Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00041117 | ||
Relator: | OLGA MAURÍCIO | ||
Descritores: | DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP200803050746465 | ||
Data do Acordão: | 03/05/2008 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 302 - FLS 177. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Tendo o arguido sido absolvido na 1ª instância, no entendimento de que não se provou o crime pelo qual foi acusado, se, em recurso, a Relação decide que o crime se provou, o processo deve ser devolvido ao tribunal de 1ª instância, para aí ser fixada a pena. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 6465/07-04 …/05.8TALSD – .º juízo do tribunal judicial de Lousada Acordam, em audiência, na 2ª secção criminal (4ª secção judicial) do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO No processo supra identificado o Ministério Público deduziu acusação contra B………. imputando-lhe a prática, em autoria material, de factos susceptíveis de integrar o tipo legal de crime de falsas declarações quanto aos antecedentes criminais, previsto e punível pelo artigo 359º, nº 1 e 2 do Código Penal. A final foi proferida sentença através da qual o arguido foi absolvido da prática do apontado crime. 2. Não se conformando com o decidido recorreu o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões: 1ª - O arguido B………. foi acusado da prática de um crime de falsas declarações quanto aos antecedentes criminais, previsto e punível pelo artigo 359º, nº 1 e 2 do Código Penal e após audiência de julgamento, na qual esteve ausente, por o tribunal entender que a sua presença não era indispensável para a descoberta da verdade, veio a ser absolvido, por insuficiência da prova do elemento subjectivo do tipo de ilícito; 2ª - in casu, a Mma. Juiz na douta sentença recorrida entendeu que não se provou que a) “o arguido tenha entendido o significado e alcance da advertência feita pelo Cabo C………., bem como as consequências penais que lhe podiam advir perante uma resposta falsa ou a omissão de resposta em relação à aludida matéria; b) ao proceder do modo descrito o arguido tenha agido livre, voluntária e conscientemente, com a intenção de ocultar perante funcionário competente os seus antecedentes criminais e assim obter benefício, bem sabendo que não podia dissimular ou omitir qualquer resposta quanto à aludida matéria e que estava obrigado a responder com verdade; c) o arguido soubesse que praticava actos proibidos e punidos por lei.’’; 3ª - Erradamente, em nosso modesto entendimento, já que encerrou tal audiência de julgamento com dúvidas sobre o elemento subjectivo do tipo do ilícito, sem interromper a audiência para ouvir o arguido já que, afinal, a sua presença era imprescindível à descoberta da verdade, nomeadamente para eventualmente dissipar tais dúvidas, uma vez que o princípio da investigação impõe ao juiz a realização oficiosa de todas as diligências que julgue necessárias a descoberta da verdade material, como preceitua artigo 340º, nº 1 do Código de Processo Penal e, ao não proceder deste modo, violou o tribunal o disposto nos artigos 333º e 340º do Código de Processo Penal. 4ª - De qualquer modo sempre se dirá que mesmo a presença do arguido em audiência de discussão e julgamento poderia não dissipar tais dúvidas, caso o mesmo usasse do seu direito ao silêncio e, a ser assim apesar de previsto nunca este crime poderia ser punido, a entendermos por válidos os fundamentos da douta sentença; 5ª - De facto, ao entender a Mma. Juiz na motivação da douta sentença, que apesar o depoimento da testemunha Cabo C………. e dos factos provados em II. a) a f), como o militar não se recordava em concreto da situação não é possível dar como provado o dolo, ou seja, que o arguido tinha ficado ciente da advertência e que o militar tinha percepcionado tal consciência por parte do arguido. 6ª - Com efeito, parece-nos que perante o silêncio do arguido em audiência de julgamento e tendo por válidos os fundamentos da douta sentença, trata-se de um crime em que é impossível provar o elemento subjectivo, pois não é credível, excepto situações muito excepcionais, que um Agente da GNR ou PSP, um funcionário dos Serviços do Ministério Público, um Magistrado do Ministério Público, ou mesmo, um Juiz de Instrução, se recorde em concreto, de um determinado interrogatório ocorrido há mais de um ano, quando cada uma destas pessoas realizam centenas ou mais por ano, pelo que se nos afigura que existe assim insuficiência da matéria de facto para a decisão; 7ª - Contudo, do depoimento do Cabo C………., que presidiu a tal interrogatório do arguido, acima transcrito, resulta claramente que, apesar de em concreto o mesmo se não recordar da situação, o que segundo as regras de experiência comum é a normalidade, o arguido teve pleno conhecimento da advertência de que deveria falar com verdade aos antecedentes criminais, tendo entendido perfeitamente o alcance desta advertência. E, tanto assim é que consta expressamente do auto “Perguntado se já esteve preso, quando e porque motivo e se foi ou não condenado e porque crimes, respondeu: nunca esteve preso, mas já respondeu no Tribunal de Felgueiras, por andar com uma arma de pressão de ar”. 8ª - Por outro lado, resulta da certidão aos autos de fls. 2 a 9, bem como de tal interrogatório, que estava em causa em tal inquérito nº …/05.7GALSD desta comarca de Lousada, a investigação da eventual prática pelo arguido de crime condução sem habilitação legal, exactamente o que o arguido omitiu ou ocultou ao militar que o interrogou foram coincidentemente as duas condenações anteriores que sofreu nos tribunais de Felgueiras e Amarante pelo crime de condução ser habilitação legal; 9ª - E porque já tinha sido anteriormente constituído arguido por duas vezes e interrogado nessa qualidade, pois as condenações anteriores não foram proferidas em processo sumário, não é razoável, segundo as regras da experiência comum, dar como não provado os factos constantes em B), alíneas a) a c) da douta sentença “a quo”; 10ª - Ora, o auto de interrogatório, bem como a certidão de fls. 2 a 9 não foram devidamente valorados, sendo que se trata de documentos autênticos cuja falsidade não foi declarada na douta sentença recorrida, e o seu conteúdo também não foi fundamente posto em crise em tal sentença, pelo que entendemos que existe erro na apreciação da prova; 11ª - Assim entendemos que resultou inequivocamente provado na audiência de discussão e julgamento, que o arguido, sujeito ao dever de presta declarações sobre os seus antecedentes criminais e depois de advertido de que falta ou falsidade da resposta sobre os seus antecedentes criminais o faria incorre responsabilidade criminal, declarou, de forma deliberada e consciente, contra verdade por ele conhecida, ter apenas respondido no Tribunal de Felgueiras, por andar com uma arma de pressão de ar; 12ª - Ao decidir pela forma plasmada na douta sentença de fls. 56 e ss. violou a Mma. Juiz a quo o disposto nos artigos 359º, nº l e 2 do Código Penal e 61º, nº 3, al. a), 141º, nº 3, 143º, nº 2 e 144º, nº 1, 333º e 410º, nº 2, alíneas a) e c), todos do Código de Processo Penal. 3. O recurso foi admitido. Não foi apresentada resposta. 4. Nesta Relação o Exmº P.G.A. emitiu parecer, pugnando pela procedência do recurso, por verificação de erro notório na apreciação da prova. Cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P. nada mais foi acrescentado. 5. Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais. Teve lugar a audiência, cumprindo decidir. * FACTOS PROVADOS 6. Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos: «a) Correu termos na Procuradora de Lousada o Processo de Inquérito nº …105.7GALSD, em que o aqui arguido B………. também figurava como arguido; b) No dia 20 de Março de 2005, foi o arguido constituído arguido naqueles autos e sujeito a interrogatório nessa qualidade, diligência que se realizou no Posto da GNR de ………. e que foi executada pelo Cabo C……….; c) No decurso desse interrogatório, foi o arguido expressa e pessoalmente advertido pelo militar da GNR de que a falta ou a falsidade das suas respostas às perguntas realizadas sobre a sua identidade e antecedentes criminais o fariam incorrer em responsabilidade criminal; d) A instância do Cabo C………., o arguido declarou que já havia respondido no Tribunal de Felgueiras por andar munido de uma arma de pressão de ar e que nunca havia estado preso; e) As declarações de d) não correspondiam à verdade, uma vez que o arguido havia já sido julgado e condenado pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, no âmbito do Processo Abreviado …/01.1GBFLG, que correu termos no .º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, por sentença datada de 21.5.2002 e no Processo Comum Singular ../01.SGCAMT, que correu termos no .º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Amarante, por sentença datada de 3 de Outubro de 2002; f) Para além das condenações de e) o arguido foi condenado no âmbito do Proc. nº …/05.7GALSD, que correu termos no .º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada, por factos praticados em 09/08/2004, por sentença datada de 7.12.2005, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €3,00». 7. Foram julgados não provados os seguintes factos: «a) Que, o arguido tenha entendido o significado e alcance da advertência feita pelo Cabo C………., bem como as consequências penais que lhe podiam advir perante uma resposta falsa ou a omissão de resposta em relação á aludida matéria; b) Que ao proceder do modo descrito o arguido tenha agido livre, voluntária e conscientemente, com a intenção de ocultar perante funcionário competente os seus antecedentes criminais e assim obter benefício, bem sabendo que não podia dissimular ou omitir qualquer resposta quanto à aludida matéria e que estava obrigado a responder com verdade; c) Que o arguido soubesse que praticava actos proibidos e punidos por lei». 8. O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos: «a) Factos provados: No que se refere aos factos dados como provados nas alíneas a) a e) do ponto II, A, a convicção do Tribunal estribou-se na prova documental de fls. 1 a 9 e no depoimento do militar da GNR C………. que descreveu a sua actuação sempre que, perante ele, eram realizados interrogatórios a arguidos. Quanto aos seus antecedentes criminais (alínea f) do ponto II, A), a convicção do Tribunal alicerçou-se no C.R.C. junto aos autos, a fls. 49/51. b) Factos não provados: No que tange aos factos dados referidos no ponto II, B), als. a) e b) e dados como não provados, a convicção do Tribunal resultou da total ausência de prova minimamente credível e susceptível de nos convencer acerca da pertinente factualidade. Com efeito, não tendo o arguido comparecido na audiência de discussão e julgamento e não logrando o militar inquirido recordar-se daquela situação concreta e assim afirmar que, da actuação ou discurso do arguido, lhe ficara a convicção de que, ciente da inverdade das suas declarações, o arguido ocultara dolosamente os seus verdadeiros antecedentes criminais, impõe-se considerar como não provados os factos que supra se descreveram». * * DECISÃO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente – art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. (cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2 do mesmo Código. Por via dessa delimitação definem-se como questões a decidir por este Tribunal da Relação do Porto as seguintes: I – Impugnação da matéria de facto II – Verificação dos pressupostos do tipo legal de falsas declarações * * I – Impugnação da matéria de facto Como dissemos, o arguido foi acusado da prática de um crime de falsas declarações quanto aos antecedentes criminais, previsto e punível pelo artigo 359º, nº 1 e 2 do Código Penal, do qual veio a ser absolvido por ter sido dado como não provado que ele entendeu o significado e alcance da advertência feita pelo Cabo C………., as consequências penais que podiam advir de uma resposta falsa ou da omissão de resposta em relação à aludida matéria e que ao agir do modo descrito o tenha feito de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção de ocultar perante funcionário competente os seus antecedentes criminais e assim obter benefício, bem sabendo que não podia dissimular ou omitir qualquer resposta quanto à aludida matéria e que estava obrigado a responder com verdade. * Procedeu-se à documentação da prova oral produzida em audiência, mediante gravação, pelo que está este tribunal habilitado a conhecer da matéria de facto, em conformidade com o estatuído no art. 428º, nº 1, do C.P.P. No entanto, e como sabemos, a documentação daquela prova não é a única formalidade a observar para que o tribunal de recurso averigúe da conformidade da decisão da matéria de facto com a prova produzida. É necessário, além disso, que o recorrente especifique «os pontos de facto que considere incorrectamente julgados» e «as provas que impõem decisão diversa da recorrida», sendo que esta referência é feita por referência aos suportes técnicos – art. 412º, nº 3, al. a e b) do C.P.P. Esta exigência legal decorre do facto de o recurso ser um remédio jurídico e, enquanto remédio, visar corrigir os erros cometidos, e só estes, o que impõe que quer os erros, quer as provas que patenteiem a sua existência devam ser concretamente apontados. No caso concreto o recorrente impugna a decisão proferida sobre determinados pontos de facto julgados não provados. Alega que a prova produzida foi incorrectamente apreciada, pois que se assim não fosse outra teria sido a decisão. A alteração da decisão sobre a matéria de facto depende de o juízo alternativo apresentado sobre a definição do facto como provado ou não provado evidenciar um melhor fundamento em relação ao apresentado na decisão. Nos termos do art. 127º do C.P.P., salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. «À pergunta sobre o que significa, negativa e positivamente, a livre apreciação da prova, ou, o que é o mesmo, valoração discricionária ou valoração da prova segundo a livre convicção do julgador, todos respondem, essencialmente, o mesmo: “o que está na base do conceito é o princípio da libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal, sem que, entretanto, se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra prova; porque o sistema da prova livre não exclui, e antes pressupõe, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica» - cfr. Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1950, III, 245. «… neste regime, pois, se o juiz não procede como um autómato na aplicação de critérios legais apriorísticos de valoração, também não lhe é permitido julgar só pela impressão que as provas oferecidas pelos litigantes produziram no seu espírito, antes se lhe exige que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou, e cujo carácter racional se expressará na correspondente motivação» - Rodrigues Bastos in Notas ao Código de Processo Civil, Lisboa, 1972, III, 221. «Livre apreciação da prova não é, portanto, livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, e, dessa forma, determina uma convicção racional …» - acórdão do S.T.J. de 4-11-1998, C.J. S.T.J., III, 209. Quando procede à apreciação da prova com vista à conclusão sobre a bondade da decisão tomada quanto à matéria de facto o tribunal de recurso procede à análise da mesma, confrontando os diversos pontos de vista, examinando as razões de discordância que são opostas à decisão e altera-a, quando as razões invocadas isso imponham. Vejamos, então. No denominado auto de interrogatório de fls. 6, que baseou este processo, pode ler-se o seguinte: «Presente o arguido, foi advertido de que a falta ou falsidade da resposta sobre a sua identidade e antecedentes criminais o faz incorrer em responsabilidade penal … Antecedentes criminais Perguntado se já esteve preso, quando e porque motivo e se foi ou não condenado e por que crimes, respondeu nunca esteve preso, mas já respondeu no Tribunal da comarca de Felgueiras por andar com uma pressão de ar … E mais não disse. Lidas as suas declarações as achou conformes, ratificou e vai assinar». No final consta a assinatura de quem executou o interrogatório e a assinatura do arguido. Como já vimos, para a decisão recorrida deu-se como não provado que: - o arguido tenha entendido o significado e alcance da advertência feita pelo Cabo C………., bem como as consequências penais que lhe podiam advir perante uma resposta falsa ou a omissão de resposta em relação à aludida matéria; - ao proceder do modo descrito o arguido tenha agido livre, voluntária e conscientemente, com a intenção de ocultar perante funcionário competente os seus antecedentes criminais e assim obter benefício, bem sabendo que não podia dissimular ou omitir qualquer resposta quanto à aludida matéria e que estava obrigado a responder com verdade; - o arguido soubesse que praticava actos proibidos e punidos por lei. Esta decisão deveu-se, diz-se, à total ausência de prova minimamente credível e susceptível de convencer acerca daquela factualidade: não tendo o arguido comparecido à audiência e não se recordando o militar inquirido da situação concreta tornou-se impossível afirmar que o arguido sabia da inverdade das suas declarações e que pretendeu ocultar dolosamente os seus verdadeiros antecedentes criminais. Defende o Ministério Público que a prova da realização da advertência feita ao arguido relativamente à obrigação de falar verdade sobre os antecedentes criminais resulta do auto de interrogatório, cuja conformidade com a realidade foi confirmada pela testemunha que o elaborou e que efectuou a diligência. Tanto basta, na sua opinião, para provar aqueles factos. Sobre isto disse a testemunha ouvida que «... quando chegava aos antecedentes criminais, eu perguntava-lhe concretamente se eles, se sabiam o que era, eles … alguns sabiam, outros não sabiam e eu explicava-lhes, os antecedentes criminais é se alguma vez esteve preso ou se respondeu em tribunal como arguido. E eles ... pronto, pararam ... ela me contavam aquilo que efectivamente tinham feito ou tinham respondido ou se tinham estado presos, outros diziam que não tinham feito nada. E eu, mediante que aquilo que eles me diziam, transcrevia para o papel» … « e que eram obrigados - e que eram obrigados a falar com verdade, sobre se o não fizessem, incorriam no crime de ... falso, portanto ... de falsas declarações». À pergunta se sempre teve esse cuidado em todos os interrogatórios respondeu que sim, que sempre o fez: sempre teve o cuidado de perguntar e de fazer a advertência, explicando o que aquilo significava, e escrevia que eles diziam. Não tem dúvidas quanto a isso. Como bem sabemos, o elemento subjectivo do tipo legal de crime pertence ao domínio do psicológico e por isso, por não ser um dado palpável e observável nem sempre é facilmente apreendido. Faltado a prova directa sobre o elemento subjectivo, que o agente pode, naturalmente, confessar, a afirmação da sua existência resultará de outros elementos, elementos estes que permitirão resposta positiva segundo as regras da experiência comum: «a intencionalidade perseguida pelo agente é do domínio da matéria de facto e manifesta-se através da realidade factual que lhe está subjacente e que ficou provada, sendo apreciada segundo a livre convicção do julgador e as regras de experiência, como permite o artigo 127º C P Penal» - acórdão do S.T.J. de 8-4-1999, in CJ, S.T.J., 171. No caso concreto o arguido foi presente a interrogatório. O interrogatório foi efectuado pela testemunha ouvida em audiência, cabo da G.N.R., que o advertiu que a falta ou falsidade à resposta sobre a sua identidade e antecedentes criminais o faria incorrer em responsabilidade penal. Depois, e sobre os antecedentes criminais, perguntou-lhe se já tinha estado preso, quando e porquê, ao que o arguido respondeu que nunca estivera preso, mas que já tinha respondido em tribunal de Felgueiras por andar com uma pressão de ar. A final lidas as suas declarações achou-as conformes, ratificou-as e assinou-as. O agente de autoridade que o elaborou confirmou que o mesmo retrata o que efectivamente se passou. O auto de interrogatório, porque elaborado por autoridade pública no exercício da sua função, é um documento autêntico. Enquanto documento autêntico apenas pode ser posto em crise através da arguição da sua falsidade, material ou intelectual, o que não sucedeu. Dispõe o art. 169º C.P.P. que se consideram provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa. Caso contrário, o tribunal pode afastar o valor probatório destes documentos, não sendo sequer necessário para que isso suceda que o tribunal declare o documento como falso. No caso o documento não foi posto em causa. Além disso procedeu-se à inquirição da pessoa que presidiu ao interrogatório e que elaborou aquele mesmo auto. Esta confirmou o seu teor, relatou o que sempre faz em situações similares e disse, é verdade, que não se lembrava do caso concreto. Tanto bastou para que o tribunal desconsiderasse a literalidade do auto de interrogatório e o depoimento da testemunha, não lhes atribuindo, nem de per si, nem conjugados, qualquer relevo probatório. Mas, repetindo, por um lado o documento não foi posto em causa. Por outro não surgiu qualquer indício que apontasse para uma qualquer discrepância entre o que ficou documentado e o que se passou na realidade. Agora, e quanto ao seu conteúdo, do auto resulta que a língua utilizada na diligência foi a língua portuguesa, que a testemunha advertiu o arguido da necessidade de responder com verdade sobre os antecedentes criminais, que lhe explicou as consequências no caso de não responder ou mentir, que lhe perguntou sobre os antecedentes e que o arguido respondeu que nunca estivera preso, mas que já tinha respondido uma vez no Tribunal de Felgueiras, por causa de uma pressão de ar. Além disso, e coadjuvando, a testemunha acrescentou que nos interrogatórios sempre teve por hábito esclarecer os arguidos quanto ao sentido da pergunta sobre os seus antecedentes criminais e também disse que aquilo que transcreve para o papel é o que é respondido, o que seguramente foi feita no caso concreto com o arguido. Portanto, de todos estes elementos, devidamente conjugados e interpretados à luz da experiência, resulta que o arguido apreendeu o alcance das perguntas e advertência feitas. Aliás, lembremo-nos que à pergunta sobre os antecedentes criminais ele deu uma resposta concreta: disse que nunca tinha estado preso e que tinha respondido em tribunal uma vez. Deste modo temos como provado o elemento subjectivo do crime. Mesmo não existindo prova directa, a prova indiciária existente aponta, sem dúvida, no sentido de o arguido ter actuado de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era contrária ao direito. Assim sendo não podemos concordar com o tribunal recorrido quando afirma que «a sua convicção, em relação aos factos não provados, resultou da total ausência de prova minimamente credível e susceptível de convencer acerca da pertinente factualidade». Aqui chegados afirma-se a verificação de um erro de julgamento, consubstanciado no facto se ter dado como não provado o dolo e a consciência da ilicitude por parte do arguido. Assim, procedem as conclusões do recurso. * * II – Verificação dos pressupostos do tipo legal de falsas declarações Há que enumerar, de novo, que factos estão provados no sentido de indagar de o crime imputado ao arguido se verifica, ou não. Então, provou-se que: a) Correu termos na Procuradora de Lousada o Processo de Inquérito nº …….7GALSD, em que o aqui arguido B………. também figurava como arguido; b) No dia 20 de Março de 2005 foi o arguido constituído arguido naqueles autos e sujeito a interrogatório nessa qualidade, diligência que se realizou no Posto da GNR de ………. e que foi executada pelo Cabo C……….; c) No decurso desse interrogatório, foi o arguido expressa e pessoalmente advertido pelo militar da GNR de que a falta ou a falsidade das suas respostas às perguntas realizadas sobre a sua identidade e antecedentes criminais o fariam incorrer em responsabilidade criminal; d) A instância do Cabo C………., o arguido declarou que já havia respondido no Tribunal de Felgueiras por andar munido de uma arma de pressão de ar e que nunca havia estado preso; e) As declarações de d) não correspondiam à verdade, uma vez que o arguido havia já sido julgado e condenado pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, no âmbito do Processo Abreviado …/01.1GBFLG, que correu termos no .º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, por sentença datada de 21-5-2002 e no Processo Comum Singular ../01.SGCAMT, que correu termos no .º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Amarante, por sentença datada de 3 de Outubro de 2002; f) Para além das condenações de e), o arguido foi condenado no âmbito do Proc. Nº …/05.7GALSD, que correu termos no .º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada, por factos praticados em 09-08-2004, por sentença datada de 7-12-2005, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €3,00. g) O arguido entendeu o significado e alcance da advertência feita pelo Cabo C………., bem como as consequências penais que lhe podiam advir perante uma resposta falsa ou a omissão de resposta em relação á aludida matéria; h) Ao proceder do modo descrito o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com a intenção de ocultar perante funcionário competente os seus antecedentes criminais e assim obter benefício, bem sabendo que não podia dissimular ou omitir qualquer resposta quanto à aludida matéria e que estava obrigado a responder com verdade; i) O arguido soubesse que praticava actos proibidos e punidos por lei. Dispõe o nº 1 do art. 359º do Código Penal que «quem prestar depoimento de parte, fazendo falsas declarações relativamente a factos sobre os quais deve depor, depois de ter prestado juramento e de ter sido advertido das consequência penais a que se expõe com a prestação de depoimento falso, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa». Acrescenta o nº 2 que «na mesma pena incorrem o assistente e as partes civis relativamente a declarações que prestarem em processo penal, bem como o arguido relativamente a declarações sobre a identidade e os antecedentes criminais». Considerando os factos provados resulta que o arguido cometeu o crime pelo qual foi acusado. Cabe, agora, determinar a pena concreta. A questão é saber quem é que procede a uma tal operação, neste caso. No caso dos autos lembremos que o arguido foi absolvido e que concluímos, agora, que ele praticou o crime imputado. Há que aplicar-lhe a pena correspondente e lembremo-nos que esta pena vai ser aplicada pela primeira vez. Não estamos, contrariamente à regra, perante um caso de revisão dos critérios de fixação da sanção, mas de determinação da pena a aplicar. Neste caso entendemos que esta pena terá que ser aplicada pelo tribunal da 1ª instância, em obediência ao disposto no art. 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, que estabelece como uma das garantias de defesa do arguido o direito ao recurso: «o direito ao recurso em matéria penal (duplo grau de jurisdição), inscrito constitucionalmente como uma das garantias de defesa no art. 32º, n.º 1, da CRP, significa e impõe que o sistema processual penal deve prever a organização de um modelo de impugnação das decisões penais que possibilite, de modo efectivo, a reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena …» - S.T.J. 26-9-2007, processo 07P2052. Caso fosse este tribunal a escolher e determinar a pena concreta sairia preterido o direito ao duplo grau de jurisdição, uma vez que se retirava quer ao arguido, quer ao Ministério Público a possibilidade de ver apreciada em 2ª instância a decisão proferida em tal matéria. Depois, esta é «a solução imposta pelo nosso modelo - processual e substantivo – de determinação da sanção. Por um lado, a relativa autonomização do momento da determinação da sanção (quase cesure), leva a que só depois de decidida positivamente a questão da culpabilidade, o tribunal pondere e decida sobre a necessidade de prova suplementar com vista à determinação da sanção (cfr art. 469º nº2 e 470º, do CPP) e eventual reabertura da audiência (cfr art. 471º do CPP), na qual pode ser necessário, para além do mais, ouvir o próprio arguido». Finalmente, e «como destaca Damião da Cunha, “os direitos de defesa do arguido, no âmbito da determinação da sanção, (…) [assumem] também uma função positiva, dentro das eventuais possibilidades de sancionamento que estejam dependentes da sua livre «vontade»”, como sucede nos casos em que é suposto o consentimento do condenado (v.g. prestação de trabalho a favor da comunidade, sujeição a tratamento médico ou plano individual de readaptação social no âmbito da pena de suspensão da execução da pena de prisão). Assim sendo, torna-se claro que, para além da necessidade – decisiva - de cumprir o princípio do duplo grau de jurisdição, também o cabal cumprimento das normas de direito processual e substantivo relativas à escolha e determinação da pena, implica que deva ser o tribunal de 1ª Instância a proferir a respectiva decisão, depois de ponderar sobre a eventual necessidade de reabrir a audiência e de ordenar ou levar a cabo quaisquer diligências que entenda serem adequadas» - acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19-12-2006, processo 1752/06-1. No mesmo sentido vide o acórdão desta Relação do Porto de 28-11-2007, processo 5421/07. * * DISPOSITIVO Pelos fundamentos expostos: I – Concede-se provimento ao recurso. II – Modifica-se a decisão recorrida quanto à matéria de facto, dando-se também como provados, para além dos demais, os seguintes factos: g) O arguido entendeu o significado e alcance da advertência feita pelo Cabo C………., bem como as consequências penais que lhe podiam advir perante uma resposta falsa ou a omissão de resposta em relação à aludida matéria; h) Ao proceder do modo descrito o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com a intenção de ocultar perante funcionário competente os seus antecedentes criminais e assim obter benefício, bem sabendo que não podia dissimular ou omitir qualquer resposta quanto à aludida matéria e que estava obrigado a responder com verdade; i) O arguido sabia que praticava actos proibidos e punidos por lei. III – Julga-se o arguido autor do crime de falsas declarações quanto aos antecedentes criminais, previsto e punível pelo artigo 359º, nº 1 e 2 do Código Penal IV – Determina-se a remessa dos autos para a 1ª instância para se proceder à determinação da sanção, de preferência pela Ex.ma Juiza que elaborou a sentença recorrida, realizando, para tanto, as diligências que se entender necessárias. V – Sem custas. Porto, 2008-03-05 Olga Maria dos Santos Maurício Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob Ernesto de Jesus de Deus Nascimento (vencido, conforme declaração que junto) Arlindo Manuel Teixeira Pinto _______________________ Declaração de voto, artigo 425º/1 e 2 C P Penal. Como relator, voto vencido, pelas razões seguintes: se bem entendo, segundo a tese que fez vencimento, o Tribunal de recurso, não pode, aplicar a pena, no caso de provimento de recurso interposto de decisão absolutória, pois que ficaria preterido o direito, do assim condenado, ao recurso. O artigo 32º/1 da Constituição da República estatui que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. Este direito constitui, de resto, uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal. Os fundamentos do direito ao recurso são, a redução do risco de erro judiciário, a apreciação da decisão recorrida por um tribunal superior e, a possibilidade de perante este, a defesa apresentar de novo a sua visão sobre os factos ou sobre o direito. Estes fundamentos entroncam na garantia do duplo grau de jurisdição. No caso, importa ter presente que: o arguido pôde, naturalmente, intervir como recorrido no recurso interposto da decisão que o absolveu na 1ª instância, contraditando a argumentação do recorrente, na contra-motivação, aquando da notificação em cumprimento do artigo 417º/2 C P Penal e, finalmente em audiência, deste modo influenciando, de forma activa e porventura decisiva, a decisão final, que viesse aqui a ser proferida. a presente decisão, resulta justamente da reapreciação por um tribunal superior, perante o qual o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa, ié, este acórdão, proferido e 2ª instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro, precisamente, dos fundamentos e da preocupação, demonstrados na tese que fez vencimento. Só se se entender que, como o arguido foi absolvido em 1ª instância, o direito ao recurso implica a possibilidade de que em caso de condenação, apenas na 2ª instância, (em via de recurso, recorde-se), o arguido pudesse, agora, recorrer desta decisão condenatória (por ser a primeira). Este entendimento encara o direito ao recurso desligado dos seus apontados fundamentos substanciais e levaria, mesmo em rigor, ao inaceitável resultado de ter que ser admitido recurso do acórdão condenatório do STJ, na sequência de recurso interposto de decisão da Relação que confirmasse a absolvição da 1ª instância – o que cremos, ninguém defenderá. O direito ao recurso em processo penal tem que ser entendido em conjugação com o duplo grau de jurisdição e, não, perspectivado, como uma faculdade de recorrer - sempre e em qualquer caso - da 1ª decisão condenatória, ainda que proferida em via de recurso. Estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Este entendimento não colide com o estatuído no artigo 32º/1 da Constituição da República, pois que a apreciação do caso por 2 tribunais de grau distinto, é de molde a tutelar de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas. De resto, referira-se que o artigo 2º do protocolo nº. 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República 22/90 de 27.9 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República 51/90 da mesma data, dispõe que : qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados por lei; este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos das lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição. Esta tese foi defendida no Ac. Tribunal Constitucional 49/03, relatora Maria Beleza, que com a devida vénia vimos seguindo de perto, com transcrição. Tal como na 1ª instância o arguido teve a oportunidade de se defender, exercendo o direito ao contraditório, perante a acusação deduzida pelo MP, também, nesta instância de recurso, teve a mesma possibilidade de se defender, exercendo o mesmo direito do contraditório, porventura com mais 1 oportunidade (a do artigo 417º/2 C P Penal) perante a motivação do recorrente. Também na tese que fez vencimento se ponderou que ao determinar a espécie e medida da pena em via de recurso, se estaria a impedir o arguido de participar na escolha de algumas penas de substituição, que reclamam o seu consentimento. Não cremos relevante tal argumento, pois que o tribunal de recurso, para quem entenda que a sua opinião tem que ser dada pessoalmente, sempre podia determinar a comparência em audiência, ao abrigo do artigo 421º/1 C P Penal. Assim, cremos que no caso, fora o caso de falta de factos provados que permitam - com justeza e adequação - a determinação da espécie e medida da pena, nos termos dos artigos 70º e 71º C Penal, sempre o tribunal de recurso pode e deve, na consideração da verificação dos elementos constitutivos do tipo legal, condenar o agente, que vinha absolvido. No caso, esta falta de factos – elementos a ponderar naqueles termos, não se verifica, o que a ocorrer, justificaria, então se determinasse a reabertura da audiência, nos termos dos artigos 369º, 370º e 371º C P Penal. São escassos é certo, mas será os suficientes, tendo presente que o arguido está a ser julgado, sem estar presente, (constando estar a trabalhar no estrangeiro) nada garantindo, antes pelo contrário, que viesse a comparecer, numa eventual reabertura da audiência, e que se o fizesse, prestasse declarações, cremos que com o recurso ao que consta do crc. se poderia, fundadamente, concluir pela sua condenação, enquanto autor material, pela prática de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 359º/1 e 2 C Penal, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de € 3,00, como constava do projecto que oportunamente elaborei e apresentei. Ernesto de Jesus de Deus Nascimento |