Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
926/19.8T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
PROVA PERICIAL
QUESTIONÁRIO MÉDICO
INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA
Nº do Documento: RP20240606926/19.8T8PVZ.P1
Data do Acordão: 06/06/2024
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A prova pericial tem por fim a percepção ou a apreciação de factos por serem necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem (artigo 388º do Código Civil) - o que nos reporta para o campo da tecnicidade, de um universo onde uma conscienciosa avaliação e escrutínio dos factos, pressupõe o domínio de certos conhecimentos de carácter técnico que escapam ao Juiz comum.
II - Esta tecnicidade específica não faz como que seja indiscutível o juízo dos peritos, desde logo porque a lei diz que a força probatória das respostas deles é fixada livremente pelo tribunal (artigos 389º do Código Civil e 489º do Código de Processo Civil).
III - Porém, na apreciação da impugnação da matéria de facto, a fazer pelo tribunal de recurso, este deverá acolher aquele juízo técnico-científico, se inexistirem meios de prova que fundamentadamente os permitam contrariar.
IV - Compete aos segurados, no questionário médico, responder com verdade às perguntas constantes do mesmo, ainda que com um simples “sim” ou “não” para permitir à seguradora avaliar o risco, sendo que as respostas ao questionário médico são a base da avaliação do risco por parte da seguradora e a base da formação da vontade negocial.
V - Ou seja, as respostas devem retratar com fidelidade a situação clínica que é do conhecimento do segurado e essas respostas são da exclusiva responsabilidade do segurado, ao assinar a proposta de adesão e o questionário médico.
VI - No caso vertente, da factualidade dada como provada, logrou a Ré, Companhia de Seguros A... fazer prova de que a proponente segurada, aquando da formalização da proposta de seguro, mediante as suas respostas negativas omitiu, voluntariamente, alguns pontos relevantes do seu estado de saúde e que tal omissão teve influência na aceitação do risco por parte da companhia de seguros.
VII - De resto, conforme exame pericial realizado pelo Instituto de Medicina Legal, apurou-se que a Apelante apresenta actualmente uma incapacidade de 18,9190%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Anexo I DL 352/07, de 23.10) e não de 66%, provando-se, ainda, que as sequelas da Apelante são compatíveis com o exercício da actividade habitual,embora impliquem esforços suplementares e que a A. não apresenta dependência permanente de ajuda de terceira pessoa.
VIII - Ou seja, a Apelante não se encontra total e definitivamente incapaz de exercer qualquer profissão compatível com os seus conhecimentos e capacidades, pelo que não podia, caso se mantivesse válido o seguro, accionar essa cobertura.”
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2024:926/19.6T8PVZ.P1





Acordam no Tribunal da Relação do Porto



1. Relatório


AA, residente na Rua ..., ... ..., ..., instaurou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra A..., S.A., com sede na Avenida ... (...), Edifício ..., Piso ..., ... ..., Oeiras, onde concluiu pedindo que seja:
- declarada a validade dos contratos de seguro de vida titulados pela apólice nº ...90;
- condenada a Ré a pagar à entidade mutuante - “Banco 1..., S.A.” - beneficiária dos seguros de vida titulados pela apólice nº ...90 - os capitais em dívida à data da sentença;
- condenada a Ré a pagar à Autora o remanescente dos capitais seguros, com juros, à taxa legal, a contar da citação;
- condenada a Ré a restituir à Autora os prémios, indevidamente pagos, posteriores à data do sinistro, com juros, à taxa legal, a contar da data do sinistro.
Alega que celebrou com o Banco 1..., S.A. um contrato de mútuo de € 115.000,00 e outro de € 15.000,00, tendo formalizado com a Ré dois contratos de seguro de grupo em que o Banco 1... assumia a posição de tomador e beneficiário, não tendo a Ré cumprido os seus deveres de comunicação e informação perante a A.
Alega, ainda, que, por via do AVC que sofreu e das suas sequelas, é portadora de um grau de incapacidade de 66%, tendo accionado o contrato de seguro uma vez que se encontra em situação de invalidez.
Acrescenta que a Ré é responsável pelo pagamento das quantias relativas ao empréstimo contraído junto do Banco 1....
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Citada, a Ré contestou, excepcionando a ilegitimidade da A., alegando para o efeito que contraiu juntamente com BB os mútuos bancários, pelo que não se encontram todos os interessados em juízo.
Relativamente aos factos, aceitou a existência dos contratos de seguro, a partir de 17/07/2008, invocando, contudo, a existência de patologias pré-existentes que não foram declaradas aquando da subscrição dos contratos de seguro, as quais, caso tivessem sido declaradas, teriam originado a não celebração dos contratos de seguro.
Acrescenta que, por via dessa omissão ou falsa declaração, os contratos são nulos, estando excluídas as garantias de cobertura da apólice/certificados individuais.
Alega, ainda, que, o accionamento da cobertura de invalidez total e permanente depende da existência de um grau de invalidez igual ou superior a 66,6, invalidez essa definitiva e total, o que não se verifica no caso em concreto.
Deduz, por fim, o incidente de intervenção principal provocada do Banco 1..., por ter interesse igual ao da A. na acção.
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Notificada, a A. respondeu às excepções deduzidas, nada tendo a opor à intervenção do Banco 1... e requereu a intervenção principal provocada de BB, como seu associado.
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Por despacho de 24.09.2019, foi convidada a A. a fazer intervir o Banco 1... e foi admitida a intervenção, a título principal, do lado activo, do marido da A., BB, tendo o mesmo sido citado.
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A A. deduziu incidente de intervenção principal provocada do Banco 1..., o qual foi admitido, tendo o mesmo sido citado.
Citado, o Banco 1..., S.A. veio apresentar articulado através do qual, confirmou ter celebrado com os AA. os mútuos invocados, tendo os contratos de seguro sido celebrados entre a seguradora e os mutuários, acrescentando ter sido comunicado à A. e marido os termos dos contratos de seguro outorgados no âmbito dos contratos de mútuo contraídos, e cumprido os deveres de informação impostos.
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Notificada, a A. apresentou articulado de resposta, requerendo a ampliação do pedido no sentido de ser declarado que o Banco 1... não cumpriu o seu dever de informação.
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Foi proferido despacho a indeferir a ampliação do pedido, porquanto o Banco 1..., não é Réu, mas sim interveniente do lado activo, enquanto beneficiário do contrato de seguro.
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Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixou-se o objecto do litígio, os factos assentes e enunciou-se os temas da prova.
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Foi realizada prova pericial para apreciação da situação clínica da A.
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Procedeu-se à realização de audiência de julgamento, com observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença que absolveu a R. A..., S.A., e o interveniente Banco 1..., S.A. dos pedidos formulados pela A. AA.
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Não se conformando com a decisão proferida, veio a autora AA interpor recurso de apelação, em cujas alegações concluiu da seguinte forma:
I.A Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida nos autos, que declarou a invalidade do contrato de seguro e a inexistência do dever, da parte da Recorrida Seguradora, de proceder ao pagamento dos valores devidos à data da verificação da situação de incapacidade da Recorrente, e que considerou que a Recorrente não está definitivamente incapaz de exercer qualquer profissão compatível com os seus conhecimentos e capacidades, concluindo pela improcedência da presente ação, da mesma recorrendo, de facto e de direito, impugnando a convicção formada pelo Tribunal a quo relativamente aos factos provados e não provados, bem como o modo como a interpretação e apreciação que fez da prova documental junta, da prova pericial realizada, das declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas.

II. Quanto à matéria de facto, no que diz respeito aos factos relativos ao preenchimento dos questionários clínicos em 2008 e em 2010 pela Recorrente, o Tribunal a quo deu como provado que, em suma, a Recorrente omitiu informações relevantes sobre o seu
estado de saúde, as quais teriam condicionado, da parte da Recorrida Seguradora, a aceitação do risco, que aceitou o seguro e não solicitou quaisquer outros elementos com base nas informações clínicas fornecidas pela Recorrente, nas quais fez fé, sob o pressuposto de que não padeciam de incorreções ou omissões, dando ainda como provado que a Recorrente respondeu negativamente a todas as perguntas do questionário médico, mas se tivesse dado respostas afirmativas, teria de responder a um questionário clínico mais detalhado e fazer exames médicos que teriam condicionado a aceitação do risco.

III. O Tribunal a quo não considerou relevante dar como provado o conteúdo dos questionários clínicos, que se encontram juntos com a petição inicial sob os nº 2 e 6, pelo que, antes de mais, devia ter sido dado como provado que ambos os questionários clínicos preenchidos pela Recorrente em 23/05/2008 e 02/02/2010 eram compostos por seis perguntas, devendo a Recorrente responder sim ou não a cada uma dessas perguntas, selecionando a quadrícula respetiva, sendo essas seis perguntas as seguintes:
1.
Já o aconselharam a consultar um médico, a ser hospitalizado, a submeter-se a algum tratamento ou intervenção cirúrgica?
2.
Está de baixa por doença ou acidente?
3.
Tem ou teve alguma doença que o tenha obrigado a interromper a sua atividade laboral por mais de 15 dias seguidos nos últimos 5 anos?
4.
Tem alguma alteração física ou funcional, teve algum acidente grave, foi submetido a alguma intervenção cirúrgica ou recebeu alguma transfusão de sangue?
5.
Já fez ou foi aconselhado a fazer um teste de SIDA?
6.
Já lhe foi recusada a celebração de um seguro de vida, de doença ou de acidentes pessoais, ou o mesmo foi celebrado em condições especiais?

IV. O Tribunal a quo, ao dar como provado que a Recorrente não declarou os seus antecedentes pessoais, refere-se à enxaqueca, conforme se pode constatar da fundamentação de direito da douta sentença, pelo que importa contextualizar a alegada omissão da parte da Recorrente; não foi dado como provado que, às datas das subscrições das propostas de adesão: a Recorrente alguma vez tivesse sido aconselhada a consultar médico, a ser hospitalizada, ou a submeter-se a algum tratamento ou intervenção cirúrgica devido às suas enxaquecas (ou por qualquer outro motivo); Recorrente se encontrasse de baixa por doença ou acidente; as enxaquecas da Recorrente (ou qualquer outra patologia) a tivessem obrigado a interromper a sua atividade laboral por mais de quinze dias seguidos nos cinco anos anteriores às subscrições das propostas de adesão; as enxaquecas da Recorrente sejam consideradas alterações físicas ou funcionais, sendo certo que, então, a Recorrente não tinha qualquer alteração física ou funcional, não fora vítima de qualquer acidente grave nem submetida a qualquer intervenção cirúrgica ou recebera qualquer transfusão de sangue; a Recorrente alguma fez fizera ou fora aconselhada a fazer um teste de SIDA; fora recusada a celebração de seguro de vida, de doença ou de acidentes pessoais à Recorrente, ou o mesmo celebrado em condições especiais.

V. Assim, o facto de a Recorrente ter enxaquecas com aura visual desde os sete anos não é subsumível em qualquer uma das situações sobre as quais foi questionada, sendo certo que, num questionário em que as únicas possibilidades de resposta são sim ou não, não há lugar a omissões, não se podendo considerar que a Recorrente tenha omitido qualquer informação, limitando-se a responder - com verdade! - às perguntas que lhe foram realizadas; quanto a essa questão, foi ouvida a testemunha e funcionário do Interveniente Principal “Banco 1..., S.A.”, CC, que colocou as questões de ambos os questionários clínicos à Recorrente, que, em suma, admite ter feito as perguntas uma a uma à Recorrente, exatamente como estavam nos questionários; não se lembrar se, quando preencheu o questionário, o marido da Recorrente estava presente; que a situação relativa às enxaquecas não se insere em nenhuma das questões e que não existe qualquer espaço nos questionários para colocação dessa informação; que, desde então, os questionários foram alterados (Sessão de 27/10/2023 - Ficheiro “Diligencia_926-19.8T8PVZ_2023-10-27_14-10-34.mp3” - excertos [00:03:20 a 00:03:52], [00:04:05 a 00:04:21], [00:12:07 a 00:13:55] e [00:14:10 a 00:18:24]).

VI. Deste depoimento resulta, assim, claro que a testemunha não se recorda muito bem do preenchimento dos questionários clínicos, já que não tem a certeza se a Recorrente respondeu sozinha ou se se encontrava acompanhada do seu então marido, o que é de esperar, uma vez que os questionários foram preenchidos há quase dezasseis e catorze anos; não obstante, podemos concluir que, aquando o preenchimento de ambos os questionários, a testemunha se limitou a ler as perguntas que neles se encontravam, sendo certo que, apesar de, inicialmente, responder na afirmativa que perguntara quais os antecedentes clínicos para além do que está no questionário, acaba por admitir que o que pergunta “é o que está no questionário”, não restando dúvidas que, aquando o preenchimento dos questionários clínicos, foram feitas à Recorrente apenas as perguntas que resultam desses questionários.

VII. A testemunha admite que a situação da Recorrente, relativa às enxaquecas, não se aplica a nenhuma das perguntas do questionário e que no mesmo não há qualquer espaço para colocar essa situação, pelo que não qualquer omissão ou incorreção nas respostas da Recorrente, mas de questionários deficientes, que não foram elaborados de modo a serem devidamente elucidativos tanto ao segurado como à seguradora, constituídos por perguntas fechadas e vagas, pelo que esses questionários foram alterados e o conteúdo dos mesmo é agora diferente.

VIII. A perita do Tribunal a quo, Dr.ª DD, neurologista, prestou esclarecimentos quanto à gravidade das enxaquecas da Recorrente, descrevendo-as como “banais”, mencionando, inclusive, que cediam a paracetamol ou ibuprofeno, tomando, assim, medicação (a qual não é sujeita a receita médica) apenas quando ocasionalmente sentia essas enxaquecas, não considerando que a Recorrente era “tratada” para enxaqueca (Sessão de 27/10/2023 - Ficheiro “Diligencia_926-19.8T8PVZ_2023-10-27_10-10-25.mp3” - excertos [00:12:40 a 00:13:16] e [00:15:18 a 00:16:00]); quanto ao impacto das enxaquecas na vida da Recorrente, foram ouvidas as testemunhas EE (Sessão de 27/10/2023 - Ficheiro “Diligencia_926-19.8T8PVZ_2023-10-27_11-28-39.mp3” - excertos [00:01:20 a 00:02:19] e [00:04:35 a 00:05:12]), FF (Sessão de 27/10/2023 - Ficheiro “Diligencia_926-19.8T8PVZ_2023-10-27_11-48-07.mp3” - excerto [00:03:30 a 00:04:15]) e GG (Sessão de 27/10/2023 - Ficheiro “Diligencia_926-19.8T8PVZ_2023-10-27_12-01-03.mp3” - excertos [00:03:35 a 00:05:54] e [00:06:22 a 00:06:40]).

IX. Destes depoimentos resulta que a Recorrente não fora formalmente diagnosticada, que não fazia medicação regular, tomando apenas paracetamol (e outros medicamentos não sujeitos a receita médica) apenas para aliviar a dor quando sentia uma enxaqueca; que nunca faltou ou abandonou o trabalho devido a enxaqueca; que a Recorrente, inclusive, trabalhava para além do seu habitual horário de trabalho; que a Recorrente já lidava com as enxaquecas desde pequena e que tal nunca a impediu de ter uma vida normal; que a enxaqueca que sentiu aquando do AVC foi muito diferente daquelas de que normalmente sofria.

X. Assim, o facto de a Recorrente sofrer de enxaquecas (as quais não eram regulares, tendo frequência variável, nos termos do facto provado nº 8) não a impedia de fazer a sua vida normal e de exercer a sua atividade profissional, jamais faltando ao trabalho devido às mesmas, sendo certo que a Recorrente também não fazia qualquer medicação regular, limitando-se a tomar medicamentos não sujeitos a receita médica, como o paracetamol e o ibuprofeno, quando sofria uma enxaqueca, não resultando da factualidade provada que a Recorrente fosse ou alguma vez tivesse sido seguida em consulta de enxaqueca, pelo que podemos verificar a efetiva banalidade das enxaquecas na vida da Recorrente, que, aquando da celebração dos contratos de seguro, já vivia com as mesmas há décadas, e de como a situação específica da Recorrente não se insere em nenhuma das perguntas dos questionários clínicos, não tendo outra hipótese que não responder “não” a todas essas perguntas.

XI. Quanto à existência ou não de relação entre as enxaquecas e o AVC que a Recorrente sofreu, relativamente à qual o Tribunal a quo não se pronunciou cabalmente, limitando-se a dar como provado que “Foi diagnosticado à A, “AVC isquémico/Enfarte migranoso provável [sublinhado nosso] pós status migranoso, em 22/12/2014, tendo ficado internada no serviço de Neurologia do Hospital de S. João até 29.12.2014, para estudo e tratamento.” (facto provado nº 6), a Drª HH, perita do Tribunal a quo, conclui, através de um diagnóstico de exclusão que desconsidera completamente a existência de um foramen ovale patente e a relação do mesmo com o AVC sofrido pela Recorrente, que a Recorrente sofreu um enfarte migranoso, na sequência de uma enxaqueca que não resolveu, admitindo, contudo, que esse tipo de enfarte, com origem em enxaqueca, é raríssimo (Sessão de 27/10/2023 - Ficheiro
“Diligencia_926-19.8T8PVZ_2023-10-27_10-10-25.mp3” - excertos [00:07:50 a 00:10:00], [00:16:44 a 00:18:34] e [00:19:13 a 00:22:15]).

XII. Este parecer não é partilhado pela Drª II, neurologista e testemunha da Recorrente, que a tratou após o AVC, que insiste na existência de um foramen ovale patente e que o mesmo não pode ser excluído como estando na origem do AVC, considerando abusivo que se conclua que tenha sido causado por enxaqueca - o que, como a Dr.ª HH, confirma ser muito raro - esclarecendo que a Recorrente não foi enviada a consulta de enxaqueca (Sessão de 27/10/2023 - Ficheiro “Diligencia_926-19.8T8PVZ_2023-10-27_11-00-08.mp3” - excertos [00:03:12 a 00:05:16] e [00:23:35 a 00:24:40]); deste modo, não é linear ou absoluto que se possa excluir que a causa do AVC sofrido pela Recorrente é a existência de foramen ovale patente, pelo que, sendo o diagnóstico efetuado pela perita um diagnóstico de exclusão, que pressupõe a irrelevância ou inexistência de foramen ovale patente para atribuir a causa do AVC à enxaqueca, então não se pode considerar que essa é, efetivamente, a causa do AVC, que o mesmo tenha ocorrido devido a uma enxaqueca que não resolveu.

XIII. Na motivação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo considera que o Dr. JJ, médico de medicina geral e familiar e testemunha da Recorrida Seguradora, que para ela presta serviços desde o ano de 2000, confirmou no seu depoimento que a Recorrente foi excluída da apólice porque tinha antecedentes pessoais que não declarou (as enxaquecas), os quais, em 2008 e 2010, teriam implicado um agravamento do contrato de pelo menos 25%, não cobrindo a invalidez total e permanente, “pois há uma relação entre o historial médico da A e a doença, a qual sofreu enfarte migranoso que teve origem na enxaqueca”; contudo, como podemos constatar dos depoimentos da Drª HH e da Drª II, ambas neurologistas, é extremamente raro uma enxaqueca ser causa de um AVC, tendo, inclusive, aquela desconsiderado o facto de a Recorrente ter enxaquecas, caracterizando o fenómeno como banal, explicitamente referindo no esclarecimento ao seu relatório pericial que, “Pelas características da enxaqueca descrita pela examinanda, não era possível prever o estado migranoso ou um mau prognóstico.”

XIV. Assim, além de não ser certo que o AVC foi causado por enxaqueca, havendo a possibilidade de estar relacionado com o foramen ovale patente detetado na Recorrente, mesmo que o Tribunal ad quem considere a existência daquela relação, certo é que uma neurologista - a perita nomeada pelo Tribunal a quo - referiu explicitamente que, das enxaquecas que a Recorrente sofria, não era possível prever o alegado estado migranoso que supostamente deu origem ao AVC, tendo ambas a perita e a testemunha da Recorrente, Drª II, concordado que esse tipo de AVC (causado por enxaqueca) é raríssimo, acrescentando aquela que as enxaquecas - mesmo aquelas sofridas pela Recorrente, com as características que resultam do facto provado nº 8 - são banais, não se esperando que alguém as declare num questionário clínico ou que um seguro seja negado (ou as condições do mesmo alteradas) só porque o segurado as tem.

XV. Não resulta, então, razoável ou credível que a Recorrida Seguradora, sabendo dos antecedentes pessoais e familiares da Recorrente no que diz respeito às enxaquecas, não celebrasse os contratos de seguro nos exatos termos em que efetivamente os celebrou, sendo certo que o depoimento da testemunha da Recorrida Seguradora, Dr. JJ, baseia a sua alegação de que os contratos não teriam sido celebrados nas condições em que efetivamente foram na conclusão retrospetiva de que “há uma relação entre o historial médico da A e a doença”, relevando ainda o facto de as duas médicas neurologistas ouvidas em sede de audiência de julgamento não concordarem na causa do AVC sofrido pela Recorrente e referirem a raridade de um AVC causado por enxaqueca, com a perita médica descrevendo as enxaquecas como “banais” e reforçando que, pelas características das enxaquecas da Recorrente, não era possível prever o estado migranoso ou um mau prognóstico, e, no entanto, a testemunha da Recorrida Seguradora, médico de medicina geral e familiar, não ter qualquer dúvida da existência da relação entre o AVC e a enxaqueca, considerando a ocorrência daquele era previsível o suficiente para recusar a celebração de contrato de seguro nos termos habituais, implicando um agravamento do contrato em pelo menos 25%, excluindo a cobertura por invalidez total e permanente, o que, salvo melhor, carece de qualquer credibilidade.

XVI. Consequentemente, a factualidade dada como provada deve ser alterada de modo a que da mesma resulte:
19 - Aquando da subscrição das propostas de adesão a A respondeu às seis perguntas de sim ou não que lhe foram feitas, não declarando os antecedentes pessoais, referidos no facto 8, uma vez que não se inseriam no contexto dessas perguntas nem havia espaço de resposta livre para os declarar.
20 - Pela mesma razão do facto 19, a A não referiu os antecedentes familiares, pai e tia (paterna) com enxaquecas com aura.
22 - Sendo que o questionário médico, assinado pela autora, foi preenchido de acordo com informações por esta transmitidas, sendo estas limitadas a respostas de sim ou não.
23 - A 1ª R. aceitou a contratação da cobertura do risco com base na proposta de adesão subscrita pela interessada e nas informações clínicas fornecidas pela mesma, através das respostas de sim ou não às seis perguntas colocadas pela 1ª R, não tendo sido necessários exames médicos adicionais, de acordo com os critérios internos de conjugação de idade e capital em risco.
24 - O seguro foi aceite no pressuposto de que as respostas dadas às seis perguntas efetuadas pela pessoa segura, bem como as informações de tensão arterial, peso e altura, correspondiam à verdade.
26 - Caso a proponente tivesse dado respostas afirmativas, teria que responder a um questionário clínico mais detalhado.
27 - A aceitação da adesão foi assim condicionada pela análise e aprovação da proposta de adesão subscrita, originando que a R., fazendo fé nas respostas às perguntas efetuadas, as únicas que considerou relevantes para a avaliação do risco, tenha entendido não ser necessário solicitar elementos clínicos adicionais para a avaliação do risco.

XVII. Eliminando-se da factualidade provada os factos nº 21 e 26; eliminados dos factos não provados os pontos 1, 4, 5, 6 e 7; dando-se como não provado o facto de que “O AVC que foi diagnosticado à Autora em 22/12/2024 foi causado por enxaqueca que não resolveu.”, e acrescentando-se ainda os seguintes factos à factualidade provada:
a)
Os questionários clínicos preenchidos pela Autora, tanto em 2008 como em 2010, no que diz respeito ao seu estado de saúde, eram constituídos por apenas seis perguntas, bem como informação quanto à tensão arterial, peso e altura.
b)
As questões que constituem esses questionários são as seguintes:
1)
Já o aconselharam a consultar um médico, a ser hospitalizado, a submeter-se a algum tratamento ou intervenção cirúrgica?
2)
Está de baixa por doença ou acidente?
3)
Tem ou teve alguma doença que o tenha obrigado a interromper a sua atividade laboral por mais de 15 dias seguidos nos últimos 5 anos?
4)
Tem alguma alteração física ou funcional, teve algum acidente grave, foi submetido a alguma intervenção cirúrgica ou recebeu alguma transfusão de sangue?
5)
Já fez ou foi aconselhado a fazer um teste de SIDA?
6)
Já lhe foi recusada a celebração de um seguro de vida, de doença ou de acidentes pessoais, ou o mesmo foi celebrado em condições especiais?
c)
Aquando da contratação dos seguros, para além da tensão arterial, peso, altura e as perguntas do facto b), a Autora não foi questionada sobre quais outras circunstâncias relativas ao seu estado de saúde, nem lhe foram pedidas informações adicionais.
d)
Não foi dada à Autora a possibilidade de mencionar outras circunstâncias não solicitadas no questionário.
e)
As enxaquecas de que a Autora sofre, descritas no facto 8, não afetavam significativamente o seu dia-a-dia, jamais faltando ao trabalho por causa das mesmas, e fazendo medicação não sujeita a receita médica apenas quando sentia a enxaqueca, à qual esta cedia.
f)
A Autora jamais foi seguida em consulta de enxaqueca.
g)
Desde 2010, os questionários clínicos foram alterados.

XVIII. Relativamente às sequelas e incapacidade da Recorrente, foram dados como provados os factos nº 9, 10, 11 e 12 dos quais resulta, em suma, que o Tribunal a quo deu como provado que em 03/01/2018, na sequência de exame médico na ARS Norte, foi atribuído à Recorrente o grau de incapacidade permanente global de 66%, reportada a 2017, que a Recorrente apresenta uma incapacidade permanente de 18,9190%, que as sequelas da Recorrente são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares e que a Recorrente não apresenta dependência permanente de ajuda de terceira pessoa; deste modo, não há dúvidas que, em sede de junta médica, foi atribuída à Recorrente, em 03/01/2018, a incapacidade permanente global de 66%, sendo a mesma definitiva, encontrando-se a Autora encontra-se reformada por invalidez, uma vez que não consegue desenvolver atividade profissional, sendo certo que, caso fosse capaz de o fazer, jamais lhe teria sido permitido reformar-se, auferindo pensão de invalidez.

XIX. O Presidente da Junta Médica (estamos a falar do presidente de um colégio de profissionais médicos cuja função é avaliar sequelas e atribuir incapacidades e não de um qualquer médico) considerou que a Recorrente tem como sequelas, nomeadamente: marcha possiìvel sem utilizaçaÞo de auxiliares, membro superior utilizaìvel com descoordenaçaÞo de movimentos, sem ou com ligeiras alteraçoÞes da linguagem, o que é compatível com a conclusão do exame físico realizado na perícia de “Marcha levemente claudicante, incluindo em ante-pés e calcanhares”, que foi desconsiderada no cálculo da incapacidade; defeitos quadrantanoìpsicos superiores, que também foram incluídos na perícia para cálculo da incapacidade; nível psiquiátrico, perturbaçoÞes funcionais moderadas, com ligeira a moderada diminuiçaÞo do niìvel de eficiência pessoal ou profissional Grau II, enquanto do relatório de psiquiatria da perícia resulta tratar-se de Grau I.

XX. Estas diferenças entre as conclusões da junta médica e da perícia não se percebem, tendo o perito do Tribunal a quo, Dr. KK, sido questionado sobre as mesmas; apesar de admitir, no seu atabalhoado depoimento, que há diferenças entre as avaliações realizadas pelo Instituto de Medicina Legal e aquelas realizadas em sede de junta médica, o perito não foi capaz de esclarecer o porquê, alegando que não lhe compete dizê-lo (Sessão de 14/12/2023 - Ficheiro “Diligencia_926-19.8T8PVZ_2023-12-14_14-19-02.mp3” - excerto [00:11:59 a 00:12:46]), o que, com todo o devido respeito, não faz qualquer sentido, uma vez que, em ambos os casos, as sequelas são avaliadas à luz da mesma tabela de incapacidades (a TNI - Tabela Nacional de Incapacidades), sendo certo que os critérios de avaliação são objetivos, não sendo razoável que variem tão amplamente entre profissionais de saúde.

XXI. É necessária uma explicação cabal sobre o porquê de as incapacidades atribuídas em sede de junta médica serem “o dobro ou o triplo” daquelas que resultam das perícias do Instituto de Medicina Legal, não sendo suficiente alegar que estão a ser avaliadas circunstâncias diferentes, uma vez que, em qualquer dos casos, estão a ser avaliadas as sequelas causadas por doenças, à luz da mesma tabela, através de critérios objetivos, sendo certo que a gravidade destas sequelas não se altera só porque uma avaliação é feita para concessão de reforma por invalidez e a outra é realizada no âmbito de um processo judicial contra uma seguradora, não havendo qualquer indício (ou sequer tendo sido alegado pela Recorrida Seguradora ou Recorrido Banco) que, entre a realização da junta médica e a perícia, ocorreu uma recuperação extraordinária do estado de saúde da Recorrente; não se pode aludir a uma suposta falta de rigor da parte de um serviço público cujo parecer influencia a atribuição de uma pensão (a qual é paga através de fundos públicos para os quais todos nós contribuímos) sem a concretizar e devidamente explicar.

XXII. O relatório pericial elaborado pelo perito conclui que “as sequelas da examinanda são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares”; contudo, quando questionado sobre em que consiste aquela que era a atividade habitual da Recorrente (Sessão de 14/12/2023 - Ficheiro “Diligencia_926-19.8T8PVZ_2023-12-14_14-19-02.mp3” - excerto [00:19:31 a 00:10:58]), o perito revelou não ter sequer noção daquilo em que consiste a atividade habitual realizada pela Recorrente antes do AVC ou se a mesma é passível de ser realizada com esses “esforços suplementares”, alegando que não é da sua competência saber de que modo é que a Recorrente pode adaptar a sua atividade às suas limitações; se um perito, num relatório pericial, no contexto de uma ação judicial, alega que as sequelas do examinando são compatíveis com o exercício da sua atividade profissional habitual, então, no mínimo, tem de saber em que consiste essa atividade e de que modo é feita, e, se alega que a atividade pode ser realizada com esforços, tem de conseguir concretizar que esforços são esses e de que modo podem ser razoavelmente incorporados na atividade, o que, in casu, não se verifica.

XXIII. Quanto às sequelas da Recorrente e a sua capacidade para exercer atividade remunerada, foram ouvidas as testemunhas EE (Sessão de 27/10/2023 - Ficheiro “Diligencia_926-19.8T8PVZ_2023-10-27_11-28-39.mp3” - excertos [00:05:17 a 00:08:02], [00:09:26 a 00:11:35] e [00:12:24 a 00:13:10), FF (Sessão de 27/10/2023 - Ficheiro “Diligencia_926-19.8T8PVZ_2023-10-27_11-48-07.mp3” - excertos [00:04:52 a 00:05:47] e [00:06:28 a 00:10:39) e GG (Sessão de 27/10/2023 - Ficheiro “Diligencia_926-19.8T8PVZ_2023-10-27_12-01-03.mp3” - excerto [00:06:41 a 00:09:59]), que depuseram sobre as drásticas diferenças na Recorrente entre o seu estado antes do AVC e o seu estado atual (nomeadamente, quanto à falta de mobilidade da Recorrente, em particular braço e perna direitas, e ao seu estado psicológico e faculdades mentais, caracterizando a Recorrente como lenta e pouco reativa); as três testemunhas, que trabalham em confeção e fiação, confirmam que a Recorrente não é capaz de realizar essas atividades e que, da observação do estado de saúde atual da Recorrente, ela também não é capaz de efetuar quaisquer outras atividades para as quais tem nível de escolaridade e treino, as mesmas sempre seriam atividades mais físicas, para as quais a Recorrente não tem capacidade.

XXIV. A Recorrente encontra-se reformada por invalidez, sendo certo que, se conseguisse, a Recorrente teria continuado a trabalhar, ao invés de se reformar tão jovem e auferir uma pensão inferior a metade do salário mínimo, com a qual faz face a todas as suas despesas, uma vez que, na sequência do seu divórcio, é o único membro do seu agregado familiar, contando, ocasionalmente, com o auxílio da sua filha; assim, as conclusões da perícia, que atribuiu à Recorrente a incapacidade de 18,9190%, não são compatíveis com a realidade e dia-a-dia da Recorrente, ou com a incapacidade calculada em sede de junta médica, e a conclusão da perícia de que a Recorrente é capaz de exercer a sua atividade habitual, apenas com alguns esforços suplementares, não é compatível com a observação e experiência das pessoas que convivem com a Recorrente e que exercem as mesmas atividades profissionais que ela exercia.

XXV. O Tribunal a quo admite que existe um “inequívoco sofrimento da A” e que é “também inequívoco que a A. não se sente capaz de voltar a exercer a sua atividade”, pelo que, a única coisa que impede o Tribunal a quo de ir mais além e dar como provado que a Recorrente não pode efetivamente exercer a sua atividade ou qualquer outra é o relatório pericial, o qual, salvo melhor, não pode deixar de ser desconsiderado, tendo em conta a restante factualidade, nomeadamente os depoimentos das testemunhas EE, FF e GG e o certificado de incapacidade elaborado em sede de junta médica, ao qual deve ser atribuída força probatória plena, não tendo sido justificada a discrepância entre ele e o relatório pericial, nem o Tribunal a quo fundamentado o porquê de ter dado primazia ao relatório pericial, sendo certo que este sempre estará sujeito à livre apreciação pelo tribunal.

XXVI. Do atestado médico de incapacidade multiuso, resulta que, não obstante em 03/01/2018, ter sido atribuída à Recorrente o grau de incapacidade permanente global definitivo de 66%. certo é que, esse mesmo atestado claramente estabelece que, nos termos do artigo 4º, nº 7, Decreto-Lei nº 202/96, com a redação do Decreto-Lei nº 291/2009, de 12 de Outubro, tratando-se de uma revisão ou reavaliação, o grau de incapacidade da Recorrente é aquele que resultou da aplicação da TNI em 30/03/2015, ou seja, 73%.

XXVII. Deste modo, deve ser eliminados da factualidade provada os factos nº 10 e nº 12, eliminados da factualidade não provada os factos dos pontos 2 e 3, e a factualidade dada como provada deve ser alterada de modo a que da mesma resulte:
9 - A A. foi submetida a exame médico na ARS Norte, em 03/01/2018, tendo-lhe sido atribuído o grau de incapacidade permanente global de 66%, reportada a 2017, tendo sido atribuído o coeficiente 0,50 pelo Capítulo III, 2.12.2.1; pelo Capitulo V, 3.5, a), 0,10; pelo Capítulo X - Grau II da TNI, 0,15; e pelo capítulo XIV, 3, c) 0,10, apresentando atualmente uma incapacidade de 73%, conferida em 30/02/2015 pela TNI aprovada pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23/10/2007.
11 - As sequelas da A. não são compatíveis com o exercício da atividade habitual.

XXVIII. Relativamente à fundamentação de direito, o Tribunal a quo, em suma, considerou que a Recorrente, intencionalmente, prestou declarações inexatas ou omitiu informações relevantes, o que afetou a decisão da Recorrida Seguradora, determinando a invalidade do contrato, acrescentando que a pergunta do questionário clínico “Já a aconselharam a consultar um médico, a ser hospitalizado, a submeter-se a algum tratamento ou intervenção cirúrgica?”, apesar de ser ampla, e que quase qualquer cidadão, no absoluto rigor literal, teria de responder afirmativamente, não é qualquer resposta negativa que releva como declaração inexata ou relevante; considerando que, contudo, in casu, a alegada omissão da Recorrente releva.

XXIX. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2019, Proc. nº 3546/16.5T8CSC.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt, lida com uma situação muito semelhante à dos presentes autos, sendo as perguntas dos questionários clínicos nesse processo exatamente iguais às dos presentes autos, bem como as respostas às mesmas (todas negativas); assim, procedendo a impugnação de facto deduzida pela Recorrente, e como base naquilo que resulta do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, dúvidas não haverão que não houve da parte da Recorrente qualquer omissão ou imprecisão no preenchimento dos questionários, pois, em cada um dos pontos do questionário são colocadas várias questões numa só, admitindo apenas resposta sim ou não, suscitando dúvidas quanto ao caráter cumulativo ou alternativo dessas questões, suscetível de induzir em erro o proponente, podendo ter várias interpretações, tratando-se de um questionário clínico é fechado, limitado àquelas perguntas, nem sequer tendo o cuidado de questionar o segurado se sofre de alguma doença, sendo certo que é isso que está aqui em causa, se, à data da celebração dos contratos de seguro, a Recorrente sofria de alguma doença.

XXX. Não obstante a Recorrida Seguradora alegar ser tão importante para a avaliação do risco no momento da celebração do contrato do seguro o estado de saúde do segurado e a eventual existência de quaisquer doenças, não é algo que sequer se digne a perguntar à Recorrente nos questionários clínicos; a Recorrente respondeu às perguntas que lhe foram colocadas com verdade, os antecedentes da Recorrente relativos à enxaqueca não se inseriam em qualquer uma das perguntas colocadas nos questionários clínicos, apesar de o Tribunal a quo alegar que “A pergunta em causa é:
“Já a aconselharam a consultar um médico, a ser hospitalizado, a submeter-se a algum tratamento ou intervenção cirúrgica?”, no que diz respeito às enxaquecas de que a Recorrente sofre, pelo menos à data do preenchimento dos questionários clínicos, a Recorrente nunca tinha sido aconselhada a consultar médico, a ser hospitalizada, a submeter-se a algum tratamento ou intervenção cirúrgica, portanto, de que modo é que a Recorrente poderia ter respondido para além de com “não”?

XXXI. Não há aqui qualquer inexatidão ou omissão, pelo menos não da parte da Recorrente; a Recorrida Seguradora é que é inexata nas questões que coloca (até o Tribunal a quo admite que “a pergunta é ampla, sendo que, quase invariavelmente, qualquer cidadão já foi aconselhado a consultar um médico e que, no absoluto rigor literal, qualquer pessoa teria que responder afirmativamente”) e omissa quanto àquelas que deveria perguntar, sendo certo que, caso do questionário clínico constasse a simples pergunta “sofre de alguma doença”, todas estas imprecisões e confusões poderiam ter sido evitadas, tendo a própria Recorrida Seguradora se apercebido das fragilidades e deficiências dos seus questionários clínicos, uma vez que, desde a celebração dos contratos de seguro com a Recorrente, alterou o seu conteúdo, sendo certo que, desde então, a própria lei consagrou um sistema de questionário aberto!

XXXII. Perante um questionário fechado, com tão poucas perguntas, não se pode concluir que a Recorrente tenha omitido a sua história pessoal e familiar relativa às enxaquecas ou prestado declarações inexatas, sendo certo que CC, testemunha do Recorrido Banco e seu funcionário, que preencheu os questionários clínicos em causa, se limitou a ler à Recorrente as perguntas constante desse questionário, não lhe fazendo quaisquer perguntas adicionais, para além da tensão arterial, peso e altura, preenchendo as quadrículas à medida que as resposta de sim ou não iam sendo dadas, tendo a Recorrente se limitado a responder negativamente às seis perguntas do questionário clínico, sem que lhe tivesse sido dada a possibilidade de mencionar outras circunstâncias não solicitadas nesse questionário; o facto de a Recorrida Seguradora considerar que aquelas seis perguntas eram suficientes para tomar uma decisão sobre a avaliação do risco assumido, sem solicitar quaisquer outras informações relativas ao estado de saúde da Recorrente, revela um comportamento descuidado da parte da Recorrida Seguradora.

XXXIII. A Recorrente sofre de enxaquecas desde os seus sete anos e desde então que lidava com as mesmas, não as deixando afetar o seu dia-a-dia, a medicação que tomava - e ainda toma - para as mesmas não é sujeita a receita médica e a Recorrente utiliza-a apenas quando sente uma enxaqueca, não se podendo, assim, dizer que faça medicação regular; até ao AVC, a Recorrente sempre trabalhou, jamais faltando ao trabalho ou tendo de o abandonar por causa das enxaquecas e a própria perita de neurologia nomeada pelo Tribunal a quo refere que as enxaquecas da Recorrente são banais!

XXXIV. Afigurando-se consentâneo que a Recorrente, como qualquer cidadão médio, considerasse que não tinha situações de saúde relevantes, sendo certo que, nos termos da impugnação da factualidade dada como provada e não provada, não resulta que, caso a Recorrida Seguradora tivesse tomado conhecimento de que a Recorrente padecia de enxaquecas, nos termos descritos no facto provado nº 8, não teria celebrado os contratos de seguro nos exatos termos em que efetivamente os celebrou, não assistindo à Recorrida Seguradora o direito de anular os contratos e de negar a assunção de cobertura do risco, pelo que, mal esteve o Tribunal a quo quando reconheceu a razão da Recorrida Seguradora a invocar a invalidade dos contratos de seguro, sendo esses contratos válidos.

XXXV. Quanto à questão da situação de invalidez total e permanente da Recorrente, à luz da nova factualidade provada, nos termos da impugnação de facto, salvo melhor, não há dúvidas que a Recorrente se encontra numa situação de invalidez total e permanente; o Tribunal a quo admite que não coloca em causa o atestado multiuso como meio de prova, dando provado o respetivo teor, nos seus exatos termos, alegando que o faz apenas com o alcance que este foi emitido e não aquele que a Recorrente lhe atribui, questionando-se, então, qual é o alcance do atestado multiusos se não atestar que a Recorrente tem um grau de incapacidade permanente global de 73%, ou seja, exatamente o que a Recorrente alega nestes autos, não justificando o Tribunal a quo o porquê de dar maior relevância, para efeitos da incapacidade atual da Recorrente, o relatório pericial, o qual está sujeito à livre apreciação da prova.

XXXVI. Ambos o atestado multiusos e o relatório pericial avaliam as sequelas da Recorrente, com base na mesma tabela de incapacidade (TNI - Tabela Nacional de Incapacidades), através de elementos objetivos, não havendo qualquer motivo para as conclusões do relatório pericial serem tão vastamente diferentes das conclusões do certificado de incapacidade multiuso, sendo a incapacidade que resulta do atestado médico de incapacidade multiuso permanente, global e definitiva, encontrando-se preenchidos os requisitos da alínea e) do artigo 1º das Condições Especiais Relativas a Invalidez Total e Permanente, que exige uma desvalorização igual ou superior a 66,6%.

XXXVII. Contudo, mesmo que o Tribunal ad quem considere que o grau de incapacidade a ter em conta é aquele atribuído em 03/01/2018 (66%) e não aquele estabelecido pela aplicação do artigo 4º, nº 7, do Decreto-Lei nº 202/96, com a redação do Decreto-Lei nº 291/2009, de 12 de Outubro (73%), certo é que a Recorrente se encontra total e definitivamente incapaz de exercer qualquer atividade remunerada, uma vez que, visando o seguro acautelar o pagamento das prestações decorrentes do contrato de mútuo e, ao mesmo tempo, proteger o mutuário que, por motivo de doença, perde a capacidade de exercer trabalho remunerado e, assim, satisfazer os compromissos assumidos com o banco mutuante, verificando-se a invalidez permanente e definitiva para o trabalho, é irrelevante o valor concreto dessa incapacidade ou se carece da assistência de terceiros para efetuar os atos elementares da vida corrente (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/06/2016, Proc. nº 3953/13.5T2SNT.L1-8, disponível in www.dgsi.pt).

XXXVIII. As sequelas do AVC que a Recorrente sofreu são tais que a impedem de exercer a sua normal atividade profissional de fiandeira, ou qualquer outra para a qual é qualificada, evidente a incapacidade total da Recorrente para o trabalho, razão pela qual a Recorrente se encontra reformada por invalidez, auferindo pensão mensal no valor de apenas € 305,34, além de o grau de incapacidade permanente global definitivo mais baixo atribuído à Recorrente ser apenas 0,6 % inferior ao exigido pela cláusula ínsita na alínea e) do nº 1 das Condições Especiais Relativas a Invalidez Total e Permanente, a qual deve ser entendida como abusiva, e, por isso, nula, por contrária ao princípio da boa fé, favorecendo excessiva ou desproporcionalmente a posição contratual da Recorrida Seguradora em face da Recorrente, nos termos dos artigos 15º e 16º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/06/2016, Proc. nº 3953/13.5T2SNT.L1-8, disponível in www.dgsi.pt).

XXXIX. Assim, deve a Recorrente ser considerada em situação de invalidez total e permanente, pelo que, nos termos do artigo 2º das Condições Especiais Relativas a Invalidez Total e Permanente, a Recorrida Seguradora tem a obrigação de pagar os capitais seguros em ambos os contratos, devendo a Recorrida Seguradora pagar ao Recorrido Banco, por força do capital garantido pelos seguros, as quantias dos capitais dos empréstimos que estiverem em dívida na data da prolação do acórdão e à Recorrente o remanescente dos capitais seguros, sendo certo que a Recorrida Seguradora deve também estornar os prémios, indevidamente pagos, posteriores à data do sinistro.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

2. Factos

2.1 Factos provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. A A. e o marido celebraram com a R. contrato de seguro de vida, renovável anualmente, associado ao crédito à habitação concedido pelo interveniente Banco 1... SA, com o capital seguro, à data da participação, 20/04/2015, de 102.848,79 euros, tendo sido emitido certificado individual com o nº...59.
2. A A. e o marido celebraram com a R. novo contrato de seguro de vida, renovável anualmente, associado ao crédito à habitação concedido pelo interveniente Banco 1..., S.A., com o capital seguro, à data da sua celebração, de 15.000,00 euros, tendo sido emitido certificado individual com o nº...96.
3. Com esses seguros de vida, apólice ...90, além da cobertura principal, a R. garantia ainda uma cobertura complementar em caso de invalidez total e permanente da A..
4. A A. respondeu ao questionário médico que lhe foi fornecido nos termos que constam de fls. 106 a 108 e 114 a 116, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
5. Nas condições especiais do contrato de seguro consta que se verifica uma situação de invalidez total e permanente se “em consequência de doença ou acidente, estiver total e definitivamente incapaz de exercer uma atividade remunerada, com fundamento em sintomas objetivos, clinicamente comprováveis, não sendo possível prever qualquer melhoria do seu estado de saúde de acordo com os conhecimentos médicos atuais, nomeadamente quando desta invalidez resultar paralisia de metade do corpo, perda do uso dos membros superiores ou inferiores em consequência da paralisia, cegueira completa ou incurável, alienação mental e toda e qualquer lesão por desastre ou agressões em que haja perda irremediável das faculdades e capacidade de trabalho, devendo em qualquer caso o grau de desvalorização, feito com base na Tabela Nacional de Incapacidades ser superior a 66,6% que, para efeitos desta cobertura, é considerado como sendo igual a 100%.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, resultaram ainda provados os seguintes factos:
6. Foi diagnosticado à A, “AVC isquémico/Enfarte migranoso provável pós status migranoso, em 22/12/2014, tendo ficado internada no serviço de Neurologia do Hospital de S. João até 29.12.2014, para estudo e tratamento.
7. A A., aquando da alta, em 29/12/2014, apresentava os seguintes diagnósticos: enfarte migranoso provável status migranoso, enxaqueca com aura visual, hipotiroidismo, dislipidemia, obesidade e síndrome depressivo reativo.
8. Conforme relatório pericial, cujo teor se dá por reproduzido, em nota da alta do Hospital de São João, datada de 29/12/2014, com relevo, pode ler-se: “(…) 41 anos, residente em ..., ..., com o marido e filha. Trabalha numa fábrica de têxteis (…) No serviço de neurologia a 22 de dezembro/14 por provável status migranoso (…) ... No sábado dia 20/12 estava num jantar com as colegas da fábrica e teve instalação gradual (em minutos) de hipovisão no hemicampo visual direito tipo “escuridão” associada a “faíscas” no mesmo hemicampo que habitualmente tem como aura de enxaqueca. Passados alguns minutos, notou também instalação hipostesia da hemiface direita. A hipostesia resolveu ao final de 20 minutos, mas manteve sempre as alterações visuais e teve início de cefaleia hemicraniana contralateral, muito intensa, tipo “moedeira”, que achou ser mais intensa e diferente da enxaqueca habitual, associava-se a náuseas e foto-fobia. Durante a noite houve melhoria da cefaleia, mas no dia seguinte a cefaleia regressou, tendo mantido sempre os défices visuais, pelo que recorreu H. da área. Foi transferida para o H. Famalicão para realizar TC CE. Fez analgesia endovenosa, que aliviava parcialmente a dor, mas mantinha a hipovisão associada a “faíscas” no hemicampo direito. No dia 22/12 de manhã teve recrudescimento da hipostesia da face e depois hipostesia de todo o hemicorpo, associada a sensação de menor força desse hemicorpo, pelo que foi enviada ao CHSJ para observação por Neurologia. A doente tem enxaqueca com aura visual desde os 7 anos de idade, com espectro de fortificação/faíscas de um dos hemicampos, com duração de 20 min, seguida decefaleia de intensidade moderada a intensa, pulsátil hemicraniana contralateral, com náuseas e vómitos, fono e fotofobia. A enxaqueca tem frequência variável (pode estar 3 meses sem crises e 1 mês em que tem todas as semanas). Desde há um mês tem tido episódios de alteração visual tipo “escuridão” de hemicampo esquerdo, com duração de minutos (<20 min), sem cefaleia subsequente. Tem também tido episódios de enxaqueca com aura mais frequentes (1x/semana), tem andado mais ansiosa nos últimos meses, especialmente no último mês (problemas relacionais com a mãe desde setembro). Fazia migraleve para a enxaqueca com boa resposta. Desde que foi descontinuado, foi medicada com migretil, mas com má resposta, sentiu-se pior (tomou apenas 1 vez há 1 mês). Já chegou a fazer profiláticos, mas não se recorda de nomes e acha que não tiveram benefício. Na observação por Neurologia na sala de Emergência: CCO, sem aparentes alterações das funções nervosas superiores. Hipovisão do hemicampo E, mas consegue identificar movimentos na perimetria, refere sensação de “escuridão” e “faíscas”. Sem oftalmoparesias, sem diplopia ou nistagmo. Hipostesia álgica na hemiface dta. Sem alterações nos restantes NC. FM no hemicorpo dto diminuída, com queda sem pronação e oscilação bizarra do MSD na prova de braços estendidos. Hipostesia álgica do hemicorpo dto. CP indiferentes. Sem dismetria dos membros esq e MID. Faz mov bizarros do MSD na prova dedo-nariz. Pela hipótese de status migranoso, fez 6 mg dexametasona, com resposta parcial: melhoria da cefaleia e alt sensitivas, mantendo alt visuais. Durante o SU com novo agravamento da cefaleia, pelo que fez bólus de 500 mg VPA, com melhoria progressiva da cefaleia, mas uma vez que mantinha ainda défice visual e cefaleia residual, decidido internamento no Serviço de Neurologia para estudo e tratamento. Antecedentes pessoais: Enxaqueca com aura visual desde os 7 anos; Hipotiroidismo Dislipidemia; Obesidade; Episódio de dor ciática há 1 mês; Cx: cesariana e fibroma uterino; Reacção de hipersensibilidade tipo 4 (joalharia de fantasia); Nega HTA ou DM; Nega hábitos tabágicos ou etílicos; MH: eutirox 50, supralip, anticoncepcional oral”.
9. A A. foi submetida a exame médico na ARS Norte, em 03/01/2018, tendo-lhe sido atribuído o grau de incapacidade permanente global de 66%, reportada a 2017, tendo sido atribuído o coeficiente 0,50 pelo Capítulo III, 2.12.2.1; pelo Capitulo V, 3.5, a), 0,10; pelo Capítulo X – Grau II da TNI, 0,15; e pelo capítulo XIV, 3, c) 0,10.
10. A A. apresenta uma incapacidade permanente de 18,9190%, tendo sido desvalorizada em 0,01000 pelo Capítulo X, Grau I); 0,10900 pelo Capítulo III.2.12.3.2, a); e 0,18919 pelo Capítulo V, 3.5, a), todos da TNI.
11. As sequelas da A. são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
12. A A. não apresenta dependência permanente de ajuda de terceira pessoa.
13. A A., desde 20.12.2014, não mais exerceu qualquer atividade laboral.
14. Das condições gerais constantes do contrato de seguro a que a A. aderiu consta como cobertura principal, alínea b) “invalidez total e permanente” – estando definido que “no caso de invalidez total e permanente do segurado, a seguradora, nos temos previstos nas Condições da apólice, garante o pagamento do capital seguro ao beneficiário”, considerando-se existir “invalidez total e permanente quando se verifiquem cumulativamente os seguintes factos:
- esteja o segurado definitivamente incapacitado de exercer qualquer profissão ou atividade lucrativa em consequência de doença ou acidente, com fundamento em sintomas objetivos clinicamente comprováveis;
- não seja possível prever qualquer melhoria no seu estado de saúde de acordo com os conhecimentos médicos atuais;
- seja portador de um grau de desvalorização superior a 66,6% segundo a Tabela Nacional de Incapacidades”.
15. A A. e BB assinaram as propostas de adesão que constam dos autos como Doc 1 e 2 da pi, a 23/05/2008 e 02/02/2010, aceites pela R. com datas de inicio, respetivamente, a 17/07/2008 e 25/02/2010, cujo teor aqui se considera reproduzido e de onde consta que as garantias são “morte ou invalidez total e permanente” e ainda “são exatas e completas as declarações prestadas, tendo tomado conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do contrato, tendo sido entregue as respetivas condições gerais e especiais, de que tomaram integral conhecimento e tendo lhes sido prestados todos os esclarecimentos sobre as garantias e exclusões aplicáveis, com as quais concordam”, e bem assim que “tomam conhecimento de que o questionário médico faz parte integrante do contrato de seguro de vida proposto e que as declarações inexatas ou reticentes ou a omissão de factos, tornam o pedido de adesão nulo e sem qualquer efeito, exonerando a seguradora da obrigação de pagamento de qualquer indemnização”.
16. Tal apólice de grupo do ramo vida nº ...90, em que a R. figura como seguradora, foi realizada para garantir dois empréstimos imobiliários bancários celebrados entre os AA. e o “Banco 1..., S.A.”, com o capital seguro inicial de 115.000,00 €, certificado nº....59, emitido com início em 17/07/2008 e o certificado individual nº....96, com o capital seguro inicial de 15.000,00€, com inicio a 25/02/2010, ambos com as coberturas de morte e invalidez total e permanente e com origem na mesma proposta de adesão.
17. Os contratos de seguro foram celebrados entre os mutuários e a 1ª ré por exigência do banco, 2º réu, como garantia de reembolso do capital mutuado no caso de ocorrer um sinistro, tendo o banco ficado constituído como beneficiário irrevogável desses seguros.
18. Aquando da celebração dos contratos de seguro, foi explicado aos AA. o conteúdo das propostas de adesão, nomeadamente quanto ao conceito de invalidez total e permanente, bem como da importância que o questionário clínico envolvia para a validade do seguro, de que aqueles se inteiraram e assinaram depois de esclarecidos.
19. Aquando da subscrição das propostas de adesão a A não declarou os antecedentes pessoais, referidos no facto 8, e a toma regular de medicação.
20. Nem referiu os antecedentes familiares, pai e tia (paterna) com enxaquecas com aura.
21. A autora detinha assim um quadro clínico pré-existente que, se tivesse sido declarado, teria condicionado a aceitação do risco.
22. Sendo que o questionário médico, assinado pela autora, foi preenchido de acordo com informações por esta transmitidas.
23. A 1ª R. aceitou a contratação da cobertura do risco com base na proposta de adesão subscrita pela interessada e nas informações clínicas fornecidas pela mesma, não tendo sido necessários exames médicos adicionais, de acordo com os critérios internos de conjugação de idade e capital em risco.
24. O seguro foi aceite no pressuposto de que as declarações efetuadas pela pessoa segura não padeciam de incorreções ou omissões.
25. Na proposta de adesão, a autora respondeu negativamente a todas as perguntas do questionário médico.
26. Caso a proponente tivesse dado respostas afirmativas, teria que responder a um questionário clínico mais detalhado e fazer exames médicos que teriam condicionado a aceitação do risco.
27. A aceitação da adesão foi assim condicionada pela análise e aprovação da proposta de adesão subscrita, originando que a R., fazendo fé nas declarações prestadas, tenha entendido não ser necessário solicitar elementos clínicos adicionais para a avaliação do risco.
28. A participação do sinistro por invalidez da A foi rececionada nos serviços da R em 20.04.2015, via sucursal do Banco 1..., invocando a incapacidade reconhecida no atestado multiusos.
29. A R. respondeu por carta registada com AR datada de 26.05.2015, declinando a responsabilidade pelo pagamento dos capitais seguros das apólices, por quadro clínico pré-existente, e procedendo à anulação dos contratos de seguro associados ao crédito habitação da A.
30. A A. procedeu ao envio de outras reclamações (cfr.doc. 19 e 20 pi), mantendo a 1ª R. a decisão de declinar o sinistro.
31. Como os seguros de vida associados ao crédito habitação tinham duas pessoas seguras, foram emitidos contratos em nome do segurado BB.
32. O segundo contrato de seguro de vida, celebrado pela A e marido, associado ao crédito à habitação concedido pelo interveniente Banco 1... SA, com o certificado individual com o nº ...96, tinha como capital seguro, à data da participação do sinistro, em 20/04/2015, a quantia de € 13.845,31.
33. A A., nascida a ../../1973 encontra-se divorciada do A, desde ../../2021.
34. A A. recebe da SS, a título de pensão de invalidez, desde 09.10.2018, a quantia mensal de €305,34.
35. Em Outubro de 2023, faltava pagar ao Banco 1..., pela A. e BB, a quantia de € 93.058,79, relativamente ao 1º mútuo contraído, e a quantia de € 11.614,79, quanto ao 2º mútuo.
*

2.2. Factos Não Provados
O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
a. A Aquando da contratação dos seguros, a autora não tenha sido questionada pelo estado de saúde.
b. A incapacidade de que padece a A. A. exija que esta seja assistida em permanência por terceira pessoa.
c. A A. esteja impossibilitada de exercer qualquer atividade profissional.
d. Que tenham sido entregues aos AA as condições gerais e especiais dos contratos de seguro sem lhes ter sido explicado o seu conteúdo.
e. A A não tinha, à data da contratação, a menor consciência de ser portadora de qualquer doença, porque nunca nenhum médico lhe tinha diagnosticado e comunicado qualquer doença.
f. Na altura em que contratou, nenhuma consciência tinha a autora de que poderia estar a prestar qualquer declaração de saúde inexata, ou a desprezar as advertências constantes do boletim de adesão que assinou.
g. Nunca qualquer uma das patologias/doenças que vieram a dar causa à situação atual de incapacidade se tinham manifestado no dia a dia da autora ou no seu estado de saúde.
*
2.3. Convicção do Tribunal
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“O Tribunal considerou o conjunto da prova produzida, para a afirmação dos factos provados e não provados, tendo sido relevante:
1 - A prova documental junta, nomeadamente:
- os contratos de mútuo celebrados com o Banco 1... em 17/07/2008 e 25/02/2010 constantes das escrituras de fls.143 a 158;
- os certificados de seguro, datados de 25/5/2008 e de 2/02/2010, juntos por todas a partes, nomeadamente a fls. 161 a 167, não tendo sido posta em causa a sua celebração;
- os documentos clínicos de fls. 43 a 52, 201 a 214, 228 a 315, 316 a 349, 372 a 378, 384 a 405, 408 a 555, 559 a 560, 585, 603 a 605, que permitiram a posterior realização da prova pericial;
- o atestado multiusos de fls. 52v nos exatos termos que dele constam;
- o acionamento do contrato de seguro e respostas obtidas a que se reportam as missivas referidas de fls. 56 e segs (docs 19 e 20).;
- as condições gerais e especiais dos contratos de seguro celebrados entre o Banco 1... e a R., a que os AA. aderiram, e que foram entregues aos mesmos;
- assento de nascimento da A;
- documento da SS comprovativo da pensão atribuída à A, de fls. 188v e 189.
2 - A prova pericial realizada:
O Tribunal considerou o teor das conclusões constantes do relatório pericial, inequívocas, perante os factos documentais apurados, incluindo as perícias oftalmológica, de psiquiatria e de neurologia, no sentido de verificar se as sequelas da doença sofrida impedem a A. de trabalhar, ou se estas exigem que seja permanentemente assistida por terceira pessoa, sendo a resposta negativa.
3 - As declarações de parte prestadas:
É inequívoco o sofrimento da A., o qual, porém, não resulta apenas das sequelas da doença sofrida, conforme esclarecido pelos Srs. Peritos, nomeadamente pela Sra. Perita de Neurologia, mas também de perturbação prévia do sistema nervoso.
É também inequívoco que a A. não se sente capaz de voltar a exercer a sua atividade profissional (não tendo sequer o tentado fazer), ou outra atividade qualquer.
Porém, objetivamente, lidos os relatórios médicos constantes dos autos, temos de concluir que a situação clínica atual da A. não permite afirmar a sua incapacidade definitiva para o trabalho. Certo é que a perda de força na mão direita e mesmo o desânimo da A - que existe e será incapacitante - não foi por si só suficiente para que a prova pericial afirmasse uma incapacidade da A. para o trabalho em geral.
As declarações da A. foram sérias, tendo a mesma confirmado sofrer de enxaquecas desde os 7 anos de idade, tomar medicação para tal, ter antecedentes familiares, e ter lhe sido explicado o teor dos contratos de seguro e lidas as condições, do seguro e do banco, respetivas exclusões, de que ficou ciente, não tendo feito referencia às enxaquecas, e a circunstância de ter sido posteriormente excluída das apólices, por tal.
Já BB, ex-marido da A. e mutuário dos contratos de seguro, referiu, para além do mais, que aquando da subscrição dos seguros a A falou nas enxaquecas, declaração que não nos mereceu qualquer credibilidade, por contrária à demais prova produzida, não tendo por tal sido tida por séria.
4 - As testemunhas inquiridas:
O Tribunal inquiriu:
Dra. HH, médica neurologista que realizou exame pericial dessa especialidade à A, que foi perentória em afirmar que as enxaquecas que a A sofria (desde os 7 anos de idade) estão relacionadas com o enfarte migratório que a mesma sofreu em Dezembro de 2014, e que a A ficou com uma paresia discreta, uma fraqueza na não direita, pelo que tem capacidade profissional, ainda que com esforços suplementares. Depoimento de grande relevância.
Dra. LL, médica de família da A desde há cerca de 8 anos, pessoa que confirmou que A se encontra já há uns anos psicologicamente afetada, apesar de atualmente não estar num estado depressivo que estava no inicio, que a A pediu uma junta médica e que foi quem elaborou o relatório médico para tal, dando origem ao atestado multiuso que foi passado. Referiu entender não ter capacidade para dizer se a A pode ou não desempenhar outra atividade profissional.
Dra. II, médica neurologista que acompanhou a A. após o enfarte, durante cerca de dois anos, que confirmou que a A apresentava um quadro depressivo grave, mas que revelou não ter conhecimento de todos os exames realizados à A, bem como de todos os fatores de risco da mesma ou do seu estado atual, não assumindo, assim, relevo o seu depoimento.
EE, filha da A, FF, amiga da A e colega de trabalho desta durante cerca de 20 anos, e GG, prima da A, confirmaram todas que a A sempre teve enxaquecas e tomava medicação (a prima confirmou que é desde pequena que a A tem enxaquecas), que chegava a vomitar por causa das enxaquecas, que também já tinhas problemas de depressão, mais relatando a atividade profissional que a A desempenhava, enquanto fiandeira e que deixou de exercer depois do enfarte.
CC, funcionário bancário do Banco 1..., desde 1995, pessoa que teve intervenção na celebração dos contratos de mútuo com os AA, confirmou o valor inicial de ambos, e que aos mesmos estão associados dois contratos de seguro, obrigatórios, no âmbito do qual foi realizado um questionário médico a cada um dos mutuários, com perguntas feitas individualmente a cada um, de forma a aferir-se da sua situação clinica. Confirmou que foi quem fez tais questionários, tendo sido preenchidos conforme as declarações prestadas pelos AA, que foram entregues copias dos contratos aos autos e explicado o seu conteúdo, nomeadamente as cláusulas de exclusão, o significado de incapacidade total e permanente, e que a invalidez temporária não estava abrangida pelo seguro, ou seja, que não cobre uma “baixa”. Foi perentório em afirmar que a A não mencionou nada sobre o seu estado de saúde, nomeadamente quanto às enxaquecas, senão tinha que mencionar isso no questionário e tinha-o feito.
MM, funcionário bancário do Banco 1..., desde 2002, pessoa que teve intervenção na celebração do 2º contrato de mutuo com os AA, o qual confirmou ter igualmente entregue aos AA, aquando da outorga do contrato em 2010, as condições gerais da proposta de subscrição, e que também nesta data a A nada referiu quanto ao seu estado de saúde, caso contrario teria mencionado a patologia de que sofria. Mais confirmou os valores em divida pelos AA, sendo quanto ao 1º mútuo, de €93.058,79 e quanto ao 2º, de €11.614,79.
NN, gestora de sinistros e funcionária da R, a qual confirmou as datas de inicio dos seguros de vida celebrados com os AA, a 17/07/2008 e 25/02/2010, esclarecendo que os mutuários tinham respostas negativas a todas as perguntas dos questionários clínicos, pelo que foram aceites sem reservas; que em 2015 receberam, via sucursal Banco 1..., um atestado médico de incapacidade multiuso, mas que o médico deu parecer de recusa e a segurada foi excluída da apólice, porquanto se a A tivesse referido as patologias de que padecia (quadro pré-existente), não teriam celebrado a apólice, pois o risco era acrescido.
Foi relevante no esclarecimento de que a subscrição é feita com base nas declarações insertas na proposta prestadas pelos clientes e é aceite de boa fé, se as declarações não correspondem à realidade é anulada a apólice. Confirmou ainda o valor em dívida, relativamente a ambos os contratos de mútuo, à data da participação do sinistro.
Dr. JJ, médico de medicina geral e familiar que presta serviços para a R desde 2000, o qual confirmou que a R excluiu a A da apólice, ficando só o marido, porquanto a A. tinha antecedentes pessoais que não declarou, nomeadamente a existência de enxaquecas com áurea desde os 7 anos de idade, acompanhadas de vómitos, e tomada de medicação (e pré-disposição genética, pai e tia também tinham). Esclareceu que igualmente que se, em 2008 e 2010, soubessem que a A tinha tais antecedentes pessoais, havia um agravamento do contrato em pelo menos 25% e não cobririam a invalidez total e permanente, pois há uma relação entre o historial medico da A e a doença, a qual sofreu um enfarte migroso que teve origem na enxaqueca. Esta testemunha realçou assim os dados tidos em conta para aprovação dos contratos ou cálculo de risco e o que condiciona a realização ou não de exames médicos complementares.
Foram ainda ouvidos os Srs. Peritos do IML, em esclarecimentos, os quais, confirmaram as conclusões periciais alcançadas, esclarecendo que o atestado multiuso nada tem a ver com a perícia do IML, pois os métodos de avaliação subjacentes são diferentes, que a A., em face do enfarte que sofreu ficou com menos força no membro superior direito, que a A. tinha enxaqueca pré-existente e perturbação neurótica prévia, mas que não se encontra incapacitada para o exercício da atividade habitual nem depende permanentemente da ajuda de terceira pessoa.
As testemunhas arroladas pela A. depuseram assim sobre as sequelas que a A. evidencia após o enfarte, esclarecendo que a mesma não voltou a trabalhar, entendendo que é impossível que esta regresse ao mercado de trabalho para exercer a atividade que exercia, por via dos problemas que evidencia - estar muito parada e não ter destreza na mão - , entendendo também, contudo, ser incompatível com o exercício de qualquer outra atividade profissional.
Ora, não obstante as sequelas com que a A. ficou (não com a dimensão que as testemunhas da A lhe atribuíram), certo é que a conclusão extraída não encontra conforto na incapacidade reconhecida pelo INML.
Quanto aos contratos de seguro, todos, sem exceção, inclusive a A, relataram que foi explicado aos AA o conteúdo dos contratos, o que significado de incapacidade total e permanente, da importância de prestar as informações corretas e verdadeiras quanto ao estado de saúde, de que ficaram cientes, tendo-lhes sido entregue cópias dos contratos.
Foi assim produzida prova suficiente para que se considere demonstrado o efetivo conhecimento pela A. do teor das condições dos contratos de seguros.
Acresce que, também ficou demonstrado, sem margem para dúvidas, que a A sofre desde pequena de enxaquecas com aura visual, quadro clinico este que acarreta frequentemente vómitos e tomada de medicação, e que será genético (lado paterno da A sofre da mesma patologia), enxaquecas que estão na origem do enfarte que sofreu, e que, relativamente ao mesmo, não foi feita qualquer referencia aquando da subscrição dos seguros, nomeadamente aquando do preenchimento dos questionários clínicos, não obstante a A. estar ciente da importância de referir todas as questões de saúde, que lhe foram questionadas, e que a sua não referencia poderia implicar que os contratos não fossem válidos.
Quanto à prova médica produzida, a mesma não contraria as conclusões alcançadas na perícia, sendo certo que a médica de família da A. corroborou os problemas que esta vivencia, mas declarou não ter capacidade para afirmar se a A pode ou não exercer outra atividade profissional.
Assim, no mais, os factos alegados foram considerados não provados, quer por estarem em contradição com aqueles que o tribunal considerou provados, traduzindo a convicção formada a negação da afirmação contrária (nomeadamente em relação à necessidade da A. de ser assistida em permanência por terceira pessoa, face à incapacidade de que padece, à impossibilidade de exercício de atividade profissional, à informação quanto ao conteúdo dos contratos, à falta de consciência de estar a prestar declaração de saúde inexata ao não referir as enxaquecas, e ainda à circunstância de estas fazerem parte da sua vida da A desde criança).”
*

3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso são as seguintes:
- Da impugnação da matéria de facto;
- Do mérito da decisão.
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4. Conhecendo do mérito do recurso:

4.1. Da impugnação da Matéria de facto
A apelante em sede recursiva manifesta-se discordante da decisão que apreciou a matéria de facto, pretendendo que sejam eliminados os factos nºs 21 e 26 da factualidade provada, e ainda os pontos 1, 4, 5, 6 e 7 dos factos não provados.
Pretende, ainda, que seja dado como não provado que “O AVC que foi diagnosticado à Autora em 22/12/2024 foi causado por enxaqueca que não resolveu”, bem como sejam aditados os seguintes factos à factualidade provada:
“a)
Os questionários clínicos preenchidos pela Autora, tanto em 2008 como em 2010, no que diz respeito ao seu estado de saúde, eram constituídos por apenas seis perguntas, bem como informação quanto à tensão arterial, peso e altura.
b)
As questões que constituem esses questionários são as seguintes:
1)
Já o aconselharam a consultar um médico, a ser hospitalizado, a submeter-se a algum tratamento ou intervenção cirúrgica?
2)
Está de baixa por doença ou acidente?
3)
Tem ou teve alguma doença que o tenha obrigado a interromper a sua atividade laboral por mais de 15 dias seguidos nos últimos 5 anos?
4)
Tem alguma alteração física ou funcional, teve algum acidente grave, foi submetido a alguma intervenção cirúrgica ou recebeu alguma transfusão de sangue?
5)
Já fez ou foi aconselhado a fazer um teste de SIDA?
6)
Já lhe foi recusada a celebração de um seguro de vida, de doença ou de acidentes pessoais, ou o mesmo foi celebrado em condições especiais?
c)
Aquando da contratação dos seguros, para além da tensão arterial, peso, altura e as perguntas do facto b), a Autora não foi questionada sobre quais outras circunstâncias relativas ao seu estado de saúde, nem lhe foram pedidas informações adicionais.
d)
Não foi dada à Autora a possibilidade de mencionar outras circunstâncias não solicitadas no questionário.
e)
As enxaquecas de que a Autora sofre, descritas no facto 8, não afetavam significativamente o seu dia-a-dia, jamais faltando ao trabalho por causa das mesmas, e fazendo medicação não sujeita a receita médica apenas quando sentia a enxaqueca, à qual esta cedia.
f)
A Autora jamais foi seguida em consulta de enxaqueca.
g)
Desde 2010, os questionários clínicos foram alterados.”
Pugna, ainda, que sejam eliminados da factualidade provada os factos 10 e 12, e da factualidade não provada os factos dos pontos 2 e 3.
Defende, ainda, que a factualidade dada como provada seja alterada de modo a que passe a constar:
“9 - A A. foi submetida a exame médico na ARS Norte, em 03/01/2018, tendo-lhe sido atribuído o grau de incapacidade permanente global de 66%, reportada a 2017, tendo sido atribuído o coeficiente 0,50 pelo Capítulo III, 2.12.2.1; pelo Capitulo V, 3.5, a), 0,10; pelo Capítulo X – Grau II da TNI, 0,15; e pelo capítulo XIV, 3, c) 0,10, apresentando atualmente uma incapacidade de 73%, conferida em 30/02/2015 pela TNI aprovada pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23/10/2007.
11 - As sequelas da A. não são compatíveis com o exercício da atividade habitual.”
Vejamos, então.
No caso vertente, mostram-se minimamente cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma.
Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”.
Tendo presentes os elementos probatórios e demais motivação apresentada pelo Tribunal a quo afigura-se-nos que a mesma é, por si só, autojustificativa da justeza da decisão tomada.
Da análise da prova testemunhal, nomeadamente da prova testemunhal elencada pela Apelante, verifica-se que a valoração da prova foi feita de forma livre e consciente pelo Tribunal a quo.
Acresce referir que a prova científica (perícia) produzida nos autos é, esclarecedora relativamente à pré-existência da doença da segurada, bem como o seu conhecimento acerca da mesma e a sua intenção de omitir a mesma à Ré na celebração do contrato de seguro, como resulta das declarações formuladas na proposta de adesão.
De resto, o exame pericial do Instituto de Medicina Legal é categórico no que ao seu resultado diz respeito.
É certo que o valor da prova pericial civil não vincula o critério do julgador.
Porém, convém não esquecer o peculiar objecto da prova pericial: a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina.
E assim se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz - já o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser susceptível de uma crítica material e igualmente científica. Deste entendimento das coisas deriva uma conclusão expressiva: sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva
Ora, como refere o Tribunal a quo na decisão colocada em crise pela Apelante:
“(…) Com efeito, a A. sofre de enxaquecas com aura visual desde os 7 anos de idade, tendo antecedentes familiares (pai e tia paterna com o mesmo quadro), com toma de medicação associada. Caso a 1ª R. tivesse conhecimento da situação de doença pré-existente da autora, não teria aceite segurar o risco de incapacidade/invalidez total e permanente. As respostas negativas dadas pela autora ao questionário determinaram a não realização de exames médicos, bem como a não solicitação de informações complementares, condicionando a aceitação pela seguradora da adesão da autora, por não ter aquela encontrado motivos para solicitação de dados clínicos adicionais com vista à avaliação do risco.
A autora defende que a pergunta com resposta negativa, em que a 1ª ré faz assentar a omissão relevante da autora, é demasiado abrangente, defendendo ainda que grande parte da população padece de enxaquecas e que tal circunstância nunca a impediu de trabalhar, pelo que não existia relevância em declarar a sua existência.
Cremos, porém, que não poderá ser extraída tal conclusão.
A pergunta em causa é: “Já a aconselharam a consultar um médico, a ser hospitalizado, a submeter-se a algum tratamento ou intervenção cirúrgica?”
Não há dúvida que a pergunta é ampla, sendo que, quase invariavelmente, qualquer cidadão já foi aconselhado a consultar um médico e que, no absoluto rigor literal, qualquer pessoa teria que responder afirmativamente. Porém, também não será qualquer resposta negativa que releva como declaração inexacta ou omissão relevante.
Se efectivamente a enxaqueca comum afecta muitas pessoas, já um quadro como o da Apelante, com antecedentes familiares, com aura visual desde os 7 anos de idade, vómitos associados e toma de medicação frequente, impunham que a mesma lhe fizesse referência, de forma a que, no caso concreto, em caso de averiguação complementar, permitisse à 1ª ré concluir qual a doença existente e ponderar o risco.
Assim, a A., enquanto proponente do contrato de seguro, omitiu um facto relevante no preenchimento do questionário clínico que lhe foi apresentado, sendo que não podia razoavelmente desconhecer que, sofrendo enxaquecas desde os 7 anos, com aura visual, com antecedentes familiares idênticos, tal patologia, tinha necessariamente relevância para a aferição do risco pela seguradora, como se comprovou ter.
A proposta de adesão não está sujeita ao regime das cláusulas contratuais gerais, não sendo necessário que a autora seja informada das exclusões de cobertura previstas para um contrato que ainda não foi aceite, ou em relação ao qual não existem apólices emitidas”.
Cumpre, ainda, salientar que a Dra. HH, médica neurologista que realizou exame pericial dessa especialidade à A., foi perentória em afirmar que as enxaquecas que a Apelante sofria (desde os 7 anos de idade) estão relacionadas com o enfarte migratório que a mesma sofreu em Dezembro de 2014, e que a A. ficou com uma paresia discreta, uma fraqueza na mão direita, pelo que tem capacidade profissional, ainda que com esforços suplementares.
Além disso, foram ouvidos os Srs. Peritos do Instituto de Medicina Legal, em esclarecimentos, os quais, confirmaram as conclusões periciais alcançadas, esclarecendo que o atestado multiuso nada tem a ver com a perícia do Instituto de Medicina Legal, pois os métodos de avaliação subjacentes são diferentes, bem como a A., em face do enfarte que sofreu ficou com menos força no membro superior direito, que tinha enxaqueca pré-existente e perturbação neurótica prévia, mas que não se encontra incapacitada para o exercício da atividade habitual nem depende permanentemente da ajuda de terceira pessoa.
É certo que resulta das declarações da Apelante que a mesma não se sente capaz de voltar a exercer a sua actividade profissional (não tendo sequer o tentado fazer), ou outra actividade qualquer.
Porém, objectivamente, lidos os relatórios médicos constantes dos autos, temos de concluir que a situação clínica actual da A. não permite afirmar a sua incapacidade definitiva para o trabalho. Certo é que a perda de força na mão direita e mesmo o desânimo da A - que existe e será incapacitante - não foi por si só suficiente para que a prova pericial afirmasse uma incapacidade da A. para o trabalho em geral.
Parece-nos, ainda, não se justificar o aditamento dos pretensos factos à matéria de facto uma vez que não se mostram assentes na prova oferecida, além de que alguns deles constituem matéria factual instrumental irrelevante para a boa decisão da causa, sendo, ainda, certo que os questionários e as respostas dadas já constam da matéria de facto por via remissiva.
Afigura-se-nos, assim, que à luz da prova testemunhal, pericial e documental não existe qualquer fundamento para modificar a decisão sobre a matéria de facto.
Entendemos, assim, que a Senhora Juiz a quo fundamentou a sua decisão de forma rigorosa, bem sistematizada, não contornando as questões que se colocavam, invocando sempre com ponderação as regras da experiência comum e o juízo lógico-dedutivo.
Com efeito, a convicção expressa pelo tribunal a quo tem razoável suporte naquilo que a gravação das provas e os demais elementos dos autos lhe revela.
Não esqueçamos, por fim, que a formação da convicção do juiz não pode resultar de partículas probatórias, mas tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida.
Afigura-se-nos, por isso, não existirem motivos que justifiquem a alteração, devendo manter-se as respostas dadas aos referidos pontos da matéria de facto provada.
Na realidade as observações feitas aos depoimentos prestados e à prova documental oferecida são pertinentes e acutilantes.
Em face do que vem de ser exposto, improcede o recurso sobre a decisão da matéria de facto.
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4.2. Do mérito da decisão.
A apelante clama pela revogação da sentença de que recorre.
Sustenta, desde logo, tal pretensão na modificação da decisão sobre a matéria de facto que, pela via recursiva, reclama.
Mantendo-se, todavia, inalterada a decisão relativa à matéria de facto, em consequência da improcedência do recurso impugnativo da mesma, afigura-se-nos que, à luz da mesma, se deve manter a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
É inquestionável que a relação jurídico-contratual vigente com a Ré/recorrida consubstancia um contrato de seguro do ramo vida.
O contrato de seguro na definição de Moitinho de Almeida, in “Contrato de Seguro”, pág. 23:
“É aquele em que uma das partes, o segurador, compensando segundo as leis da estatística um conjunto de riscos por ele assumidos, se obriga, mediante o pagamento de uma soma determinada, a, no caso de realização de um risco, indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos, ou, tratando-se de evento relativo à pessoa humana, entregar um capital ou renda, ao segurado ou a terceiro, dentro dos limites convencionalmente estabelecidos, ou a dispensar o pagamento dos prémios tratando-se de prestações a realizar em data indeterminada”.
O contrato de seguro é essencialmente regulado pelas disposições particulares e gerais constantes da respetiva apólice e, nas partes omissas, pelo disposto no Código Comercial e, na falta de previsão deste último diploma, pelo disposto no Código Civil (arts. 3º e 427º do Código Comercial).
É um contrato consensual, porque se realiza por via do simples acordo das partes, e era, à data da celebração do primeiro dos contratos, formal, porquanto a sua validade dependia então de redução, do correspondente acordo de vontades, a escrito consubstanciado na apólice a que se reporta o artigo 426º, proémio, do Código Comercial (o novo Regime Geral do Contrato de Seguro apenas entrou em vigor a 01/01/2009, nos termos do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16/04, tendo o 1º contrato em causa nestes autos sido outorgado em data anterior).
Actualmente, de acordo com o artigo 32º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16/04, (atualizado pela Lei n.º 75/2021, de 18/11), a validade do contrato de seguro não depende da observância de forma especial, sendo o segurador obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito, designado por apólice de seguro, e a entregá-lo ao tomador do seguro, apólice essa datada e assinada pelo segurador.
Refira-se que de acordo com o artigo 3º do Decreto preambular do Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16/04, “nos contratos de seguro com renovação periódica, o regime jurídico do contrato de seguro aplica-se a partir da primeira renovação posterior à data de entrada em vigor do presente decreto-lei, com excepção das regras respeitantes à formação do contrato, nomeadamente as constantes dos artigos 18.º a 26.º, 27.º, 32.º a 37.º, 78.º, 87.º, 88.º, 89.º, 151.º, 154.º, 158.º, 178.º, 179.º, 185.º e 187.º do regime jurídico do contrato de seguro.”
São, pois, segundo o autor citado, elementos essenciais deste tipo de contrato: o risco, ou seja a possibilidade de um evento futuro e incerto (pelo menos quanto ao momento da sua concretização) susceptível de determinar a atribuição patrimonial do segurador; a empresa e a prestação do segurado.
Não é por tal aplicável, ao 1º dos contratos aqui em causa, o Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16/04, designadamente quanto às normas dos artigos 78º e 87º, nos termos do artigo 3º do decreto preambular.
Em causa está, assim, conforme bem salienta o Tribunal a quo, a celebração de dois contratos de seguro, cuja regulamentação se encontra então prevista no Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), instituído pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16.04, que entrou em vigor em 01-01-2009 e, como tal, após a celebração do primeiro contrato de seguro em discussão nos autos, que data de Maio de 2008, por se tratarem de contratos anualmente renováveis.
De acordo com o artigo 2º do Decreto Lei que aprova o RJCS, o disposto naquele regime aplica-se, quer aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, quer ao conteúdo dos contratos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, desde que o sinistro não ocorra antes do início da sua vigência (não se aplicando, contudo, ao 1º dos contratos, designadamente, as normas dos artigos 78º a 87º).
O seguro aqui em causa é um “seguro de grupo”, isto é, um contrato celebrado entre um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum. É um contrato trilateral entre seguradora, tomador e aderentes, definido pela existência de um contrato matriz inicial, celebrado entre a seguradora e o tomador/beneficiário (no caso, o banco), a que se seguem contratos subsequentes, cujo conteúdo é definido de acordo com o primeiro contrato, sendo aqueles celebrados com os aderentes que, após a adesão, assumem a qualidade de segurados.
Ora, a ré/Apelada, logrou demonstrar, como lhe competia, que a autora/Apelante foi informada, e esclarecida, em relação ao clausulado, nomeadamente quanto às circunstâncias relevantes para a avaliação do risco.
Contudo, refira-se que, o que releva para o caso concreto não é o clausulado a que a autora aderiu, mas o questionário que a autora preencheu, ou cujas respostas deram causa ao preenchimento, correspondente à proposta de adesão ao contrato de seguro, que determinou a celebração deste último pela 1ª ré.
O contrato de seguro, cujo clausulado a autora alega não ter sido objecto de informação e esclarecimento, apenas existe porque a autora preencheu e assinou a proposta de contratação, que lhe é prévia.
Dado que à data da assinatura da 1º proposta de adesão não vigorava o RJCS, importa, em 1ª linha, verificar qual a legislação então aplicável.
Dispunha o art.º 429º do Código Comercial (revogado pelo RJCS, mas inteiramente aplicável à data da contratação) que “Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo.”
A doutrina e a jurisprudência têm vindo a considerar que a expressão “nulo” deve ser entendida como “anulável”, à luz dos interesses em jogo, que não contendem com o interesse público ou com a violação de uma norma imperativa, antes correspondendo a uma actuação que é passível de influenciar as condições em que é celebrado o contrato de seguro, o que direcciona a violação para o campo da lesão de interesses particulares, mais associada à anulabilidade.
Dado que o citado preceito legal faz assentar a invalidade na possibilidade de a inexactidão da declaração ou a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas do segurado terem influído na existência ou condições do contrato de seguro, impende sobre a seguradora o ónus de prova de que, caso tivesse conhecido o facto omitido, não teria contratado ou, pelo menos, não teria contratado nos termos em que contratou.
O RJCS, por seu turno, prevê, nos artigos 25º e 26º, a anulabilidade ou possibilidade de cessação do contrato de seguro, consoante exista, respectivamente, omissão/inexactidão dolosa ou meramente negligente de cumprimento do dever, que impende sobre o segurado, referente à declaração inicial de risco, prevista no art.º 24º: o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.
Impõe-se, então, aferir se existe razão que justifique a posição assumida pela 1ª ré ao declinar qualquer responsabilidade, o que mereceu acolhimento da primeira instância, com apoio na circunstância de a autora ter omitido uma situação de doença pré-existente, que foi causa determinante da situação de incapacidade actual e que, caso fosse conhecida da 1ª ré, teria conduzido à decisão desta de não contratar nos termos em que contratou (teria condicionado a aceitação do risco e conduzido a que a 1ª ré não aceitasse segurar o risco de incapacidade/invalidez total e permanente).
Resulta provado que a Apelante tinha um quadro clínico pré-existente que, se tivesse sido declarado, teria condicionado a aceitação do risco.
Com efeito, a Recorrente sofre de enxaquecas com aura visual desde os 7 anos de idade, tendo antecedentes familiares (pai e tia paterna com o mesmo quadro), com toma de medicação associada. Caso a 1ª R. tivesse conhecimento da situação de doença pré-existente da autora, não teria aceite segurar o risco de incapacidade/invalidez total e permanente. As respostas negativas dadas pela Apelante ao questionário determinaram a não realização de exames médicos, bem como a não solicitação de informações complementares, condicionando a aceitação pela seguradora da adesão da autora, por não ter aquela encontrado motivos para solicitação de dados clínicos adicionais com vista à avaliação do risco.
É certo que a autora defende que a pergunta com resposta negativa, em que a 1ª ré faz assentar a omissão relevante da autora, é demasiado abrangente, defendendo ainda que grande parte da população padece de enxaquecas e que tal circunstância nunca a impediu de trabalhar, pelo que não existia relevância em declarar a sua existência.
Cremos, porém, que não poderá ser extraída tal conclusão.
A pergunta em causa é: “Já a aconselharam a consultar um médico, a ser hospitalizado, a submeter-se a algum tratamento ou intervenção cirúrgica?”
É certo que a pergunta é ampla, sendo que, quase invariavelmente, qualquer cidadão já foi aconselhado a consultar um médico e que, no absoluto rigor literal, qualquer pessoa teria que responder afirmativamente. Porém, também não será qualquer resposta negativa que releva como declaração inexacta ou omissão relevante.
Se efectivamente a enxaqueca comum afecta muitas pessoas, já um quadro como o da Apelante, com antecedentes familiares, com aura visual desde os 7 anos de idade, vómitos associados e toma de medicação frequente, impunham que a Recorrente lhe fizesse referência, de forma a que, no caso concreto, em caso de averiguação complementar, permitisse à 1ª ré concluir qual a doença existente e ponderar o risco.
Com efeito, a enxaqueca com aura é uma forma específica de enxaqueca que se caracteriza por vir acompanhada de sintomas neurológicos transitórios, conhecidos como “aura”, que precedem a cefaleia e em geral têm instalação gradual.
A “aura” consiste em sintomas neurológicos, mais frequentemente do tipo visuais, descritos como pontos pretos na visão (escotomas), flashes de luz, brilhos e luzes que se movem no campo de visão e que podem durar entre 5 e 60 minutos.
O principal sintoma da enxaqueca com aura é justamente esse conjunto de sintomas neurológicos que precedem a dor e podem ser descritos como flashes de luz, brilhos e luzes que se movem no campo de visão do indivíduo.
A aura pode durar entre 5 e 60 minutos e, quando termina, é logo seguida pelo surgimento de forte dor de cabeça (enxaqueca).
Os sintomas de aura mais comuns que os pacientes podem ter são: visão embaçada; pontos cegos de visão; formigamento nas mãos ou no rosto e dificuldade na fala.
Outros sintomas neurológicos também podem ocorrer.
A enxaqueca com aura não é um AVC (Acidente Vascular Cerebral). No entanto, o AVC pode, sim, provocar sintomas como visão turva e alterações visuais que lembram a enxaqueca com aura.
Importante destacar que, se o indivíduo tiver sintomas de aura pela primeira vez, a recomendação é buscar auxílio médico imediatamente para descartar justamente o AVC, considerado uma patologia mais grave e que requer atenção imediata.
De resto, a intensidade e a frequência dos episódios podem afectar significativamente a qualidade de vida. Além disso, a preocupação com possíveis complicações, como o risco aumentado de AVC em alguns casos, reforça a importância de buscar ajuda médica para o problema.
O médico especialista no diagnóstico e tratamento de enxaquecas, incluindo a do tipo com aura, é o neurologista.
O diagnóstico da enxaqueca com aura é realizado após avaliação médica, análise da história clínica, familiar e alguns exames físicos e de neuroimagem.
Nesse sentido, o médico pode solicitar exames de tomografia computadorizada e ressonância magnética para descartar outras condições de saúde que podem causar sintomas semelhantes aos da enxaqueca com aura.
Em geral, os exames de imagem servem justamente para descartar outros diagnósticos. Portanto, costuma-se dizer que a enxaqueca é uma condição de diagnóstico clínico.
O tratamento para a enxaqueca com aura varia de acordo com a gravidade dos sintomas e a frequência das crises. O principal objetivo do tratamento é aliviar a dor, reduzir a frequência das crises e melhorar a qualidade de vida.
De forma geral, existem duas abordagens: o tratamento agudo para alívio da dor de forma mais rápida; e o tratamento preventivo para modulação da dor, reduzindo assim a frequência e a gravidade dos episódios.
Em muitos casos, uma abordagem mais ampla, que inclui mudança de estilo de vida - com realização de atividade física, cuidados com alimentação, redução do consumo de álcool - pode ser necessária para eliminar os gatilhos do problema.
Por fim, pode ser preciso o apoio psicológico (terapia cognitivo-comportamental) quando se entende que o fator emocional actua como desencadeante importante dos episódios de enxaqueca.
Ora, como em todos os contratos, as partes, quer nos preliminares quer na conclusão deles, devem actuar com boa-fé, ou seja, com lealdade, transparência e verdade, de modo a que o consenso que o contrato postula assente em factos verdadeiros que são determinantes para a sua celebração.
Particularmente no contrato de seguro do ramo vida que, pelo seu objecto, envolve ponderação da segurada, dado o intenso carácter aleatório de que se reveste, deve a minuta ou proposta de seguro apresentada a quem pretende celebrar o contrato, ser respondida com verdade, pois só de posse de informações exactas e conhecidas acerca do estado de saúde do pretendente ao seguro pode a seguradora decidir se aceita pura e simplesmente, ou se aceita com condições agravadas, face ao mais intenso grau de risco, ou, se pura e simplesmente recusa a celebração.
Daí que seja usual submeter ao tomador do seguro um questionário indagando acerca das suas condições de saúde.
Por sua vez, o questionário médico não constitui uma cláusula contratual geral do contrato de seguro para efeito de vinculação do tomador do seguro ou da seguradora aos deveres de comunicação e informação previstos no diploma das cláusulas contratuais gerais - cf. neste sentido, entre outros, o acórdão do STJ de 27.08.2008 e de 06.07.2011 in www.dgsi.pt. e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2/07/2013 in www.dgs.pt cujo sumário refere o seguinte:
“O regime das cláusulas contratuais gerais não é aplicável ao questionário pré-elaborado pela seguradora ao qual o segurado responde, de modo a fornecer àquela elementos na fase prévia à celebração do contrato de seguro em função dos quais a seguradora estabelece as condições de aceitação do contrato”.
Com efeito, a pessoa segura não adere ao questionário médico, sendo que as respostas ao questionário médico não estão pré-elaboradas.
Bem pelo contrário, a pessoa segura tem que responder ao questionário médico, numa fase prévia à celebração do contrato de seguro, para fornecer à seguradora elementos essenciais para estabelecer as condições de aceitação do contrato.
De resto, as perguntas do questionário médico são claras e o seu conteúdo é facilmente perceptível pelo comum dos cidadãos.
Compete aos segurados, no questionário médico, responder com verdade às perguntas constantes do mesmo, ainda com um simples “sim” ou “não” para permitir à seguradora avaliar o risco, sendo que as respostas ao questionário médico são a base da avaliação do risco por parte da seguradora e a base da formação da vontade negocial.
Ou seja, as respostas devem reproduzir com inteira fidelidade a situação clínica que é do conhecimento do segurado e essas respostas são da exclusiva responsabilidade do segurado, ao assinar a proposta de adesão e o questionário médico.
Numa segunda fase compete ao departamento médico da Seguradora fazer a averiguação clínica que julgar pertinente em função das respostas afirmativas ao questionário médico.
No caso vertente, da factualidade dada como provada, logrou a Ré, Companhia de Seguros A... fazer prova de que a proponente segurada, aquando da formalização da proposta de seguro, omitiu, voluntariamente, alguns pontos relevantes do seu estado de saúde e que tal omissão teve influência na aceitação do risco por parte da companhia de seguros. E recaia sobre a Ré o ónus de probatório da referida factualidade - artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.
Houve, portanto, declarações inexactas e omissão de elementos essenciais para apreciação do risco que a seguradora assumiu, o que acarreta a improcedência da demanda.
Com efeito, a Apelante, enquanto proponente do contrato de seguro, omitiu um facto relevante no preenchimento do questionário clínico que lhe foi apresentado, sendo que não podia razoavelmente desconhecer que, sofrendo enxaquecas desde os 7 anos, com aura visual, com antecedentes familiares idênticos, tal patologia, tinha necessariamente relevância para a aferição do risco pela seguradora, como se comprovou ter.
Pode, assim, concluir-se ter existido intenção da Autora de prestar declarações inexactas ou omitir informações relevantes atentos os antecedentes de que padecia em termos de saúde.
Porém, mesmo que tal tenha ocorrido por mera culpa leve ou negligência, as omissões são censuráveis e afetaram a decisão da 1ª ré, determinando, consequentemente, a invalidade do contrato.
A omissão culposa de situação clínica que era conhecida da autora e se mostra relevante para a aferição do risco, desde que tenha determinado a celebração ou o conteúdo do contrato, gera o direito potestativo da 1ª R. à anulação, exercido pela mesma por ocasião da resposta ao pedido de activação do risco.
Ou seja, ao resultar provado que a seguradora aceitou a assunção do risco e celebrou o contrato com base no questionário preenchido sob indicação da Apelante, limitando-se ao “não”, em que esta omitiu uma patologia prévia e respectivo tratamento, que naturalmente conhecia, bem como à luz da prova de que o desconhecimento dos factos omitidos determinou a celebração do contrato de seguro na parte referente à cobertura que aqui se discute (invalidez total e permanente), assistia à 1ª ré o direito de anular o contrato e de negar a assunção de cobertura do risco.
Com efeito, os seguros dos autos foram aceites no pressuposto de que as declarações efectuadas pela proponente/segurada não padeciam de incorrecções ou omissões que, no futuro, e caso fosse essa a situação, poderiam originar a resolução do contrato ou a cessação das garantias conferidas, inclusive, numa eventual participação de sinistro.
De resto, a patologias vinda de referir, caso tivesse sido declarada ou permitido a sua averiguação após resposta positiva, teria originado a não celebração dos contratos de seguro dos autos por parte da Ré.
Ou seja, a Ré/Apelada não aceitaria celebrar estes contratos de seguro com a Autora/Apelante ou sempre excluiria qualquer tipo de consequência futura relacionada com as patologias em questão (sempre com e exclusão da cobertura de ITP).
Importa, ainda, referir que o facto gerador da responsabilidade da R., na perspectiva da A., é o de esta se encontrar em situação de invalidez absoluta e definitiva.
Também, não existe dúvida, à luz dos factos provados, que a Apelante não se encontra em situação de invalidez total e permanente, definida nas condições especiais do contrato como sendo verificada quando, a pessoa segura ”em consequência de doença ou acidente, estiver total e definitivamente incapaz de exercer uma atividade remunerada, com fundamento em sintomas objetivos, clinicamente comprováveis, não sendo possível prever qualquer melhoria do seu estado de saúde de acordo com os conhecimentos médicos atuais, nomeadamente quando desta invalidez resultar paralisia de metade do corpo, perda do uso dos membros superiores ou inferiores em consequência da paralisia, cegueira completa ou incurável, alienação mental e toda e qualquer lesão por desastre ou agressões em que haja perda irremediável das faculdades e capacidade de trabalho, devendo em qualquer caso o grau de desvalorização, feito com base na Tabela Nacional de Incapacidades ser superior a 66,6% que, para efeitos desta cobertura, é considerado como sendo igual a 100%.”
Com efeito, conforme exame pericial realizado pelo Instituto de Medicina Legal, apurou-se que a A apresenta actualmente uma incapacidade de 18,9190%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Anexo I DL 352/07, de 23.10) e não de 66%.
Provou-se, ainda, que as sequelas da Apelante são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares e que a A. não apresenta dependência permanente de ajuda de terceira pessoa.
Ou seja, não se mostra demonstrado qualquer dos requisitos que permita o acionamento dos seguros em causa.
Assim, à luz do elenco de factos provados, ainda que se concluísse pela validade do contrato de seguro, o que não ficou demonstrado, com cobertura de risco de incapacidade total e permanente para o exercício de profissão remunerada, o certo é que não se verifica, na pessoa da A, tal situação de incapacidade actual, total e permanente.
Ou seja, a Apelante não se encontra total e definitivamente incapaz de exercer qualquer profissão compatível com os seus conhecimentos e capacidades, pelo que não podia, caso se mantivesse válido o seguro, accionar esta cobertura.
Conclui-se, assim, ser de manter a sentença em crise, confirmando a decisão recorrida.
Impõe-se, por isso, o não provimento da apelação.

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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:
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5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar não provido o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
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Custas a cargo da apelante.
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Notifique.




Porto, 06 de Junho de 2024
Relator: Paulo Dias da Silva
1.º Adjunto: Isoleta Almeida Costa, que apresentou a seguinte [declaração de voto vencido:
I. No contrato de seguro celebrado em 23/05/2008 releva (i) o questionário (pto 4 da matéria de facto e documentos reproduzidos), (ii) a única resposta admitida ser SIM ou NÃO, (iii) a doença de que a autora sofria à data (enxaqueca com aura).
Quanto à declaração de risco sujeita ao regime do artigo 429 do Código Comercial, no Ac STJ de 17/10/2019 ( proc nº 3546/16), em www dgsi.pt, em que estava em causa um questionário com iguais perguntas (padronizado) ponderou-se:
“O referido questionário médico, é fechado (…) com formulação das perguntas de forma pouco clara, objectiva e de difícil compreensão, contendo várias situações agregadas, o que dificulta uma resposta simples: positiva ou negativa.
Disso é exemplo o ponto 1 do questionário médico, onde são colocadas três questões numa só, em que apenas se admite uma de duas respostas (sim ou não), suscitando-se dúvidas quanto ao seu carácter cumulativo ou alternativo, podendo induzir em erro o proponente, pois faz depender do conselho de terceiro a ida ao médico, o internamento hospitalar e a submissão a tratamento ou intervenção cirúrgica e que admite várias interpretações.
O questionário médico é fechado, não contendo perguntas para além dos pontos 1 a 6, não cuidando minimamente de saber se o segurado sofre de alguma doença, circunstância relevante para a aceitação da proposta contratual por parte da seguradora.
Esta pergunta tão simples (“sofre de alguma doença?”) colocaria o segurado na obrigação de responder afirmativamente e, desse modo, informar a seguradora das suas verdadeiras patologias, o que determinaria, eventualmente, a não aceitação da seguradora da proposta de adesão do autor ou a aceitação com outras condições.
Perante um questionário fechado e com tão poucas perguntas (…) muito dificilmente se poderá concluir que o autor omitiu as referidas doenças ou prestado declarações inexactas (…)Tendo a seguradora optado por apresentar um questionário “fechado” em que apenas se admitia a resposta “sim”; ou “não”; às questões formuladas, e sendo estas em escasso número (seis), a que acrescia o facto de uma delas ser pouco clara, prestando-se a interpretações que poderiam induzir o tomador em erro, não poderia a seguradora anular o contrato de seguro com fundamento em declarações inexactas ou falsas por parte deste, pois que a matéria dada como provada se revela insuficiente para tal”.
Com fundamento nesta análise crítica e demais fundamentação que a tal respeito consta do referido acórdão, posição esta também sufragada no acórdão do STJ de 31.01.2023, processo 941/18.9T8OER.L1.S1, (o questionário é igual - padronizado) teria declarado este contrato validamente celebrado e em vigor.
II O contrato celebrado em 02/02/2010:
A meu ver, não resulta da matéria provada factos demonstrativos de ter havido por
parte da autora omissão/inexatidão da declaração dolosa (artigo 24º/3 do RJCS) e também nada resulta da factualidade provada susceptível de integrar a negligência e a causalidade prevista no artigo 26º/4, pelo que, cabendo nesta parte o ónus da prova à seguradora (artigo 342º/2 do CC) também aqui declararia válido o contrato.
III A clausula contratual da alínea b) do nº 1 das condições gerais constante do contrato (ponto 14 da matéria de facto) é uma CCG sujeita ao regime do Dl 446/85. É abusiva (por atentatória da boa-fé) ao cumulativamente exigir na caracterização do estado de invalidez que (i) esteja o segurado definitivamente incapacitado de exercer qualquer profissão ou atividade lucrativa em consequência de doença ou acidente, com fundamento em sintomas objetivos clinicamente comprováveis (ii) não seja possível prever qualquer melhoria no seu estado de saúde de acordo com os conhecimentos médicos atuais (iii) seja portador de um grau de desvalorização superior a 66,6% segundo a Tabela Nacional de Incapacidades.
Exigir tal grau de incapacidade quando com grau inferior a pessoa se encontra já em situação de invalidez absoluta e definitiva, pelo que incapaz de exercer actividade remunerada seria frustrar o objectivo visado que é da seguradora vir a proceder ao pagamento quando a pessoa segura esteja absolutamente incapaz, pelo que declararia a sua nulidade na parte em que define a situação de invalidez absoluta e definitiva condicionada à desvalorização superior a 66,6%. (artigos 15º e 16º do DL 446/85, de 25 de outubro).
No acórdão do STJ de 14-02-2023 processo 1117/20.0T8VIS.C1.S1, in dgsi entendeu-se que: «A cláusula que exige a incapacidade geral de 60% para se poder acionar o seguro de grupo, quando se verifica uma incapacidade total e definitiva para o exercício da profissão, é desproporcionada, favorecendo de forma excessiva, a posição contratual do predisponente e prejudicando inequitativa e danosamente a do aderente».
Por outro lado a «densificação do conceito relevante de invalidez absoluta e definitiva, no «contrato de seguro de vida (grupo) carece de linearidade, porquanto importa a ponderação de um conjunto de fatores diversificados, conforme a situação a analisar, e cuja articulação não pode deixar de levar a concluir que o segurado impossibilitado de trabalhar, ficará igualmente impossibilitado de solver as obrigações contraídas junto da entidade bancária aquando da celebração do mútuo, cuja superação constitui a razão última para a celebração do contrato de seguro, nos termos configurados, e que se entende dever-se perspetivar em moldes, não demasiado alargados, nem muito rígidos, mas de forma mais maleável e flexível, na necessária consideração casuística». Acórdão do STJ de 02-11- 2023 processo 5560/17.4T8VIS.C1.S, in dgsi.
A meu ver os factos provados nos pontos 8, 9 e 34 preenchem este conceito de invalidez absoluta o qual não é afastado pelo facto provado do ponto 11, em que se declarou provado que «as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual com esforços suplementares» dado que este facto assentou unicamente nas conclusões do relatório do IML o qual tem por objeto apenas a avaliação do dano, que não é totalmente coincidente com o conceito de invalidez que se discute no âmbito do seguro de vida, tanto mais que não se demonstra quais são esses «esforços suplementares» no contexto da situação concreta da autora que sofreu um AVC.
No acórdão do STJ de 10-02-2022 processo 1681/18.4T8VFR.P1.S1, in dgsi entendeu-se que «Perante as graves repercussões de ordem física, estética e psicológica provocadas pela doença, o acionamento do seguro do Ramo Vida contratado não pode ser afastado pelo simples facto de se provar, a partir de um relatório do IML, que a segurada está apta a exercer as funções da sua atividade profissional habitual, com exceção das que determinem contacto com o público, na medida em que não está demonstrado como e com que resultados poderia ser reajustada a sua vida profissional».
Por tais razões daria provimento ao recurso.]

2.º Adjunto: Ana Vieira




(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)