Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00037798 | ||
Relator: | CAIMOTO JÁCOME | ||
Descritores: | ACÇÃO PEDIDO ADMISSIBILIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP200503070550572 | ||
Data do Acordão: | 03/07/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Numa acção em que os AA., na qualidade de sócios de uma sociedade por quotas, demandam os seus gerentes pedindo que sejam condenados pela alegada prática de factos ilícitos, no exercício de tais funções - artº 77 do CSC - os RR. podem, em sede reconvencional, formular pedido indemnizatório por danos patrimoniais e não patrimoniais, alegando factos que, imputam aos AA., alegadamente causadores de ofensa ao seu bom nome e consideração. II - Há conexão entre o pedido formulado pelos AA. e pelos RR., a justificar a reconvenção já que o pedido dos Réus emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa - artº 274, n.2 al. a) do Código de Processo Civil. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: 1-RELATÓRIO B.........., C.........., e D.........., com os sinais dos autos, na qualidade de sócios da sociedade com a firma E.........., Lda., intentaram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra F.......... e G.........., com os sinais dos autos, sócios-gerentes da referida sociedade, pedindo a condenação solidária dos Réus a pagarem à sociedade E.........., Lda., uma quantia não inferior a € 5.135.919,43 "acrescida dos valores que vierem a ser definidos ao longo do presente processo nos termos sobreditos e, eventualmente, em execução de sentença", nos termos que constam a fls. 2 e segs.. Requereram, ainda, o chamamento à acção da sociedade E.........., Lda., nos termos do n.º 4 do arte 77°, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), por intermédio dos seus representantes. Alegaram factos eventualmente integradores da responsabilidade civil dos demandados enquanto gerentes da mencionada sociedade (artº 77º, do CSC). Os RR. contestaram e deduziram reconvenção. Em reconvenção, peticionaram a condenação dos autores/reconvindos a pagarem-lhes a quantia de € 513.591,94, por alegados danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes dos factos vertidos nos nºs 375º a 380º da sua contestação/reconvenção: - A actuação dos recorridos atrás descrita (contestação), baseada em mentiras e injúrias arrastou o nome, a consideração e o sossego dos recorrentes para uma situação insustentável; - Os recorrentes viram-se obrigados a renunciar à gerência da referida sociedade e envolvidos em processos judiciais sem conta, criminalmente denunciados e socialmente apontados, que há sempre quem se aproveite, como delapidadores de bens da empresa; - Vivem num desassossego contínuo, à espera da próxima invenção dos recorridos, sempre receosos das repercussões sociais da inevitável propagação dos factos; - Vêem-se continuamente obrigados a dar explicações às instituições financeiras, aos fornecedores e às demais entidades com que se relacionam, que, nem que seja por mera cautela, querem inteirar-se do que acontece; - Têm dispendido muito dinheiro em processos judiciais e com todas as despesas a ele inerentes, e estão perturbados e revoltados, o que lhes afecta a sua capacidade para o trabalho, com forte reflexo na sua própria capacidade produtiva. Houve réplica dos demandantes. * Por despacho de fls. 568-569, o julgador a quo proferiu despacho a declarar inadmissível a reconvenção apresentada. ** Inconformados, os réus/reconvintes agravaram daquela decisão, tendo, nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:1ª - A reconvenção deduzida pelos recorrentes é admissível por se nos casos elencados nas alienas a) e c) do n° 2 do artº 274°, n° 2 do Código de Processo Civil; 2ª - O pedido reconvencional funda-se na mesma causa de pedir que o pedido dos recorridos; 3ª - O pedido dos recorridos baseia-se nos alegados comportamentos dos recorrentes enquanto gerentes da sociedade R. geradores de responsabilidade civil e o pedido reconvencional baseia-se nos factos alegados pelos recorrentes em sua defesa que representam a versão contrária dos factos que servem de causa de pedir à acção; 4ª - O pedido reconvencional tende ao mesmo efeito jurídico a que tende o pedido deduzido pelos recorridos; 5ª - Existe identidade entre a causa de pedir que serve de fundamento ao pedido principal e a que serve de fundamento à reconvenção; 6ª - A apreciação de um e outro pedido depende da apreciação dos mesmos factos; 7ª - O pedido reconvencional emerge dos factos alegados pelos recorrentes na sua defesa; 8ª - Os factos alegados pelos recorrentes na contestação destinam-se a infirmarem as falsidades e as acusações que os recorridos lhes lançam na p.i.; 9ª - Os factos alegados pelos recorrentes na contestação demonstram qual a verdadeira motivação dos recorridos; 10ª - Os factos alegados pelos recorrentes na contestação permitem demonstrar que as realidades descritas pelos recorridos, em algumas não existem e outras têm outros contornos e motivações, nomeadamente a questão das vendas por fora e do destino que foi dado pelos recorrentes ao respectivo produto; 11ª - É nos factos alegados na contestação, que representam a versão contrária dos factos que servem de causa de pedir à acção, que os recorrentes sustentam o seu pedido reconvencional; 12ª - Os factos alegados pelos recorrentes em sua defesa, contrariam aqueles que vêm e descritos na p.i.; 13ª - Os factos alegados pelos recorrentes em sua defesa demonstram que os recorridos provocaram danos aos recorrentes que, por isso, têm direito a serem compensados pelos recorridos; 14ª - Estão verificados os pressupostos da admissibilidade da reconvenção; 15ª - A douta decisão recorrida violou o disposto nos arts. 274°, alíneas a) e c) e 510°, alínea b) do CPC. Não houve resposta às alegações. *** O julgador a quo sustentou a decisão recorrida. *** Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2- FUNDAMENTAÇÃO 2.1- OS FACTOS E O DIREITO APLICÁVEL Os factos a considerar são os que se deixaram referidos. * O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 690º, nº 1 e 3, do C.P.Civil.Poder-se-á afirmar a existência de um entendimento generalizado entre os processualistas no sentido de que a reconvenção configura um pedido substancial e autónomo, uma espécie de contra-acção do réu contra o autor (Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 147, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, p. 313-314, Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, p. e segs. 241, e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, I, p. 172). Enquanto acção, a reconvenção identifica-se através do pedido e da causa de pedir, pressupondo a verificação de requisitos substantivos e processuais. A lei processual condiciona (requisito substantivo) a admissibilidade da reconvenção, restringindo-a às situações ou casos definidos nas alíneas do nº 2, do artº 274º, do CPC. Quer dizer, os requisitos substantivos da reconvenção são requisitos de conexão do pedido reconvencional com o pedido do autor, vindo enumerados, alternativamente, no referido normativo. Entendeu o julgador da 1ª instância que a reconvenção deduzida pelos demandados é inadmissível por não se enquadrar em nenhum dos casos elencados no artº 274°, n.º 2, do CPC, sendo manifesto que não se verifica, no caso, nenhum dos factores de conexão entre o objecto da acção e o da reconvenção. Como vimos, os autores intentaram a presente acção com base no estatuído no artº 77º, do CSC, que prevê a acção social (responsabilidade civil dos titulares dos órgãos das sociedades comerciais – artº 79º, do CSC) “ut singuli”, que é uma acção social subsidiária, a utilizar pelos sócios que representem, pelo menos, 5% do capital quando a sociedade não tome a iniciativa (acção social “ut universi”) de efectivar a responsabilidade dos administradores, gerentes ou directores. A acção social “ut singuli” corresponde à responsabilidade perante a sociedade, porquanto esta é a titular do crédito ressarcitório e os sócios são substitutos processuais. No nº 4, do citado normativo (artº 77º, do CSC), estabelece-se que quando a acção social de responsabilidade (de gerentes, administradores ou directores) for proposta por um ou vários sócios nos termos dos números anteriores, deve a sociedade ser chamada à causa por intermédio dos seus representantes. O que se compreende, pois que neste tipo de acção relevam, essencialmente, os interesses da sociedade lesada e apenas indirectamente os dos respectivos sócios. Por isso, os sócios demandantes pedem a condenação dos gerentes no pagamento de uma indemnização à sociedade E.........., Lda. Os agravantes baseiam a admissibilidade do pedido reconvencional no estatuído nas al. a) e c), do nº 2, do artº 274º, do CPC, onde se estabelece que a reconvenção é possível "quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa" ou “quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter”. Entendemos, desde logo, não ser possível enquadrar o pedido reconvencional no estatuído na referida al. c), pois que aquele pedido não tende ao mesmo efeito jurídico a que tende o pedido deduzido pelos autores, a saber, o de indemnização da sociedade E.........., Lda. Vejamos, de seguida, se tem fundamento o pedido reconvencional com base no disposto na al. a) do nº 2, do artº 274º, do CPC. Exige-se na primeira parte daquele segmento normativo que o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir em que se baseia o pedido da acção, existindo, com base no mesmo facto, dois pedidos de sentido contrário que, por isso, se cruzam. Do preceituado na segunda parte da referida alínea decorre ser necessário que o réu invoque, como meio de defesa (directa ou indirecta), qualquer acto ou facto jurídico (causa de pedir) que se representa no pedido do autor. A reconvenção é possível quando o pedido formulado pelo réu não é mera consequência necessária da sua defesa, ou seja, quando o pedido fundado na defesa é um pedido substancial e não um pedido meramente formal, um pedido que nada acrescenta à matéria alegada como defesa (por excepção) - Ac. STJ, de 29/04/86, BMJ, 356º, 307. No entender de J. Rodrigues Bastos (Notas ao CPC, II, p. 27), é necessário que o facto invocado, a verificar-se, produza efeito útil defensivo, ou seja, tenha a virtualidade para reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor. Reportando-nos, agora, ao caso em apreço, entende-se que os pedidos de indemnização formulados na acção e na reconvenção têm como fundamento factos conexos, eventualmente geradores de responsabilidade civil. No caso em apreço, os factos alegados pelos reconvintes não têm a virtualidade, uma vez provados, de reduzirem, modificarem ou extinguirem o pedido formulado pelos autores. Quer dizer, os factos alegados pelos reconvintes não se enquadram, estritamente, na causa de pedir da acção. Porém, pensamos que o pedido dos réus emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa, no sentido de que resulta de factos com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial (J. Lebre de Freitas, J. Redinha e R. Pinto, CPC Anotado, I, p. 488). Em consequência do alegado na contestação/reconvenção, os reconvintes formulam um pedido que transcende a simples improcedência da pretensão dos autores, pese embora em conexão com o facto jurídico que serve de fundamento à acção. A nosso ver, existe suficiente conexão entre os factos invocados na acção e na reconvenção (impugnação indirecta), de tal sorte que temos como verificada aquela ligação (requisito substantivo) exigida na lei processual (al. a), do nº 2, do artº 274º, do CPC). A reconvenção devia ter sido admitida com base no disposto no aludido segmento normativo. Procedem, assim, na medida do exposto, as conclusões deste recurso de agravo. 3- DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em dar provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra a admitir a reconvenção, seguindo-se a tramitação prevista na lei processual civil. Sem custas (artº 2º, nº 1, al. o), do CCJ). Porto, 7 de Março de 2005 Manuel José Caimoto Jácome Carlos Alberto Macedo Domingues Orlando dos Santos Nascimento |