Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
405/23.9GBAGD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
NAMORO
Nº do Documento: RP20241204405/23.9GBAGD.P1
Data do Acordão: 12/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO DO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Sendo que o conceito de “namoro” contém (atualmente, ainda mais) alguma imprecisão, na sua interpretação para o efeito de definição do tipo de crime de violência doméstica, será de ter em consideração a ratio dessa incriminação e, por isso, o relacionamento em causa há de corresponder a uma proximidade existencial efetiva a que é inerente uma relação de confiança geradora de uma expetativa de um vínculo de acrescido dever de respeito e de abstenção de condutas lesivas da integridade pessoal do parceiro ou parceira.
II – É isso que se verifica no caso em apreço, em que o arguido e a ofendida se apoiavam mutuamente, tinham relacionamento sexual, faziam refeições juntos e o arguido desde o início procurou, por ciúmes, controlar a atividade da ofendida e procurou insistentemente evitar a rutura por ela pretendida.
III – Deve considerar-se que, no caso em apreço, estamos perante “maus tratos” e, portanto, um crime de violência doméstica, pois a conduta do arguido levou a que a ofendida tema pela sua vida e integridade física; tenha receio de andar sozinha na rua ou ir às compras, de ficar no café ou em casa sozinha; tenha deixado de levar/buscar, sozinha, a filha à estação de comboios como o fazia todas as semanas; tenha passado a ser acompanhada em consultas de psiquiatria e a tomar medicação para controlar a ansiedade e a depressão de que padece; que se sinta humilhada, vexada, intimidade e atemorizada; e que tenha passado a ser uma pessoa triste, introvertida e se tenha sentido diminuída enquanto mulher, sem qualquer gosto por si e vontade de estar ou de se relacionar com outras pessoas; estes factos são suficientes para concluir que a conduta do arguido afetou a saúde psíquica, emocional e moral da ofendida, de modo incompatível com a dignidade desta como pessoa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pr. 405/23.9GBAGD.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I –
AA veio interpor recurso da douta sentença do Juízo Local Criminal de Águeda do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro que o condenou, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, b), e n.º 2, do Código Penal, na pena de três anos de prisão e na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida BB, por qualquer meio (pessoal, por interposta pessoa, telefónico, correspondência, internet ou SMS), pelo período de três anos; e que o condenou também a pagar a essa ofendida e demandante a quantia de duzentos e setenta e dois euros, a título de indemnização de danos patrimoniais e a quantia de mil euros a título de indemnização de danos não patrimoniais, ambas acrescidas de juros, à taxa legal.

São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
«1.ª O Arguido foi condenado por Sentença proferida em 15 de julho de 2024 e depositada a 17 de julho de 2024.
2.ª A uma pena de três anos de prisão efectiva.
3.ª O presente Recurso é interposto de decisão proferida na douta sentença que condenou o Arguido, como autor material de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo n.º 152.º n.º 1 b) e 2 do Código Penal.
I – DO DIREITO
A – Do não preenchimento do requisito previsto na alínea b) do N.º 1 artigo 152.º do Código Penal
4.ª Os factos assentes, perpetrados pelo Arguido/Recorrente, não se enquadram na previsão do artigo 152.º do Código Penal.
5.ª “O tipo legal de crime de violência doméstica visa proteger a pessoa individual e a sua dignidade humana (…). O seu âmbito punitivo abarca os comportamentos que, de forma reiterada ou não, lesam a referida dignidade (…). O bem jurídico protegido por este tipo legal de crime é a saúde, entendida esta enquanto saúde física, psíquica e mental e, por conseguinte, podendo ser afectada por uma diversidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal desenvolvimento de uma pessoa e/ou afectem a dignidade pessoal e individual do cônjuge (…).” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 06-02-2013, in: www.dgsi.pt)
6.ª “O bem jurídico protegido no crime de violência doméstica é complexo, abrangendo a integridade corporal, saúde física psíquica e mental e a dignidade da pessoa humana (…), em contexto de relação conjugal ou análoga e mesmo após cessar essa relação. Não exigindo o tipo legal uma reiteração de acções, um único acto ofensivo só consubstanciará “maus tratos” se se revelar de tal modo intenso que ao nível do desvalor (quer da acção quer do resultado) seja apto a lesar em grau elevado o bem jurídico pondo em causa a dignidade da pessoa humana (…).” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 10-09-2014, in: www.dgsi.pt)
7.ª Ora, não decorre da sentença, nomeadamente dos factos provados, que o Arguido, ora Recorrente, tenha agido de forma a diminuir e afectar a dignidade da assistente, menos ainda, que tenha afectado a sua saúde física ou psíquica.
8.ª Os factos dados como provados, praticados pelo Arguido, apesar de graves, não assumiram, objectivamente, contornos violentos.
9.ª Os factos praticados pelo Arguido/Recorrente, parecem melhor se enquadrarem na chamada “briga” de namorados do que no crime de violência doméstica.
10.ª Mal seria do sistema judicial se todas as “brigas de namorados”, que, não raras vezes, abrangem violência – sobretudo psicológica, terminassem sempre em tribunal ao abrigo da previsão cada vez mais abrangente do crime de violência doméstica.
11.ª Além disso, as situações provadas que constam da Sentença proferida pelo Tribunal a quo não têm um padrão de frequência nem intensidade desvaliosa, para se poderem enquadrar num modelo de comportamento que se inscreva na previsão do tipo legal de violência doméstica.
12.ª A punição das condutas descritas no artigo 152.º do Código Penal, visa salvaguardar a pessoa humana na sua irrenunciável dimensão de liberdade e dignidade e pretende prevenir consequências gravosas que possam surgir para a saúde física e psíquica e para o desenvolvimento normal e correcto da personalidade do indivíduo.
13.ª Pelo que, os actos praticados terão necessariamente de ser capazes de atingir precisamente a saúde física e psíquica do indivíduo de forma a afectar e marcar de forma irreparável o desenvolvimento harmonioso do sujeito ofendido, pelo que terão de se revestir de reiteração e gravidade suficientes para o efeito.
14.ª Sendo necessário, ainda, que o comportamento do agressor demonstre uma especial crueldade, insensibilidade, uma atitude de vingança desnecessária e desmesurada ou ainda uma vontade de subjugar a vítima aos seus desejos e torná-la dependente de si.
15.ª O que no caso concreto não se verifica e não se encontra nem provado nem dado como provado, pelo que não poderão os factos dados como provados integrar o ilícito de violência doméstica.
16.ª Os actos praticados terão necessariamente de ser capazes de atingir precisamente a saúde física e psíquica do indivíduo de forma a afectar e marcar de forma irreparável o desenvolvimento harmonioso do sujeito ofendido, pelo que terão de se revestir de reiteração e gravidade suficientes para o efeito.
17.ª Sendo ainda que a autonomização do crime de violência doméstica de outros menos graves exige, ainda, ou uma reiteração de condutas ofensivas ou, no mínimo, um acto que seja de tal forma grave que por si só, e sem mais, seja susceptível de produzir o dano descrito.
18.ª É necessário que o comportamento do agressor demonstre uma especial crueldade, insensibilidade, uma atitude de vingança desnecessária e desmesurada ou ainda uma vontade de subjugar a vítima aos seus desejos e torná-la dependente de si.
Além disso,
19.ª Dispõe o artigo 152.º do Código Penal (vigente à data e actual):
“1. Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.° grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
20.ª “O crime em causa pressupõe uma determinada relação entre os sujeitos activo e passivo (…), e assim a vítima, ofendido, lesado ou sujeito passivo de tal crime, tem de revestir numa relação com o agressor/ arguido a qualidade:
– de cônjuge ou ex-cônjuge;
– pessoa com quem o arguido mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges (ainda que sem coabitação), situação que se traduz:
a) na união de facto entendida como comunhão de mesa, cama e habitação, ou b) numa situação idêntica à de união de facto com comunhão de mesa e cama, mas sem coabitação, no fundo fazendo vida em comum (mas não habitando juntos), ou formando um casal;
E de forma mais abrangente, no acórdão da Relação de Coimbra de 27/2/2013, disponível em www.dgsi.pt/jtrc entende-se que a existência e manutenção por parte de uma pessoa casada de uma relação paralela com outra pessoa (mas sem coabitação), configura uma relação análoga à dos conjugues, situação que até a existência de um relacionamento amoroso poderia preencher desde que seja não apenas estável mas também que se aproxime da relação conjugal de cama e habitação – Ac. TRC de 24-04-2012 in www.dgsi.pt/jtrc., devendo no fundo para preencher a qualidade necessária para ser vítima do crime, conduzir-nos a uma situação em que as pessoas envolvidas criaram um projecto comum de vida (…) e se podem relacionar quer sendo namorados, amantes ou sendo cônjuges ou ex-cônjuges.
E não podemos deixar de concordar com a ideia expressa por André Lamas Leite, da exigência de “uma proximidade existencial efectiva” (…). “Do mesmo passo, meros namoros passageiros, ocasionais, fortuitos, flirts, relações de amizade, não estão recobertas pelo âmbito incriminador do art.152.º, n.º1, al. b).”, ou seja “ter-se-á de provar que há uma relação de confiança entre agente e ofendido, baseada em fundamentos relacionais mais ou menos sólidos, em que cada uma deles é titular de uma «expectativa» em que o outro, por via desse laço, assuma um dever acrescido de respeito e abstenção de condutas lesivas da integridade pessoal do parceiro (…).” – in A violência relacional íntima: reflexões cruzadas entre o direito penal e a criminologia, Revista Julgar, n.º12 Especial, 2010, ASJP, pág. 52 – ou seja, exista e esteja imbuído de um especial dever relacional onde seja já possível vislumbrar (embora com menor intensidade) os deveres que reciprocamente vinculam os cônjuges como sejam deveres de respeito, fidelidade, cooperação e assistência (artºs 1672º Código Civil sem coabitação) (…). (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 10-09-2014, in www.dgsi.pt). “pois só assim essa relação se pode equiparar ou considerar-se ser análoga à dos cônjuges, pois não faz sentido (face ao princípio da subsidiariedade e ultima ratio), que seja o direito penal a proteger especificamente uma relação de namoro, quando o direito civil não o faz a não ser numa fase adiantada desse relacionamento e apenas em vista da protecção da promessa de casamento (artºs 1591º a 1595º CC) (…). (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-01-2014, in www.dgsi.pt)
21.ª “Uma relação de namoro não constitui uma “relação análoga à dos cônjuges (…), ainda que sem coabitação”, expressa no artº 152º n.º 1, al. b), do Cód. Penal. (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-01-2014, in www.dgsi.pt)
22.ª Para que tal aconteça, a relação amorosa tem de ser estável e constituir o desenvolvimento de um projeto comum de vida do casal, exigindo-se uma relação próxima do ambiente familiar com sentimentos de afetividade, convivência, confiança, conhecimento mútuo, atos de intimidade, partilha da vida em comum e cooperação mútua (…). Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-01-2014, in www.dgsi.pt).
23.ª O que, no presente caso, efectivamente não existia.
24.ª Porquanto, se provou que, Arguido e Assistente mantiveram uma relação que durou cerca de três meses, que o próprio Arguido descreve como sendo uma relação de amizade com algum contacto sexual.
25.ª Sendo que, em lado algum da acusação ou da sentença se diz ou, por qualquer modo se expressa uma daquelas realidades – “relação amorosa estável”, com” um projecto comum de vida do casal”.
26.ª O único elemento caracterizador que existe é o facto de o relacionamento ter durado cerca de três meses e, na sentença consta dos factos provados, mas na fundamentação da mesma a única referência é a uma “relação de namoro”, relação essa que nunca é caracterizada de outro modo ou de modo mais intenso.
27.ª “A própria finalidade da previsão normativa – protecção do bem jurídico – tutelando em geral a dignidade da pessoa humana (em toda a sua plenitude: física e mental), numa relação próxima do ambiente familiar ou análogo, onde existem sentimentos de afectividade, de convivência, confiança, conhecimento mútuo, e ocorram actos de intimidade e de partilha da vida em comum, numa relação de vida de cooperação mútua – permite e justifica a relação de especialidade com outras normas punitivas, que protegem os mesmo bem (geral: a dignidade da pessoa humana); (Acórdão do Tribunal da Relação
do Porto de 15-01-2014, in www.dgsi.pt).
28.ª Ora uma “tão só” relação de namoro não implica ainda uma relação de vida, de partilha e de cooperação entre duas pessoas, pelo que sem algo mais que a caracterize e a aproxime de uma situação de comunhão de vida, não pode preencher a qualidade exigida pelo tipo legal (…) (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-01-2014, in www.dgsi.pt).
29.ª Motivo pelo qual, no que respeita ao crime imputado de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, não poderia proceder, pois o mesmo não se verifica.
30.ª A relação entre o recorrente e a ofendida, é marcada por discussões, com agressões verbais mútuas, denotando um afrouxamento, por ambos, dos especiais vínculos de afecto, respeito e união que caracterizam uma relação análoga à dos cônjuges.
31.ª Havendo, pois, que valorar jurídico-penalmente os factos provados, considerando que, eles não permitem concluir pela verificação dos elementos do tipo objectivo do ilícito do artigo 152.º do Código Penal, podendo, isso sim, subsumir-se às previsões incriminadoras dos artigos 143.º (ofensa à integridade física simples) e 181º (injúria) do Código Penal.
32.ª Ora, o crime de “Ofensa à integridade física simples”, como crime semi-público que é, está dependente da apresentação de queixa no prazo de seis meses – o que no presente caso não se verificou.
33.ª No que ao crime de “Injúrias” se refere, o procedimento criminal está dependente, nos termos do artigo 188.º do Código Penal, de queixa e acusação particular – o que igualmente se não verificou.
34.ª Entendendo, deste modo, o Recorrente que, nem pela prática destes crimes haveria, então, ser julgado/condenado.
35.ª Pelo exposto o Tribunal a quo violou, ainda, o disposto no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
36.ª Assim, face ao exposto, haveria o Arguido ora Recorrente ter sido absolvido da prática de qualquer crime.
II – DA MEDIDA DA PENA
37.ª Sem prescindir do supra referido quanto à absolvição do Arguido quanto à prática do crime aqui em julgamento, se assim não se entender (o que se concebe apenas por mero efeito de raciocínio) sempre deveria o Tribunal a quo ter optado pela suspensão da pena de prisão, uma vez que desta forma se realizava de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
38.ª A pena de prisão aplicada ao Recorrente é manifestamente exagerada, violenta, desnecessária e desproporcional, violando na sua determinação o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 71.º do Código Penal.
39.ª Existem outras penas com a almejada virtualidade de acautelar e impedir a continuação de qualquer eventual “actividade criminosa”, nomeadamente a suspensão da pena de prisão.
40.ª Considerando o Recorrente que a pena deve ser substituída por uma pena suspensa na sua execução.
41.ª A pena de três anos de prisão é inadequada e exagerada, atentas as condições económicas, sociais e principalmente as pessoais do Recorrente – a sua saúde mental, que levará decisivamente ao enfraquecimento da sua saúde física e degradação do seu estado psíquico.
42.ª A douta sentença violou também o princípio da razoabilidade ao qual tem de obedecer a imposição de deveres. Não pode ser imposta ao Recorrente uma obrigação cujo cumprimento não é razoavelmente de se lhe exigir, pois tal originará um prejuízo sério para a sua saúde física, já de si frágil (foi vítima de um enfarte do miocárdio).
43.ª Violou, ainda, a douta sentença, o princípio da proporcionalidade da sanção criminal e princípio da culpa consagrados nos artigos 152.º n.º 1 e 2, 40.º, 41.º, 70.º e 71.º do Código Penal.
44.ª A pena aplicada ao Arguido é demasiado pesada e injusta, não se mostrando adequada à conduta praticada e às suas condições pessoais e sociais. A pena é desajustada, por excessiva.
45.ª Atendendo a todas as circunstâncias no caso “sub-judice” e ao disposto nos artigos 40.º, 41.º, 50.º, 70.º e 71.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal, entendemos que a medida concreta da pena fixada pelo tribunal a quo deveria ter sido bem menos severa.
46.ª A pena de três de prisão efectiva aplicada ao ora Recorrente pelo Tribunal a quo não é justificada pela sua necessidade, é excessiva e ultrapassa o juízo de censura que o ora Recorrente merece, sendo injusta e consequentemente inadmissível.
47.ª Salvo o devido respeito, as circunstâncias pautadas nestas conclusões, nomeadamente as condições sociais e pessoais do Recorrente, deveriam ter sido consideradas e interpretadas em toda a sua extensão pelo Tribunal a quo, sendo que a pena aplicada haveria ter sido suspensa na sua execução.
48.ª Atento o que foi dado como provado na sentença ora recorrida – quanto à sua personalidade, às suas condições de vida, sociais e pessoais (idade do Arguido, doença do foro cardíaco), as regras norteadoras da determinação concreta da medida da pena de prisão em vigor e as necessidades de prevenção especial e geral aplicáveis ao caso em apreço serão devidamente respeitadas e acauteladas com a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução.
49.ª Assim sendo, pede-se a revogação da sentença recorrida, decidindo-se em conformidade com a lei e circunstâncias descritas em sede de recurso, fixando-se ao Recorrente uma pena de prisão suspensa na sua execução.
50.ª Militam a favor do Arguido as suas modestas condições de vida.
51.ª Conforme consta do Relatório Social o Arguido/Recorrente provém de um agregado familiar da classe média.
52.ª O Arguido abandonou o sistema escolar aos 14 anos, com o 6º ano de escolaridade. Já em idade adulta, procurou por sua iniciativa em melhorar os seus recursos escolares em horário pós-laboral e, posteriormente, em cumprimento de pena de prisão, conclui o 12.º ano, no âmbito de cursos de dupla certificação.
53.ª O Arguido iniciou-se no mundo laboral aos 14 anos em empresas de ferragens da sua área de residência.
54.ª Aos 24 anos iniciou relacionamento marital, desta relação, nasceram três filhos que contam atualmente com 25, 18 e 15 anos de idade.
55.ª Em 2017 foi vítima de um enfarte do miocárdio, mantendo desde então, seguimento clínico nos Hospitais ... com consultas regulares.
56.ª O Arguido vive sozinho, em casa arrendada desde há cerca de um ano e meio.
57.ª O Arguido detém vínculo com a empresa A..., LDA.
58.ª A entidade patronal considera o Arguido um trabalhador com capacidade de trabalho e sempre disponível para melhorar a adquirir conhecimentos da área profissional que desenvolve. Encontra-se bem integrado na dinâmica social da empresa quer com os outros colaboradores, quer com as chefias.
59.ª No meio social e residencial possui uma imagem de integração, não lhe sendo atribuídos relacionamentos privilegiados, apesar de ser considerado sociável.
60.ª No seio da comunidade a imagem do Arguido não está associada à prática de qualquer crime.
61.ª Não demonstrou o Recorrente ser indiferente ao sistema judicial.
62.ª O Arguido nunca foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, no entanto, face ao supra aludido, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo não dá como provado que as condutas do Arguido/Recorrente tenham afectado a saúde física ou psíquica da ofendida ou que o Arguido tenha agido de forma a diminuir e afectar a dignidade da assistente.
63.ª Os factos dados como provados, praticados pelo Arguido, apesar de graves, não assumiram, objectivamente, contornos violentos.
64.ª É nosso entendimento, que a suspensão sempre acautelará as necessidades de prevenção geral e especial da norma violada.
65.ª Sendo certo que a mais ponderosa finalidade da punição assenta na ideia da recuperação do indivíduo, expressa no artigo 71.º do Código Penal.
66.ª Atendendo a todas as circunstâncias concretas do caso, e salvo o devido respeito, a aplicação ao Arguido de uma pena suspensa na sua execução, sujeita ao regime de prova, não seria, no caso concreto, atendida pela sociedade “como sinal de impunidade”.
Tanto mais, porque bem sabe o Arguido que a suspensão da pena pode ser revogada a todo o tempo.
67.ª Actualmente, por força da alteração introduzida no art.º 50.º do Código Penal, pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, as penas aplicadas aos arguidos podem ser substituídas por penas de carácter não detentivo, nomeadamente penas suspensas na sua execução.
68.ª O Recorrente tem 49 anos e, por via disso, tem toda a vida pela frente, que não se adequa à sua inclusão num estabelecimento prisional.
69.ª Além disso, a perspectiva de vida em liberdade, acompanhada da censura do facto e da advertência traduzida na condenação, constituirão um juízo razoável de prognose, uma vincada injunção responsabilizadora para conduzir o ora Recorrente a comportamentos e modo de vida concordantes com os valores comunitários e, por isso, a recomposição da sua vida no respeito pelos valores do direito.
70.ª “A finalidade politico-criminal da suspensão da pena é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. (...) Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na
«prevenção da reincidência” Figueiredo Dias, obra citada supra, pág.343, §519.
71.ª Assim, o Tribunal a quo, fazendo uma correcta e justa aplicação da Lei, deveria ter optado, em concreto, por aplicar ao Arguido/Recorrente uma pena suspensa na sua execução.
72.ª Apesar de o Recorrente, ter sido já condenado diversas vezes, está-se no âmbito da pequena criminalidade.
73.ª Além disso, encontra-se social, profissional e familiarmente integrado
74.ª Cremos, por isso, que uma pena inferior à aplicada e suspensa na sua execução será suficientemente dissuasora de reiterações criminosas futuras e fará com que, desta vez, o Arguido, interiorize a gravidade da sua conduta.
75.ª A M.ma. juiz a quo ao não optar pela suspensão da pena fez uma errada interpretação dos artigos 40.º, 50.º, 70.º e 71.º, Código Penal.
76.ª No nosso entendimento, deveria a M.ma Juiz a quo ter optado pela suspensão da pena aplicada por estar, no nosso entender, preenchidas as finalidades da punição, sendo a principal a ideia de recuperação do indivíduo.
77.ª Assim, impõe-se a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução por forma a alcançar a ressocialização do Recorrente, prevenindo a reincidência.
78.ª O Recorrente crê que se cometeria, apesar de tudo, justiça e aplicaria correctamente os pressupostos e critérios de fixação da medida das penas (artigo 71.º e seguintes do Código Penal) se a sanção que lhe foi aplicada de pena de prisão efectiva de três anos, fosse substituída por uma pena de prisão suspensa na sua execução, por igual período, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta, a determinar ao livre arbítrio de V. Ex.as (artigo 50.º n.º 2 do Código Penal).
79.ª Em consequência, a Douta Sentença recorrida violou por errada interpretação o disposto nos artigos 40.º, 50.º, 70.º, 71.º e 152.º do Código Penal e, artigo 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta à motivação do recurso, pugnando pelo não provimento do mesmo.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento do recurso no que se refere à qualificação jurídica dos factos provados como crime de violência doméstica, mas pelo provimento do mesmo no que se refere à suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido e recorrente foi condenado. Aí se afirma a este respeito:
«(…)
O arguido tem actualmente 50 anos de idade, tem três filhos, dois já maiores e um menor, os três residentes com a progenitora, contribuindo o arguido para o sustento do filho menor com uma prestação mensal.
O arguido vive sozinho em casa arrendada e está a trabalhar numa empresa desde 2021, sendo considerado bom trabalhador e é visto de modo positivo pelas as pessoas que com ele convivem.
Ou seja, conjugando as condições pessoais do arguido e o seu percurso de vida com os seus antecedentes criminais, constata-se que desde 1996 o arguido não tem qualquer condenação criminal por crime contra as pessoas, sendo a personalidade por ele revelada nos factos dominada pelo problema persistente de dependência do álcool, o que não desculpabilizando ou diminuindo a gravidade da conduta típica praticada e em que é vítima a ofendida, como é evidente, constitui um factor também obstaculizante da sua capacidade de se determinar de acordo com as regras impostas em comunidade.
É certo que em condenações anteriores foi já o arguido submetido a condições de suspensão da execução da pena ligadas ao seu problema de alcoolismo e que até agora, embora com alguns hiatos temporais, o arguido ainda não conseguiu ultrapassar.
Também é verdade que os factos cometidos em Dezembro de 2023, estando mais uma vez o arguido alcoolizado, ocorreram após a aplicação de medida de coacção de proibição de contacto com a ofendida, mas também é certo que depois desses factos não existe notícia de outros incidentes da mesma natureza.
O relacionamento amoroso entre o arguido e a ofendida foi relativamente curto, caracterizado por recuos e avanços, e pela problemática de alcoolismo do arguido.
Entende-se que em tal contexto, sendo esta a primeira condenação do arguido pelo crime de violência domestica, que servem melhor os interesses da punição e das suas finalidades impor ao arguido regras de conduta, inseridas em regime de prova, regras essas umas viradas para o seu problema aditivo e para a problemática da violência doméstica e por outro lado regras direccionadas a proteger a ofendida, pelo um período de suspensão de três anos, sendo dessa forma o arguido obrigado a rever a sua conduta e os seus comportamentos, sob pena de lhe ser revogada a pena substitutiva com o cumprimento da pena de prisão de 3 anos.
O arguido confessou parcialmente os factos e embora os quisesse reduzir à gravidade do crime de injúria, dano e ofensa à integridade física, existe apesar de tudo um reconhecimento de alguma censurabilidade da sua conduta.
Deste modo, entende-se que no caso concreto, ainda é possível realizar um juízo de prognose favorável, considerando-se que a opção pela pena substitutiva de suspensão de execução da pena de prisão no contexto actual serve melhor as finalidades da punição, obrigando a uma vigilância e fiscalização do futuro comportamento do arguido e à alteração de hábitos e dependências.»

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II –
As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes:
- saber se a factualidade provada integra, ou não, a prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, b), e n.º 2, do Código Penal;
Caso tal não se entenda:
- saber se a pena de prisão em que o arguido e recorrente foi condenado deverá, ou não, ser reduzida e suspensa na sua execução, face aos critérios legais.

III –
Da fundamentação da douta sentença recorrida consta o seguinte:

«(…)
Fundamentação de Facto:
Após a realização da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido AA e a ofendida BB conheceram-se por aquele ser cliente assíduo do café “B...”, sito na Avenida ..., em ..., explorado por esta e também onde é a sua residência, tendo ambos começado um relacionamento amoroso em Janeiro de 2023.
2. Desde o início da relação que o arguido tentava controlar a ofendida, ficando ciumento quando a ofendida falava com outros clientes e com familiares, bem como lhe enviava mensagens a perguntar onde é que estava e o que estava a fazer e ligava-lhe insistentemente.
3. Frequentemente e quando embriagado, o arguido apelidava a ofendida de “puta”, “vaca” e dizia que “aquele café era um antro de putedo”.
4. No dia 10 de Maio de 2023, pelas 23h, quando a ofendida se encontrava a pernoitar na cave do café, onde reside, o arguido começou a bater à porta com murros e pontapés e a gritar para que a ofendida lhe abrisse a porta, enquanto gritava: “puta, vaca, abre-me a porta”, tendo abandonado o local antes da chegada da patrulha da GNR.
5. O arguido continuou a frequentar o café da ofendida diariamente, insistindo para que se continuassem a relacionar, sempre que a ofendida decidia e lhe comunicava que o relacionamento estava terminado.
6. Quando a ofendida terminava o relacionamento ou manifestava intenção de não reatar, o arguido apelidava-a de prostituta e acusava-a de andar metida com todos os clientes e que o café era uma “casa de meninas”.
7. O arguido insistia, quer pessoalmente, quer por mensagens, para a ofendida retirar a queixa e fazer as pazes, para ficarem juntos.
8. Após ter voltado o café “B...” sem incidentes, em Dezembro de 2023 o arguido começou a ali aparecer diariamente, várias vezes ao dia, aparentemente embriagado e dizendo à ofendida: “andas amantizada com os clientes para ganhar dinheiro, isto é um café de putas, puta, prostituta, vaca”.
9. No dia 28 de Dezembro de 2023, depois das 20h, o arguido deslocou-se ao café da ofendida e apelidou-a de “puta” e acusou-a de “dar a cona aos clientes”; “que o café estava aberto para uma fachada, porque o que fazes é ir dar à cona lá abaixo”.
10. De seguida, tombou a vitrine dos pastéis e do pão para o chão, assim como duas mesas e desferiu um murro numa das portas de entrada, partindo o vidro.
11. A ofendida tentou impedir que o arguido continuasse a partir e a derrubar objectos, pondo-se à sua frente e o arguido empurrou-a, fazendo com que a mesma fosse embater com a perna direita na mesa de bilhar.
12. A ofendida continuou a tentar para aquele comportamento do arguido e este empurrou-a novamente contra a porta da entrada, pondo-lhe as mãos no pescoço.
13. Como consequência directa e necessária da actuação do arguido, a ofendida sofreu dores nas zonas atingidas nomeadamente no membro inferior direito, equimose arroxeada com 16 cm por 4,5 cm na face póstero-lateral do terço médio da coxa.
14. Tais lesões determinaram 8 dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional, não resultando quaisquer consequências permanentes.
15. Por causa do comportamento do arguido a ofendida tem receio pela sua integridade física e vida.
16. O arguido, ao utilizar as expressões acima mencionadas, actuou com o objectivo concretizado de ofender a honra, o bom nome e a consideração da ofendida, pessoa com que se relacionava amorosamente.
17. Ao telefonar insistentemente à ofendida, bem como ao deslocar-se e permanecer no café desta diariamente, o arguido previu e quis intimidar a ofendida, o que efectivamente conseguiu.
18. Em todas as circunstâncias o arguido previu, quis e conseguiu molestar física e psicologicamente a ofendida, pessoa com quem mantinha um relacionamento amoroso bem como provocar-lhe medo e inquietação, de molde a prejudicar a sua liberdade de determinação, para além de lhe causar sofrimento físico e psicológico, ofendendo a sua dignidade e sensibilidade, sabendo que a devia tratar com respeito e consideração.
19. O arguido não se absteve de adoptar tais condutas na residência da ofendida.
20. O arguido, em todas as ocasiões, agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
21. Fruto do comportamento do arguido a ofendida tem receio de andar sozinha na rua ou ir às compras, de ficar no café ou em casa sozinha.
22. Deixou de levar/buscar, sozinha, a filha à estação de comboios como o fazia todas as semanas.
23. A ofendida passou a ser acompanhada em consultas de psiquiatria no Hospital 1... e a tomar medicação para controlar a ansiedade e a depressão de que padece.
24. Com o comportamento do arguido a ofendida sente-se humilhada, vexada, intimidade e atemorizada.
25. Passou a ser uma pessoa triste, introvertida e sentiu-se diminuída enquanto mulher, sem qualquer gosto por si e vontade de estar ou de se relacionar com outras pessoas.
26. Por via do comportamento do arguido em 28.12.2023 a ofendida pagou € 272,00 para substituição do vidro partido e substituição das vitrines.
27. O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
a) No âmbito do processo sumário n.º 82/96, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda, tendo sido condenado, por sentença proferida em 13.5.96, transitada em julgado, pela prática, em 13.5.96, de um crime de condução sob o efeito do álcool, na pena de multa de 33.750$00 e na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 meses;
b) No âmbito do processo sumário n.º 138/96, que correu termo no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda, tendo sido condenado, por sentença proferida em 6.9.96, transitada em julgado, pela prática, em 31.8.96, de um crime, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 1.000$00, num total de 150.000$00;
c) No âmbito do processo comum singular n.º 169/00 (302/99.7GBAGD). que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda, tendo sido condenado, por sentença proferida em 16.1.2001, transitada em julgado, pela prática, em 17.5.1999, de um crime de dano, na pena de 11 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, a qual foi já declarada extinta pelo cumprimento;
d) No âmbito do processo sumário n.º 1297/02.7GBAGD, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda, tendo sido condenado, por sentença proferida em 26.11.2002, transitada em julgado em 2.1.2003, pela prática, em 11.11.2002, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 105 dias de multa, à taxa diária de € 4,00 e, bem assim, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses, tendo já sido declarada extinta a pena de multa pelo cumprimento;
e) No âmbito do processo abreviado n.º 49/05.7GTAVR, que correu termos no Juízo de Instância Criminal de Águeda – Juiz 2, tendo sido condenado por sentença proferida em 26.1.2006, transitada em julgado em 10.2.2006, pela prática, em 5.2.2005, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, subordinada à frequência do programa STOP – Responsabilidade e Segurança, com avaliação da necessidade de tratamento médico à problemática do álcool e consequente tratamento e mediante acompanhamento da DGRS e, bem assim, na pena acessória de cassação do título de condução pelo período de 1 ano e 6 meses, tendo já sido declarada extinta a pena de prisão suspensa e tendo-se determinado a manutenção da cassação do título que habilita o arguido a conduzir veículos a motor e a interdição da concessão ao arguido de novo título de condução durante um ano e seis meses;
f) No âmbito do processo comum singular n.º 445/04.7GBAGD, que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda, tendo sido condenado, por sentença proferida em 10.3.2006, transitada em julgado em 27.3.2006 pela prática, em 20.4.2004, de um crime de desobediência, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, a qual já foi declarada extinta pelo cumprimento;
g) No âmbito do processo colectivo n.º 199/03.4GBAGD, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda, tendo sido condenado por Acórdão proferida em 5.11.2007, transitado em julgado em 26.11.2007, pela prática, em 23.11.2002, de um crime de burla informática e nas comunicações, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sob condição de pagar ao ofendido, nesse prazo, a quantia de € 1.219,00, a qual já foi declarada extinta pelo cumprimento;
h) No âmbito do processo sumário n.º 214/08.2GTAVR, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda, tendo sido condenado, por sentença proferida em 25.7.2008, transitada em julgado em 14.8.2008, pela prática, em 13.7.2008, de um crime de desobediência, na pena de 18 períodos de prisão de 48 horas cada e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 1 ano, as quais já foram declaradas extintas pelo cumprimento;
i) No âmbito do processo comum singular n.º 204/07.5GBAGD, que correu termos no Juízo de Instância Criminal de Águeda – Juiz 1, tendo sido condenado, por sentença proferida em 11.12.2008, transitada em julgado em 1.6.2009, pela prática, em 12.1.2007, de um crime de violação de proibições e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 9 meses de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica e, bem assim, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 anos, tendo sido realizado cúmulo jurídico com as penas aplicadas no processo referido em h), ficando condenado na pena única de 9 meses e 15 dias de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 anos, as quais foram já declaradas extintas;
j) No âmbito do processo sumário n.º 1039/10.3GBAGD, que correu termos no Juízo de Instância Criminal de Águeda – Juiz 2, tendo sido condenado, por sentença proferida em 8.11.2010, transitada em julgado em 30.5.2011, pela prática, em 24.10.2010, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de violação de proibições, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
k) No âmbito do processo comum singular n.º 275/09.0T3AGD, que correu termos no Juízo de Instância Criminal de Águeda – Juiz 1, tendo sido condenado, por sentença proferida em 20.12.2010, transitada em julgado em 20.2.2012, pela prática, em 13.7.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão, substituída por dias livres, a executar aos fins-de-semana, por 36 períodos de 48 horas;
l) No âmbito do processo comum singular n.º 941/10.7GBAGD, que correu termos no Juízo de Instância Criminal de Águeda – Juiz 2, tendo sido condenado, por sentença proferida em 19.5.2011, transitada em julgado em 17.1.2012, pela prática, em 23.8.2010 e em 23.9.2010, respectivamente, de um crime de violação de proibição e de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, tendo sido realizado cúmulo jurídico com as penas referidas em h), i) e k), impondo-se-lhe a pena única de 1 ano e 15 dias de prisão e com a pena aplicada e com a pena aplicada no processo referido em j), tendo sido condenado na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão, tendo já sido declaradas extintas as penas únicas, pelo cumprimento.
m) No âmbito do P. n.º 815/15.5GBAGD o arguido foi condenado por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 10 meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 2 anos e 9 meses, por factos praticados em 19.10.2015, tendo a sentença transitada em julgado em 1.6.2016;
n) No âmbito do P. n.º 294/18.5GBAGD o arguido foi condenado por um crime de violação de imposições na pena de 14 meses de prisão por factos praticados em 14.5.2018, tendo a sentença transitada em julgado em 20.12.2018;
o) No âmbito do P. n.º 152/18.3GBAGD o arguido foi condenado por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e por um crime de violação de imposições na pena única de 20 meses de prisão e na pena acessória de 2 anos e 10 meses por factos praticados em 31.1.2018, tendo a sentença transitada em julgado em 2.5.2019;
p) No âmbito do P. n.º 619/18.3GBAGD o arguido foi condenado por um crime de violação de imposições na pena de 16 meses de prisão por factos praticados em 26.9.2018, tendo a sentença transitada em julgado em 21.6.2019;
q) No âmbito do P. n.º 767/18.0GBAGD o arguido foi condenado por um crime de violação de imposições na pena de 16 meses de prisão por factos praticados em 3.12.2018, tendo a sentença transitada em julgado em 21.11.2019;
- Em cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos referidos em n, o, p e q o arguido foi condenado numa pena única de 4 anos e 10 meses de prisão, por decisão transitada em julgado em 5.11.2020, já cumprida.
28. O arguido foi colocado em liberdade em 12.12.2021.
29. Em 18.7.2023 o arguido foi proibido de contactar a ofendida, por qualquer meio e de se aproximar da residência e do local de trabalho da ofendida, por via das medidas de coação aplicadas.
30. O arguido tem 3 filhos de 25, 18 e 15 anos de idade, que vivem com a mãe.
31. O arguido contribui, em média, com € 100,00 para as despesas do filho mais novo.
32. O arguido trabalha desde Dezembro de 2021 na empresa A..., Lda. – e aufere € 1.000,00 de salário.
33. O arguido é visto como bom trabalhador, empenhado e disponível.
33. Vive sozinho, em casa arrendada, pela qual paga € 300,00.
34. É tido, por aqueles que com ele privam, por pessoa prestável, amiga, educada e respeitadora.
(…)
A convicção do tribunal para dar tais factos como provados alicerçou-se na análise e ponderação crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como na documental junta aos autos.
Quanto ao relacionamento entre o arguido e a ofendida, se é certo que nenhum deles assumiu, verdadeiramente, uma relação de namoro, com princípio e fim, a verdade é que ambos relataram que se relacionaram amorosamente durante o ano de 2023 (nutrindo sentimentos de amor um pelo outro, relacionando-se sexualmente, apoiando-se, fazendo refeições juntos, entreajudando-se, nomeadamente no café e nas compras) e das mensagens trocadas entre ambos- e constantes a fls. 113 e ss.- resulta também esse mesmo relacionamento.
(…)»

IV 1. -
Cumpre decidir.
Vem o arguido e recorrente alegar que a factualidade provada não integra a prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, b), e n.º 2, do Código Penal, por que foi condenado. Alega, por um lado, que, aquando da prática dos factos em apreço, ele e a ofendida não estavam ligados (como impõe a definição desse tipo de crime) por uma relação de namoro estável (durou apenas três meses) que possa considerar-se de comunhão de vida análoga à dos cônjuges e de proximidade existencial efetiva e de confiança que crie a expetativa de um vínculo de acrescido dever de respeito, sendo que o relacionamento entre ambos foi marcada por discussões, com agressões verbais mútuas, denotando um afrouxamento, por ambos, dos especiais vínculos de afeto, respeito e união que caracterizam uma relação análoga à dos cônjuges. Alega, por outro lado, que a sua conduta não afetou (como também impõe a definição desse tipo de crime) a dignidade da ofendida, nem a sua saúde física ou psíquica e que estaremos perante uma simples “briga de namorados”. Essa conduta configurará, pois, apenas crimes de injúria e ofensa à integridade física.
Vejamos.
Há que considerar, antes de mais, o seguinte.
O arguido e recorrente baseia as suas alegações numa versão do artigo 152.º, n.º 1, b), do Código Penal que não é a atual. Na versão por ele invocada não se faz referência à relação de namoro no elenco de situações em que pode verificar-se a prática do crime de violência doméstica. Na versão dada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro, atualmente vigente, já não é assim. A redação desse n.º 1, b), inclui agora «a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação».
Por isso, não se exige que o relacionamento entre arguido e ofendida tenha sido análogo ao dos cônjuges para que estejamos perante a prática de um crime de violência doméstica. Basta que se verifique uma relação de namoro. E não relevam considerações doutrinais ou jurisprudenciais (como as citadas pelo arguido e recorrente) que se baseiam na versão do Código Penal anterior à da Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro.
É certo que o conceito de “namoro” contém (atualmente, ainda mais) alguma imprecisão. Na interpretação deste conceito para este efeito, de definição do tipo de crime de violência doméstica, será de ter em consideração a ratio dessa incriminação e, por isso, o relacionamento em causa há de corresponder, de acordo com a opinião de André Lamas Leite citada na motivação do recurso, a uma proximidade existencial efetiva a que é inerente uma relação de confiança geradora de uma expetativa de um vínculo de acrescido dever de respeito e de abstenção de condutas lesivas da integridade pessoal do parceiro.
Mas isso mesmo se verifica no caso em apreço. Como se refere na fundamentação da sentença recorrida acima transcrita a respeito do relacionamento entre o arguido e a ofendida, «se é certo que nenhum deles assumiu, verdadeiramente, uma relação de namoro, com princípio e fim, a verdade é que ambos relataram que se relacionaram amorosamente durante o ano de 2023 (nutrindo sentimentos de amor um pelo outro, relacionando-se sexualmente, apoiando-se, fazendo refeições juntos, entreajudando-se, nomeadamente no café e nas compras) e das mensagens trocadas entre ambos- e constantes a fls. 113 e ss.- resulta também esse mesmo relacionamento». A circunstância de esse relacionamento ter durado escassos três meses não invalida tal conclusão. De resto, o facto de o arguido desde o início ter procurado, por ciúmes, controlar a atividade da ofendida e ter procurado insistentemente evitar a rutura por ela pretendida, revelam claramente que não se tratou de um relacionamento superficial.
Também não é relevante que, como alega o arguido, esse relacionamento tenha sido marcado por discussões, com agressões verbais mútuas, denotando um afrouxamento, por ambos, dos especiais vínculos de afeto, respeito e união. É isso mesmo que se verifica habitualmente nos contextos (de casamento, união marital ou namoro) de prática de violência doméstica, sem que isso, obviamente, deixe de justificar a incriminação a esse título.
Quanto à alegação de que a conduta do arguido não afetou a dignidade da ofendida, nem a sua saúde física ou psíquica (e, por isso, configurará apenas a prática de crimes de injúria e ofensa à integridade física), há que considerar o seguinte.
Há que identificar um traço distintivo entre o crime de violência doméstica e os crimes de ofensas à integridade física, injúrias, ameaças, coação ou outros, praticados contra as potenciais vítimas desse crime.
Esse traço distintivo dependerá da perspetiva adotada a respeito do bem jurídico protegido através da incriminação em apreço. É à luz dessa perspetiva que deverá ser preenchido o conceito de “maus tratos” a que alude o citado artigo 152.º, n.º 1, do Código Penal.
De acordo com Plácido Conde Fernandes, esse bem jurídico é «a saúde enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, num bem jurídico complexo que abrange a tutela da sua saúde física, psíquica, emocional e moral». Para que uma conduta integre o crime em questão, exige-se «uma intensidade do desvalor, da acção e do resultado, que seja apta e bastante a molestar o bem jurídico protegido – mediante ofensa da saúde física, psíquica, emocional ou moral, de modo incompatível com a dignidade da pessoa humana» (in «Violência doméstica – novo quadro penal e processual penal», Revista do CEJ, n.º 8 (especial), 1º semestre de 2008, p. 304 a 308).
Para André Lamas Leite, «o fundamento último das acções abrangidas pelo tipo reconduz-se ao asseguramento das condições de livre desenvolvimento da personalidade de um indivíduo no âmbito de uma relação interpessoal próxima, de tipo familiar ou análogo» (in «A violência relacional íntima», Julgar, n.º 12 (especial), novembro de 2010, p. 49).
É de salientar que, como refere Nuno Brandão (in «A tutela penal especial da violência doméstica», Julgar, n.º 12 (especial), novembro de 2010, p. 17 e 18), estamos perante um crime de perigo abstrato, que traduz uma tutela antecipada do bem jurídico protegido. Não é, pois, necessário, para que se verifique o crime em questão, que se tenham produzido efetivos danos na saúde psíquica ou emocional da vítima; basta que se pratiquem atos em abstrato suscetíveis de provocar tais danos.
De acordo com a factualidade provada, que não foi impugnada, a conduta do arguido levou a que a ofendida tema pela sua vida e integridade física; tenha receio de andar sozinha na rua ou ir às compras, de ficar no café ou em casa sozinha; tenha deixado de levar/buscar, sozinha, a filha à estação de comboios como o fazia todas as semanas; tenha passado a ser acompanhada em consultas de psiquiatria no Hospital 1... e a tomar medicação para controlar a ansiedade e a depressão de que padece; que se sinta humilhada, vexada, intimidade e atemorizada; e que tenha passado a ser uma pessoa triste, introvertida e se tenha sentido diminuída enquanto mulher, sem qualquer gosto por si e vontade de estar ou de se relacionar com outras pessoas.
Estes factos são suficientes para concluir que a conduta do arguido afetou a saúde psíquica, emocional e moral da ofendida, de modo incompatível com a dignidade deste como pessoa.
Estamos, pois, muito para além da simples “briga de namorados” a que se refere o arguido e recorrente.
Não suscita, pois, qualquer dúvida que a factualidade provada integra a prática, pelo arguido, do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, b), e n.º 2, do Código Penal.
A sentença recorrida não merece, pois, reparo quanto a este aspeto.
Deverá ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto.

IV 2. -
Vem o arguido e recorrente alegar que a pena de três anos de prisão em que foi condenado deverá, face aos critérios legais, ser reduzida e suspensa na sua execução. Invoca a sua boa inserção social e profissional, o facto de ser doente cardíaco e o facto de não ter antecedentes criminais pela prática de crimes de violência doméstica.
Vejamos.
O arguido e recorrente foi condenado, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, b), e n.º 2, do Código Penal, na pena de três anos de prisão.
Tal crime é punível com pena de prisão de dois a cinco anos.
Na determinação da medida concreta da pena dentro dessa moldura, há que considerar as seguintes disposições do Código Penal.
De acordo com o artigo 40.º, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (n.º 1), sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).
Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, nessa determinação o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (alínea a)); a intensidade do dolo ou da negligência (alínea b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (alínea c)); as condições pessoais do agente e a sua situação económica (alínea d)); a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (alínea e)); a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
A esta luz, e considerando sobretudo os factos acima referidos quanto aos danos provocados na ofendida pela conduta do arguido, e também os antecedentes criminais deste, não se afigura que a pena de três anos de prisão (não muito afastada do mínimo legal), em que ele foi condenado, seja excessiva.
Quanto à suspensão da execução dessa pena, há que considerar o seguinte.
Nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, o tribunal suspende a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Preside ao instituto da suspensão da execução da pena de prisão um propósito de favorecimento de penas mais adequadas à prevenção especial positiva (reinserção social, ou não desinserção social do agente) do que a pena de prisão efetiva. É seu pressuposto uma prognose social favorável ao arguido, isto é, a prognose de que a censura do facto e a ameaça de eventual cumprimento da pena de prisão sejam suficientes para o afastar da criminalidade.
Mas não é só essa perspetiva da prevenção especial que deve ser tida em conta. É também pressuposto da suspensão da execução da pena de prisão que esta satisfaça outros fins da pena (artigo 50.º, n.º 1, in fine, do Código Penal). De acordo com o artigo 40.º, n.º 1, do mesmo Código, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. A “proteção dos bens jurídicos” corresponde, fundamentalmente, à prevenção geral positiva, isto é, ao reforço da confiança comunitária na validade da ordem jurídica e na proteção que esta assegura aos bens que estruturam a vida social. Diante da violação da ordem jurídica e da agressão a esses valores, a consciência jurídica comunitária poderá ficar abalada se o sistema jurídico-penal não reagir, fechar os olhos a tal violação, ficando comprometida a referida confiança. A pena exerce, assim, uma função pedagógica de interpelação social que veicula uma mensagem cultural de chamada de atenção para a relevância de valores e bens jurídicos e, nessa medida, traduz-se numa forma de proteção desses bens jurídicos e da ordem jurídica em geral.
Poder-se-á considerar que os antecedentes criminais do arguido (cumpriu pena de prisão e foi colocado em liberdade em 12 de dezembro de 2021) obstam à formulação do juízo de prognose favorável que é pressuposto da suspensão da execução da pena. No entanto, esses antecedentes criminais são relativos, sobretudo, a condenações (numerosas, é certo) relativas a crimes de condução em estado de embriaguez ou desobediência e nenhuma delas ao crime de violência doméstica por que ele foi agora condenado.
Para além disso, há que considerar o seguinte.
A conduta do arguido prolongou-se durante o tempo relativamente curto que durou o relacionamento entre ele e a ofendida e só numa ocasião se traduziu em violência física. Nalguma medida essa conduta se relaciona com o alcoolismo de que padece, o que não justifica a sua conduta, mas significa que a libertação dessa dependência, mais do que o cumprimento de uma pena de prisão, é o modo mais eficaz de o afastar da prática de crimes no futuro. É certo que incumpriu (também quando em estado de embriaguez) a medida de coação de proibição de contactos com a vítima a que estava sujeito em dezembro de 2023, mas não há notícia de que isso se tenha repetido desde então.
Afigura-se-nos, assim, que, como sugere o Ministério Público junto desta instância, a suspensão da execução da pena em que o arguido foi condenado, com regime de prova (que contemple a problemática aditiva de que ele padece) e sujeição à proibição de contactos com a ofendida por qualquer meio e afastamento da sua residência e local de trabalho (nos termos dos artigos 50.º, n.º 2, 53.º e 54.º do Código Penal e 34.º-B da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro) será a mais adequada para satisfazer as exigências de prevenção especial e geral que reclama a situação em apreço.
Nessa medida, deverá ser dado provimento parcial ao recurso.

Não há lugar a custas (artigo 513.º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal).

V –
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento parcial ao recurso e suspender a execução da pena de três (3) anos de prisão em que o arguido e recorrente foi condenado, por igual período, mediante regime de prova (que contemple a problemática aditiva de que ele padece) e sujeição à proibição de contactos com a ofendida por qualquer meio e afastamento da sua residência e local de trabalho, e mantendo, no restante, a douta sentença recorrida.

Notifique

Porto, 4 de dezembro de 2024
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Maria Ângela Reguengo da Luz
Maria Luísa Arantes