Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4116/15.0T8OAZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: SANÇÃO DISCIPLINAR
NE BIS IN IDEM
Nº do Documento: RP201609264116/15.0T8OAZ-A.P1
Data do Acordão: 09/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 245, FLS.330-344)
Área Temática: .
Sumário: I - Segundo o nº 1, parte final, do artigo 330º do Código do Trabalho, o empregador não pode aplicar ao trabalhador mais do que uma sanção disciplinar pela mesma infração. Aqui está consagrado o princípio ne bis in idem ou o princípio da unicidade segundo o qual pela mesma infração não pode ser aplicada ao trabalhador mais do que uma infração. Pretende-se evitar que o empregador desconsidere a apreciação disciplinar anterior no sentido de promover o agravamento dessa apreciação.
II - O princípio ne bis in idem é um princípio que tem a sua maior aplicação no âmbito penal tendo por finalidade impedir que o mesmo individuo seja condenado mais do que uma vez (ne bis) pelo mesmo (idem) crime (este visto no plano factual).
III - O cumprimento do princípio ne bis idem pressupõe que se encontre devidamente identificada uma infração disciplinar e obrigatoriamente a factualidade que lhe está inerente e que é imputado ao trabalhador/arguido no âmbito do tipo e do contexto de um processo laboral. Há assim que estabelecer uma comparação entre os dois processos – o em curso e o já julgado ou decidido. Tal comparação, além das infrações propriamente ditas assacadas, pressupõe necessariamente, como essência e alma, os factos que foram e são imputados ao trabalhador/arguido e que permitiram concluir pela prática da infração disciplinar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO Nº 4116/15.0T8OAZ-A.P1
RG 541
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I – RELATÓRIO
1. B… ao abrigo do artigo 98º-C, do Código de Processo do Trabalho, em conjugação com o artigo 387º do Código do Trabalho, intentou a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra C…, S.A., opondo-se ao seu despedimento ocorrido em 31/08/2015.
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2. Foi realizada a audiência de partes, tendo-se frustrado a tentativa de conciliação.
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3. A Ré[1] apresentou o articulado a que alude o artigo 98-J do CPT, alegando que o trabalhador violou gravemente os seus deveres profissionais, nomeadamente, o disposto nas alíneas a), c), d) e e) do nº 1 e 2 do artigo 121º do CT de 2003 e alíneas a), c), e) e f) do nº 1 e 2 do artigo 128º do CT 2009.
Estes comportamentos, atenta a função desempenhada, abalaram determinantemente a confiança que a ré depositava no autor e, por isso, face à sua gravidade, justificam o despedimento.
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4. O Autor respondeu ao articulado da Ré, nos termos do artigo 98º-L, nº 3 do CPT, sustentando que não existe justa causa para o despedimento, tendo alegado, para o que interessa para a decisão deste recurso, que a ré, ao dar início ao procedimento disciplinar contra si com base nos factos constantes da nota de culpa e que culminaram na decisão do procedimento disciplinar com a aplicação da sanção de despedimento incorreu numa violação do princípio ne bis in idem pois os factos em causa, no essencial, são os mesmos que foram denunciados à ré pela sua cliente D… em 30 de Julho de 2009, deram origem ao processo de averiguações n.º 780/09 da Direção de Auditoria Interna da ré e culminaram na decisão de aplicação ao autor da sanção disciplinar de suspensão por 90 dias, com perda de retribuição e antiguidade que, após vários recursos, se tornou definitiva.
Para além disso, alega ainda que a ré teve conhecimento de toda a factualidade antes do processo disciplinar de 2010 pois em 29 de Setembro de 2009 foi citada para os termos do processo n.º 6208/09.6TBBRG em que as autoras, as referidas clientes, expõem a matéria em causa, contestam a acção referida em 3 de Novembro de 2009, debruçando-se sobre a matéria em causa, em Outubro de 2009 a ré teve conhecimento do arresto requerido e decretado em relação àquela acção, em 19 de Novembro de 2012 a ré foi notificada do despacho saneador com matéria assente e base instrutória relativa à mesma acção, em 14 de Janeiro de 2013 apresentou reclamação desta decisão, no início do Verão de 2009 as clientes comunicaram à ré, por carta, a situação ou factos que desencadearam todos estes procedimentos, na sequência do qual a ré ordenou à Direção de Auditoria Interna em Setembro de 2009 a auditoria e inspeção que deu origem ao processo disciplinar de 2010, em final de 2009 a ré ficou ciente que corria o processo-crime, em Setembro de 2014 a ré obteve do processo-crime certidão com cópia do despacho de pronúncia proferido em 15 de Novembro de 2013. O procedimento disciplinar foi instaurado em 29 de Maio de 2015, pelo que já tinha caducado.
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5. Respondeu a Ré, no que aqui interessa, que a decisão referida baseou-se no facto do autor ter movimentado contas da cliente D…, através da utilização do Serviço C1… Online, alegadamente a pedido e com códigos pessoais e intransmissíveis fornecidos pela cliente, nas instalações da ré e ter aceite ser autorizado na movimentação de três contas da C…, sem autorização superior mas as clientes E… e D… apresentaram uma queixa-crime contra o ora autor, sendo que no âmbito do respetivo despacho de pronúncia foram indiciados e elencados novos factos objeto daquele processo-crime que constituem uma factualidade mais abrangente do que aquela que levou à sanção disciplinar de suspensão por 90 dias e que a ré não teve possibilidade de apurar com profundidade e alcance por ali existirem outros meios de prova [perícia financeira, declarações tomadas a outras pessoas e informações diversas] a que a ré não tinha acesso por implicar o cruzamento de informações recolhidas de diversas entidades estranhas à ré e, por conseguinte, não existe a violação indicada.
Defendeu ainda que o prazo de caducidade de 60 dias só começa a contar na data em que o empregador ou o superior hierárquico com competência disciplinar tem conhecimento da infração e interrompe-se com a entrega da nota de culpa. Na C… o poder disciplinar está delegado, através da Ordem de Serviço EO.40, n.º 22/2008, de 2 de Junho de 2008, no Conselho Delegado de … […], mantendo-se essa delegação pelas Ordens de Serviços com os números 16/2011 de 22 de Março de 2011, 3/2012 de 11 de Abril de 2012, 26/2013 de 9 de Outubro de 2013 e n.º 15/2014 de 28 de Março de 2014.
Na sequência do despacho de pronúncia, foi elaborada a informação n.º 320/2015-DPE de 9 de Abril de 2015 pelo Departamento de Pessoal da C…, deixando à consideração superior para decisão, por decisão de 22 de Abril de 2015 do Conselho Delegado de Pessoal, Meios e Sistemas […] foi deliberada a instauração de procedimento disciplinar ao autor, a nota de culpa foi deduzida em 27 de Maio de 2015, foi enviada por carta registada com aviso de receção em 28 de Maio de 2015 e foi recebida pelo autor em 29 de Maio de 2015, pelo que, entre 22 de Abril de 2015 e 29 de Maio de 2015, não decorreram 60 dias.
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6. Foi proferido despacho saneador, no qual se tomou conhecimento parcial do mérito da ação, assim se decidindo:
“Pelo exposto, julgo procedentes as exceções de violação do princípio ne bis in idem e caducidade do direito de instaurar procedimento disciplinar e, em consequência, declaro a ilicitude do despedimento do autor pela ré e condeno esta a pagar ao autor desde a suspensão preventiva do autor até ao trânsito da sentença ou até à reintegração efetiva, consoante o caso, a retribuição que vier a resultar do julgamento e com desconto dos valores que tiver recebido em virtude do despedimento.
Custa a fixar na decisão final.
Registe e notifique.”
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7. Inconformada com a decisão dela recorre a Ré, defendendo o total provimento do presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e determinando-se o prosseguimento dos autos absolvendo-se, a final, a Recorrente de todos os pedidos, assim concluindo:
1. A douta sentença recorrida representa uma injusta condenação que decorre essencialmente de uma errada decisão de direito.
2. Salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz a quo fez, como se verá, um julgamento precipitado, com pesadas repercussões na sua douta decisão.
3. É que não só não se verifica qualquer ferimento ao princípio ne bis in idem como também não se verifica a caducidade do direito da Ré exercer o poder disciplinar em relação ao Autor pelos factos que conduziram ao seu despedimento.
4. Ao contrário do que sustenta a douta sentença recorrida, nos dois procedimentos não estão em causa os mesmos factos.
5. A factualidade em causa no procedimento disciplinar que conduziu ao despedimento do Recorrido é manifestamente mais abrangente do que aquela que esteve em causa no procedimento disciplinar movido ao Recorrido em 2010.
6. Basta, aliás, atentar a que no caso deste segundo processo disciplinar se acusou o Recorrido de se ter apropriado de um conjunto elevado de verbas para se perceber que os factos não são os mesmos.
7. Como também resulta evidente que o Recorrido foi acusado no segundo processo disciplinar, de ter falsificado a assinatura da cliente, facto que não constou da primeira nota de culpa.
8. Em maior detalhe, que a douta sentença recorrida não entrou, pode afirmar-se que, entre outros, no segundo processo disciplinar, o Recorrido foi acusado dos factos que não estavam elencados no primeiro processo disciplinar, como sejam os que ficaram a constar dos artigos 36.º, 37.º, 52.º, 53.º, 54.º, 55.º, 56.º, 57.º, 58.º, 59.º, 61.º, 72.º, 73.º, 74.º, 75.º, 76.º, 77.º, 78.º, 79.º, 80.º, 81.º, 82.º, 83.º, 84.º, 85.º, 86.º, 89.º, 90.º, 91.º, 92.º, e 93.º da nota de culpa, os quais acima se transcrevem e aqui se têm por reproduzidos.
9. Os factos que acabam de se descrever, e que constam da nota de culpa a que se reportam os presentes autos e, bem assim, da decisão sancionatória de despedimento, não constaram nem da “denúncia”, nem da nota de culpa, nem, tão pouco, da decisão disciplinar que foi proferida no processo disciplinar de 2010.
10. Constassem tais factos daquela decisão disciplinar e mal se compreenderia que o Recorrido não tivesse, então, sido despedido com justa causa.
11. É inquestionável que a Recorrente não aplicou mais do que uma sanção ao Recorrido pelos mesmos factos.
12. Salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz a quo proferiu decisão errada, que é censurável e que urge corrigir.
13. Também errou o Meritíssimo Juiz a quo a julgar procedente a exceção da caducidade do poder disciplinar da Recorrente.
14. Não se compreende por que razão entendeu o Meritíssimo Juiz a quo apreciar esta questão pois que se o Tribunal entendeu que se verificava a exceção da violação do princípio ne bis in idem, tornava-se, desnecessário – ou mesmo excessivo, face ao disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT -, conhecer da exceção da caducidade do poder disciplinar.
15. A apreciação da exceção da caducidade surge, assim, na douta sentença recorrida como que à cautela, não vá entender-se insubsistente a exceção da violação do principio ne bis in idem.
16. Também agora errou a douta sentença recorrida pois, ao contrário do que sustenta o Meritíssimo Juiz a quo, não se verificou a caducidade do poder disciplinar da Recorrente.
17. Não consta da matéria qualquer data que possa ser tida como a data do termo inicial do prazo de caducidade de curta duração – 60 dias.
18. Também na fundamentação da douta sentença recorrida não consta qualquer data que, para o Meritíssimo Juiz a quo, tenha sido entendida como a data do termo inicial do referido prazo de caducidade.
19. Na douta sentença recorrida, salvo o devido respeito, faz-se constar algumas afirmações que são absolutamente inócuas e irrelevantes, como por exemplo: “… é difícil defender que a C…, mesmo o seu órgão com competência disciplinar, não teve conhecimento de que estava em causa o desaparecimento e a apropriação indevida desses valores que é, afinal, o âmago do novo procedimento disciplinar.”. Ou que: “… a verdade é que é difícil justificar por que é que a ré demora quase um ano, desde pelo menos 14 de Maio de 2014 até 22 de Abril de 2015, a dar conhecimento ao órgão com competência disciplinar dos factos constantes do despacho de pronúncia e que motivaram o procedimento disciplinar …”.
20. É nesta linha de fundamentação que a douta sentença recorrida, sempre salvo o devido respeito, entende que o que está em causa é “… saber sobre quem deve recair a demora na informação do órgão da C… com competência disciplinar, sobre esta [C…] ou sobre o trabalhador [autor].”, ou seja, para o Meritíssimo Juiz a quo ficou assente, parece, que o órgão da Recorrente, com competência disciplinar, só teve conhecimento dos factos imputados ao Recorrido, em 22 de Abril de 2015, mas que, não obstante, torna-se necessário imputar a alegada demora na apresentação desses factos ao órgão com competência disciplinar, para saber se se verificou ou não a caducidade do direito.
21. Conclui o Meritíssimo Juiz a quo que a suposta demora é imputável à Ré e que, por isso, “… não devemos ter em conta o momento em que o Conselho Delegado … […] recebeu uma informação para decisão pois a informação relevante já era do conhecimento da C…, circulando na organização pelo menos há um ano e era utilizada pela C… para efeitos de processos judiciais no Tribunal do Trabalho …”.
22. Sempre salvo o devido respeito, tal entendimento viola, frontalmente, o disposto no artigo 329.º, n.º 2 do Código do Trabalho, desconsiderando, de forma flagrante, aquele que vem sendo o entendimento pacífico da Jurisprudência dos Tribunais Superiores, segundo o qual, releva para efeitos do prazo de caducidade o momento em que o órgão com competência disciplinar toma conhecimento circunstanciado, em termos de tempo, modo e lugar, das infrações praticadas pelo trabalhador, cabendo a prova desse momento, para efeito da apreciação da caducidade, ao trabalhador.
23. Neste sentido, entre muitos outros, decidiram os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.10.2006, de 07.02.2007 e de 12.09.2007, respetivamente, in Acórdãos Doutrinais, 544.º, pág.ª 717, 546.º, pág.ª 1187 e 553.º, pág.º 226, e, também, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.03.2012, in www.dgsi.pt.
24. A douta sentença recorrida, apesar de reconhecer que o órgão com competência disciplinar da Ré é o … e que este órgão apenas em 22 de Abril de 2015 tomou conhecimento das infrações aqui em causa, considerou, em fragrante violação da lei, que tal momento não podia ser considerado.
25. Na verdade, e em rigor, o Meritíssimo Juiz a quo também não concluiu, como se impunha, em que data considerou verificado aquele conhecimento, fundamentando a sua douta decisão numa perceção sem qualquer fundamento nos factos ou no direito.
26. Tal decisão é manifestamente ilegal e merece severa censura.
27. No caso dos autos, é imputado ao Autor, ora Recorrido, a prática de infrações disciplinares de pesadíssima gravidade, as quais constituem, inclusivamente, a prática de crimes igualmente muito graves.
28. Mas o Meritíssimo Juiz a quo, fundado num “… é difícil defender …” e num “… é difícil justificar…” decidiu afrontar diretamente a Lei e a Jurisprudência, para, à cautela, julgar também procedente a exceção de caducidade, afirmando, de forma espantosa, que “…mesmo que se considerasse que não havia, total ou parcialmente, violação do princípio ne bis in idem, sempre haveria caducidade do procedimento disciplinar.”.
29. A Ré, ora Recorrente, é pessoa de bem e é, aliás, uma prestigiada instituição de crédito.
30. A Ré, ora Recorrente, não pode deixar de se opor veementemente ao entendimento sustentado na douta sentença recorrida que, salvo sempre o devido respeito, merece severa censura.
31. Decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 329.º, n.º 2 e 330.º, n.º 1, ambos do Código do Trabalho.
32. A douta sentença recorrida deve, pois, ser revogada e substituída por outra que julgue improcedentes as exceções de violação do princípio ne bis in idem e de caducidade do poder disciplinar, determinando o prosseguimento dos autos.
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9. O Autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, assim concluindo:
1. Tal como entendeu a sentença sub judice, a nova nota de culpa de 2015 não contém propriamente factos ou comportamentos novos, em relação à do processo e decisão disciplinares antecedentes (de 2010), e, por isso, há fatal violação do princípio ne bis in idem.
2. Mesmo que assim não fosse ou subsistisse qualquer dúvida derivada de eventualmente se poder descortinar uma ou outra concretização factual em termos distintos dos constantes da nota de culpa antecedente, a ilicitude do despedimento resulta também inapelavelmente da caducidade do direito de acção disciplinar.
3. A Recorrente repete vezes sem conta e com veemência factos e comportamentos imputados ao Recorrido, como se tais factos e comportamentos fossem verdadeiros e estivessem já demonstrados e fixados como matéria assente, o que bem sabe não suceder e jamais logrará demonstrar ou comprovar.
4. Ao contrário do que a Ré supõe e quer fazer crer, o Recorrido ainda não está sequer definitivamente pronunciado em processo-crime pelos factos transcritos para a nota de culpa.
5. Acresce que, como é sabido, mesmo que se viesse a confirmar a acusação criminal, daí não decorre automaticamente a demonstração de qualquer culpa ou de qualquer infração criminal (ou disciplinar!), vigorando e tendo de ser reconhecido e praticado o princípio jurídico da presunção de inocência (art. 32/2 da CRP).
6. A Recorrente, ao repetir tantas vezes os factos e imputações como se estes se encontrassem já demonstrados e assentes, pretende impressionar e influenciar o julgamento e a decisão a proferir, tendo também como consequência, do ponto de vista do Recorrido, a repetição e o agravamento da humilhação e da perseguição de que este se sente vítima, o que vem na sequência do exercício legitimo de reclamar em Tribunal o cumprimento do contrato de trabalho, a ocupação efetiva e o respeito pelos seus direitos de personalidade através da acção n.º 182/14.4TTOAZ também referenciada nos presentes autos.
7. Como ficou dito, confrontando os factos da nota de culpa e da decisão disciplinar de 2010 com os factos da nota de culpa e da decisão disciplinar de 2015, resulta patente a violação do princípio ne bis in idem, que tem inegável aplicação no nosso direito sancionatório laboral (cf. art. 331/1, in fine).
8. A Recorrente tenta, em vão (por falta de verdade e prova), evidenciar nas alegações o que diz serem “novos factos” ou “factualidade (…) mais abrangente” em relação à nota de culpa antecedente.
9. A verdade é que tais supostos “novos factos” ou “factualidade (…) mais abrangente” não são, de modo nenhum, novos ou não se revestem propriamente de qualquer autonomia em relação ao essencial da primeira acusação e decisão disciplinar.
10. Se a única aparente exceção radicasse numa suposta falsificação de assinatura num cheque, o que é falso e, por isso, indemonstrável, a Recorrente nem sequer cuidou de se livrar da fatal contradição de ela própria, em sede de contestação judicial, ter expressamente aceitado e reconhecido que não havia qualquer falsificação, tal como está alegado e resulta provado (por documento).
11. De facto, em relação à requisição de um cheque, a Ré, além do mais, reconheceu (noutra acção) que estava assinado pela cliente, Sra. Dra. D… (cf. pd, a fls. 398 a 425 – articulado superveniente, resposta e impugnação do articulado superveniente da C…), tal como expressou que “a assinatura do endosso constante no verso daquele cheque é visável quando comparável com a ficha de assinaturas existente no Banco, constituindo a assinatura autografada e proveniente do punho da referida Sra. Dra. D…” (cf. pd, a fls. 407 a 425 – impugnação do articulado superveniente da C…, art. 30 e 33).
12. Em conclusão e repetindo mais uma vez, a nota de culpa não contém e a nova decisão disciplinar não assenta em verdadeiros factos ou comportamentos novos imputáveis ao arguido, face à nota de culpa e à decisão disciplinar de 2010, pelo que há fatal violação do princípio ne bis in idem.
13. O que sucedeu foi que, no primeiro processo disciplinar, a Recorrente compreendeu e aceitou que toda a factualidade ou comportamentos realmente comprovados e imputados ao ora Recorrido se verificaram no âmbito de relações privadas, intimas, com natureza idêntica a relações familiares, o que incluiu naturais dádivas, que a própria Recorrente então qualificou como “gratificações pouco usuais”.
14. Perante tal compreensão e aceitação nesse primeiro pd, a Recorrente não descortinou, obviamente, fundamento para a sanção de despedimento, limitando-se a uma sanção por simples violação de normas procedimentais internas, concluindo que a confiança subjacente ao vínculo laboral existente não ficou irremediavelmente abalada.
15. Assim sendo, não se compreende e nada justifica que, cinco ou seis anos depois, pretenda retomar a mesmíssima factualidade e, dando o dito por não dito, aplicar uma segunda sanção, optando agora pela pena capital prevista no direito sancionatório laboral.
16. Porém, como ficou dito e a sentença bem entendeu, não é lícita a segunda sanção.
17. Impunha-se, pois, a declaração de ilicitude do despedimento, como bem decidiu a sentença do Tribunal a quo.
Sem prescindir
18. Se pudesse ser descortinada qualquer dúvida sobre o acabado de expor e sobre a anterior conclusão, o mesmo resultado (a ilicitude) decorre da inegável caducidade do direito de acção disciplinar.
19. Na verdade, decorre da abundante factualidade demonstrada que a Recorrente tomou, desde 2009 e até antes de Setembro de 2014, repetidas vezes, conhecimento sobre os factos e comportamentos que imputa ao A. na nota de culpa e na decisão do despedimento em crise na presente acção.
20. Sublinha-se, por suficiente à presente questão, que, em Maio de 2014 (data da apresentação da contestação no processo 182/14), em Setembro de 2014 (data de apresentação de nova certidão no mesmo processo 182/14) e em 27 de Outubro de 2014
(data da referida certidão da acção cível do processo 6208/09.6TBBRG), a Recorrente tomou conhecimento dos exatos termos do despacho de pronúncia em que confessa basear a nota de culpa e a invocada prova dos factos fundamentadores da decisão disciplinar impugnada na presente acção.
21. Não há nenhum facto, nenhum comportamento, nenhum documento e nenhuma interpretação, leitura ou releitura sobre a mesmíssima matéria de facto reproduzida no pd, na nota de culpa e na decisão disciplinar sob impugnação.
22. Pretende, em vão, a Recorrente tornear a evidência irrefutável de ter conhecido, seguramente antes de Setembro de 2014, toda a factualidade descrita na nota de culpa e na decisão disciplinar, com a artificiosa alegação de que a competência disciplinar foi por ela delegada no designado …
23. Antes de mais, é irrefutável que a presente acção corre contra a C… (C…) e não contra qualquer sua estrutura ou organização de funcionamento, no caso o dito ….
24. Está fora de dúvida que a Ré/Recorrente, através dos seus legais representantes, não deixou de ter competência disciplinar, apesar da suposta delegação desses poderes no dito ….
25. Ora, é inegável que a entidade empregadora (a C… aqui recorrente) teve conhecimento da sua infração muito antes dos 60 antecedentes à nota de culpa, como se explicitou nas conclusões antecedentes.
26. Sem prejuízo de tanto bastar para o que aqui importa, acresce que resulta dos documentos juntos aos autos pela própria Recorrente, que o suposto órgão competente (…) sempre integrou representantes legais dela, concretamente o “Vice-Presidente da C…, que preside ao Conselho” e “os membros do Conselho de Administração da C… com os pelouros das seguintes estruturas da C…: gestão de aprovisionamento; gestão de imóveis; organização; pessoal; sistemas de informação; suporte operacional”.
27. Ou seja, uma parte substancial dos legais representantes da Ré integra o …!
28. Acresce ainda que, desde o início da presente acção judicial e em cada um dos outros processos judiciais aludidos nesta acção, a Ré/Recorrente sempre se fez representar por procurador com poderes especiais para vincular, decidir em nome dela própria, e, para além de estar representada por Advogado com os referidos poderes especiais, este compareceu acompanhado de outro representante legal com poderes especiais, inclusive para prestar depoimento de parte!
29. Ultrapassa, pois, todos os limites da boa-fé a argumentação da Recorrente, no sentido de que o prazo de caducidade só começou a decorrer quando alguém (?!) se lembrou de dar uma informação ao ….
30. A ficção jurídica ou os artifícios toleráveis não podem, sem má fé, ir tão longe!
31. A norma do art. 329/2 prevê, para o início do processo disciplinar, o prazo máximo de 60 dias subsequentes àquele 0em que o empregador ou o superior hierárquico com competência disciplinar teve conhecimento da infração.
32. Esta norma legal não deixa margem para dúvidas: o prazo de 60 dias corre quer a infração seja conhecida pelo empregador, quer seja conhecida pelo superior hierárquico com competência disciplinar (no presente caso, o ….
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10. A Ex.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta deu o seu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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11. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - QUESTÕES A DECIDIR
Tendo em conta que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações da recorrente - artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho -, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões são:
A – violação do princípio ne bis idem
B – caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar
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III – FUNDAMENTOS
1. A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1.[2] Do relatório final do processo n.º 780/09 da Direção de Auditoria Interna da C…, SA, consta que «em 22 de Setembro de 2009, a cliente D… enviou uma carta ao Presidente do Conselho de Administração da C…, em que acusa o empregado B… de fazer “… desaparecer, como administrador das contas das titulares, E… (a signatária), todo o capital que na C… de Braga – Avenida …, foi depositado no dia 12-09-2003 na conta n.º …./……/… no valor de € 5.355.000,00 (cinco milhões trezentos e cinquenta e cinco mil euros) ”. Na referida carta, a cliente acusa, em concreto, o B… de se ter apropriado de verbas que possuía em contas domiciliadas na C… e no F…, nomeadamente: a) A importância de € 368.720,00 relativa ao cheque n.º ……….,sacado s/ a conta n.º ………......, de que é a única titular; b) A importância de € 1.000.004,19, debitada na conta poupança n.º ………......; c) Transferência da conta n.º ………......, de € 750.000,00, para conta do F…, que co-titulava com o B…, e que o mesmo terá retirado, dessa conta, avultadas quantias, para seu próprio benefício, tendo-as depositado no G…, H…, I… e na C…, nomeadamente na conta n.º ………......» [folhas 162 verso e 163 frente].
2. Na sequência deste processo, foi aplicada ao autor pela ré a sanção disciplinar de 90 dias de suspensão com perda da retribuição e antiguidade, com base na seguinte factualidade e comportamentos:
a. A cliente D… solicitou, na aludida Agência, que lhe fossem fornecidos vários elementos bancários respeitantes às contas de que é titular, nomeadamente extratos, destino de todas as verbas transferidas através do Serviço C1… e cópia dos pedidos/recibos de resgate dos contratos de seguro que subscreveu na J…;
b. A cliente tinha reservas em relação a alguns movimentos efetuados nas contas de que é titular.
c. até há pouco tempo atrás, um empregado da C… intervinha como autorizado em contas tituladas pela referida cliente.
d. analisada pela C2… durante as averiguações, a titularidade das respetivas contas, esta constatou que o empregado que interveio como autorizado foi o B…, Coordenador do Gabinete de Empresas de Oliveira de Azeméis:
i. 1 – Conta nº ………......, domiciliada na Agência de Barcelos; Titular: D….
ii. 2 – Conta nº ……………, domiciliada na Agência Central de Braga; Titular D….
iii. 3 - Conta nº ………......, domiciliada na Agência Central de Braga; Titular: E… e D….
e. O arguido B… é acusado de ter movimentado contas da cliente D…, através da utilização do Serviço C1… Online, alegadamente a pedido e com códigos pessoais e intransmissíveis, fornecidos pela cliente, nas instalações da C…;
f. Através de e-mail, enviado a 2009.09.23, a cliente K… informou de que o NIB …………………., para a qual foi transferida, em 2008.03.28, a quantia de 1.500,00€, titulada pela cliente D…, pertence ao arguido B…, acusando-o de ter utilizado os computadores da C… para movimentar a conta, sem conhecimento das clientes.
g. Em 2009.09.22, a cliente D… enviou uma carta ao Presidente do Conselho de Administração da C…, em que acusa o arguido B… de se ter apropriado de verbas que possuía em contas domiciliadas na C… e no F…, nomeadamente:
i. a) a importância de 368.720,00€, relativa ao cheque ………., sacado s/ a conta nº ………......, titulada por D…;
ii. b) a importância de €1.000.004,19, debitada da conta poupança nº ……….....;
iii. c) Transferência da conta nº ………...... de €750.000,00 para conta do F…, que co-titulava com o B…, e que o mesmo terá retirado, dessa conta, avultadas quantias, para seu próprio benefício, tendo-as depositado no G…, H…, I… e na C…, nomeadamente na conta nº ……….......
h. Analisada pela C2… durante as averiguações, a movimentação das contas de que a cliente, D…, é titular, verificou o seguinte:
i. Conta nº ……….......:
1. Titulada por E… e D…, foi creditada, em 2003/09/12, pelo valor de € 5.355.000,00;
2. Na mesma data, subscrição de cinco contratos do Seguro de Capitalização C… Seguro Rendimento – série A (J…) efetuada por débito da referida conta, que deu origem a cinco apólices, no valor de € 1.000.000,00 cada, concretamente as nº ../..…….., nº ../.........., nº ../.........., nº ../.......... e nº ../...........
i. As propostas de adesão que deram origem à subscrição dos cinco contratos de seguro, foram devidamente assinadas pela cliente D…, na qualidade de Tomadora de Seguro, e pela beneficiária E….
j. Todas as apólices foram resgatadas antes do termo do contrato, a pedido da Tomadora de Seguro, encontrando-se os respetivos pedidos/recibos de resgate devidamente assinados pela mesma:
i. Apólice nº ../…………: O pedido de resgate foi efetuado em 2004/09/16, tendo a conta DO nº ………...... sido creditada em 2004/09/23, pelo valor de € 1.002.599,12;
ii. Apólice nº ../..........: O pedido de resgate foi efetuado em 2004/09/16, tendo a conta DO nº ………..... sido creditada em 2004/09/23, pelo valor de € 1.002.599,12;
iii. Apólice nº ../...........: O pedido de resgate foi efetuado em 2005/11/21, tendo a conta DO nº ………....... sido creditada em 2005/12/02, pelo valor de € 1.013.419,65;
iv. Apólice nº ../..........: O pedido de resgate foi efetuado em 2006/04/10, tendo a conta DO nº ………...... sido creditada em 2006/04/20, pelo valor de € 1.016.643,09;
v. Apólice nº ../..........: O pedido de resgate foi efetuado em 2006/12/29, tendo a conta DO nº ………...... sido creditada em 2007/01/11, pelo valor de € 1.005.758,48.
k. Em 2003/09/12, por débito da referida conta de depósitos à ordem, foram creditadas três contas poupança, nomeadamente:
i. Nº ………......, pelo valor de € 100.000,00;
ii. Nº ………......, pelo valor de € 100.000,00;
iii. Nº ………......, pelo valor de € 125.000.
l. Conta nº ………......:
m. Na conta nº …….. do F…, titulada pela D… e pelo B…, foram depositados dois cheques sacados s/ esta conta da reclamante, nomeadamente:
i. Cheque nº ………. de € 750.000,00, sacado pela cliente em 2007/01/16;
ii. Cheque nº ………, de € 380.000,00, sacado pela cliente em 2009/04/15.
n. Conta nº …………..:
i. Em 2004/09/17, a cliente celebrou com a C… um Contrato de Mútuo com Penhor, no valor de € 540.000,00, pelo prazo de um mês, alegadamente para fazer face a uma oportunidade de negócio, nomeadamente a aquisição de dois imóveis na cidade de Braga tendo o produto sido creditado em 2004/09/17.
ii. Em 2004/10/09, o referido empréstimo foi liquidado por débito da conta nº ………......, que tinha sido creditada, em 2004/09/23, por € 2.005.198,24, fruto da liquidação financeira das apólices nº ../.......... e nº ../.........., cujos pedidos de resgate foram efetuados em 2004/09/16.
o. A conta nº ………......, onde era creditado, até Julho de 2009, o vencimento do arguido, foi recetora de verbas, numerário e cheques.
p. Para a referida conta foram, também, efetuadas três transferências interbancárias de € 2.160,00 (2007/06/28), € 500,00 (2008/11/13) e € 2.200,00 (2008/11/25), por débito da conta nº ……….. domiciliada no F…, co-titulada pela Drª D… (artigo 31º da contestação).
q. Na conta nº ……………., de que o autor é o único titular, foram, também, depositados cheques de valor avultado.
r. O arguido B… é titular de 4 contas:
s. Conta nº ……….. domiciliada no G…;
t. Conta nº ………… domiciliada no F…, co-titulada pela Drª D…;
u. Conta nº ……….. domiciliada no F…;
v. Conta nº ……….. domiciliada no L….
w. O cheque nº ………., de € 368.720,00, sacado s/ a conta nº ……………., titulada pela cliente D…, foi depositado na conta nº ……….. do L…, em 2005/12/06, conforme consta do verso do mesmo, titulada pelo A..
x. O débito de €1.000.004,19, efetuado em 2006.05.02, na conta poupança nº ………......, que a cliente D… alega desconhecer o beneficiário, teve como contrapartida a emissão do cheque s/ o País, no valor de € 1.000.000,00, emitido por ordem e a favor da mesma, depositado na conta nº ………….. do G…, titulada pelo arguido.
y. Em 2005/01/18, o arguido inseriu como morada da cliente D… a da Agência de Barcelos (…, Barcelos) onde exercia a função de Gerente.
z. Em 2006/03/09, o mesmo, voltou a inserir uma nova morada da cliente, nomeadamente a Rua …, .., …, Vila Nova de Gaia, que consta, também, do histórico de moradas do B.. e da esposa M…, desde 2004/12/09, como sendo a residência de ambos.
aa. A C2… não encontrou, durante as averiguações, documentos assinados pela cliente, D…, que legitimassem as alterações de morada efetuadas.
bb. Em 2009.10.01, a C… foi citada para contestar a acção instaurada por D… e D… contra o arguido B…, M… (esposa do arguido) e a C….
cc. Face à matéria imputada ao arguido, verifica-se que o mesmo, no âmbito das suas funções de empregado da C…, conheceu e aprofundou o seu relacionamento com a cliente D…, aceitando ser co-titular, pelo menos, numa conta domiciliada no F… e autorizado na movimentação de três contas de que a mesma é titular na C…, violando, deste modo, as normas internas, nomeadamente o nº 3 da I.S. nº 76/95, de 1995.11.07.
dd. Por via desse relacionamento, o arguido não se coibiu de aceitar, em proveito pessoal, “prendas” e vantagens patrimoniais de valor exorbitante, alegadamente oferecidas pela cliente.
ee. A importância de € 100.500,00 creditada em 2005/12/06, na conta nº. ……….., que arguido titula no L…, através do depósito do cheque nº. ………., de € 368.720,00, sacado sobre a conta nº. ………......, titulada por D…, com a qual adquiriu um veículo da marca Porsche;
ff. A importância de € 1.000.000,00 que o arguido recebeu através do cheque s/o País nº ……….., emitido por débito na conta nº. ………......, titulada por D… e creditado em 2006/05/05 na conta n.º ……….., que titula no G…;
gg. A importância de € 10.000,00 creditada em 2007/07/17, na conta n.º ………......,de que é titular, através do depósito do cheque nº. ………., sacado s/conta nº. ……….. do F…, co-titulada por D…;
hh. A importância de € 25.000,00, creditada em 2008/10/07, na conta n.º ………......, de que é titular, através do depósito do cheque nº. ………, de € 125.000,00, sacado sobre a conta nº. ……….. do F…, co-titulada por D…, tendo o arguido, no mesmo dia, devolvido à cliente a quantia de €. 100.000,00 através de crédito da conta n.º ……….......
ii. O arguido movimentou as contas da cliente através da utilização do Serviço C1… Online, mediante códigos de acesso pessoais e intransmissíveis, alegadamente fornecidos pela cliente;
i. Os acessos feitos nas instalações da C…, através de IP´s atribuídos ao Gabinete de Oliveira de Azeméis.
ii. Como empregado da C… e com funções de responsabilidade não poderia ignorar que tal utilização não lhe era permitida, por contrariar e violar, nomeadamente, as regras de funcionamento do Serviço C1….
iii. o arguido alterou as moradas da cliente D… sem autorização desta, para melhor controlar a recepção de correspondência enviada pela C….
3. A ré fez juntar ao processo n.º 182/14.4TTOAZ que corre termos nesta Secção Central, na contestação, em requerimento apresentado autonomamente no dia 14 de Maio de 2014, cópia do despacho de pronúncia proferido no processo n.º 2644/09.6TTBRG proferido em 15 de Novembro de 2013 que baseou a decisão do procedimento disciplinar e juntou certidão daquele despacho, a pedido do Tribunal, que obteve junto do processo-crime em Setembro de 2014 [facto considerado nos termos do artigo 412.º, n.º 2, do CPC, após juntar a correspondente certidão].
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2. DO OBJECTO DO RECURSO
Analisemos então as questões que nos foram trazidas pelo presente recurso.
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2.1. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM
Alega a recorrente que, ao contrário do que se refere na decisão recorrida, se verifica qualquer ferimento ao princípio ne bis in idem na medida em que nos dois procedimentos não estão em causa os mesmos factos.
Sobre esta questão a decisão recorrida pronunciou-se do seguinte modo:
“Importa saber, em primeiro lugar, se, comparando esta factualidade com a factualidade constante do articulado motivador da decisão de despedimento e que consta ou está subjacente a esta decisão, o autor está a ser punido, pela segunda vez, pelos mesmos factos.
O princípio ne bis in idem resulta da parte final do artigo 330.º, n.º 1, do Código do Trabalho, pois o empregador não pode aplicar mais do que uma sanção disciplinar pela mesma infração.
Apesar da norma referir que o que delimita o poder disciplinar é a “infração”, entendemos que esta não pode ser perspetivada de forma independente dos factos que lhe estão subjacentes, ou seja, o que releva é a factualidade inerente e não a qualificação jurídica da mesma dada pelo decisor [consideramos que é esse o sentido do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 2006 – Processo n.º 06P2424 – acessível em www.dgsi.pt e que a “violação do princípio "non bis in idem", igualmente com consagração constitucional (artº 29º, nº 5 da Constituição), traduzida no facto de o arguido ser julgado por factos pelos quais já havia sido julgado com transito”].
Para além disso, é certo que na decisão do procedimento disciplinar anterior, que culminou com a aplicação de uma sanção de suspensão, o empregador não considerou haver apropriação contra a vontade da cliente de quaisquer quantias, integrando-as como a aceitação de «em proveito pessoal, “prendas” e vantagens patrimoniais de valor exorbitante, alegadamente oferecidas pela cliente» e, por conseguinte, o autor foi punido por desrespeitar os regulamentos internos da C… que o impediam de aceitar a movimentação, sem autorização superior, de contas de clientes e de receber prendas e vantagens de clientes, mas o que foi denunciado à ré e esteve na base do procedimento disciplinar não foi apenas o não cumprimento de regras internas de natureza regulamentar mas o facto do autor fazer desaparecer, como administrador das contas das titulares, E… (a signatária), todo o capital que na C… de Braga – Avenida …, foi depositado no dia 12-09-2003 na conta n.º …./……/… no valor de € 5.355.000,00 (cinco milhões trezentos e cinquenta e cinco mil euros)”, acusando-se o réu, em concreto, de se ter apropriado de verbas que possuía em contas domiciliadas na C… e no F…, nomeadamente: a) A importância de € 368.720,00 relativa ao cheque n.º ………., sacado s/ a conta n.º ………......, de que é a única titular; b) A importância de € 1.000.004,19, debitada na conta poupança n.º ………….; c) Transferência da conta n.º ………....., de € 750.000,00, para conta do F…, que cotitulava com o B…, e que o mesmo terá retirado, dessa conta, avultadas quantias, para seu próprio benefício, tendo-as depositado no G…, H…, I… e na C…, nomeadamente na conta n.º ………....... Isto significa que na base inicial do primeiro procedimento disciplinar estava muito mais do que o mero não cumprimento das regras internas da C… mas antes o “desaparecimento” e a “apropriação” de “todo o capital que na C… de Braga – …, foi depositado no dia 12-09-2003 na conta n.º …./……/… no valor de € 5.355.000,00 (cinco milhões trezentos e cinquenta e cinco mil euros)”, concretizando-se especificadamente a apropriação de três valores, mais concretamente: “a) A importância de € 368.720,00 relativa ao cheque n.º ………., sacado s/ a conta n.º ………......, de que é a única titular; b) A importância de € 1.000.004,19, debitada na conta poupança n.º ………......; c) Transferência da conta n.º ………......, de € 750.000,00, para conta do F…, que co-titulava com o B…, e que o mesmo terá retirado, dessa conta, avultadas quantias, para seu próprio benefício, tendo-as depositado no G…, H…, I… e na C…, nomeadamente na conta n.º ………......”.
Então, na realidade foi denunciado ao Presidente do Conselho de Administração da C…, SA, o desaparecimento da totalidade da quantia, no montante de € 5.355.000, que tinha sido depositada na C… em determinado dia e não somente as quantias discriminadas.
A questão que se coloca é a de saber se esta denúncia genérica é suficiente para se afirmar que o anterior procedimento disciplinar já abrangia toda esta matéria pois se constatarmos a matéria que fundamentou o novo procedimento disciplinar, que assenta no despacho de pronúncia, temos que concluir que o que está ali em causa é a factualidade concreta que descreve o modo como o autor, supostamente, se apropriou, fez desaparecer, parte desta quantia total de € 5.355.000 num quantitativo superior aos movimentos concretamente discriminados na denúncia feita pela cliente à C….
Em nosso entendimento, temos que entender que sim pois o que está em causa naquela denúncia que deu origem ao primeiro procedimento disciplinar, não é o modo como o autor terá alegadamente feito a invocada apropriação, mas a apropriação em si, o fazer desaparecer, que abrange a totalidade da quantia e não apenas uma parte e abrange a apropriação sem autorização do respetivo dono e não apenas o movimentação de valores e a apropriação com autorização do respetivo dono como a primeira decisão do procedimento disciplinar faz supor.
Não colocamos de parte que a ré C… podia não ter facilidade em chegar ao concreto modo como se teria dado a alegada apropriação sem autorização, sobretudo na parte em que implica movimentações financeiras externas ao banco, mas a parte da “não autorização” da apropriação depende pura e simplesmente de prova testemunhal, designadamente do depoimento das denunciantes que a C… ou não ouviu ou ouviu e não lhes atribuiu credibilidade mas não resulta minimamente que tenha procurado fazê-lo e tal tenha resultado infrutífero por recusa das próprias denunciantes.
O que significa que a insuficiência de apreensão ou investigação dos factos pode, numa parte, não ser imputável à própria C…, por não ter meios como fazer diligências probatórias que implicassem outras instituições, mas também pode ser-lhe parcialmente imputável, não sendo este argumento suficiente para afastar a ideia de que o primeiro procedimento disciplinar já teve como objeto a apropriação não autorizada pelo dono [cliente da C…] de uma quantia que foi quantificada na denúncia como sendo a totalidade do capital que, num determinado dia, a referida cliente tinha depositado na C… e que atingia o valor de € 5.355.000.
Como a factualidade descrita no despacho de pronúncia não é mais do que a forma como supostamente o autor executou a apropriação sem autorização de parte deve valor, não podemos deixar de entender que o objeto do primeiro procedimento disciplinar abrangia já esta factualidade apesar da C… não ter certamente conseguido chegar àquele grau de concretização.
Em suma, entendemos que o procedimento disciplinar agora movido pela C… viola o princípio ne bis in idem pois o objeto da denúncia que deu origem ao anterior procedimento disciplinar abrangia já o resultado que supostamente foi obtido com a factualidade que é objeto do referido despacho de pronúncia e do novo procedimento disciplinar.”
Vejamos, então.
Segundo o nº 1, parte final, do artigo 330º do Código do Trabalho, o empregador não pode aplicar ao trabalhador mais do que uma sanção disciplinar pela mesma infração. Aqui está consagrado o princípio ne bis in idem ou o princípio da unicidade segundo o qual pela mesma infração não pode ser aplicada ao trabalhador mais do que uma infração. Nas palavras de NUNO ABRANCHES PINTO[3] «p]retende-se evitar que o empregador desconsidere a apreciação disciplinar anterior no sentido de promover o agravamento dessa apreciação».
O princípio ne bis in idem é um princípio que tem a sua maior aplicação no âmbito penal tendo por finalidade impedir que o mesmo individuo seja condenado mais do que uma vez (ne bis) pelo mesmo (idem) crime (este visto no plano factual)[4].
E, como é salientado na sentença recorrida «apesar da norma referir que o que delimita o poder disciplinar é a “infração”, entendemos que esta não pode ser perspetivada de forma independente dos factos que lhe estão subjacentes, ou seja, o que releva é a factualidade inerente e não a qualificação jurídica da mesma dada pelo decisor». O cumprimento do princípio ne bis idem pressupõe que se encontre devidamente identificada uma infração disciplinar e obrigatoriamente a factualidade que lhe está inerente e que é imputado ao trabalhador/arguido no âmbito do tipo e do contexto de um processo laboral. Há assim que estabelecer uma comparação entre os dois processos – o em curso e o já julgado ou decidido. Tal comparação, além das infrações propriamente ditas assacadas, pressupõe necessariamente, como essência e alma, os factos que foram e são imputados ao trabalhador/arguido e que permitiram concluir pela prática da infração disciplinar.
Entendida a infração disciplinar na fórmula acima apresentada, ou seja, pela perspetiva factual que lhe está subjacente, a questão que se coloca é saber quando é que um facto se pode considerar “o mesmo”, para dessa forma se poder dizer que o empregador aplicou pela mesma infração mais do que uma infração disciplinar?
Assim sendo, deveremos considerar que o conceito ou noção de facto é de índole material e não processual, sendo ainda um conceito normativo e não um conceito naturalístico.
Significa isto que não é o processo que determina se o facto é ou não o mesmo, mas sim as características materiais do facto que podem infirmar ou confirmar a identidade do mesmo. Porque existe um grande pararelismo com o direito penal não deixaremos de exarar, face ao interesse e pertinência, o que TERESA PIZARRO BELEZA e FREDERICO DA COSTA PINTO[5] referem sobre a questão. Assim, dizem tais Autores que «[o] segundo crivo referido é o próprio facto, em si mesmo, tal como surge legalmente configurado. A função básica da tipicidade consiste em delimitar com precisão o acontecimento que se pretende proibir e valorar como desvalioso. Esse acontecimento é em regra uma manifestação exterior do agente que no seu núcleo essencial comporta a conduta proibida e, consoante os casos, outras circunstâncias relevantes para aferir o desvalor do acontecimento global. Nesse sentido, a identidade do facto pode aferir-se em função das suas componentes básicas ou acessórias, como sejam a identidade de conduta, a identidade de objeto visado por essa conduta, a identidade de consequências (isto é, de resultados tipificados pelo legislador) e a identidade do título de imputação subjetiva. A identidade do facto assim aferida pode ser total ou parcial, consoante se verifique uma correspondência exata entre todos os elementos da comparação ou apenas entre alguns. O que permite, por seu turno, ponderar as relações de concurso determinadas pela regra lógica da identidade: quando a previsão de um facto abarcar integralmente a previsão doutro facto e a operação não for reversível, teremos uma relação de consunção, em que o primeiro facto consome o segundo». Além do mais, continuam dizendo que «a superação duma pura conceção naturalística da identidade do facto permite incluir nos termos da comparação um elemento estritamente normativo que é o bem jurídico. A identidade plena do facto supõe também identidade de bens jurídicos tutelados. A partir deste elemento é possível articular ainda de forma mais nítida as relações de concurso que se estruturam numa relação de subordinação lógica e axiológica, nomeadamente as regras de subsidiariedade entre normas. Se a proibição de agressão a um bem jurídico for instrumental em relação à proibição doutra agressão a outro bem jurídico, em regra a primeira norma perde autonomia em relação à segunda».
Assim sendo, «[e]xistirá dupla valoração sobre o mesmo facto quando o juízo de valor jurídico formulado incida sobre o mesmo agente e o mesmo facto em função da tutela do mesmo bem jurídico. Isto acontecerá independentemente da natureza da sanção aplicável. Para além destes casos de identidade plena de factos, ainda será necessário ponderar as situações de identidade parcelar dos factos em função das relações lógicas e axiológicas de identidade (i.e. consunção e, eventualmente, especialidade) e subordinação (i.e. subsidiariedade) entre as normas que valoram as situações jurídicas. O que vale por dizer que a dupla valoração só é realmente evitada quando se sujeita o material analisado às regras vigentes que regulam as relações de concurso de normas».
Como achega sobre o conceito de ne bis idem podemos socorrer-nos da jurisprudência europeia do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 54º da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, segundo a qual: — o critério relevante para efeitos da aplicação do referido artigo é o da identidade dos factos materiais, entendido como a existência de um conjunto de factos indissociavelmente ligados entre si, independentemente da qualificação jurídica desses factos ou do bem jurídico protegido (cf. Acórdão do Tribunal de Justiça (2.º secção), de 09-03-2006, Processo C – 436/04 “Van Esbroeck”, in JO C 131, de 03-06-2006; Acórdão do Tribunal de Justiça (1.º secção), de 28-09-2006, Processo C – 150/05 “Van Straaten”, in JO C 294, de 02-12-2006).
O conceito do princípio ne bis idem está, assim de alguma forma, ligado ao efeito preclusivo do caso julgado. Por isso se tem defendido que ao caso julgado subjazem os valores da segurança das decisões e da autoridade do Estado, razão pela qual esse instituto cobre o deduzido e o dedutível, fazendo precludir todas as possíveis razões que o autor poderia ter aduzido e não o fez na acção anterior, nomeadamente, se os factos aditados no processo posterior são complementares ou concretizadores dos invocados no processo anterior.
E sendo assim, não podemos deixar de dar razão à sentença recorrida. Na verdade, como na mesma é salientado «é certo que na decisão do procedimento disciplinar anterior, que culminou com a aplicação de uma sanção de suspensão, o empregador não considerou haver apropriação contra a vontade da cliente de quaisquer quantias, integrando-as como a aceitação de «em proveito pessoal, “prendas” e vantagens patrimoniais de valor exorbitante, alegadamente oferecidas pela cliente» e, por conseguinte, o autor foi punido por desrespeitar os regulamentos internos da C… que o impediam de aceitar a movimentação, sem autorização superior, de contas de clientes e de receber prendas e vantagens de clientes, mas o que foi denunciado à ré e esteve na base do procedimento disciplinar não foi apenas o não cumprimento de regras internas de natureza regulamentar mas o facto do autor fazer desaparecer, como administrador das contas das titulares, E… (a signatária), todo o capital que na C… de Braga – …, foi depositado no dia 12-09-2003 na conta n.º …./……/… no valor de € 5.355.000,00 (cinco milhões trezentos e cinquenta e cinco mil euros)”, acusando-se o réu, em concreto, de se ter apropriado de verbas que possuía em contas domiciliadas na C… e no F…, nomeadamente: a) A importância de € 368.720,00 relativa ao cheque n.º ………., sacado s/ a conta n.º …............., de que é a única titular; b) A importância de € 1.000.004,19, debitada na conta poupança n.º …………….; c) Transferência da conta n.º ………......, de € 750.000,00, para conta do F…, que cotitulava com o B…, e que o mesmo terá retirado, dessa conta, avultadas quantias, para seu próprio benefício, tendo-as depositado no G…, H…, I… e na C…, nomeadamente na conta n.º ………....... Isto significa que na base inicial do primeiro procedimento disciplinar estava muito mais do que o mero não cumprimento das regras internas da C… mas antes o “desaparecimento” e a “apropriação” de “todo o capital que na C… de Braga – …, foi depositado no dia 12-09-2003 na conta n.º …./……/… no valor de € 5.355.000,00 (cinco milhões trezentos e cinquenta e cinco mil euros)”, concretizando-se especificadamente a apropriação de três valores, mais concretamente: “a) A importância de € 368.720,00 relativa ao cheque n.º ………., sacado s/ a conta n.º ……………, de que é a única titular; b) A importância de € 1.000.004,19, debitada na conta poupança n.º ………......; c) Transferência da conta n.º ………......, de € 750.000,00, para conta do F…, que co-titulava com o B…, e que o mesmo terá retirado, dessa conta, avultadas quantias, para seu próprio benefício, tendo-as depositado no G…, H…, I… e na C…, nomeadamente na conta n.º ………......”.
Então, na realidade foi denunciado ao Presidente do Conselho de Administração da C…, SA, o desaparecimento da totalidade da quantia, no montante de € 5.355.000, que tinha sido depositada na C… em determinado dia e não somente as quantias discriminadas».
E, como se refere na aludida decisão, a questão consiste em saber se esta denúncia genérica é suficiente para se afirmar que o anterior procedimento disciplinar já abrangia toda esta matéria pois se atentarmos na matéria que fundamentou o novo procedimento disciplinar, que assenta no despacho de pronúncia, temos que concluir que o que está ali em causa é a factualidade concreta que descreve o modo como o autor, supostamente, se apropriou, fez desaparecer, parte desta quantia total de € 5.355.000 num quantitativo superior aos movimentos concretamente discriminados na denúncia feita pela cliente à C….
A nossa resposta não pode deixar der ser positiva, pois que está em causa naquela denúncia que deu origem ao primeiro procedimento disciplinar, não é o modo como o autor terá alegadamente feito a invocada apropriação, mas a apropriação em si, o fazer desaparecer, que abrange a totalidade da quantia e não apenas uma parte e abrange a apropriação sem autorização do respetivo dono e não apenas o movimentação de valores e a apropriação com autorização do respetivo dono como a primeira decisão do procedimento disciplinar faz supor.
E, como se destaca na decisão recorrida, independentemente da melhor ou pior investigação levada a cabo pelos meios próprios da C… e que culminaram com a acusação feita ao arguido/ trabalhador no primeiro processo, a falta de eventuais meios ou insuficiência investigatória ou probatória, não pode levar ao afastamento de que neste processo ( o primeiro) já foi considerado o comportamento e a atuação do trabalhador na a apropriação não autorizada pelo dono [cliente da C…] de uma quantia que foi quantificada na denúncia como sendo a totalidade do capital que, num determinado dia, a referida cliente tinha depositado na C… e que atingia o valor de € 5.355.000.
Ora, a factualidade descrita no despacho de pronúncia, e que levou a nova nota de culpa, que não é mais do que a forma como supostamente o autor executou a apropriação sem autorização de parte desse valor, pelo que não se pode deixar de defender e entender que objeto do primeiro procedimento disciplinar abrangia já esta factualidade apesar de o grau de concretização da mesma ser inferior ao relevado agora na pronúncia.
Todavia, como já acima afirmamos, existe entre os dois processos uma dupla valoração dos mesmos factos, estes entendidos no sentido de que abrangem ou têm como fim a atuação e a valoração do comportamento do trabalhador/arguido manifestada em ações mais ou menos concretizadas num e noutro processo. Porém, não existem dúvidas, pelo menos nós não as temos, de que estamos perante uma identidade de factos materiais, indissociavelmente ligados entre si, independentemente da qualificação jurídica desses factos ou do bem jurídico protegido, que tiveram como finalidade a punição do trabalhador por um conjunto de factos que estiveram na base da apropriação de uma determinada quantia pertencente a uma cliente da C… e que dadas as relações existentes entre esta e o trabalhador levou este à prática de determinados comportamentos violadores, para o que aqui interessa, dos seus deveres laborais. Todavia, por esse seu comportamento, o trabalhador já foi punido. Poderá a aqui recorrente colocar a questão de que tal comportamento, porque grave, é merecedor da sanção disciplinar do despedimento. Mas se assim é deveria tê-lo feito oportunamente, pois a censura a existir já estava plasmada na primeira nota de culpa.
E também não é o argumento da falsificação ou da eventual falsificação de assinaturas do título de crédito que pode afastar a dupla valoração da realidade factual que esteve na base das acusações ao trabalhador. É que, dado o efeito preclusivo do caso julgado, este novo facto ou atuação, independentemente do reconhecimento ou não por parte da recorrente da sua não verificação, não deixa de ser um facto complementar ou concretizador da imputação feita ao trabalhador no primeiro processo disciplinar. Na verdade, o que está em causa neste processo disciplinar – bem como o que esteve em causa no primeiro processo disciplinar - não é propiamente o modo, a forma ou os meios, utlizados pelo trabalhador para se apropriar ilegitimamente das quantias da cliente, mas sim a apropriação ilegítima propriamente dita. E esta, salvo o devido respeito, já foi abarcada no primeiro dos processos disciplinares, independentemente da melhor ou pior concretização dos meios utilizados pelo trabalhador para a sua concretização. Além do mais, o princípio da consunção, basilar do processo penal e subsidiariamente do disciplinar, levaria também a uma situação de identidade as duas situações, na medida em que a utilização da assinatura (falsa) seria consumida pela apropriação ilegítima.
Por todas estas razões, também nós perfilhamos o entendimento de que o procedimento disciplinar agora movido pela C… viola o princípio ne bis in idem, pois o objeto da denúncia que deu origem ao anterior procedimento disciplinar abrangia já o resultado que supostamente foi obtido com a factualidade que é objeto do referido despacho de pronúncia e do novo procedimento disciplinar.
Improcede, assim, o recurso nesta parte.
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2.1. DA CADUCIDADE DO DIREITO DE INSTAURAR O PROCEDIMENTO DISCIPLINAR

A segunda questão a apreciar tem e ver com a caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar. Caducidade essa que a sentença recorrida entendeu verificar-se.
A recorrente, além de não concordar com tal solução, alega que «[n]ão se compreende por que razão entendeu o Meritíssimo Juiz a quo apreciar esta questão pois que se o Tribunal entendeu que se verificava a exceção da violação do princípio ne bis in idem, tornava-se, desnecessário – ou mesmo excessivo, face ao disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT -, conhecer da exceção da caducidade do poder disciplinar», acrescentando que tal apreciação da exceção da caducidade surge, assim, na douta sentença recorrida como que à cautela, não vá entender-se insubsistente a exceção da violação do principio ne bis in idem».
Tem razão a recorrente neste ponto, pois verificando-se a violação do princípio ne bis in idem, «tornava-se, desnecessário – ou mesmo excessivo, face ao disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT -, conhecer da exceção da caducidade do poder disciplinar». Fica, assim, prejudicada, face à existência da violação do princípio ne bis in idem, a apreciação da exceção da caducidade do poder disciplinar, cujo conhecimento nada viria a adiantar.
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3. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
As custas do recurso ficam a cargo da Recorrente [artigos 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil].
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IV – DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:
I – Julgar improcedente o recurso interposto por C…, S.A. e consequentemente manter a sentença recorrida.
II – Condenar a Recorrente no pagamento das custas do recurso [artigos 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil].
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Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7 do CPC.
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(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).
Porto, 26 de Setembro de 2016
António José Ramos
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
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[1] Iremos chamar “Ré” à entidade patronal e “ Autora” à trabalhadora. Isto porque o legislador nos normativos em que regulou a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, não chama “autor” ao trabalhador, nem “ Ré” à entidade patronal. Na verdade, podemos constatar pela análise dos vários normativos que o legislador dispensou a utilização dos termos “autor” e “ ré”, utilizando as expressões “trabalhador “e “empregador” (artigos 98ºF, 98º-G, 98ºH, 98º-I, 98º-J, 98º-L, 98º-N do CPT). A única referência que constatamos em que o legislador apelida o trabalhador de “ autor” é no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13 de Outubro, que aprovou as alterações ao atual CPT, ao referir que “A recusa, pela secretaria, de recebimento do formulário apresentado pelo autor é sempre passível de reclamação nos termos do Código de Processo Civil (CPC).”
[2] Numeração da nossa autoria.
[3] Instituto Disciplinar Laboral, Coimbra Editora, 2009, pg. 109.
[4] Princípio este consagrado no artigo 29º, nº 5 da CRP.
[5] TERESA PIZARRO BELEZA e FREDERICO DA COSTA PINTO, DIREITO PROCESSUAL PENAL I OBJECTO DO PROCESSO, LIBERDADE DE QUALIFICAÇÃO JURÍDICA E CASO JULGADO (texto introdutório), LISBOA 2001, pgs. 26/27.
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SUMÁRIO – a que alude o artigo 663, nº 7 do CPC.

I - Segundo o nº 1, parte final, do artigo 330º do Código do Trabalho, o empregador não pode aplicar ao trabalhador mais do que uma sanção disciplinar pela mesma infração. Aqui está consagrado o princípio ne bis in idem ou o princípio da unicidade segundo o qual pela mesma infração não pode ser aplicada ao trabalhador mais do que uma infração. Pretende-se evitar que o empregador desconsidere a apreciação disciplinar anterior no sentido de promover o agravamento dessa apreciação.
II - O princípio ne bis in idem é um princípio que tem a sua maior aplicação no âmbito penal tendo por finalidade impedir que o mesmo individuo seja condenado mais do que uma vez (ne bis) pelo mesmo (idem) crime (este visto no plano factual).
III - O cumprimento do princípio ne bis idem pressupõe que se encontre devidamente identificada uma infração disciplinar e obrigatoriamente a factualidade que lhe está inerente e que é imputado ao trabalhador/arguido no âmbito do tipo e do contexto de um processo laboral. Há assim que estabelecer uma comparação entre os dois processos – o em curso e o já julgado ou decidido. Tal comparação, além das infrações propriamente ditas assacadas, pressupõe necessariamente, como essência e alma, os factos que foram e são imputados ao trabalhador/arguido e que permitiram concluir pela prática da infração disciplinar.

António José Ramos