Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0222716
Nº Convencional: JTRP00035465
Relator: CÂNDIDO DE LEMOS
Descritores: EXECUÇÃO
VENDA JUDICIAL
PREFERÊNCIA
Nº do Documento: RP200301280222716
Data do Acordão: 01/28/2003
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Tribunal Recorrido: 6 J CIV MATOSINHOS
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC.
Legislação Nacional: CPC95 ART892 N2.
Sumário: A falta de notificação dos preferentes na venda judicial, devidamente identificados, constitui omissão de formalidade e de acto prescrito na lei, o que é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, uma vez que se pretende que seja definido na execução tudo o que diga respeito à possível preferência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

No -.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de....., Agostinho....., casado, residente em....., da comarca, moveu acção executiva com processo ordinário para pagamento de quantia certa contra Maria....., casada, residente em....., ......
Foi requerida, ordenada e efectuada penhora de imóveis, devidamente registada. Entre eles, o rústico 4117 e urbano 1542, sitos em....., descritos na Conservatória de Registro Predial sob o n.º 00733/090889.
Juntas as certidões de encargos, verifica-se a existência de inscrição de aquisição do direito de superfície e de direito de preferência com eficácia real a favor de C......, S. A.
Oficiosamente o Tribunal ordena a notificação desta e de outros para reclamação dos seus créditos.
Logo a 2 de Novembro de 2000 aquela vem esclarecer o Tribunal dos seus direitos, chamando a atenção essencialmente para o seu direito de preferência com eficácia real.
Do que se consegue ler do despacho de fls. 152, o Tribunal acolheu as indicações apresentadas e ordenou a correcção do termo de penhora.
Segue-se deprecada para venda dos imóveis, ou melhor, do imóvel aqui em causa.
Procedeu-se à venda por propostas em carta fechada, que foram abertas em 30 de Abril de 2002, sendo o imóvel adjudicado ao exequente.
Este apressou-se a entrar em contacto com a C.....SA, logo em 3/5/02, a informar da aquisição, como se constata de fls. 187 dos autos.
Logo esta apresenta requerimento (tanto no tribunal deprecado como no deprecante) a invocar a nulidade da venda por nada lhe haver sido comunicado, apesar do seu direito de preferência.
É então proferido pelo Tribunal deprecado o despacho de fls. 246 dos autos que indefere a arguição de nulidade, ordenando o prosseguimento dos autos.
Inconformada, apresenta a C....., SA este recurso de agravo e nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
1.ª- A ora agravante, após citação para, na qualidade de credora inscrita, reclamar os seus direito no âmbito da execução que corre termos sob o n.º ../.., no -.º Juízo de....., apresentou requerimento em que refere ser titular do direito de superfície sobre o prédio penhorado, bem como do direito de preferência com eficácia real na venda ou dação em pagamento da propriedade do solo do mesmo prédio pelo prazo de 15 anos, contados desde 23 de Abril de 1998.
2.ª- Esses direitos da ora agravante encontram-se registados, com eficácia real, a favor da ora agravante, na Conservatória de Registo Predial de..... pelas inscrições, respectivamente, F1 e F2, Ap. 14/030498 e 15/030498, à referida descrição predial.
3.ª- A ora agravante, na qualidade de titular de direito de preferência na alienação da propriedade do solo ou nua propriedade do identificado prédio, devia, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 892.º do CPC, ter sido notificada do dia, hora e local aprazado para a abertura das propostas, de modo a então poder exercer o seu direito no próprio acto, se alguma proposta fosse aceite.
4.ª- Todavia essa notificação não lhe foi efectuada.
5.ª- O que consubstancia nulidade insuprível (art. 201.º n.º1 do CPC).
6.ª- Aliás é esse o entendimento da nossa Jurisprudência- Ac. do STJ de 28/5/96 in BMJ, 457.º- 302 e CJSTJ, Ano III, T2, 100.
Pugna pela revogação do despacho posto em crise e sua substituição por outro que dê sem efeito a venda judicial realizada no passado dia 30 de Abril de 2002 e a adjudicação do prédio penhorado ao exequente.
Não houve contra-alegações.
O despacho foi tabelarmente mantido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Os factos a ter em consideração são os que resultam do antecedente relatório, sendo que as partes estão de acordo sobre os mesmos, não havendo razão para alterá-los, tudo de acordo com o disposto no n.º 6 do art. 713.º do CPC.
Temos assim, em síntese:
- a agravante C..... SA é titular inscrita de direito real de preferência com eficácia real na venda ou dação em pagamento do solo de imóvel;
- procedeu-se à venda judicial do imóvel sem lhe ter sido dado qualquer conhecimento ou feita qualquer comunicação.
- no decurso do processo e anteriormente já a agravante havia chamado a atenção ao Tribunal do seu direito de preferência.
Cumpre agora conhecer do objecto do recurso, delimitado como está pelas conclusões das respectivas alegações (arts. 684.º n.º3 e 690.ºn.º1 do CPC).
A questão única é a das consequências da violação do n.º1 do art. 892.º do CPC, isto é, da inobservância de notificação pelo Tribunal dos titulares do direito de preferência na venda judicial.
A solução não tem sido uniforme.
Há quem entenda que a sanção única é a que consta do n.º2 do mesmo artigo: “a falta de notificação tem a mesma consequência que a falta de notificação ou aviso prévio na venda particular”. Neste caso, o direito de preferência subsiste, podendo ser exercido em acção autónoma própria- Alberto dos Reis in Processo de Execução, II, 344 e Amâncio Ferreira in Curso de Processo de Execução, 237.
Para outros, para além desta possibilidade, a omissão dessa notificação pode ter ainda repercussão a nível do próprio processo executivo, constituindo nulidade processual, por força do n.º1 do art. 201.º do CPC- Ac. da RP de 16/12/91 no processo 9140662 (Base da DGSI) e Ac. do STJ de 28/5/1996 in BMJ, 457.º-302 (igualmente contido na CJSTJ e Base de Dados).
Com o devido respeito, é esta última (Cons. Martins da Costa) a posição que entendemos como mais acertada.
A falta de notificação dos preferentes, devidamente identificados, constitui omissão de formalidade e de acto prescrito na lei, o que é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa, uma vez que se pretende que seja definido na execução tudo o que diga respeito à possível preferência. Trata-se de nulidade prevista no art. 201.º do CPC.
Foi esta a nulidade invocada pelo próprio interessado.
Como no último Acórdão se refere: “a falta de notificação dos titulares de direito de preferência na execução, tem a consequência de subsistência desse direito, mas isso não exclui a configuração de nulidade processual decorrente dessa falta...”
Assim, a possibilidade aberta com o n.º2 do art. 892.º do CPC, ou melhor, o esclarecimento de que a falta de notificação na venda equivale à sua falta na venda particular, remetendo as partes para novo processo judicial, não invalida a possibilidade de alegação de nulidade já no processo executivo, tudo ficando neste decidido.
Com efeito esta parece ser a solução mais ajustada. A omissão da notificação é imputada ao Tribunal. Para mais, no caso dos autos, a incúria é grave, pois que até o interessado já havia posto o Tribunal de sobreaviso.
Não seria correcto fazer impender sobre os interessados todo o ónus de um erro do Tribunal.
Todo o tratamento especial dos preferentes na venda judicial tem em vista uma solução rápida e transparente da questão.
Mal andou, pois, o Tribunal ao não reconhecer o seu lapso e não lhe ter dado uma solução rápida e conforme à lei.
Ao omitir a notificação da C....., SA, de acordo com o disposto no n.º1 do art. 892.º do CPC, o Tribunal cometeu uma nulidade prevista no n.º1 do art. 201.º do mesmo diploma, devidamente alegada (n.º 1 do art. 203).
Como tal, será nula a venda judicial dos autos e todos os actos posteriores.
DECISÃO:
Nestes termos se decide dar provimento ao presente agravo, revogando-se o despacho posto em crise, que será substituía por outro que reconheça a nulidade cometida, declarando nula a venda judicial e actos subsequentes, ordenando a sua repetição, agora com o cumprimento de todas as formalidades legais.
Sem custas- alínea o) do art. 2.º do CCJ.
PORTO, 28 de Janeiro de 2003
Cândido Pelágio castro de Lemos
Durval dos Anjos Morais
Armindo Costa (Vencido, por entender que a falta de notificação tem a mesma consequência que na venda particular (art. 892º nº2 CPC). Assim, a falta de notificação do preferente na venda judicial “não induz em nulidade processual, mas o preferente não notificado poderá porque a competente acção de preferência”, como observa Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª Ed. pg. 585.
Teria, por isso, negado provimento ao agravo.)