decorrência do exposto, na procedência parcial do recurso nesta parte, a analisada alínea passa a ter a redação seguinte:
“BL) Em data não apurada do mês de março de 2023, em conversa com NN, foi dito ao Autor que o seu contrato de destacamento na B... iria terminar no final do mês de abril desse ano, tendo este retorquido que quem tinha de o mandar embora eram os A..., pois não tinha contrato com a B...”.

1.2.2. Alíneas T) e U) da factualidade provada
Estas alíneas têm a redação seguinte:
“T) Foi atribuída ao Autor a viatura com a matrícula ....-GRZ, de marca Audi, modelo ..., cuja renda mensal correspondia à quantia de €743,01 (setecentos e quarenta e três euros e um cêntimo),
U) bem como, o plafond mensal de 150 litros de combustível, conforme também resulta da cláusula sexta do Acordo de Utilização de VUP”
Defende a Ré / recorrente que essas devem ser alteradas, passando a ter a redação seguinte:
- “T) Foi atribuída ao Autor, enquanto no efectivo exercício das funções para as quais foi nomeado na B..., a viatura com a matrícula ....-GRZ, de marca Audi, modelo ..., cuja renda mensal correspondia à quantia de €743,01 (setecentos e quarenta e três euros e um cêntimo)”.
- “U) bem como, enquanto no efectivo exercício das funções para as quais foi nomeado na B..., o plafond mensal de 150 litros de combustível, conforme também resulta da cláusula sexta do Acordo de Utilização de VUP”.
Socorrendo-nos, ainda, do corpo das alegações, indica como prova para suportar a alteração o que diz resultar de prova documental (documentos 9 a 19 juntos com a petição inicial, docs. de fls. 396 a 398 dos autos), das declarações prestadas pelo Autor e dos depoimentos prestados pelas testemunhas NN e BB, transcrevendo, desses, com indicação dos tempos de gravação, passagens.
Por sua vez, defende o Apelado / autor a improcedência do recurso.
Vista a motivação constante da sentença, dessa apenas resulta, quanto a tais alíneas, “A) a AU) e BQ) - o acordo obtido pelas partes em dar como assente essa matéria de facto.”
Tal como resulta expressamente da ata de audiência preliminar realizada em 23 de fevereiro de 2015, contata-se que nessa foi manifestado acordo das partes sobre matéria de facto, que aí se fazendo constar, as alíneas A) a AA), onde se inclui, pois, as agora impugnadas alíneas T) e U), razão pela qual, de resto em conformidade com o regime que resulta expressamente dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC[12], tratando-se de factos sobre os quais se verificou acordo das partes, os mesmos, não estando assim sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, devem ser declarados como tal na sentença.
E, sendo assim, carece naturalmente de sustentação, por contrariar diretamente o acordo que ocorreu entre as partes quanto à verificação dos mesmos, a intenção da Recorrente de pretender, em sede recursiva, esses impugnar, no sentido de que passem a ter, como o defende, redação diversa daquela que lhes foi dada no aludido acordo. Esclareça-se, ainda, constatando-se que foi objeto da discussão da causa a matéria das alíneas CA) e CB) que havia sido alegada no articulado de ampliação do pedido, não foi a estas que a Recorrente dirigiu o recurso, com cumprimento dos ónus legais previstos no artigo 640.º do CPC, em particular a alínea a) do seu n.º 1, o que se imporia, razão pela qual, nesse âmbito, se inclui na nossa pronúncia anterior de rejeição do recurso.
Improcede, face ao exposto, o recurso quanto à matéria que consta das alíneas T) e U) aqui reanalisadas.

1.3. Apreciação / recurso subordinado
No recurso subordinado que interpôs, impugna também o Auto a matéria de facto, a que destina expressamente as conclusões 40.ª a 46.ª.
A respeito do cumprimento dos ónus legais de impugnação, a que antes nos referimos, importa apenas salientar que, no que se refere à prova que é indicada pelo Requerente para suportar a alteração que defende, tal indicação não é propriamente realizada, com recurso às alegações, em relação a cada facto impugnado e sim, em parte significativa, a conjunto de factos, nem sempre diretamente relacionados entre si. Não obstante, cumpridos que se encontram os demais ónus, no que se refere ao referido ónus, tratando-se de conjunto reduzido de facto, numa leitura menos formalista do disposto na lei, entendemos que estamos, ainda assim, sem dificuldades propriamente acrescidas, em condições de proceder à apreciação, o que faremos, pois, de seguida.

1.3.1. Alíneas AW), AX e AY dos factos provados
Estas alíneas têm a redação seguinte:
“AW) Provado apenas o que consta nas alíneas J), L), O), T), U) dos factos assentes (resposta a 3º e 4º).
AX) Após o Autor ter regressado da “B...” e ter sido integrado na RDTN da 1ª Ré, esteve na maior parte do tempo sem ter qualquer tarefa para fazer, o que o humilhou e entristeceu (resposta a 5º e 7º).
AY) O Autor quando regressou a Portugal, após ter estado a trabalhar na “B...” em Espanha, teve de proceder, ainda nesse País à entrega da viatura automóvel e do telemóvel que utilizava (resposta a 6º).”
Defende o Recorrente que:
- “O facto provado sob a alínea AW) deve ser alterado, para a seguinte redação: “AW) Provado o que consta nas alíneas J), L), O), T), U) dos factos assentes, e que o Autor dispunha de uma VUP, ininterruptamente, desde 16/12/2005.”
- “O facto provado sob a alínea AX) deve ser alterado, para a seguinte redação: “AX) Após o Autor ter regressado da “B...” e ter sido integrado na RDTN da 1ª Ré, não teve qualquer tarefa para fazer, o que o humilhou e entristeceu”
- “O facto provado sob a alínea AY) deve ser alterado, para a seguinte redação: “AY) O Autor quando regressou a Portugal, após ter estado a trabalhar na “B...” em Espanha, teve de proceder, ainda nesse País à entrega da viatura automóvel e do telemóvel que utilizava, nunca mais lhe tendo sido atribuída qualquer outra VUP.”
Com recurso ao corpo das alegações constata-se que indica como provas o que diz resultar de prova documental (“docs. nºs 9 a 14, 19 e 20 juntos com a p.i. - estes dois últimos, com a tradução para língua portuguesa junta a fls.393 a 394 v., 395 e v. e 398 e v. e a fls.396 a 397 v”) e testemunhal (depoimentos das testemunhas OO, PP, MM e QQ, transcrevendo e localizando passagens desses depoimentos).
Da motivação que resulta da sentença (após retificação), para além do mais, consta o seguinte:
“(…) AX) – As declarações de parte do Autor, conjugadas com o depoimento credível prestado pela testemunha MM que se encontrava a trabalhar na RDTN no edifício do Município, onde o Autor foi colocado depois de regressar da B... e que referiu nomeadamente Autor não tinha nada para fazer, que havia naquele local muitas tarefas para desempenhar, que se tivesse existido vontade da direção, poderiam ter sido distribuídas por ele e pelo Autor pois havia trabalho para os dois
E que quando regressava de férias tinha de ser ele a recuperar as suas tarefas pois que não tinham sido dadas ao Autor, referindo ainda que era ele quem desempenhava as tarefas que alegadamente caberiam ao Autor.
Esclareceu ainda que o registo e o controle diário de constrangimentos na distribuição foi uma tarefa que não existia antes, resumindo-se essa tarefa a copiar um ficheiro que vinha do CDP para um ficheiro central e depois enviar para a ele, MM.
Disse também que essa tarefa demorava cerca de 5 minutos por ação e só sucedia em situação de intempéries, o que aconteceu 3 ou 4 vezes.
Referiu ainda que o Autor andava triste e sentia-se humilhado com tal situação, o que também foi corroborado pela testemunha Engª PP que tinha um gabinete ao lado do gabinete do Autor e que referiu que o Autor não desempenhava nenhumas tarefas e que se sentia triste e humilhado, levando-a até a ir chamá-lo para ir tomar um café de manhã com ela.
Tal depoimento não foi minimamente abalado pelos outros depoimentos prestados, nomeadamente pelas testemunhas Dr FF e Dr. DD que supostamente seriam os superiores do Autor na RDTN mas que de concreto nada esclareceram que tarefas não esporádicas tivessem sido dadas ao Autor, nomeadamente retirando-as daquilo que o MM fazia.
AY) – o depoimento da referida testemunha Dr. QQ, Diretor dos Recursos Humanos da 1ª Ré, que esclareceu nomeadamente que a viatura tinha matrícula espanhola, quando o Autor regressou a Portugal não a trouxe e não teve direito a outra viatura.
Por sua vez o Dr. RR médico cardiologista no Hospital ... que foi quem efetuou o cateterismo e de seguida efetuou a angioplastia da coronária direita, também esclareceu que a situação de enfarte agudo do miocárdio é uma situação que faz sempre correr perigo de vida, tendo existido morte de parte do músculo cardíaco, que após um primeiro enfarte aumenta a probabilidade de novos enfartes, sendo assim justificado o medo do Autor de ter novo enfarte.
O Dr. SS que também é médico cardiologista e que foi quem elaborou o relatório do ecocardiograma transtorácico cuja cópia está junta a fls. 151, também reafirmou que a fração de ejeção de 56% leva a considerar que em termos gerais a função ventricular está normal, admitindo que o Autor correu risco de vida, qualquer enfarte coloca em risco de vida
O facto de ter tido um enfarte pode ser um risco acrescido de ter novo enfarte.
Tive ainda em consideração o teor dos documentos junto aos autos a fls. 147e 148 (Nota da alta hospitalar), 149 e 150, emitidos pela Unidade de diagnóstico e intervenção cardiovascular, daquele hospital, relativo ao cateterismo e angioplastia realizados. (…)”
Avançando, então, na análise, diremos o seguinte:
Quanto à alínea AW):
Defendendo o Recorrente que à resposta dada pelo Tribunal recorrido – assim provado o que consta nas alíneas J), L), O), T), U) dos factos assentes – deve acrescentar-se “e que o Autor dispunha de uma VUP, ininterruptamente, desde 16/12/2005”, transcrevendo e localizando passagens de depoimentos de testemunhas, deixando-se então consignado que se procedeu à audição dos respetivos registos de gravação, o que se constata, salvo o devido respeito, é que, sendo verdade que nesses depoimentos se faz referência à utilização da “VUP”, no entanto, porém, importa ter presente o consta com o provado nas alíneas G) a K), ao resultar dessas o seguinte:
“G) No dia 01/09/2000, a 1ª Ré, o Autor, e a C..., celebraram o “Contrato de Cedência Ocasional de Trabalhador” cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 108 a 110 e que se dá por integralmente reproduzido.
H) Entretanto, tal contrato, viria a dar lugar em 01/08/2001, à celebração de outro contrato de cedência, desta feita, entre a 1ª Ré, o Autor, e a empresa D... celebraram o “Contrato de Cedência Ocasional de Trabalhador” cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 114 a 116, que se dá por integralmente reproduzido, prevendo a cláusula 3ª deste contrato que “Enquanto vigorar o presente contrato o terceiro contraente terá direito a uma remuneração adicional no valor de 100.000$00 por mês”.
I) Tal contrato de cedência veio a terminar por acordo no dia 03/07/2009.
J) Por força do contrato de cedência ocasional efectuado com a empresa “D...” foi atribuído ao autor de um veículo de uso permanente (VUP) com plafond de 150 litros de combustível mensal.
K) O acordo de utilização do VUP celebrado entre a D... e o Autor caducava com a cessação da nomeação do Autor como Delegado Norte no âmbito da referida cedência ocasional.”
É que, não sendo dirigido o recurso a tais alíneas, como facilmente se extrai do respetivo conteúdo – de resto resultou de acordo das partes –, trata-se afinal de factualidade que tem direta ligação com o acrescento que o Recorrente pretende fazer à alínea analisada, assim de que “dispunha de uma VUP, ininterruptamente, desde 16/12/2005”, pois que, afinal, encontra-se provado, aliás desde momento anterior ao indicado pelo Recorrente, como se disse por acordo das partes, que com a celebração em 01/08/2001 de contrato de cedência entre a 1ª Ré, o Autor, foi atribuído a este “um veículo de uso permanente (VUP)”.
Em face do exposto improcede necessariamente o recurso nesta parte.

Quanto à alínea AX
Em face da redação desta alínea e pretensão avançada pelo Recorrente, do que se trata é de verificar se, diversamente do que se fez constar, assim que o Autor “esteve na maior parte do tempo sem ter qualquer tarefa para fazer”, a prova produzida dá adequado suporte à convicção de que o Autor “não teve qualquer tarefa para fazer”.
Da motivação antes transcrita resulta que o Tribunal recorrido, para justificar a sua convicção, fez expressa menção ao que teria resultado das declarações prestadas pelo próprio Autor, dizendo que conjugadas com os depoimentos prestados pelas testemunhas MM e PP, acrescentando, ainda, que aquele depoimento não teria sido minimamente abalado pelos outros depoimentos prestados, nomeadamente pelas testemunhas FF e DD – “que supostamente seriam os superiores do Autor na RDTN mas que de concreto nada esclareceram que tarefas não esporádicas tivessem sido dadas ao Autor, nomeadamente retirando-as daquilo que o MM fazia”.
Apreciando, importa desde logo ter presente o que resulta de outros pontos da factualidade provada, que não foram objeto de impugnação por parte do Recorrente, e que se relacionam com exercício de funções, assim:
“BM) O Autor quando regressou a Portugal foi informado pela co-ré “A...”” que até indicação da sua nova colocação, ficava dispensado do dever de assiduidade (resposta a 27º).
BN) O Autor foi integrar a RDTN, com o horário flexível de 39 horas semanais, sendo-lhe atribuído um gabinete individual, ao contrário de outros funcionários que estavam a trabalhar em open space. (resposta a 28º).
BO) Incumbia ao Autor o registo de constrangimentos na distribuição em virtude de situação de intempéries (resposta a 29º). BP) As funções do Autor de assessoria, ao conselho de administração da ré ““A...”, visavam a assessoria na análise do negócio do correio não endereçado em Espanha aproveitando o conhecimento adquirido enquanto esteve ao serviço da ““D...” (resposta a 32º).
BQ) A situação de doença do Autor iniciada em 14 de Maio de 2014 durou até 12 de dezembro de 2014. (resposta a 33º).
BR) Considerando os conhecimentos e percurso profissional do Autor, a 1ª Ré aquando da implementação da nova estrutura orgânica, colocou-o nos serviços da Direção de Organização e Controlo das Operações (OCO), visando a atribuição, de funções técnicas na área da organização dos processos de subcontratação com empresas terceiras que prestam serviços de distribuição de correio aos A... (resposta a 39º e 40º).
BS) O que lhe foi comunicado no dia 23 de dezembro de 2015 pela Srª Engª JJ, que ficou a dirigir a referida O.C.O. (resposta a 41º).”
Por outro lado, ainda, importa ter presente, vistas as contra-alegações, que dessas resulta, no que às transcrições de passagens de gravação diz respeito, que apenas uma incide sobre a matéria a que se alude na alínea analisada, assim referente (“início aos 49:08 e fim aos 50:12 minutos”), ao depoimento da testemunha PP, quando, importa dizê-lo, o Tribunal recorrido fez referência também a outra prova testemunhal, em particular o depoimento da testemunha MM.
Independentemente dessa circunstância, deixando-se consignado que se procedeu, no que agora importa, à audição do registo de gravação de ambas as aludidas testemunhas (não obstante quanto a MM as dificuldades com que nos deparámos em face dos permanentes ruídos), desde já diremos, em termos de adequado suporte para que se possa firmar convicção, importando ainda relembrar o que consta provado nas alíneas BM a BS, que não encontramos razões para divergirmos daquela que esteve na base da resposta que foi dada pelo Tribunal recorrido, tanto mais que, e desde logo, não obstante se extrair do depoimento da testemunha MM (cujo depoimento foi prestado ao longo de cerca de 4 horas) que o mesmo referiu efetivamente que o Autor não exerceria efetivamente funções, no entanto, em alguns momentos fez referência a funções que efetivamente teriam sido realizadas por aquele, muito embora de pouca ou reduzida duração e mesmo utilidade – assim, só na gravação da sessão da manhã do dia 14/03/2017, nomeadamente, no registo de gravação: 1H18 a 25 minutos; 1H de 46 a 49 minutos; 2H de 0 a 7 minutos. E, diga-se ainda, agora a propósito do depoimento da testemunha PP, deixando-se aliás expresso que a passagem transcrita nas contra-alegações não é propriamente fiel, sendo também verdade que referiu que o Autor não faria quaisquer funções, porém, ouvido o registo de gravação, percebe-se que se estará a referir, como aliás a mesma o disse, a tarefas dignas – a pergunta do Ilustre Mandatário, não referiu apenas o que se faz constar da transcrição, assim “Que eu tenha conhecimento não lhe dão trabalho”, pois que, o que foi omitido na transcrição, utilizou a expressão “trabalho digno”. De resto, a expressão que utilizou depois a minutos 52 ver ali uma pessoa a olhar quase para o teto induz do mesmo modo, com o uso da expressão “quase”, o que referimos anteriormente e não, pois, que efetivamente não exercesse o Autor quaisquer funções.
Neste contexto, relembrando-se que vigora neste âmbito o princípio da livre apreciação da prova, não encontramos fundamento para podermos, divergindo daquela que foi firmada em 1.ª instância, acompanharmos a convicção que é defendida pelo Recorrente, razão pela qual o recurso improcede também nesta parte.

Quanto à alínea AY):
No que se refere a esta alínea, passando a pretensão do Recorrente apenas por se dever acrescentar no seu final “…nunca mais lhe tendo sido atribuída qualquer outra VUP”, extraindo-se efetivamente dos depoimentos das testemunhas indicadas que ao regressar a Portugal não foi atribuída ao Autor viatura automóvel para uso pessoal (VUP), no entanto, importa dizê-lo, para além de estarmos perante formulação sob a forma negativa, a verdade é que, não resultando afinal da mesma factualidade que essa lhe tivesse sido atribuída então, já resulta afinal o contrário, ou seja precisamente que não foi atribuída. Aliás, é precisamente isso mesmo que o Tribunal recorrido afirma mais tarde, no âmbito da aplicação do direito, ao fazer constar “e o mesmo sucede com o facto de não ter sido atribuída viatura automóvel para uso particular (VUP) e plafond de combustível ou mesmo de chamadas telefónicas, quando regressou a Portugal”.
Não obstante, apesar desse sentido já se extrair, como dito, da factualidade provada, nada obsta, porém, que passe a constar expressamente da alínea agora reanalisada, procedendo assim o recurso nesta parte.
Por decorrência do exposto, improcedendo o recurso no mais, a alínea AY) passa a ter a redação seguinte:
AY) O Autor quando regressou a Portugal, após ter estado a trabalhar na “B...” em Espanha, teve de proceder, ainda nesse País à entrega da viatura automóvel (VUP) e do telemóvel que utilizava, nunca mais lhe tendo sido atribuída qualquer outra VUP.”

1.3.2. Ponto 9.º não provado:
Este ponto tem a redação seguinte:
“9) As funções de assessoria no Conselho de Administração da 1ª Ré, tenham sido efectuadas a pedido do Autor.”
Em face das contra-alegações, o Recorrente limita-se a referir que o Tribunal restringiu o conteúdo de tal facto, a uma parte do primitivo tema de prova 32 – cuja formulação é a seguinte: “32 – As funções de assessoria foram efetuadas a pedido do Autor e tinham um carácter transitório…” –, sem que, diz, inexista fundamento ou razão para suprimir de tal facto a expressão “e tinham um carácter transitório”, porque, acrescenta, a reputa de pertinente e relevante para o efeito do direito à VUP, que reclama. Conclui que, sendo o próprio tribunal a quo a referir “ausência de qualquer prova credível nesse sentido”, então, que “tal acarretará que o facto não provado sob o ponto 9) deve ser alterado, completando-se, para a seguinte redação: “9) As funções de assessoria no Conselho de Administração da 1ª Ré, tenham sido efetuadas a pedido do Autor, e tenham tido um carácter transitório.”
Apreciando, para além de estarmos perante menção meramente conclusiva e que poderia assumir aliás relevância no âmbito da aplicação do direito, importa também não esquecer que estamos perante facto que se fez constar como não provado, repete-se, não provado, razão pela qual sequer se percebe, com salvaguarda do respeito devido, o argumento do Recorrente no sentido de que o acrescento que pretende que passe a constar desse facto possa ser reputado de pertinente e relevante para o efeito do direito à VUP que reclama, pois que, afinal, a aplicação do direito terá de basear-se, a respeito do referido direito, no que tenha resultado efetivamente provado.
Improcede assim, sem necessidade de outras considerações, o recurso nesta parte.

1.3.3. Pontos 3.º, 4.º e 13.º não provados:
Estes pontos têm a seguinte redação:
“3) O Autor sinta-se extremamente fragilizado, receoso e angustiado, levando-o também a um estado de tristeza tão grande, que o faz refugiar-se da sociedade, ao mesmo tempo que vê atingida a sua dignidade e brio profissional, degradando-se a sua qualidade de vida, bem como a da sua família, sentindo constrangimento pela sua situação laboral, nomeadamente quando confrontado por colegas de trabalho e amigos.
4) O preço médio de venda ao público de gasóleo, desde 2013 até a atualidade se situa nos 1,388 / litro.
(…)
13) Continua a sentir um extremo constrangimento pela presente situação, nomeadamente, quando confrontado por colegas de trabalho e amigos, sentindo-se humilhado, angustiado e triste, profundamente envergonhado e discriminado.”
Defende o Recorrente que tais pontos devem ser considerados provados, indicando e localizando, para o efeito, nas alegações, passagens que diz transcrever dos depoimentos das testemunhas OO, PP, MM e TT.
Da motivação constante da sentença a respeito dos analisados pontos resulta expressamente apenas o seguinte:
“(…) 3 e 4) – Ausência de prova credível nesse sentido
(…) 13- o que decorre do facto de não ter ficado provado que o Autor foi um dos únicos trabalhadores que integravam a RDTN que não foi nomeado para um cargo na nova direção de Operações Norte e que sabia quais as tarefas que o esperavam.”
Por se tratar de ponto de facto não propriamente relacionado com os demais, começaremos pela análise do que consta do ponto 4.º da factualidade não provada – “4) O preço médio de venda ao público de gasóleo, desde 2013 até a atualidade se situa nos 1,388/litro” –, em relação ao qual, importa dizê-lo, em face do que resulta do corpo das alegações, o Recorrente apenas transcreve passagens do registo de gravação dos depoimentos das testemunhas MM e TT, respetivamente, “01:16:31 e fim aos 01:17:12 minutos” e “11:01 e fim aos 11:52 minutos”.
Pois bem, apreciando então, estando em causa a prova de que “o preço médio de venda ao público de gasóleo, desde 2013 até a atualidade se situa nos 1,388/litro”, sendo verdade que as referidas testemunhas afirmam em dado momento que o preço se situaria nessa ordem de valor, no entanto, porém, evidenciam claramente que o preço teria variado ao longo do tempo (assim: a primeira dizendo que entre 1€, 1,20€, 1,30€, por ai” e que pensava que que neste momento andaria em 1,20€, que seria mais ou menos dentro desses valores; a segunda, por sua vez, que na altura estaria bem superior ao que está agora (1,1) e que seria provável, que devia rondar estes valores, que depende dos meses, mas devia rondar), do que decorre, pois, que, com base apenas nessa prova, se possa firmar convicção diversa daquela que foi firmada em 1.ª instância, assim nomeadamente aquela que é aqui defendido pelo Recorrente.
Por sua vez, agora a respeito dos demais pontos aqui reanalisados, importando também ter presente que o Tribunal recorrido já fez constar, da alínea AX da factualidade provada, que, após regressar da “B...” e ter sido integrado na RDTN da 1ª Ré, estando na maior parte do tempo sem ter qualquer tarefa para fazer, tal “o humilhou e entristeceu”, então, o que está em causa, quanto à materialidade constante dos pontos 3.º e 13.º agora reanalisados, é se decorreu para o Autor, para além disso, no todo ou em parte, o que demais é mencionado nesses pontos.
E, avançando-se na apreciação, consideramos que é este precisamente o caso, pois que, tendo por base o que foi efetivamente referido pelas testemunhas que são indicadas pelo Recorrente para suportar o recurso nesta parte – cujos registos de gravação ouvimos nesta sede –, extrai-se inegavelmente, assim o entendemos, com adequado suporte, que o Autor se sentiu efetivamente fragilizado, angustiado, como também constrangido, pela sua situação laboral, quando confrontado por colegas de trabalho e amigos. De resto, assim o consideramos ainda, tal resulta, também, quando analisados tais depoimentos de acordo com as regras da experiência comum – como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 2016[13], “a prova testemunhal, tal como acontece com a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objeto de formulação de deduções e induções, as quais, partindo da inteligência, hão-de basear-se na correção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência [o id quod plerumque accidit] e de conhecimentos científicos. Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não, anteriormente, conhecido, nem, diretamente, provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido[14]. (…) O uso, pelas instâncias, em processo civil, de regras de experiência comum, é um critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, mas não na interpretação e aplicação de normas legais[15], que fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, apenas subordinado à razão e à lógica (…)”.
Por decorrência do antes expostos, adita-se à factualidade provada, a seguir à alínea AX), uma nova alínea, com a redação seguinte:
AX-1) O autor sentiu-se também fragilizado, angustiado e constrangido, pela sua situação laboral, quando confrontado por colegas de trabalho e amigos.

1.4. Em face do antes apreciado e decidido, a base factual a atender, para dizermos de Direito, é aquela que o Tribunal a quo considerou, com as alterações antes expressamente determinadas, sendo estas nos termos que se seguem:
(…)
BL) Em data não apurada do mês de março de 2023, em conversa com NN, foi dito ao Autor que o seu contrato de destacamento na B... iria terminar no final do mês de abril desse ano, tendo este retorquido que quem tinha de o mandar embora eram os A..., pois não tinha contrato com a B...”.
(…)
AY) O Autor quando regressou a Portugal, após ter estado a trabalhar na “B...” em Espanha, teve de proceder, ainda nesse País à entrega da viatura automóvel (VUP) e do telemóvel que utilizava, nunca mais lhe tendo sido atribuída qualquer outra VUP.”
(…)
AX-1) O autor sentiu-se também fragilizado, angustiado e constrangido, pela sua situação laboral, quando confrontado por colegas de trabalho e amigos.
(…)”

2. O Direito do caso
2.1. Introito
Face ao que fez constar das conclusões, que como antes o dissemos delimitam, salvo questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso, retira-se que o recurso principal é dirigido, no âmbito da aplicação do direito, como aliás expressamente o refere a Ré / recorrente logo na 1.ª conclusão, a três questões; exceção da prescrição dos créditos laborais; condenação na indemnização por dados não patrimoniais; condenação relacionada com os valores de renda mensal pela atribuição de VUP, plafond de combustível e plafond de chamadas telefónicas, referentes aos últimos 13 meses de renovação da comissão de serviço internacional – o mesmo se parece extrair do requerimento de interposição de recurso e alegações que apresentou[16]. No entanto, aquando da pronúncia referente à primeira das indicadas questões, dizendo que à cautela, sustenta que, ainda que não se entenda que ocorreu a prescrição – o que fez constar das conclusões XVIII a XXII, nunca a falta de aviso prévio, por escrito (não previsto em lado algum), poderia ter como consequência a renovação do Acordo de Destacamento Internacional e o pagamento de um subsídio de destacamento a ele referente, por mais um ano (corresponde ao prazo de renovação do mesmo Acordo), sob pena de enriquecimento sem causa do A./Recorrido”, fazendo apelo ao que diz resultar do regime estabelecido para a comissão de serviço, nomeadamente o disposto no artigo163.º, do Código do Trabalho (CT), para concluir que nada mais é devido ao Autor, sob pena de nos colocarmos perante a situação do enriquecimento sem causa. Ou seja, não obstante a indicação que resulta da conclusão 1.ª, deve então entender-se, tanto mais que o Autor / apelado, em face das contra-alegações, assim também o entendeu, pois que sobre tal se pronunciou, é de entender que também esta questão é objeto do presente recurso.
Por sua vez, no recurso subordinado que interpôs o Autor, são abrangidas duas questões, a primeira relacionada com a não inclusão no seu estatuto remuneratório do montante de €721,79, correspondente ao VUP, plafond mensal de combustível e plafond mensal de chamadas telefónicas, e a segunda ao valor da indemnização que foi fixado em €3.000,00 a título de danos não patrimoniais, defendendo que esse deverá ser o de €25.000,00.
Por razões de precedência e ainda sistemáticas, de seguida procederemos, pela ordem que indicaremos, à apreciação das questões que antes mencionámos e que assim nos são colocadas.

2.2. Questão da exceção da prescrição dos créditos laborais - recurso principal / 1.ª Ré
Invoca a Recorrente, no essencial, como argumento, se bem se percebe, que, configurando o contrato de destacamento um verdadeiro contrato de trabalho, ao qual se aplica o disposto no n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho (CT), razão pela qual, diz, se encontra prescrito o direito do Autor / recorrido invocado na presente ação, por decurso do prazo de prescrição de um ano – “consequentemente, atento o disposto no nº 2 do artº 487º e no nº 3 do artº 493º, ambos do Cód. Proc. Civ., aplicáveis ex vi al. a) do nº 2 do artº 1º do Cód. Proc. Trab., deverá a presente excepção ser considerada procedente e, em consequência, ser revogada a decisão nessa parte e a R./Recorrente absolvida do pedido com as consequências legais inerentes”.
Pronunciando-se o Apelado pela improcedência do recurso quanto a esta questão, resulta da sentença recorrida, nesse âmbito, o seguinte:
“(…) Há agora que apreciar o modo como cessou o acordo de destacamento subscrito pelo Autor e pelas duas rés.
O Acordo de Destacamento na B... que é uma empresa do Grupo A..., teve início a 01 de Julho de 2011 e duraria pelo prazo de um ano, renovável até três anos, podendo, contudo, cessar segundo uma das formas previstas na cláusula 5ª do mesmo, ou seja mediante :
a) cessação do contrato de trabalho entre o Autor e a 1ª Ré;
b) denúncia do Autor, com aviso prévio de 60 dias;
c) decisão da 1ª Ré, mediante aviso prévio de 60 dias; ou
d) por acordo entre as partes.
Resultou provado que o mesmo vigorou até ao dia 03/05/2013, tendo cessado por determinação da 1ª Ré.
Porém, para que unilateralmente pudesse pôr fim a tal acordo, tinha essa decisão dos A... ser comunicada ao Autor com um prazo de aviso prévio de 60 dias, como resulta expresso da referida alínea c), o que não resultou dos autos, tanto mais que a defesa das Rés consistia no facto de tal Acordo de destacamento ter terminado por acordo das partes o que manifestamente não sucedeu.
Consta desse acordo, na sua cláusula 2ª relativa ao estatuto remuneratório do Autor, que este para além do mais tinha direito a receber o pagamento de um subsídio de destacamento internacional, no montante de €1.500,00 (mil e quinhentos euros) mensais, a serem pagos 12 vezes por ano.
Tendo o Acordo de Destacamento tendo início a 01 de Julho de 2011 e duraria pelo prazo de um ano, renovável até três anos, tem de se concluir perante esse clausulado que na falta de indicação de outro prazo de renovação, a renovação tinha caracter anual, era automática e que o Acordo de Destacamento teria o seu termo em 1 de Julho de 2014, caso não cessasse validamente nas condições supra mencionadas, de forma taxativa.
Não ficando provado que a 1ª Ré comunicou ao Autor a cessação do acordo, obedecendo ao prazo de pré-aviso estabelecido, acarreta que o mesmo se tenha renovado por mais um ano, tendo assim o Autor direito a receber desta o valor correspondente aos referidos subsídios de destacamento até 1 de julho de 2014.
Tendo resultado provado que não foi pago ao Autor o Subsídio de Destacamento Internacional, pelo menos desde Junho de 2013, é assim a 1ª Ré é responsável pelo pagamento desses prejuízos causados ao Autor, no total de 19.500 (dezanove mil e quinhentos euros), correspondente aos últimos treze meses em que vigoraria o destacamento internacional.
Do mesmo modo, a renovação do aludido acordo por mais um ano implicaria o direito do Autor a que lhe fosse atribuída uma viatura automóvel para uso permanente (VUP) e a um plafond de combustível e de chamadas telefónicas, regalias salariais (free benefits) que, conforme já referimos, tinham o seu contexto no âmbito do aludido Acordo de Destacamento.
Com efeito, nos termos do acordo de destacamento celebrado entre as Rés e o Autor foi-lhe atribuída uma viatura ..., bem como o plafond mensal de 150 litros de combustível e um “plafond” mensal de chamadas telefónicas.
E assim tendo-se operado a renovação do aludido acordo de destacamento por mais um ano, o autor tinha direito às aludidas regalias salariais por parte da 1ª Ré de atribuição de uma viatura, de um plafond mensal de combustível e de um plafod mensal de chamadas telefónicas até 1 de julho de 2014.
Tendo resultado provado que o Autor quando regressou a Portugal, após ter estado a trabalhar na “B...” em Espanha, teve de proceder, ainda nesse País à entrega da viatura automóvel e do telemóvel que utilizava é assim a 1ª Ré responsável pelo pagamento também do prejuízo causado ao Autor, pela retirada de tais regalias salariais, de que teria direito a beneficiar nos últimos treze meses em que vigoraria o destacamento internacional, por o respectivo acordo se ter renovado por mais um ano.
Assim, tendo resultado provado que foi atribuída ao Autor a viatura com a matrícula ....-GRZ, de marca Audi, modelo ..., cuja renda mensal correspondia à quantia de €743,01 (setecentos e quarenta e três euros e um cêntimo), bem como, o plafond mensal de 150 litros de combustível, conforme também resulta da cláusula sexta do Acordo de Utilização de VUP no valor mensal de €201,60 e ainda um plafond mensal de chamadas telefónicas no valor mensal de €60,00, tudo perfazendo o montante mensal de €1.004,61, e total de €13.059,93, correspondente aos últimos treze meses em que vigoraria a comissão de serviço internacional, e que o Autor também teria direito a receber mensalmente, a 1ª Ré é igualmente responsável pelo pagamento desses prejuízos também causados ao Autor, no total de €13.059,93 (treze mil cinquenta e nove euros e noventa e três cêntimos), por se tratar do valor que o autor também receberia nos últimos treze meses em que vigoraria o destacamento internacional por força da renovação que se verificou do respectivo acordo.
Sendo essa violação contratual praticada pela Ré A..., entidade empregadora do Autor, não se iniciou o prazo prescricional previsto no artigo 337º nº 1 do Código do Trabalho, aquando da cessação desse acordo, pois que o Autor se manteve ao serviço da 1ª Ré.
Como se extrai da citada fundamentação, o Tribunal recorrido, na base do indeferimento da exceção da prescrição que fora invocada, depois de enquadrar a relação que existia entre as partes, nomeadamente a circunstância de estar em vigor o acordo de destacamento que foi celebrado entre as Rés e o Autor e o modo como nesse se estabelecia a respetiva renovação e ainda o modo como esse se poderia fazer cessar, considerou que, não ficando provado que a 1ª Ré tenha comunicado ao Autor a cessação desse acordo obedecendo ao prazo de pré-aviso no mesmo estabelecido, tal acarretou que o mesmo se tivesse renovado por mais um ano, com as consequências que daí resultaram e que então afirmou, e em particular, no que à questão da prescrição que neste momento se aprecia no presente recurso, que, estando-se perante violação contratual praticada pela Ré / aqui recorrente, enquanto entidade empregadora do Autor, não se iniciou o prazo prescricional previsto no artigo 337.º n.º 1 do CT, aquando da cessação daquele acordo, pois que o Autor se manteve ao serviço dessa Ré.
Antes de entrarmos na apreciação da questão suscitada no presente recurso, importa deixar umas breves notas a respeito do enquadramento geral / contratual em que se insere, o que faremos de seguida.
Colocando o destacamento de trabalhadores no estrangeiro diversas questões jurídicas relacionadas com a lei aplicável à relação laboral, em especial quando as normas dos países de origem e de acolhimento apresentam diferentes tipos de proteção, foi neste contexto que surgiu a Diretiva n.º 96/71/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços, Diretiva esta que apesar de dever ter sido transposta para a ordem jurídica portuguesa até 16 de Dezembro de 1999, apenas o foi através da Lei n.º 9/2000, de 15 de Junho, entretanto revogada pela entrada em vigor da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho («Regulamentação do Código do Trabalho»).
Avançando-se na análise, importa agora esclarecer, a respeito do próprio conceito de destacamento e regime jurídico aplicável, que nem todas as situações de deslocação temporária para trabalhar noutro país são consideradas como um destacamento, pois que, no que ao caso importa, por aplicação do disposto no artigo 8.º do Código do Trabalho de 2009 (CT), assim de trabalhador contratado por uma empresa estabelecida em Portugal que preste atividade no território de outro Estado, por remissão para o artigo 6.º do mesmo Código (ainda seu artigo 7.º), o destacamento pressupõe que o trabalhador, contratado por um empregador estabelecido em Portugal, enquanto durar o contrato de trabalho, preste a sua atividade noutro estado: “a) em execução de contrato entre o empregador e o beneficiário que exerce a actividade, desde que o trabalhador permaneça sob a autoridade e direcção daquele; b) Em estabelecimento do mesmo empregador, ou empresa de outro empregador com o qual exista uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo; c) Ao serviço de um utilizador, à disposição do qual foi colocado por empresa de trabalho temporário ou outra empresa.”
Do antes exposto resulta, pois, em traços breves, a respeito do destacamento de Portugal para outros Estados, que, ao contrário da Lei n.º 9/2000, de 15 de Junho, o CT inclui agora uma disposição sobre o destacamento de trabalhadores contratados por empresas portuguesas para o território de outros Estados – de resto, num país tradicionalmente de emigrantes, estranho seria que o legislador nacional dedicasse maior proteção aos trabalhadores estrangeiros destacados para Portugal do que aos cidadãos nacionais destacados para o estrangeiro. Assim, ao abrigo do artigo 8.º do CT, o trabalhador contratado por uma empresa estabelecida em Portugal, se prestar a sua atividade no território de outro Estado, tanto num estabelecimento do empregador como em execução de contrato celebrado entre o empregador e o beneficiário da atividade, ainda que em regime de trabalho temporário, enquanto durar o contrato de trabalho e sem prejuízo de regimes mais favoráveis constantes da lei aplicável à relação laboral ou previstos contratualmente, continua a ter direito à aplicação das condições de trabalho previstas no CT e na regulamentação coletiva de trabalho de eficácia geral em território nacional, respeitantes às matérias identificadas designadamente no artigo 7.º.
Por outro lado, não obstante a dúvida que possa colocar-se a respeito do conceito de trabalhador destacado relacionada com a duração do destacamento, a verdade é que a própria aceção da palavra “destacar” implica afinal o reconhecimento de uma ação temporária, muito embora o CT e Regulamentação, contudo, nada disporem quanto ao prazo mínimo ou máximo que terá de ser respeitado. De resto, definindo o artigo 2.º, n.º 1, da Diretiva, como trabalhador destacado aquele que, por um período limitado, trabalhe no território de um Estado Membro diferente do Estado onde habitualmente exerce a sua atividade, poderá mesmo defender-se, então, que não existirá qualquer limite máximo para as situações de destacamento.
É, pois, no referido contexto, assim regime jurídico que se mostra consagrado no CT, em que se inclui aliás o regime nesse previsto para a comissão de serviço (a que nos referiremos mais tarde), sem prejuízo, porém, naturalmente, das regras respeitantes ao regime de prescrição estabelecidas no Código Civil (CC), caso se verifique a necessidade de a essas se recorrer, que deve ser apreciada a questão que agora apreciamos.
Ora, estabelecendo-se no n.º 1 do invocado artigo 337º do CT que “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho” – tratando-se aliás de norma idêntica à que já se consagrava quer no n.º 1 do art.º 381º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08, quer à que se mostrava consignada no n.º 1 do art.º 38º do anterior RJCIT (Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo Dec. Lei n.º 49.408 de 24-11-1969) –, importa desde já esclarecer que, embora aí se reporte a “crédito” e não a “créditos” como se verificava nas mencionadas normas destes últimos diplomas – se deverá entender que na norma se abarca, na especificidade própria do direito laboral, o acervo de direitos que se constituem na esfera jurídica do trabalhador, decorrentes das vicissitudes associadas à violação ou à cessação do contrato de trabalho.
Assim, no caso, como aliás se nos afigura de fácil perceção, tendo por base o quadro factual provado, não vislumbramos como possa ter sustentação, mínima que seja, o avançado entendimento da aqui Recorrente no sentido de que o destacamento, pela sua natureza, acarrete o desaparecimento da relação laboral que existia, antes da sua entrada em vigor, entre a 1.ª Ré e o Autor, nos teremos que resultam daquela factualidade provada, sendo que, pelo contrário, bastando aliás ter presente o próprio clausurado no acordo que foi celebrado, essa relação laboral se manteria, caso cessasse o destacamento, como veio a cessar. De resto, diga-se, a própria Recorrente praticou depois precisamente atos expressamente inerentes a essa manutenção, assim depois de o Autor ter regressado a Portugal, como mais uma vez se retira da mesma factualidade. As funções exercidas pelo Autor na empresa para que foi destacado foram-no ao abrigo do acordo (tripartido) celebrado entre as partes envolvidas, sendo que, como resulta aliás expresso desse acordo, como já o dissemos, esse não implicava a desvinculação do Autor à Ré / aqui recorrente, não perdendo, pois, aquele os direitos adquiridos e estabilidade de emprego decorrente do contrato de trabalho com esta.
Sendo deste modo, sem necessidade de outras considerações, carece de fundamento legal e mesmo de sentido, salvo o devido respeito, o argumento da Recorrente, invocado aliás de modo genérico, de que o destacamento ocorrido se possa configurar como “um verdadeiro contrato de trabalho” e, desse modo, que lhe seja aplicável o disposto no n. º 1 do artigo 337.º do CT.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.

2.3. Questão da cessação do acordo e seus efeitos: valores mensais de subsídio de destacamento e pela atribuição de VUP, plafond de combustível e plafond de chamadas telefónicas / ambos os recursos.
Sobre esta questão incidem quer o recurso principal quer o recurso subordinado.
Na verdade, se por um lado a Ré Recorrente dirige o seu recurso à questão da sua condenação referente às analisadas prestações por mais um ano (corresponde ao prazo de renovação do acordo de destacamento), dizendo que essa não deve persistir sob pena de enriquecimento sem causa do Autor / recorrido – com os argumentos de que deve ser aplicável o regime previsto para as comissões de serviço nos n.ºs 1 e 2 do artigo 163.º e 401.º (referindo sobre esta que a sua redação deverá ser adaptada às situações de cessação da comissão de serviço, porquanto, neste caso o vínculo laboral mantém-se intacto, cessando, apenas, as funções “especiais” que o trabalhador vinha exercendo) do CT, para concluir que, porque o Recorrido aquando da cessação da comissão de serviço continuou a receber a sua retribuição base e diuturnidades conforme vinha recebendo, deixando de ser pago o subsídio de destacamento, como era expectável, porquanto o pagamento de tal prestação estava diretamente dependente do exercício das funções em comissão de serviço, então nada mais lhe é devido, sob pena de nos colocarmos perante a situação do enriquecimento sem causa –, já o Autor, por sua vez, agora no recurso subordinado, defende que, diversamente do decidido, o montante de €721,79, relacionado com a atribuição de VUP, plafond mensal de combustível e plafond mensal de chamadas telefónicas, deve ser integrado no seu estatuto remuneratório – referindo designadamente que entre julho de 2009 e dezembro de 2010, consecutivamente, com carácter regular e periodicidade mensal, o seu estatuto remuneratório, cumprido pela Recorrida, esses direitos/valores eram tidos como parte integrante da sua retribuição (não há, nem foi produzida no processo, qualquer prova apta a demonstrar que tenha sido nomeado em comissão de serviço ou cedência ocasional de trabalhador, para desempenhar as funções de Assessoria ao Conselho de Administração da Apelada A..., logrando pelo contrário provar, em contrapartida, que muito antes e completamente fora do contexto e âmbito de quaisquer comissões de serviço, atribuiu e integrou na sua retribuição a VUP, o plafond mensal de 100 litros de combustível, e ainda um telemóvel com plafond mensal de €60,00 para chamadas telefónicas) –, sendo que, de contrário, acrescenta, estar-se-ia a violar o princípio da irredutibilidade da retribuição, que constitui uma das garantias legais do trabalhador, estabelecida na alínea d) do nº 1 do art. 129º do CT, para concluir que deve ser proferida decisão em conformidade, “com a consequente inclusão no seu estatuto remuneratório do montante de €721,79, correspondente ao valor global dessas parcelas retributivas (Veículo de Utilização Permanente, plafond mensal de combustível e plafond mensal de chamadas telefónicas)”.
Pronunciando-se o Ministério Público junto desta Relação, no parecer emitido, pela improcedência de ambos os recursos, extrai-se da fundamentação constante da sentença, sobre as analisadas questões, o seguinte:
“(…) Relativamente à diminuição da retribuição há que referir por um lado resultou provado que a Ré A... integrou no vencimento base mensal do Autor a quantia de 100.000$00 que este auferia na “D...” e após cessar tal contrato de cedência ocasional a esta empresa.
Não há assim deste prisma qualquer retrocesso salarial.
E o mesmo sucede com o facto de não ter sido atribuída viatura automóvel para uso particular (VUP) e plafond de combustível ou mesmo de chamadas telefónicas, quando regressou a Portugal.
É que tais regalias salariais tinham o seu contexto no âmbito dos seguintes contratos por ele celebrados:
Por força do contrato de cedência ocasional efetuado com a empresa “D...” foi-lhe atribuído ao autor de um veículo de uso permanente (VUP) com plafond de 150 litros de combustível mensal, tendo esse acordo de utilização do VUP celebrado entre a D... e o Autor caducado com a cessação dessa comissão de serviço.
Após, por despacho de 09/07/2009 a 1ª Ré atribui ao Autor as funções de Assessoria no âmbito da Análise do Modelo de Negócio do correio não endereçado em Espanha, tendo nessa mesma data deliberado atribuir enquanto no exercício das mesmas: um telemóvel de serviço com plafond de 60,00€ mensais e uma viatura de uso permanente (VUP) tipo III com plafond mensal de 100 litro de combustível, sendo que tais funções de assessoria do Conselho de Administração cessaram no dia 23/12/2010.
Em 23/12/2010 foi então atribuído ao Autor as funções de Adjunto do Atendimento no âmbito da SNC/RDT, e enquanto desempenhasse essas novas funções era mantido o atual estatuto remuneratório, vindo a cessar com produção de efeitos a partir de 01/07/2011.
Por fim, foi celebrado um Acordo de Destacamento, tendo o Autor sido nomeado, em comissão de serviço, para exercer as suas funções em Madrid, Espanha, na 2ª Ré.
Nos termos do acordo de destacamento celebrado entre as Rés e o Autor foi-lhe atribuída uma viatura ..., bem como, o plafond mensal de 150 litros de combustível.
Ou seja, o Autor antes de estar colocado em comissão de serviço na “D...” não usufruía dessas regalias patrimoniais e as mesmas quando lhe foram concedidas pressupunham o exercício pelo mesmo dessas tarefas que lhe foram cometidas quer em comissões de serviço, quer enquanto exercia as funções de assessoria e de adjunto de atendimento, que vieram a terminar.
Não existia assim uma situação de perenidade que possa levar a concluir que as mesmas passaram a integrar a retribuição do Autor e que este pudesse contar que teria sempre uma viatura automóvel para uso particular e “plafond” de combustível ou “plafond” mensal de chamadas telefónicas, desde que permanecesse como trabalhador dos A....
Não existiu assim qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, pois que como tem sido entendido o que a proibição de regressão salarial pretende consagrar é a impossibilidade de piorar o equilíbrio entre a prestação a cargo do trabalhador e a contraprestação do empregador. Quando a situação específica determinante de um certo complemento retributivo se altera ou desaparece, em princípio a supressão do dito complemento não altera o equilíbrio entre as prestações de cada uma das partes no contrato.
*
Há agora que apreciar o modo como cessou o acordo de destacamento subscrito pelo Autor e pelas duas rés.
O Acordo de Destacamento na B... que é uma empresa do Grupo A..., teve início a 01 de Julho de 2011 e duraria pelo prazo de um ano, renovável até três anos, podendo, contudo, cessar segundo uma das formas previstas na cláusula 5ª do mesmo, ou seja mediante:
a) cessação do contrato de trabalho entre o Autor e a 1ª Ré;
b) denúncia do Autor, com aviso prévio de 60 dias;
c) decisão da 1ª Ré, mediante aviso prévio de 60 dias; ou
d) por acordo entre as partes.
Resultou provado que o mesmo vigorou até ao dia 03/05/2013, tendo cessado por determinação da 1ª Ré.
Porém, para que unilateralmente pudesse pôr fim a tal acordo, tinha essa decisão dos A... ser comunicada ao Autor com um prazo de aviso prévio de 60 dias, como resulta expresso da referida alínea c), o que não resultou dos autos, tanto mais que a defesa das Rés consistia no facto de tal Acordo de destacamento ter terminado por acordo das partes o que manifestamente não sucedeu.
Consta desse acordo, na sua cláusula 2ª relativa ao estatuto remuneratório do Autor, que este para além do mais tinha direito a receber o pagamento de um subsídio de destacamento internacional, no montante de €1.500,00 (mil e quinhentos euros) mensais, a serem pagos 12 vezes por ano.
Tendo o Acordo de Destacamento tendo início a 01 de Julho de 2011 e duraria pelo prazo de um ano, renovável até três anos, tem de se concluir perante esse clausulado que na falta de indicação de outro prazo de renovação, a renovação tinha caracter anual, era automática e que o Acordo de Destacamento teria o seu termo em 1 de Julho de 2014, caso não cessasse validamente nas condições supra mencionadas, de forma taxativa.
Não ficando provado que a 1ª Ré comunicou ao Autor a cessação do acordo, obedecendo ao prazo de pré-aviso estabelecido, acarreta que o mesmo se tenha renovado por mais um ano, tendo assim o Autor direito a receber desta o valor correspondente aos referidos subsídios de destacamento até 1 de julho de 2014.
Tendo resultado provado que não foi pago ao Autor o Subsídio de Destacamento Internacional, pelo menos desde Junho de 2013, é assim a 1ª Ré é responsável pelo pagamento desses prejuízos causados ao Autor, no total de 19.500 (dezanove mil e quinhentos euros), correspondente aos últimos treze meses em que vigoraria o destacamento internacional.
Do mesmo modo, a renovação do aludido acordo por mais um ano implicaria o direito do Autor a que lhe fosse atribuída uma viatura automóvel para uso permanente (VUP) e a um plafond de combustível e de chamadas telefónicas, regalias salariais (free benefits) que, conforme já referimos, tinham o seu contexto no âmbito do aludido Acordo de Destacamento.
Com efeito, nos termos do acordo de destacamento celebrado entre as Rés e o Autor foi-lhe atribuída uma viatura ..., bem como o plafond mensal de 150 litros de combustível e um “plafond” mensal de chamadas telefónicas.
E assim tendo-se operado a renovação do aludido acordo de destacamento por mais um ano, o autor tinha direito às aludidas regalias salariais por parte da 1ª Ré de atribuição de uma viatura, de um plafond mensal de combustível e de um plafod mensal de chamadas telefónicas até 1 de julho de 2014.
Tendo resultado provado que o Autor quando regressou a Portugal, após ter estado a trabalhar na “B...” em Espanha, teve de proceder, ainda nesse País à entrega da viatura automóvel e do telemóvel que utilizava é assim a 1ª Ré responsável pelo pagamento também do prejuízo causado ao Autor, pela retirada de tais regalias salariais, de que teria direito a beneficiar nos últimos treze meses em que vigoraria o destacamento internacional, por o respectivo acordo se ter renovado por mais um ano.
Assim, tendo resultado provado que foi atribuída ao Autor a viatura com a matrícula ....-GRZ, de marca Audi, modelo ..., cuja renda mensal correspondia à quantia de €743,01 (setecentos e quarenta e três euros e um cêntimo), bem como, o plafond mensal de 150 litros de combustível, conforme também resulta da cláusula sexta do Acordo de Utilização de VUP no valor mensal de €201,60 e ainda um plafond mensal de chamadas telefónicas no valor mensal de €60,00, tudo perfazendo o montante mensal de €1.004,61, e total de €13.059,93, correspondente aos últimos treze meses em que vigoraria a comissão de serviço internacional, e que o Autor também teria direito a receber mensalmente, a 1ª Ré é igualmente responsável pelo pagamento desses prejuízos também causados ao Autor, no total de €13.059,93 (treze mil cinquenta e nove euros e noventa e três cêntimos), por se tratar do valor que o autor também receberia nos últimos treze meses em que vigoraria o destacamento internacional por força da renovação que se verificou do respectivo acordo.
(…) Relativamente à 2ª Ré os autos não traduzem qualquer comportamento ilícito da mesma, pelo que terá de ser absolvida desse pedido indemnizatório, tanto mais que a mesma atento o disposto na referida cláusula 5ª do referido acordo não podia fazer cessar unilateralmente o mesmo e também não foi ela quem ordenou o regresso do Autor a Portugal.”

2.3.1. Em face da citada fundamentação, cumprindo-nos pronúncia, iniciando-se a nossa análise, por razões de precedência, pela questão levantada no recurso subordinado – pois que da eventual procedência deste recurso pode derivar a desnecessidade de apreciação da questão que é levantada pela Ré no recurso principal –, desde já avançamos que acompanhamos o decidido, ou seja quanto à questão de não deverem ser integrados na retribuição do Autor os montantes que este refere no seu recurso, assim referentes à atribuição de VUP, plafond mensal de combustível e plafond mensal de chamadas telefónicas.
Sobre a questão da integração pretendida pelo Autor das referidas regalias, tendo o tribunal recorrido afastado tal pretensão, pouco importaria acrescentar às razões indicadas para o efeito na sentença.
Não obstante, diremos o seguinte:
Em resposta sobre o que há de entender-se por retribuição, essa representa, como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2012[17], “a contrapartida, por parte do empregador, da prestação de trabalho efectuada pelo trabalhador, sendo que o carácter retributivo de uma certa prestação exigia regularidade e periodicidade no seu pagamento, o que tem um duplo sentido: por um lado, apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia do empregador; por outro lado, assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador.”
Assim, devendo entender-se por regularidade da prestação que essa não é arbitrária, mas sim constante, a periodicidade determina que essa seja paga em períodos certos ou tendencialmente certos no tempo, assumindo-se assim esta ideia de periodicidade como típica do contrato de trabalho.
Do exposto resulta que, sendo em primeira linha a retribuição determinada diretamente pelo clausulado do contrato e pelos usos laborais – sem esquecermos, naturalmente, o que resulta ainda de certos critérios normativos, como o sejam o salário mínimo, a igualdade retributiva, etc. –, já num segundo momento, porém, lhe poderão acrescer certas prestações que preencham os aludidos requisitos de periodicidade e regularidade. Sublinhando o primeiro critério a ideia de correspetividade ou contrapartida negocial – é retribuição tudo o que as partes contratarem (ou resultar dos usos ou da lei para o tipo de relação laboral em causa) como contrapartida da disponibilidade da força de trabalho –, já o segundo, por sua vez, assenta numa presunção – considera-se que as prestações que sejam realizadas regular e periodicamente pressupõem uma vinculação prévia do empregador e suscitam uma expetativa de ganho por parte do trabalhador, ainda que tais prestações se não encontrem expressamente consignadas no contrato[18]. Deste modo o tem afirmado a doutrina e a jurisprudência, que nos têm dado, também, critérios para que seja encontrada a solução, caso a caso[19].
Em suma, pode dizer-se que a retribuição do trabalho se assumirá como “o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida)”[20], sendo a mesma integrada não só pela remuneração de base como ainda por outras prestações regulares e periódicas, feitas direta ou indiretamente, incluindo as remunerações por trabalho extraordinário, quando as mesmas, sendo de carácter regular e periódico, criem no trabalhador a convicção de que elas constituem um complemento do seu salário[21].
Depois destas considerações a respeito do que deve ter-se por integrado na retribuição do trabalhador, importa agora aflorar uma questão diretamente relacionada com a própria natureza dessa retribuição, de resto com assento na lei, assim no artigo 129.º, n.º 1, al. d), do CT/2009 – anteriormente, no CT/2003 seu artigo 122.º, alínea d) –, em que se estabelece o princípio de irredutibilidade da retribuição, no sentido de que esta não pode ser diminuída, salvo casos específicos previstos na lei, nas portarias de regulamentação do trabalho e nas convenções coletivas.
No entanto, como tem sido afirmado pela Doutrina e Jurisprudência, tal como referido no Acórdão desta Relação de 2 de março de 2017[22], a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares, como evidenciado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 01 de abril de 2009[23], em que se refere que “as prestações complementares auferidas em função da natureza das funções ou da especificidade do desempenho (subsídio nocturno, isenção de horário e outros subsídios) apenas são devidas enquanto persistirem as situações que lhes servem de fundamento, podendo a entidade empregadora suprimir as mesmas logo que cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição, sem que isso implique violação do princípio da irredutibilidade da retribuição”, “isto é, embora de natureza retributiva, tais remunerações não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação que lhe serve de fundamento, podendo o empregador suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição”[24] .
Estando então em causa um designado “abono por compensação por destacamento”, escreveu-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 22 de janeiro de 2019[25] o seguinte:
“(….) O tribunal afastou, e bem, essa pretensão, pouco havendo a acrescentar.
Resulta da factualidade assente que as partes convencionaram uma “remuneração base mensal” e um “abono por compensação por destacamento”, sendo que este não consubstancia qualquer contrapartida direta da prestação de trabalho, da disponibilidade da força de trabalho oferecida pelo trabalhador; ao invés e como a própria denominação sugere, trata-se de uma parcela pecuniária paga pela entidade empregadora em função do maior esforço ou penosidade do trabalho, no caso, pela prestação da atividade em local diferente do país de residência. Estamos, pois, perante ajudas de custo, devendo essa prestação ser excluída do conceito de retribuição (art. 260º, nº1, alínea a) do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro (CT), diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem [ [2] ] [ [3] ].
Como refere João Leal Amado “[o] número 2 do art. 258º dá conta da grande complexidade assumida pelo salário, nele se distinguindo a chamada «retribuição base» de todo um conjunto (cada vez mais extenso e diversificado, sobretudo por influência da contratação colectiva) de prestações complementares ou acessórias, tais como diuturnidades, subsídios de risco, de penosidade, de toxicidade, de isolamento, de alojamento, de alimentação, de transporte, de turno, de férias, de Natal, prémios de produtividade ou de assiduidade, comissões, prestações por trabalho suplementar ou nocturno… O salário é, pois, uma realidade multiforme e heterogénea, integrada por numerosas prestações pecuniárias mas também, não raro, por prestações em espécie, a este propósito se falando, eloquentemente, em «retribuição complexiva», de modo a abranger todas aquelas prestações” [[4]].
Assim sendo, essa prestação específica deve ser excluída na ponderação dos valores de remuneração devidos e alusivos a férias, nos moldes expressos na sentença recorrida [[5]]. E, invocando o autor que não exerceu qualquer atividade desde 17-03-2016, daí decorre que relativamente ao período subsequente, como a ré contestante invocou, também não é devida qualquer quantia a esse título.
Como unanimemente é entendido, o princípio da irredutibilidade da retribuição – no sentido de que o salário do trabalhador não pode ser diminuído nem com o seu acordo, salvo as exceções previstas na lei (art. 129º, nº1, alínea d) –, não incide sobre a globalidade da retribuição, ficando afastadas as parcelas que se reportam a complementos salariais pagos em função do modo específico em que o trabalho é prestado, no caso, com a contrapartida pelo maior esforço ou penosidade do trabalho, parcelas que devem ser excluídas sempre que concretamente não se verifique o condicionalismo que lhes subjaz, como aqui acontece. (…)”
Ou seja, do que fica dito resulta ser permitido ao empregador retirar ao trabalhador determinados complementos salariais se cessar, licitamente, a situação que serviu de fundamento à atribuição dos mesmos, sem que daí decorra a violação do analisado princípio.
Ora, como aliás se considerou na sentença, é precisamente este o caso, pois que, tal como resulta da factualidade provada, as regalias a que alude o Autor no presente recurso, não existindo antes (assim nomeadamente antes de estar colocado em comissão de serviço na “D...”), quando foram concedidas, tiveram sempre uma causa específica da sua atribuição, no caso diretamente ligada ao exercício de funções ou em comissões de serviço ou de assessoria e de adjunto de atendimento, não se integrando assim no conceito de retribuição que é protegido pelo denominado princípio da irredutibilidade da retribuição, a que alude o artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do CT[26].
Sendo assim, claudicando os argumentos do Recorrente em contrário, improcede o recurso subordinado a respeito da analisada questão.

2.3.2. Entrando-se agora na apreciação da questão levantada pela 1.ª Ré no recurso principal, importa ter presente, em termos de delimitação do objeto do recurso, que a 1.ª Ré esse dirige, no âmbito da aplicação do direito, como antes já o dissemos e entendemos ser evidenciado nas conclusões que apresentou, à condenação relacionada com o pagamento do subsídio de destacamento internacional e valores relacionados com a atribuição de VUP, plafond de combustível e de chamadas telefónicas de telemóvel.
Devendo atender-se à mencionada delimitação, avançando-se na apreciação, consideramos também oportuno esclarecer, desde já, que está agora em causa questão diversa da que antes apreciámos (e que foi levantada pelo Autor no recurso subordinado), pois que, afinal, do que se trata é de saber se, por decorrência da circunstância de a Ré não ter porventura cumprido com o prazo estabelecido no acordo para a sua cessação, tal acordo se renovou e, sendo esse o caso, por que período e com que consequências no que diz respeito à atribuição do subsídio de destacamento internacional e, por outro lado, valores relacionados com o VUP, plafond de combustível e de chamadas telefónicas de telemóvel, incluindo-se nesta a questão, que também se levanta, de dever ou não ser neste caso de aplicar, diversamente do decidido, o regime previsto no artigo 401.º do CT.
Apreciando, então, vistos os argumentos avançados pela Recorrente no recurso, importa desde já salientar que, assentando o primeiro desses argumentos na invocação de que a cessação do acordo de destacamento internacional do Autor teria decorrido de acordo/consenso entre as partes, dirigindo para o efeito, para suportar tal posição, o recurso à impugnação da matéria de facto, nomeadamente ao ponto 5.º da factualidade não provada, a verdade é que, como resultou da nossa apreciação nesse âmbito, não logrou a Recorrente obter ganho nessa sua pretensão e, porque assim é, deixa de ter adequado suporte na matéria de facto tal argumento e, pois, a correspondente pretensão jurídica que pretendia basear na referida alteração da matéria de facto. Ou seja, na consideração, que nos é imposta, do que resulta da factualidade provada, não nos merece censura a afirmação do Tribunal recorrido de que o acordo “vigorou até ao dia 03/05/2013, tendo cessado por determinação da 1ª Ré”.
Porém, avançando-se na apreciação, não obstante ser verdade, em face do que desde logo resulta do acordo de destacamento celebrado, que estando previsto, expressamente, que a Ré / aqui recorrente poderia por decisão unilateral / sua pôr-lhe fim, mas ainda, e em particular, que tal decisão deveria ser comunicada ao Autor com um prazo de aviso prévio de 60 dias – como resulta expresso da alínea c), do ponto 5.º –, comunicação esta que, de acordo com a factualidade provada, entendemos também, tal como dito na sentença, que não ocorreu (apenas resultando provado, assim da alínea BL), de resto após a alteração a que antes procedemos na apreciação do recurso a essa dirigido em sede de impugnação da matéria de facto, que “em data não apurada do mês de março de 2023, em conversa com NN, foi dito ao Autor que o seu contrato de destacamento na B... iria terminar no final do mês de abril desse ano, tendo este retorquido que quem tinha de o mandar embora eram os A..., pois não tinha contrato com a B...”, tal não se traduz, afinal, tanto mais que sequer emergente da Ré recorrente, em comunicação desta, como se imporia), no entanto, porém, com a natural salvaguarda do respeito devido, podem efetivamente ser levantadas algumas dúvidas quanto na sentença recorrida, depois de dizer que o acordo teria tido início a 1 de julho de 2011 e que duraria pelo prazo de um ano, renovável até três anos, e que teria de se concluir perante o clausulado que na falta de indicação de outro prazo de renovação, a renovação teria carácter anual, se afirma, sem mais, que essa renovação seria automática “e que o Acordo de Destacamento teria o seu termo em 1 de Julho de 2014, caso não cessasse validamente nas condições supra mencionadas, de forma taxativa”.
É que, em face dos fundamentos expressos na fundamentação antes citada, na qual sequer se faz alusão às razões por que o teor do acordo, em termos interpretativos, deve conduzir à conclusão a que se chega relacionada com a natureza automática da renovação, entendemos como possível e legítimo que se possa defender diversa interpretação.
Desde logo, a propósito da referência que se parece fazer ao n.º 2 da cláusula 1.ª, apenas resultando desse que “o presente acordo tem início no dia 1 de julho de 2011 e durará pelo prazo de um ano renovável até três anos, sem prejuízo do disposto na Clª 5.ª”, não se pode sem mais concluir, como se diz na sentença, que desse clausulado, ao utilizar-se apenas a expressão “renovável”, desacompanhada, pois, no texto, de qualquer menção ao modo como se renovaria, que tivesse de ser, como aí se disse, automática, pois que, mesmo não se considerando quaisquer outras razões – em que se incluiria a circunstância de se ter também feito constar expressamente do acordo que a nomeação do Autor era efetuada em comissão de serviço e se por essa razão não seria caso para considerar o que possa resultar do regime legal estabelecido no CT para as comissões de serviço –, visto agora apenas o teor literal das cláusulas que constam do documento, ou seja o seu texto, constando desse, apenas, a aludida menção – que a comissão de serviço duraria “pelo prazo de um ano renovável até três anos” –, apenas seguida de que “sem prejuízo do disposto na Clª 5.ª”, porque esta cláusula apenas faz referência ao modo como poderia cessar o destacamento (no que a decisão dos A... se refere, “mediante aviso prévio, de 60 dias”), dúvidas se podem levantar, no que se refere a poder considerar-se que teria sido efetivamente vontade das partes (com assento bastante nesse texto, nos termos exigidos pelas regras de interpretação), um sentido de que a renovação tivesse de ser automática, renovando-se desse modo o acordo, por mais uma ano, automaticamente, caso não fosse observado o prazo de aviso prévio de antecedência de 60 dias em relação ao termo do prazo que decorria. De resto, em termos diversos, a inclusão da expressão “sem prejuízo do disposto na Clª 5.ª” pode traduzir uma vontade no sentido de que a questão da renovação dependeria da circunstância de não ser feito cessar o acordo nos termos previstos na indicada alínea 5.ª. Ou seja, sem atender sequer à questão de saber se pode ou não ser afastado o regime legal aplicável, incluindo sobre a natureza da relação/vínculo que existia, em que se terá de ter presente, também, necessariamente, que o deveria ser no seu âmbito em que o Autor exerceria efetivamente funções, o que se contata, assim em face do teor conjugado do que se fez constar do acordo, por aplicação das regras interpretativas a que se deverá atender, em particular o que resulta dos artigos 336.º e seguintes do Código Civil (CC), é que dúvidas se colocam a respeito de poder afirmar-se que a única interpretação possível seja a que parece ter estado na base do entendimento a que se chegou na sentença.
Na verdade, os critérios interpretativos, que importa aqui aplicar, não permitem afastar interpretação diversa, na consideração, desde logo, de que, consagrando o artigo 236.º do Código Civil (CC) a chamada doutrina da impressão do destinatário, ao estabelecer que “[a] declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante”[27], mas consagrando porém o n.º 1 do artigo 238.º um limite a essa doutrina da impressão do destinatário muito embora de alcance limitado aos negócios formais – ao estabelecer que nestes “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”[28] –, será então caso para perguntar-se se, no caso em análise, uma pessoa razoável, isto é, medianamente instruída, diligente e sagaz [29], colocada na posição das partes, assim Autor e Rés, deduziria do teor das referidas cláusulas a manifestação de vontade nesse sentido, desde logo porque, ainda que se possa porventura ter por preenchida a exigência de forma (para o destacamento no estrangeiro e como antes se disse em comissão de serviço), importaria, como resulta do citado n.º 1 do artigo 238.º, que essa intenção de renovação automática, para poder valer, tivesse um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso – assim que se possa dizer, sem mais, que o texto dê adequado apoio a uma intenção, efetivamente pretendida pelas partes, no sentido de que o destacamento do Autor se tivesse necessariamente de renovar, automaticamente, por um novo período de um ano, no caso de não vir a ser cumprido o prazo de aviso prévio de 60 dias previsto na cláusula 5.ª.
Não obstante as dúvidas antes enunciadas, admitindo-se, porém, que tal interpretação seja ainda assim adequada, no entanto, com a natural salvaguarda do respeito devido por diverso entendimento, entendemos que se nos coloca uma outra questão, que entendemos assumir efetiva relevância para o caso que apreciamos, sobre a qual nos pronunciaremos de seguida.
É que, constando expressamente do acordo que o destacamento do Autor era em comissão de serviço, não se podendo dizer, sendo que a questão sequer é levantada nos recursos, que o recurso a tal figura, assim de comissão de serviço, não tivesse no caso sustentação legal – quanto ao destacamento no estrangeiro, nesse se inclui, o que é aplicável ao caso, o de trabalhador que é destacado para prestar atividade numa empresa localizada noutro Estado Membro e pertencente ao mesmo grupo de empresas (artigos 6.º, n.º 1, alínea b), e 8.º do CT) e sobre o exercício das funções previstas para a comissão de serviço integrar-se-ão na previsão do artigo 161.º do CT mesma na redação dada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro –, resulta afinal, de modo claro, como nesta parte o invoca a Ré recorrente, assim do disposto no n.º 1 do artigo 163.º do CT, que “qualquer das partes pode pôr termo à comissão de serviço, mediante aviso prévio por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, consoante aquela tenha durado, respectivamente, até dois anos ou período superior”, regime esse que se adequa, pois, ao que se fez constar respetivamente das alíneas b) e c) da cláusula 5.ª do acordo celebrado – esse conteúdo traduz, assim, precisamente, a previsão expressa daquela possibilidade, prevista precisamente naquele artigo, de as partes poderem pôr termo à comissão de serviço em que se encontre o trabalhador –, sendo que, estabelecendo-se depois no n.º 2 do mesmo normativo que “a falta de aviso prévio não obsta à cessação da comissão de serviço, constituindo a parte faltosa na obrigação de indemnizar a contraparte nos termos do artigo 401.º”, daí resulta que o regime estabelecido para estes casos se afasta radicalmente do regime geral de cessação do contrato de trabalho.
Conforme refere Maria do Rosário da Palma Ramalho[30]: o “princípio subjacente à figura da comissão de serviço e que orienta o seu regime jurídico é o do reconhecimento do caráter fiduciário de algumas situações jurídicas laborais. Não obstante, a fidúcia, não ser de aceitar como característica geral dos contratos de trabalho, (…), em alguns casos o vínculo laboral baseia-se, efetivamente, numa relação de confiança pessoal entre o empregador e o trabalhador, que decorre do tipo de função que é o segundo chamado a desempenhar (uma função de chefia ou uma função de secretariado pessoal), e é esta circunstância que justifica o enquadramento especial deste tipo de vínculos de trabalho. Deste princípio geral decorre também a maior especificidade do regime da figura da comissão de serviço, que é possibilidade de pôr termo ao vínculo de comissão de serviço independentemente de ocorrência de justa causa (arts. 163 e 164.ºdo CT)”.
Voltando então ao caso dos autos, não se invocando, nem se constatando que exista, qualquer vício de forma que pudesse porventura afetar a validade do destacamento do Autor no estrangeiro, incluindo em comissão de serviço, e, assim, afastar o regime que antes referimos e que se encontra previsto expressamente na lei para a sua cessação, então, a consequência a retirar da circunstância de a Ré aqui recorrente ter feito cessar tal destacamento em comissão de serviço por decisão unilateral, o que lhe era permitido fazer quer em face da lei quer ainda do acordo celebrado, mas com desrespeito do prazo de aviso prévio acordado, será, por aplicação daquele mesmo regime, o de se considerar que declaração de cessação teria produzido os seu efeitos legais. Assim o consideramos pois que, por um lado, não resultando sequer do acordo de destacamento celebrado a menção expressa de que essa cessação tivesse de o ser por escrito, ainda que se entendesse que estaria em causa uma formalidade ad substantiam e deste modo exigida para a validade da declaração, a verdade é que resulta afinal já da factualidade provada, assim da alínea BJ, que o contrato de destacamento “vigorou até ao dia 03/05/2013, tendo cessado por determinação da 1ª Ré. (resposta a 23º)”, e, por outro lado, ainda, mais uma vez resultante da factualidade provada, neste caso da alínea seguinte, que o próprio Autor pediu, inclusivamente, “aos “A...” para vir embora apenas no dia 3 de Maio e não no final de Abril de 2013, como a co-ré ““A...” tinha ordenado”, o que, sem necessidade de maiores considerações, atendendo ao referido contexto, retira real relevância ao argumento que o Autor invoca nas contra-alegações de que a comunicação não teria sido por escrito.
Deste modo, mas por referência a essa data, assim de 3 de maio de 2023, é de considerar que a 1.ª Ré fez cessar unilateralmente o acordo que vigorava e, por decorrência, com sujeição, como dito, como previsto na lei, à obrigação de indemnizar o Autor dos danos que este sofreu, mas nos termos previstos no artigo 401.º do CT. Ou seja, sendo a própria lei que, de modo inequívoco, aponta no sentido de que o desrespeito do prazo de aviso prévio não invalida a eficácia da declaração de cessação da comissão de serviço, sendo, pois, essa válida e eficaz para produzir os seus efeitos legais, o desrespeito do prazo de aviso prévio, caso tenha ocorrido, apenas sujeita a parte faltosa, no caso a entidade patronal, ao pagamento da indemnização, nos termos previstos naquela norma – como dessa resulta, “uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência” –, o que se traduzirá, no caso, na obrigação de pagamento, pela Ré aqui recorrente, dos valores, mas apenas como se disse referentes aos dois meses em que ocorreu falta de aviso prévio, relacionados com os valores referentes, por um lado, ao subsídio de destacamento e, por outro, a atribuição de VUP, plafond de combustível e de chamadas telefónicas, o que se traduz, realizados os cálculos, em, respetivamente, €3.000,00 (€1.500 x 2 meses) e €2.009,22 (€1 004,61 x 2), num total, pois, de €5.009,22, e não, pois, nos montantes a que se chegou na sentença, a esse título, que por esta razão, procedendo o recurso da Ré nesta parte, se impõe alterar, em conformidade, sendo assim antes apenas devido tal valor.
Procede, pois, o recurso da 1.ª Ré na referida parte.

2.4. Questão da condenação em indemnização por dados não patrimoniais / ambos os recursos
No recurso principal, defende a Ré / recorrente, aqui não se considerando as considerações que faz nas conclusões sobre matéria de facto – pois que sobre essas já nos pronunciámos antes aquando, precisamente, da apreciação dos recurso na parte dirigida à matéria de facto –, que, estando em causa a alegada não atribuição de funções ao Autor / recorrido após o seu regresso da B..., em Espanha, uma vez cessado o Acordo de Destacamento Internacional, em 3 de maio de 2014, procedeu ela, através da Direção de Recursos Humanos, à identificação de possíveis locais de trabalho adequados à categoria profissional daquele, tentando adequar a colocação tendo em conta não só a sua categoria profissional como, também, a sua experiência profissional, sendo que, para além do mais, refere que tudo tentou para lhe atribuir funções adequadas à sua categoria profissional e aos conhecimentos que detinha na área operacional (tarefa nem sempre facilitada devido às pretensões do A./Recorrido na atribuição de um cargo de chefia e na constante postura de difícil aceitação das soluções propostas), para concluir que “revela a sentença recorrida um erro de julgamento sobre a matéria de facto e errada interpretação e aplicação das normas legais nos presentes autos, porquanto das mesmas não se retira qualquer conduta da Ré A... merecedora de reparação a título de danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, menos ainda, danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” – “e, não se verificando o nexo de causalidade entre a actuação da R./Recorrente e qualquer situação merecedora de reparo a título de danos não patrimoniais alegadamente sofridos pelo A./Recorrido decorrentes de eventual actuação ilícita da R./Recorrente, não é devida qualquer indemnização a esse título, muito menos no quantum que foi, por excessivo”, “termos em que ao decidir como decidiu, a sentença recorrida nesta parte violou o Direito, em especial, o disposto nos artigos 494.º e 496.º do CC.”.
Por sua vez, baseado também na alteração da matéria de facto por que também pugnou, no recurso subordinado, defende o Autor, afirmando que “a sentença recorrida violou o disposto na alínea d) do nº 1 do art. 129º do Código do Trabalho e nos arts. 483º, 494º e 496º do Código Civil”, que, atentas todas as circunstâncias do caso concreto, deverá, equitativamente, ser fixado em €25.000,00 o montante a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por si sofridos – referindo - A sentença recorrida violou o disposto na alínea d) do nº 1 do art. 129º do Código do Trabalho e nos arts. 483º, 494º e 496º do Código Civil.
Resulta da sentença, sobre esta última questão que agora se analisa, o seguinte:
“(…) Resta agora apurar da indemnização a título de responsabilidade da 1º Ré por danos não patrimoniais.
Prendem-se com a alegada não atribuição de tarefas correspondentes à arrogada categoria profissional do Autor, à não colocação do Autor para um cargo na nova direção de Operações Norte e desconhecimento do seu futuro profissional, a tentativa da Ré “A...” fazer cessar o contrato de trabalho a pretexto de uma falsa situação de invalidez do Autor e o esvaziamento das funções deste quando colocado na RDTN.
Ora, não ficou provado que devesse ser atribuída ao Autor uma outra categoria profissional, nem também que devesse ser nomeado num cargo na O.P., aquando da referida reestruturação, nem ainda que a Ré A... pretendesse ou tivesse tentado influenciado a junta médica, com vista a vir a obter uma declaração de situação de invalidez do Autor.
Resta assim apreciar a situação de quase total inocupação do Autor quando foi colocado na RDTN, que lhe acarretou uma situação de tristeza e de humilhação.
Há quem considere que a falta de ocupação só por si não acarreta prejuízos ao trabalhador.
Nunes de Carvalho no artigo “A “ocupação efectiva do trabalhador” no Código do Trabalho”, tendo em consideração que o artigo 129 nº 1 al. b) do Código do Trabalho só proíbe que o empregador obste injustificadamente à prestação efetiva de trabalho defende que proibição dirigida ao empregador apenas incide “sobre actos que visem obstar injustificadamente à efectiva realização do trabalho”, acrescentando que “Certo é, desde já, que a abordagem do conceito não pode ser empreendida a partir de um axiomático reconhecimento de um «direito à ocupação efectiva», que estaria como que limitado externamente pela ideia de desocupação justificada. Como vimos, a própria letra da lei não consente esta leitura: apenas proíbe ao empregador a criação de impedimentos injustificados à prestação do trabalho”.
Tal não é porém, salvo o devido respeito por opinião contrária, por entender que o direito à ocupação efetiva é corolário da própria realização pessoal do trabalhador através do trabalho.
Como bem ensina o saudoso Professor Jorge Leite, in “Direito do Trabalho e da Segurança Social”, Lições ao 3º Ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1982, pág. 218, “A inatividade de um trabalhador ou a criação de obstáculos ao desempenho da sua atividade pode representar a destruição da sua carreira profissional, a negação de um direito elementar de se realizar, de ser e de se sentir socialmente útil, pode ser até a “forma de limitar direitos fundamentais”.
Salienta por sua vez Monteiro Fernandes in “Direito do Trabalho” vol I, Almedina, 1991, pág. 239 e ss que, “deve entender-se que o contrato de trabalho envolve o compromisso da ocupação efectiva, como imperativo da boa fé no cumprimento do contrato, não merecendo protecção as motivações que levem o empregador a manter o trabalhador inactivo podendo objectivamente ocupá-lo”.
A 1ª Ré agiu assim de forma censurável, provocando danos que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, havendo assim lugar ao seu ressarcimento, com base em juízo de equidade (art.º 483.º e 496.º 1 e 3, do Código Civil).
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, Vol. I “O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do responsável) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.
Considero assim equilibrado indemnizar o Autor a título de responsabilidade por danos de natureza não patrimonial na quantia de €3.000,00 (três mil euros).”
Como se extrai da citada fundamentação, apreciando a alegada não atribuição de tarefas correspondentes à arrogada categoria profissional do Autor, à não colocação do Autor para um cargo na nova direção de Operações Norte e desconhecimento do seu futuro profissional, a tentativa da Ré “A...” fazer cessar o contrato de trabalho a pretexto de uma falsa situação de invalidez do Autor e o esvaziamento das funções deste quando colocado na RDTN”, o Tribunal recorrido, depois de ter considerado que não ficou provado que devesse ser atribuída ao Autor uma outra categoria profissional, nem também que devesse ser nomeado num cargo na O.P., aquando da referida reestruturação, nem ainda que a Ré A... pretendesse ou tivesse tentado influenciado a junta médica, com vista a vir a obter uma declaração de situação de invalidez do Autor, dizendo por fim que restava apreciar a situação de quase total inocupação do Autor quando foi colocado na RDTN, o que lhe acarretou uma situação de tristeza e de humilhação, afirmou que a 1ª Ré agiu de forma censurável, provocando danos que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, havendo assim lugar ao seu ressarcimento, com base em juízo de equidade (art.º 483.º e 496.º 1 e 3, do Código Civil), para o considerou equilibrado indemnizar o Autor a título de responsabilidade por danos de natureza não patrimonial na quantia de €3.000,00.
Enquadrando a questão que nos é colocada, tal como no recente Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 30 de outubro de 2023[31], relembramos que, em face do regime que resulta da lei, desde logo os artigos 483.º e 496.º do CC, são quatro os requisitos da tutela dos danos não patrimoniais: (a) comportamento ilícito e culposo do agente; (b) existência de danos; (c) que esses danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito; (d) que se verifique um nexo causal entre aquele comportamento e o dano, por forma a que este seja daquele consequência.”
No que ao caso importa, cumprindo-nos apreciar, tendo também agora aqui presente a alteração a que antes procedemos da factualidade provada – da qual resultou que, para além do que já resultava da alínea AX) e que foi atendido na sentença, foi ainda aditada uma nova alínea, da qual resulta que “O autor sentiu-se também fragilizado, angustiado e constrangido, pela sua situação laboral, quando confrontado por colegas de trabalho e amigos” –, é também nosso entendimento que, diversamente do defendido pela Ré, estando-se perante um seu comportamento sem dúvidas censurável e do qual resultaram danos que pela sua gravidade merecem a tutela do direito, como afinal o considerou o Tribunal recorrido, juízo que, pois, nessa parte acompanhamos dispensando por desnecessidade considerações adicionais, já, porém, no que se refere ao quantum indemnizatório que foi por esse fixado, até porque como já o dissemos outros factos foram por nós introduzidos no presente acórdão e que agravam o quadro de danos ocorridos ligados àquela atitude ilícita e culposa da Ré, é nosso entendimento que esse montante indemnizatório a atribuir deve ser, antes, porque adequado e equitativo, o de €10.000,00.
Em conformidade com o exposto, improcedendo quanto à analisada questão o Recurso da Ré, na procedência parcial do recurso subordinado, impõe-se alterar a sentença recorrida em conformidade.
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Por decorrência do antes decidido, efetuados os necessários cálculos, a condenação da 1.ª Ré, constante da sentença, passa a ser, no presente acórdão, alterando-se a sentença em conformidade, no montante global de €15.009,22 (€3.000,00+€2.009,22+10.000,00), correspondente, respetivamente: por incumprimento do prazo do aviso prévio, a €3.000,00, referentes à condenação da 1.ª Ré relacionada com o subsídio de destacamento internacional, e a €2.009,22, relacionada com os valores de atribuição de VUP, plafond de combustível e de chamadas telefónicas, nos termos do decidido no ponto 2.3.3.; a €10.000,00, relacionada com a indemnização por danos não patrimoniais, que considerámos adequada ao caso, nos termos apreciados no ponto 2.4.
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No que se refere a custas, da ação e do presente recurso, as mesmas impendem sobre Autor e 1.ª Ré, em proporção do vencimento/decaimento (artigo 527.º do CPC).
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Sumário – a que alude o artigo 663.º, n.º 7, do CPC:
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IV - DECISÃO
Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, improcedendo os recursos no mais:
1. Na procedência parcial de ambos os recursos dirigidos à impugnação da matéria de facto, em alterar as alíneas BL) e AY), da factualidade provada, e introduzir a alínea AX-1), nos termos expressamente mencionados no presente acórdão;
2. Na procedência parcial dos recursos na vertente dirigida à aplicação do direito, nos termos também antes expostos no presente acórdão, mantendo-se a sentença no mais, em essa alterar no que ao ponto III do seu dispositivo diz respeito, o qual será substituído, neste acórdão, nos termos seguintes:
III- Sendo no mais absolvida, condenar a 1ª Ré A..., S.A a pagar ao Autor a quantia total de €15.009,22 (quinze mil e nove euros e vinte e dois cêntimos), acrescida de juros moratórios desde a citação e até integral pagamento, calculados à taxa supletiva legal, quantia aquela referente: a) a €3.000,00, relacionada com o devido por incumprimento do prazo do aviso prévio, referentes ao subsídio de destacamento internacional;
b) a €2.009,22, relacionada com o devido por incumprimento do prazo do aviso prévio, referente aos valores de atribuição de VUP, plafond de combustível e de chamadas telefónicas;
c) a €10.000,00, relacionada com a indemnização por danos não patrimoniais.

Custas da ação e dos recursos por Autor e 1.ª Ré, em proporção do vencimento / decaimento.

Porto, 15 de janeiro de 2024
(assinado digitalmente)
Nélson Fernandes
Rui Penha
Eugénia Pedro
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[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222
[2] Op. cit., p. 235/236
[3] Relatora Conselheira Ana Resende – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 (Recurso para Uniformização de Jurisprudência), publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14, páginas 44 - 65
[4] Cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[5] artigo 607.º, nº 5 do CPC
[6] Cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[7] Ainda, para além do mais, citando-se: “aceite e aplicada na prática pelo A., através da regularização da sua situação laboral com a B... em Espanha e perante as entidades espanholas, e do seu regresso a Portugal, sem qualquer reclamação, oposição ou expressão de desagrado, nem na data fixada pelo A. para o mesmo – doc. 2 junto com a contestação da 1ª R. A..., para o qual se remete e se dá por integralmente reproduzido, nem, tão pouco, na data em que retomou funções na 1ª R. (A...), ou seja, em 27 de Maio de 2013, data em que apresentou um pedido de gozo de férias ao responsável pela RDTN – cfr. doc. 3 junto com a contestação da 1ª R. A..., para o qual se remete e se dá por integralmente reproduzido. Ou seja, ao contrário do pretendido pelo A., trata-se de um Despacho que, em função da (anteriormente operada e concretizada) cessação do Acordo de Destacamento do A. na B..., fixou a colocação deste na OP/RDTN, bem como a data a partir da qual a mesma produziu efeitos, como facilmente se depreende de todo o acervo documental junto aos autos referente ao regresso do A. ao serviço da 1ª R., nomeadamente o doc. 2 vso. junto com a Contestação da 1ª R. (e-mail de 6 de Maio de 2013, pontos 1 e 2), para o qual se remete e se dá por integralmente reproduzido.”
[8] In “Tratado de Direito Civil Português”, vol. I, Tomo IV, págs. 496 e 497.
[9] Conselheiro Araújo Barros, disponível em www.dgsi.pt
[10] Conselheiro Rodrigues dos Santos, disponível em www.dgsi.pt
[11] - (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 225, 226 ; Ver, ainda . A. Varela, Manual de P. Civil 2a edição pág. 520 e também o ac do STJ de 23/Nov/ de 2005 Jur./STJ/net que seguimos de perto).
[12] Com a redação seguinte: “4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. 5. O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
[13] Relator Conselheiro Hélder Roque, disponível em www.dgsi.pt.
[14] [3] STJ, de 6-7-2011, Revª nº 3612/07.OTBLRA.C2.S1, 1ª secção, deste mesmo Relator e do actual Exº 1º Adjunto, www.dgsi.pt.
[15] [4] STJ, de 1-10-96, Pº nº 96B053, www.dgsi.pt
[16] Ao fazer constar destas, expressamente:
“Não se conforma a ora Recorrente com a decisão proferida nos presentes autos que:
1. Em primeiro lugar, indeferiu a excepção de prescrição dos laborais peticionados pelo Autor e a condenou no pagamento de €19.500,00 a título de subsídio de destacamento internacional;
2. Em segundo lugar, a condenou no pagamento de €3.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
3.Em terceiro lugar, a condenou no pagamento de €13.059,93, a título de Renda Mensal pela atribuição de Viatura de Utilização Permanente, plafond de combustível e plafond de chamadas telefónicas, referentes aos últimos 13 meses de renovação da comissão de serviço internacional.”
[17] Relator Conselheiro Pinto Hespanhol, in www.dgsi.pt.
[18] Vide, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, págs. 440-441
[19] Assim, porque elucidativo, sobre o regime da LCT, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2006, citado, por sua vez, no Acórdão do mesmo Tribunal de 12 de Março de 2009, disponível em www.dgsi.pt
[20] Cf. Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, pág. 439.
[21] Neste sentido, Monteiro Fernandes, ob. cit., pág. 449; Bernardo Lobo Xavier in Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., pág. 382
[22] Também relatado pelo aqui relator, in www.dgsi.pt.
[24] Relator Conselheiro Vasques Dinis, in www.dgsi.pt.
[25] Desse constando, no sentido de ser esse também o entendimento da doutrina, o seguinte: “(…)Pedro Romano Martinez (obra citada, pág. 610) observa que «os complementos salariais que são devidos enquanto contrapartida do modo específico do trabalho – como um subsídio de “penosidade”, de “isolamento”, de “trabalho nocturno”, de “risco” ou de “isenção de horário de trabalho” – podem ser reduzidos, ou até suprimidos, na exacta medida em que se verifique modificações ou a supressão dos mencionados condicionalismos externos do serviço prestado. O princípio da irredutibilidade da retribuição não obsta a que sejam afectadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho sempre que ocorram, factualmente, modificações ao nível do modo específico de execução da prestação laboral. Tais subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação de base que lhe serve de fundamento». Também Monteiro Fernandes (obra citada, pág. 472), a propósito do princípio da irredutibilidade da retribuição e de saber se os «aditivos» específicos previstos na lei quanto à determinação da retribuição devem encontrar-se ao abrigo daquele princípio, esclarece que «os referidos subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento”.
[25] Relatora Desembargadora Isabel Fonseca, in www.dgsi.pt.
[26] Como ocorreria com eventual abono que as partes tivessem convencionado por compensação por destacamento, que não consubstanciaria, em princípio, afinal, qualquer contrapartida direta da prestação de trabalho, da disponibilidade da força de trabalho oferecida pelo trabalhador, tratando-se, ao invés e como a própria denominação sugere, de uma parcela pecuniária paga pela entidade empregadora em função do maior esforço ou penosidade do trabalho, no caso, pela prestação da atividade em local diferente do país de residência.
[27] Vejam-se sobre a interpretação a propósito deste artigo: António Ferrer Correia, Erro e interpretação na teoria do negócio jurídico, Livraria Almedina, Coimbra, 2001 (reimpressão); Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, vol. II - Facto jurídico, em especial negócio jurídico, Livraria Almedina, Coimbra, 1974, págs. 304-320; Carlos Alberto da Mota Pinto/António Pinto Monteiro/Paulo Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2005, págs. 441-448; António Menezes Cordeiro (com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro), Tratado de direito civil, vol. II, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2014, págs. 673-748; Pedro Pais de Vasconcelos/Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria geral do direito civil, 9.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2019, págs. 544-555;
[28] Sobre a interpretação do art. 238.º do Código Civil, entre outros, vejam-se: Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, cit., pág. 315; Carlos Alberto da Mota Pinto/António Pinto Monteiro / Paulo Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, cit., págs. 448-450; António Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil, cit., págs. 751-752;
[29] Expressão de Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, cit., pág. 309.
[30] Tratado de Direito do Trabalho, Parte II. Situações Laborais Individuais, 5.ª Edição, 2014, Almedina, p. 347.
[31] Processo 17592/19.3T8PRT.P1, acessível em www.dgsi.pt/Relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho.