Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | CLÁUDIA RODRIGUES | ||
Descritores: | CONTRAORDENAÇÕES RECURSO REGIME LEGAL RESTRIÇÃO TRIBUNAL DE REVISTA PODERES | ||
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Nº do Documento: | RP202411132004/23.4T8VFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/13/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA SOCIEDADE ARGUIDA | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Nos processos de contraordenação, em caso de recurso, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, funcionando como tribunal de revista, perante os factos que foram apurados em primeira instância, o que quer dizer que a factualidade apurada e dada como assente na sentença proferida em primeira instância tem de considerar-se fixada, salvo se do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resultar a ocorrência de algum dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, ou a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, nº 2 e 410º, nº 3, ambos do Código de Processo Penal. II – Isto sem prejuízo de alteração da decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida ou de anulação e devolução do processo ao mesmo tribunal. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 2004/23.6T8VFR.P1 Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: * I. RELATÓRIONo Recurso de Contraordenação nº 2004/23.6T8VFR do Juízo de Local Criminal de Santa Maria da Feira (Juiz 3) do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, a arguida A..., SA, veio interpor recurso da decisão administrativa proferida pela Inspeção-geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (doravante referida como IGAMAOT), que lhe aplicou a coima única de € 40.000,00 (quarenta mil euros), pela prática de: a) uma contraordenação ambiental muito grave, pelo incumprimento das obrigações impostas pelo respectivo título, prevista e punida pela alínea c) do n.º3 do art. 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio; b) uma contraordenação ambiental grave, pelo incumprimento do dever de comunicar qualquer alteração da instalação, nos termos do art. 19.º, prevista e punida pela alínea b) do n.º 2 do art. 111.º do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto; c) uma contraordenação ambiental grave, pela construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais actividades constantes do anexo I com inobservância das condições fixadas na licença ambiental, prevista e punida pela alínea e) do n. º 2 do art. 111.º do Decreto-Lei n. º 127/2013, de 30 de Agosto. Recebido o recurso, procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, tendo o tribunal a quo, por sentença proferida 05.04.2024 (apenas inserido o texto da decisão na plataforma Citius no dia 06.04.20204) julgado parcialmente procedente o recurso interposto por A..., S.A. e, em consequência aplicado à arguida a coima única de € 20.000,00 (vinte mil euros) assim decidindo: “- absolver a recorrente A..., S.A. da prática da contraordenação ambiental muito grave, prevista pelo art. 81.º n.º 3 alínea c) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, e punida pelo art. 22.º n.º4 alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, que lhe vinha imputada; - manter a condenação da recorrente A..., S.A. pela prática da contraordenação ambiental grave, prevista pelos art. 19.º e 111.º n.º2 alínea b) do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto, e punida pelo art. 22.º n.º3 alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na coima parcelar no valor de 12.000,00€ (doze mil euros); - manter a condenação da recorrente A..., S.A. pela prática da contraordenação ambiental grave, prevista pelo art. 111.º n.º2 alínea e) do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto, e punida pelo art. 22.º n.º3 alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na coima parcelar no valor de 12.000,00€ (doze mil euros)” * Não se conformando com essa decisão a arguida A..., S.A. interpôs recurso para este Tribunal da Relação, com os fundamentos sintetizados nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:“1- Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida nos presentes autos e que condenou a ora recorrente pela prática da contra-ordenação ambiental grave, prevista pelos artigos 19º e 111º, nº 2 alínea b) do Decreto-lei nº 127/2013 de 30 de agosto e punida pelo art. 22º, nº 3, alínea b) da Lei 50/2006 de 29 de Agosto, na coima parcelar no valor de 12.000,00€ e pela prática da contra-ordenação ambiental grave, prevista pelo artº 111º, nº 2 alínea e) do Decreto-lei nº 127/2013 de 30 de agosto e punida pelo art. 22º, nº 3, alínea b) da Lei 50/2006 de 29 de Agosto, na coima parcelar no valor de 12.000€ e, em cúmulo jurídico, condenou a ora recorrente na coima única que fixou no valor de 20.000,00€. 2- Salvo o devido respeito, entende a ora recorrente que a prova produzida no presente processo não permite dar como provados os factos 7. 9., 10. 11. e 13. Dos Factos Provados, nem como não provado o facto b) dos Factos Não Provados. 3- Quanto à contraordenação descrita na alínea b), se por um lado se dá como provado que as alterações introduzidas não foram previamente comunicadas à APA por via da Entidade Coordenadora do Licenciamento, por outro lado dá-se como provado que a sua instalação constituiu um sistema de carácter inovador complexo, que foi acompanhado pela APA e pela DRAPN – o mesmo é dizer que o facto dado como provado em 7. dos Factos Provados está em directa contradição com o facto dado como provado em 14. 4- Como, aliás, está dado como provado no ponto 17. dos factos Provados, a instalação efectuada pela ora recorrente, para além de representar um esforço financeiro por parte desta, teve e tem impactos muito positivos no ambiente, na medida em que diminuiu, como continua a diminuir, significativamente os impactos ambientais resultantes da laboração da ora recorrente 5- Ao contrário do que consta como Não Provado em b) na douta sentença proferida, não era possível à ora recorrente – e nem a nenhuma outra empresa colocada nas suas circunstâncias - solicitar uma alteração à licença ambiental, sem que solicitasse um pedido de alteração da exploração, que é um processo extremamente complexo e moroso, como se comprova pelo tempo que leva a sua instrução (já não falando do tempo de preparação do mesmo), à data, nunca menos de três anos (como consta das licenças solicitadas e emitidas ao longo dos anos e constantes dos autos), do qual a licença ambiental é apenas uma “peça”, uma pequena parte. 6- Como consta na fundamentação de direito da douta sentença proferida, para que se possa imputar uma conduta um agente a título de negligência – como é o caso dos autos – é necessário que este “tenha omitido um dever de cuidado, que se tivesse sido acatado, teria impedido a produção de um evento danoso em si previsível”. 7- No caso concreto dos autos, se o “dever de cuidado omitido” tivesse sido acatado, estaria o ambiente muito mais tempo (seguramente mais de três anos) a ser agredido/poluído com emissões que, embora dentro dos VLE, podiam ser evitados, como são actualmente e desde que tal instalação começou a laborar correctamente -o mesmo é dizer que a omissão do “dever de cuidado”, no caso concreto, é que impediu a produção de um evento danoso em si previsível e não o contrário 8- É preciso não esquecer que estamos a tratar de contraordenações ambientais, em que o que está em causa deve ser a protecção do meio ambiente e não a protecção da burocracia, prisma pelo qual a actuação da ora recorrente não pode, de todo, classificar-se como “negligente” mas sim, pelo contrário, de extremamente diligente, porquanto não mediu esforços – como aliás, é seu apanágio – para resolver um problema ambiental muito prejudicial à saúde pública e ao meio ambiente, o que logrou fazer. 9- Voltando ao caso concreto dos autos e pegando nas doutas palavras da sentença proferida, nenhum “evento danoso” foi produzido, porquanto a instalação efectuada pela ora recorrente foi acompanhada pelas entidades competentes, melhorou consideravelmente a eficiência ambiental do estabelecimento, diminuindo substancialmente os impactos ambientais resultantes da laboração da ora recorrente, sendo certo que tal instalação (tais equipamentos) veio a ser totalmente autorizada e licenciada na Licença Industrial e Ambiental seguinte, sem quaisquer reparos. 10- O mesmo é dizer que foi a ora recorrente condenada “apenas” por não ter cumprido a parte burocrática, porquanto, na prática, nenhum dano causou ao ambiente – muito pelo contrário. 11- No que respeita à contra-ordenação apreciada na alínea c), não obstante existirem valores divergentes dos legalmente permitidos, é preciso não esquecer que parte deles se encontrava dentro do período experimental, onde não existiam, consequentemente, tais obrigações, sendo que, tendo a licença sido emitida ainda antes de esgotado tal prazo, a verdade é a que nada podia a ora recorrente fazer, a não ser o que fez – comunicar à APA, findo o período experimental, os resultados e encontrar uma solução para tais emissões, sendo certo que não era possível para o equipamento, sob pena de não ser possível calibrá-lo. 12- Por outro lado, não efectuou as comunicações das divergências no prazo de 48h00, porquanto estava convencida de que tal não configurava infracção, como consta da douta fundamentação de facto da douta sentença proferida. 13- O mesmo é dizer que laborou em erro, erro esse que não lhe pode ser censurável, porquanto se tratava de um equipamento inovador e único, sujeito a período experimental, cujos relatórios de monitorização sempre foi comunicando à APA, tendo a licença sido emitida durante o período experimental, o que criou na ora recorrente a convicção de que a mesma não se aplicaria de imediato àquele equipamento - o que exclui a ilicitude do facto. 14- No que respeita aos resíduos, a ora recorrente mantém que tudo o que se encontrava nos contentores de resíduos urbanos, tal como visível nas fotografias, eram resíduos urbanos e, como tal, estavam correctamente seriados, uma vez que os “vidros” e “plásticos” referidos pelos senhores inspectores estavam de tal forma partidos e/ou sujos/contaminados, que não era possível fazer a sua valorização e, como tal, teriam sempre que ser considerados (como eram) resíduos urbanos, e colocados no respectivo contentor. 15- Quanto às cinzas, a ora recorrente mantém que no dia da inspecção a tampa do contentor havia sido levada para reparar, porquanto se tinha partido – ou seja, por força de um acidente, não previsto, não previsível e não querido, aquele concreto contentor não tinha tampa, que foi reparada e recolocada no dia seguinte. 16- Bem se vê que nenhum comportamento negligente pode ser apontado à ora recorrente, pelo que não devia a ora recorrente ter sido condenada pela prática das contra-ordenações que lhe estavam imputadas. 17- Mas mesmo que a ora recorrente pudesse ser sancionada pela prática de uma qualquer contra-ordenação – e não pode – foi demasiado gravosa a coima aplicada à ora recorrente. 18-. Com efeito, entendeu a entidade autuante e também a douta sentença proferida, aplicar à ora recorrente duas coimas de 12.000,00€ cada, pela prática das duas contra-ordenações graves que lhe eram imputadas, coimas esta que entendeu situar no mínimo legal. 19- Tal decisão foi tomada pela Entidade Autuante em Dezembro de 2022, quando passavam já mais de cinco anos e meio sobre a alegada prática das contra-ordenações que haviam sido imputada à ora recorrente, tendo sido mantida pelo douto tribunal a quo. 20- Não trataram, no entanto, nem a entidade autuante, nem o douto tribunal a quo, como podiam e deviam, de analisar e proceder à aplicação da pena especialmente atenuada, nos termos do artigo 23º-A do DL 50/2006 de 29/08, na sua redacção actual. 21- Sendo certo que, à data da tomada de decisão, quer da Entidade Administrativa, quer do douto Tribunal a quo, tinham já passado, como vimos, mais de cinco anos e meio sobre tal prática, tendo a ora recorrente um comportamento irrepreensível, traduzido na ausência de averbamento de contraordenações ambientais ao seu cadastro contraordenacional, impondo-se a aplicação especial da coima eventualmente a aplicar à ora recorrente. 21- O mesmo é dizer que deixou o douto tribunal a quo de se pronunciar sobre questão que devia apreciar. 22-É, pois, nula a decisão de que se recorre, nos termos do artigo 379º nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, aplicável ex vi dos artigos 2º da Lei 50/2006 de 29/08, na sua redacção actual e 41º do RGCO, nulidade essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos. 23- Ao decidir da forma expendida na douta sentença proferida, violou o douto tribunal a quo, entre outros, os artigos 19º e 111º, nº 2º, alíneas b) e e) do DL 127/2013 de 30/08, 9º, 12º, 23º-A e 23º-B da Lei 50/2006 de 29/08, 8º, 9º e 18º do DL 433/82 de 27/10, na sua redacção actual, 13º, 15º, 34º, 35º e 36º do Código Penal, 374º, nº 2 e 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal e os princípios contra- ordenacional, penal e constitucionalmente consagrados da legalidade, da tipicidade, do contraditório, da nulla poena sine culpa, da proporcionalidade e adequação e do nullum crimen sine culpa. Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser a ora recorrente absolvida das contra-ordenações por que foi condenada, ou ser declarada nula a douta sentença proferida, com todas as legais consequências. JUSTIÇA!” Por despacho proferido em 08.05.2024 foi o recurso regularmente admitido. O Ministério Público junto do tribunal a quo, nas suas alegações de resposta, pronunciou-se pela improcedência do recurso, e manutenção da decisão recorrida, a qual rematou com as seguintes conclusões: “I. A contradição insanável da fundamentação, ou entre esta e a decisão, supõe posições antagónicas e inconciliáveis entre si nos factos descritos ou entre essa descrição e a fundamentação; II. O ponto 7º da matéria de facto provada em nada colide com os pontos 14º e 17º da matéria de facto provada; não se tratam objetivamente de factos contraditórios, mas sim diferentes e, por isso, não se excluem entre si; III. Embora, alegando, sem indicar as concretas provas que entendia imporem uma decisão da matéria de facto provada e não provada diferente daquela considerada na sentença, a verdade é que a possibilidade (ou não) de ter sido efetuado um pedido de alteração da licença ambiental corresponde a uma questão de facto e não de direito; IV. O mesmo se diga relativamente à efetiva separação (ou não) dos resíduos nas instalações da sociedade recorrente; V. E o recurso da matéria de facto em processos de contraordenação não é legalmente admissível – cf. art.º 75º, n.º 1 do RGCOC; VI. O dever de comunicação às entidades competentes no prazo de 48 horas da alteração dos valores limites de emissão resultava expressamente da licença ambiental; VII. Por outro lado, após ser titular da licença ambiental a recorrente violou em dois momentos distintos os parâmetros dos valores limites de emissão previstos naquela licença; VIII. A atividade desenvolvida pela recorrente, perante as suas específicas características e necessidade de uma licença ambiental emitida e escrutinada por diversas entidades públicas, possui relevante carga ética, não sendo uma atividade axiologicamente neutra, pelo que a sociedade arguida, para além de conhecer a antijuridicidade formal da sua conduta, conhecia ainda a ilicitude material ou danosidade social dessa mesma sua conduta (sabia que agia, claramente, em desconformidade com os valores tutelados pela ordem jurídica), encontrando-se numa situação de prever o injusto do facto, como previu, não tendo, pois, atuado sem consciência da ilicitude (não tendo agido em erro sobre a ilicitude); IX. A arguida exerce uma atividade regulada por lei, pelo que tinha obrigação de conhecer e cumprir com o estava prescrito para o exercício da mesma na licença ambiental; não o tendo feito quando adotou as condutas contrárias ao prescrito na licença ambiental, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz; X. O facto de, na sua perspetiva, nenhum “evento danoso” ter sido produzido, ou seja, a ausência de dano ambiental, não exclui a ilicitude do facto, antes tem relevância na medida da coima, a qual se fixou no mínimo legal; XI. A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente; XII. A recorrente na impugnação judicial não requereu a atenuação especial da coima, sendo que tal matéria não era de conhecimento oficioso pelo Tribunal “a quo”, razão pela qual a sentença não padece de nulidade nos termos do disposto no art.º 379º, n.º 1, al. c) do C.P.P. Termos em que, deve o recurso interposto pela ora recorrente ser julgado improcedente e, em consequência, manter-se a decisão recorrida. V.ª(s) Ex.ª(s), porém, e como sempre farão, JUSTIÇA” Subiram os autos a este Tribunal da Relação do Porto, e o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a recorrente carece de razão, como bem se sustenta na resposta do Ministério Público, subscrita pelo Senhor Procurador da República junto do Tribunal recorrido, que acompanha na íntegra e sem necessidade de considerações acrescidas. Pelo exposto, o recurso interposto deve ser julgado improcedente e mantida, nos seus precisos termos, a decisão recorrida. Notificada do parecer, a recorrente mantém tudo quanto oportunamente alegou na sua motivação de recurso, que se dá aqui por inteiramente reproduzida, para todos os devidos e legais efeitos, devendo ser dado provimento ao recurso interposto pela ora respondente. Com efeito, não assiste qualquer razão aos doutos parecer e resposta apresentados pelo Ministério Público de ambas as instâncias, e termina como no recurso interposto. * Colhidos os vistos legais foi o processo à conferência.Cumpre, pois, apreciar e decidir. * II. FUNDAMENTAÇÃOÉ pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art. 412.º, n.º 1 e 417º, nº 3, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, salvo questões do conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do CPP – sendo certo que, em conformidade com o disposto no art. 75º, nº 1 do RGCO, nos recursos dos processos de contraordenação a 2ª instância apenas conhece de direito. Nessa decorrência, e olhando às sobreditas conclusões apresentadas na motivação do recurso retiram-se como questões a dilucidar: - impugnação dos factos provados 7. 9., 10. 11. e 13. e o facto b) dos Factos Não Provados e contradição entre o ponto 7. dos Factos Provados e o facto dado como provado em 14. - a (il)icitude da sua conduta. - a sentença padece de nulidade porque não se pronunciou sobre a possibilidade de haver lugar à atenuação especial da coima. * Importa antes de mais, conferir o teor da decisão recorrida (transcrição):“I. RELATÓRIO A recorrente A..., S.A. apresentou recurso de impugnação da decisão administrativa proferida pela Inspecção-geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (doravante referida como IGAMAOT), que a condenou no pagamento de uma coima única no valor de 40.000,00€ (quarenta mil euros) acrescida das custas do processo, pela prática de: a) uma contraordenação ambiental muito grave, pelo incumprimento das obrigações impostas pelo respectivo título, prevista e punida pela alínea c) do n.º3 do art. 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio; b) uma contraordenação ambiental grave, pelo incumprimento do dever de comunicar qualquer alteração da instalação, nos termos do art. 19.º, prevista e punida pela alínea b) do n.º 2 do art. 111.º do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto; c) uma contraordenação ambiental grave, pela construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais actividades constantes do anexo I com inobservância das condições fixadas na licença ambiental, prevista e punida pela alínea e) do n. º 2 do art. 111.º do Decreto-Lei n. º 127/2013, de 30 de Agosto. * A arguida impugnou judicialmente a decisão do IGAMAOT, apresentando, em súmula, a seguinte argumentação:- a violação dos valores limite de emissão da fonte FF1 (termodestrutor) imputado à arguida não resulta de qualquer comportamento negligente ou doloso que tenha contribuído para aqueles resultados mas de um procedimento de adopção de medidas preventivas adequadas ao combate à poluição mediante a utilização das melhores técnicas disponíveis que constituem uma das obrigações da arguida, enquanto operadora no âmbito do regime de prevenção e controlo integrados de poluição; - este processo foi acompanhado pelas entidades administrativas com competências de tutela ambiental (APA) e com competências de superintendência técnica sobre a actividade (DRAPN) numa relação aberta de diálogo, transparência e cooperação; - é falso que se tenha verificado qualquer violação dos VLE na fonte de emissão FF3, porquanto a avaliação e conclusão produzida pela IGAMAOT não teve em consideração a correcção do teor de oxigénio; - quanto ao não cumprimento da obrigação de comunicação/informação da violação dos VLE nas fontes em causa à Agência Portuguesa do Ambiente (APA), à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e à Direcção Regional de Agricultura e Pescas (DRAP) e tendo presente o que foi dito anteriormente, não existe qualquer infracção ambiental susceptível de ser imputada à arguida, pelo que a mesma não teria de efectuar essas comunicações; - quanto ao não cumprimento das condições de armazenamento das cinzas volantes do reactor de gaseificação, é falso que o local onde aqueles resíduos se encontravam armazenados não cumprissem as condições necessárias para aquele fim, visto que o local em causa está coberto e pavimentado; - relativamente ao não cumprimento do dever de triagem de resíduos, a arguida assegura a triagem e o correcto encaminhamento de resíduos e a operação de triagem de resíduos só se justifica enquanto condição necessária para a sua valorização, o que não se verificou no caso em apreço, na medida em que o vidro identificado nos autos correspondia a vidro estilhaçado com terra e que foi retirado por pá de retroescavadora com terra e lama, não se justificando o seu encaminhamento para um vidrão; - o incumprimento dos valores limite das normas de qualidade da água para consumo humano constantes da licença de utilização (captação) dos recursos hídricos não é imputável à arguida, nem ocorreu por violação de qualquer dever de cuidado desta, sendo que, tendo detectado desconformidades relativamente a alguns parâmetros de qualidade, cujas causas são externas e não dependem da vontade da arguida, comunicou a todas as entidades administrativas com competências de tutela ambiental e de saúde e absteve-se de destinar aquelas águas para o consumo humano, disponibilizando a todos os seus trabalhadores e colaboradores água engarrafada para beber, salvaguardando qualquer risco para a sua saúde; - a instalação de um termodestrutor regenerativo na unidade de categoria 3, já estava genericamente contemplada na alteração da licença ambiental e representa uma vantagem ambiental relativamente aos termodestrutores recuperativos, de serviço e reserva, identificados por FF1 e FF2, pelo que, sendo a concreta solução adoptada representa um benefício ambiental e um melhoramento da performance ambiental do estabelecimento da arguida, ao nível da prevenção e controlos integrados da poluição, não se compreende que esta "alteração" ao nível dos equipamentos inicialmente projectada fosse susceptível de censura por parte da administração, nomeadamente pelas entidades com competências de tutela ambiental; - quanto à remoção do termodestrutor FF2, a arguida comunicou em 21 de Março de 2015, a intenção de o abater substituindo por uma caldeira a singás e reiterou esta intenção em 29 de Abril de 2016, comunicações que não sofreram qualquer objecção por parte das entidades com competências de tutela ambiental. Terminou pugnando pela absolvição por não ter actuado com culpa. Arrolou testemunhas e juntou documentos. * Foi realizada a audiência de julgamento, com a observância de todas as formalidades legais, nada obstando à decisão de mérito.II. SANEAMENTO O tribunal é competente e a instância mantem-se válida e regular. Não existem outras questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do presente recurso. III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Factos provados Com relevância para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 15 de Fevereiro de 2017, pelas 17h30min, no âmbito de uma acção de fiscalização, uma equipa de inspectores da IGAMAOT deslocou-se ao estabelecimento A... SA, sito na Rua ..., ..., ... ... em Santa Maria da Feira, que se encontrava em funcionamento. 2. O estabelecimento pertence à arguida A... SA, com sede Rua ... (...), ... ... e tem 95 trabalhadores. 3. A arguida tem como actividade a transformação de subprodutos de origem animal de categoria 1 e 3 e gaseificação de resíduos, com capacidade produtiva instalada para 1214 ton/dia de subprodutos de categoria 1 e 3, detendo para o efeito a Licença Ambiental n.º …, de 05/12/2016 (documento a fls. 9 e ss. dos autos e que aqui se dá como reproduzido). 4. No que concerne à captação de água, a arguida dispõe de um furo AC1 que abastece de água a instalação que é utilizada nas lavagens, produção de vapor na caldeira acoplada ao termodestrutor recuperativo, lavador de gases, desgaseificadores, centrifugas de gordura e nas suas instalações sanitárias onde ocorre o consumo humano. 5. O furo AC1 dispõe de uma autorização de utilização de recursos hídricos para captação de água superficial/subterrânea n.º ..., de 21 de Janeiro de 2016, sem prazo de validade, emitida pela APA/ARH Norte (documento a fls. 46 e ss. dos autos e que aqui se dá como reproduzido). 6. A arguida disponibilizou os boletins de análise da água captada em 2016, das quais resulta que, na amostra recolhida em 20/10/2016, na torneira do WC, ao apresentar um valor de concentração em Ferro de 236 micrograma/litro, ultrapassando o valor limite de 200 micrograma/litro Manganês com 56 micrograma/litro, ultrapassando o valor limite de 50 micrograma/litro, e do pH com um valor de 6,3, violando o valor limite inferior de 6,5, conforme o último boletim analítico apresentado n.º ..., elaborado em 14/11/2016. 7. Após a emissão da licença ambiental referida em 3., a arguida procedeu à instalação de um novo termodestrutor regenerativo na unidade de categoria 3, o que constitui uma nova fonte fixa de emissão e procedeu à remoção da fonte FF2, o termodestrutor de reserva na unidade de categoria 1, consubstanciando estas modificações alterações significativas à LA e ao modo de funcionamento da instalação, em particular aos métodos de encaminhamento e tratamento dos gases com origem no seu processo industrial, não tendo sido tais alterações previamente comunicadas à APA por via da Entidade Coordenadora do Licenciamento. 8. No decorrer da acção de inspecção, a IGAMAOT apurou que na fonte FF1 (Termodestrutor), foram violados os valores limite de emissão fixados no quadro 10 do ponto 2.2.1.4 da LA para a média de 24 horas e média de 30 minutos: a. durante o mês de Dezembro de 2016, relativamente aos parâmetros: i. Partículas totais, registando um valor máximo de 7744,11 mg/Nm3 nos valores médios diários e de 21.557,6 mg/Nm3 nos valores médios de 30 minutos a 100%; ii. cloreto de hidrogénio, registando um valor máximo de 83,88 mg/Nm3 nos valores médios diários e de 101,58 mg/Nm3 nos valores médios de 30 minutos a 100%; iii. óxidos de azoto, registando um valor máximo de 1016,62 mg/Nm3 nos valores médios diários; iv. dióxido de enxofre, registando um valor máximo de 384,17 mg/Nm3 nos valores médios diários e de 398,77 mg/Nm3 nos valores médios de 30 minutos a 100%; b. durante o mês de Janeiro de 2017, relativamente aos parâmetros: i. fluoreto de hidrogénio, registando um valor máximo de 2,19 mg/Nm3 nos valores médios diários e de 29,78 mg/Nm3 nos valores médios 30 minutos a 100%; ii. monóxido de carbono, registando um valor máximo de 728,72 mg/Nm3 nos valores médios 30 minutos a 100% e 10 minutos a 95%; iii. carbono orgânico total, registando um valor máximo de 10,95 mg/Nm3 nos valores médios diários e de 72,89 mg/Nm3 nos valores médios 30 minutos a 100%. 9. A arguida não deu cumprimento ao estabelecido no ponto 4 da LA relativo a acidentes e emergências dos registos de emissões que não cumprem com os requisitos da LA, pois não informou no prazo de 48h a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e a Direcção Regional de Agricultura e Pescas (DRAP) enquanto entidade coordenadora do licenciamento, sobre a violação dos valores da monotorização em contínuo referidos em 8. 10. Aquando da acção de fiscalização referida em 1), a arguida não se encontrava a acondicionar em local coberto as cinzas volantes do reactor de gaseificação (LER -...), em violação das condições fixadas para o parque de resíduos PA4 no quadro 17 do ponto 2.3.1 da LA, sendo visível a acumulação de algumas destas cinzas no chão. 11. Aquando da acção de fiscalização referida em 1), no contentor de misturas de resíduos urbanos (LER ...) encontravam-se a ser depositados outros tipos de resíduos como vidro, gradados e contentores metálicos e plásticos, não estando assegurada a triagem adequada deste tipo de resíduos de acordo com o seu código LER específico, nos termos do ponto 2.3.1 da LA. 12. A arguida exerce conduta regulada por lei, pelo que tinha obrigação de conhecer e cumprir com o ali prescrito para o exercício da mesma. 13. Não o tendo feito, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz, não resultando dos autos elementos que retirem ilicitude aos factos ou censurabilidade à sua conduta. 14. O desenvolvimento de um sistema de incineração próprio e a sua instalação constituiu um processo técnico complexo que foi acompanhado pela Agência Portuguesa do Ambiente e Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Norte. 15. Tendo presente a complexidade do referido sistema e o carácter inovador do mesmo, a arguida obteve da APA uma autorização de funcionamento experimental, concedida pelo período de 3 meses, que se iniciou em 16 de Setembro de 2016. 16. Findo o período experimental a arguida reportou à APA em 30 de Janeiro, os resultados da monitorização obtida durante aquele período, informando esta entidade administrativa que o cumprimento dos valores limite de emissão, ao contrário das indicações iniciais, exigia a aquisição de um equipamento de fim de linha (STEG). 17. A instalação de incineração de resíduos, que integra o termodestrutor associado à fonte pontual FF1, representa um esforço financeiro da arguida na melhoria da eficiência ambiental do seu estabelecimento industrial, com impactos positivos no ambiente, na medida em que diminui substantivamente os impactos ambientais resultantes da laboração do mesmo. 18. À data dos factos, a arguida utilizava o furo referido em 5. face à inexistência de um sistema municipal de distribuição de água no local onde se encontra o seu estabelecimento industrial. 19. A arguida procede à monitorização da qualidade da água de acordo com um plano estabelecido anualmente, tendo efectuado, durante o ano de 2016, acções de controlo em 15 de Janeiro, 24 de Março, 29 de Abril, 11 de Maio, 23 de Junho, 8 de Setembro e 20 de Outubro. 20. Na sequência do controlo realizado em 27 de Março, a arguida detectou a existência de alguns parâmetros fora da especificação, nomeadamente Nitratos, turvação, PH e Manganês, situação que foi reportada a 5 de Abril de 2016, ao Delegado de Saúde de Santa Maria da Feira, à ARH do Norte e à APA. 21. Nestas comunicações, a arguida anunciou a repetição das análises para despistar uma eventual situação passageira e solicitou orientações sobre a forma de proceder à normalização daqueles valores, sobretudo relativamente aos nitratos. 22. No dia 27 de Abril de 2016, em nova carta dirigida às entidades supra identificadas, a arguida confirmou a data de repetição das análises e informou que já tinha abordado o fornecedor do doseador de cloro para estudar soluções para a correcção do pH e do Manganês. 23. Em 29 de Maio de 2016, em nova carta dirigida ao Delegado de Saúde, a arguida deu conta dos resultados da repetição das análises, dos contactos efectuados para fazer o tratamento dos parâmetros fora de especificação e anuncia a entrada em funcionamento da unidade de controlo de pH. 24. Em 30 de Agosto, novamente perante o Delegado de Saúde, a arguida deu conta dos resultados das análises do controlo de inspecção realizado em Junho, do contacto com a B... – ... sobre o abastecimento da água da rede (inexistente) e da adjudicação para a instalação de uma unidade de tratamento de água por osmose inversa. 25. Em 15 de Novembro de 2016, a arguida comunicou ao Delegado de Saúde e à APA, a conclusão do processo de aquisição e instalação da unidade de osmose inversa, dando conta que alguns parâmetros se encontravam fora de especificação mas que havia indicadores que apontavam para a conformidade, a curto prazo, dos resultados, o que veio a suceder. 26. A arguida passou a disponibilizar a todos os trabalhadores água engarrafada para beber. 27. Através de processo de extensão da rede municipal de abastecimento de água iniciado no ano de 2020 e concluído em Abril de 2021, a arguida logrou, a expensas suas, proceder à ligação ao sistema de abastecimento de água municipal através da construção de um ramal na extensão de 218 metros. 28. A arguida não tem antecedentes contra-ordenacionais por factos da mesma natureza. Factos não provados Com relevância para a decisão da causa, não se provaram os seguintes factos: a) Na fonte FF3 — Caldeira a Biomassa, foi violado o valor limite de emissão (VLE), fixado em 150 mg/Nm 3 para o parâmetro Partículas totais, para um teor em oxigénio de 11%, no quadro 12 do ponto 2.2.1.4 da LA (do relatório da amostragem efectuada em 16/12/2016, porquanto a concentração obtida foi de 291,76 mg/Nm 3, com uma incerteza de 61,16 mg/Nm 3). b) Aquando do sucedido em 7) dos factos provados, a arguida não podia apresentar novo processo para alteração da licença ambiental. Motivação O tribunal valorou a globalidade da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, conjugada com os elementos probatórios já constantes dos autos, tudo ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Concretamente, foram considerados os seguintes meios de prova: - todos os elementos constantes dos autos do processo de contraordenação instruído pelo IGAMAOT, designadamente o auto de notícia a fls. 6 a 8, a licença ambiental de fls. 9 a 33, as fotografias de fls. 44 e 45, os documentos juntos pelo arguida em sede de audiência prévia a fls. 215 e ss. e ainda o documento junto pela arguida com a impugnação judicial a fls. 408; - as declarações prestadas pelo legal representante da arguida recorrente, AA; - o depoimento prestado pelos inspectores do IGAMAOT, BB e CC; - o depoimento prestado pelas testemunhas DD e EE, ambos engenheiros do ambiente, a exercer funções na APA – Agência Portuguesa do Ambiente; - o depoimento prestado pelas testemunhas arroladas pela defesa, FF (engenheiro mecânico que exerce funções no departamento de serviços da recorrente) e GG (engenheiro mecânico e consultor da recorrente para a área do ambiente desde 2005); - os demais documentos juntos aos autos no decurso da audiência de julgamento, designadamente comprovativo do pedido de alteração da licença apresentado pela recorrente em 1/03/2024 e ofício junto pela APA em 13/03/2024. Analisando. Desde logo, o legal representante da recorrente, AA, prestou declarações, afirmando que acompanhou a inspecção realizada pela IGAMAOT às instalações da sociedade recorrente, na qual estiveram presentes também as duas testemunhas arroladas pela defesa. Explicou o legal representante que o desenvolvimento de um sistema de incineração próprio e a sua instalação nas instalações da empresa constituiu um processo técnico complexo e inovador, o qual foi sempre articulado com Agência Portuguesa do Ambiente e à Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Norte. Precisamente por essa razão, a recorrente obteve da APA uma autorização de funcionamento experimental, concedida pelo período de 3 meses, e que se iniciou em 16 de Setembro de 2016, porquanto foi detectado que, com a instalação inicialmente prevista (e contemplada no pedido da licença ambiental), não estavam a ser respeitados os valores limite de emissão (VLE). Ademais, era fundamental que a monitorização e calibração dos equipamentos fosse efectuada durante a normal laboração das instalações, pelo que não era viável a suspensão da actividade ate que aqueles valores fossem atingidos. Sucede que, ainda no decurso do referido período experimental, foi emitida a licença ambiental (em 5/12/2016), altura em que aqueles valores não estavam ainda a ser respeitados e em que se encontravam em curso alterações à própria instalação (designadamente a substituição da fonte FF” por um novo termodestrutor regenerativo). Quanto a estas alterações, esclareceu o legal representante que as mesmas se destinavam precisamente a obter uma melhor solução técnica com vista ao controlo da emissão dos poluentes, a qual era urgente e não podia estar dependente de um novo pedido de alteração da licença ambiental porquanto o pedido em curso não se encontrava ainda concluído (o que só aconteceu com a vistoria realizada em 20/02/2017). Sem prejuízo, reconheceu que esta solução não estava contemplada na licença ambiental, a qual previa um único equipamento com esta finalidade, concluindo posteriormente serem necessários dois. No que respeita às análises à água do poço, afirmou que o incumprimento dos valores limite das normas de qualidade da água para consumo humano constantes da licença de utilização (captação) dos recursos hídricos não é imputável à arguida, nem ocorreu por violação de qualquer dever de cuidado desta, sendo que, tendo detectado desconformidades relativamente a alguns parâmetros de qualidade, comunicaram a todas as entidades administrativas com competências de tutela ambiental e de saúde, e absteve-se de destinar aquelas águas para o consumo humano, disponibilizando a todos os trabalhadores e colaboradores água engarrafada para beber, salvaguardando qualquer risco para a sua saúde. Para além disso, adquiriram uma ETA em 2017 e, posteriormente, custearam um ramal de ligação ao sistema de abastecimento de água municipal, pelo que a situação foi resolvida de forma definitiva. Por fim, relativamente ao não cumprimento das condições de armazenamento das cinzas volantes do reactor de gaseificação, afirmou não ter presente a situação que é visível na fotografia de fls. 44 dos autos, reconhecendo naquela que se encontra a fls. 240 a forma correcta que é adoptada nas instalações para aquele armazenamento. Em face de tais declarações e da extensa documentação carreada para os autos, cabe analisar individualmente cada uma das situações que foram verificadas pela IGAMAOT aquando da inspecção realizada às instalações da recorrente. Relativamente aos factos constantes dos pontos 4 a 6 e 18 a 27 da factualidade provada, respeitantes às análises realizadas à qualidade da água extraída do furo, o tribunal valorou o teor da “Autorização de utilização dos recursos hídricos para captação de água superficial / subterrânea ...” de fls. 46 e ss. e da qual consta que o titular se compromete “a cumprir com as normas aplicáveis do Decreto-Lei n.º 306/2007, de 27/08, que regula a qualidade da água destinada a consumo humano”. Ora, conforme se alcança dos boletins de análise de fls. 48 a 55 dos autos, efectivamente foi detectada a existência de alguns parâmetros fora da especificação, nomeadamente Ferro, PH e Manganês, não apenas na análise a que se refere o ponto 6 dos factos provados, mas já em data anterior, em análises realizadas em 24/03/2016 e 29/04/2016. Ouvidos os inspectores do IGAMAOT, BB e CC, estes referiram que se limitaram a verificar a desconformidade, nada tendo apurado quanto à sua origem ou relativamente às medidas que foram adoptadas pela recorrente. Mais afirmou a inspectora CC que, nestas situações, o operador deve cessar a utilização da água para consumo humano ou providenciar por obter uma solução técnica adequada ao seu tratamento. Certo é que, conforme se afere do teor de fls. 267 a 277 dos autos, a recorrente deu conhecimento daquelas desconformidades às autoridades de saúde e procurou efectuar a ligação ao sistema de abastecimento municipal, o que se consignou nos factos provados. Com efeito, no que concerne às medidas implementadas para mitigar os efeitos daqueles valores, o tribunal valorou o depoimento prestado pelas testemunhas FF e GG, os quais, em virtude das funções exercidas na recorrente, participaram dessas mesmas decisões. No que respeita ao ponto 7 e 14 a 17 dos factos provados, a recorrente não colocou em causa que, aquando da inspecção realizada, efectivamente havia sido efectuada uma alteração relevante com a instalação de um novo termodestrutor regenerativo na unidade de categoria 3 e remoção da fonte FF2, o termodestrutor de reserva na unidade de categoria 1. E, de facto, quando analisada a licença ambiental emitida em 5/12/2016, verifica-se que esta solução técnica implementada não se encontrava contemplada, revestindo uma modificação significativa à licença ambiental e ao modo de funcionamento da instalação, em particular aos métodos de encaminhamento e tratamento dos gases com origem no seu processo industrial. É certo que, como afirmaram o legal representante da recorrente e as testemunhas FF e GG, esta solução era urgente e não podia aguardar a instrução de um novo processo de alteração da licença ambiental. No entanto, bem explicou o inspector do IGAMAOT, BB, que, tendo sido realizada a inspecção em 15/02/2017 e datando a licença ambiental de 5/12/2016, eram já várias e relevantes as modificações realizadas nos equipamentos, sem que a recorrente tivesse dado cabal conhecimento às entidades competentes e responsáveis pelo licenciamento. Aliás, a inspectora CC aludiu a uma “profunda alteração” do projecto que foi apresentado pela recorrente para instrução do pedido de licença ambiental que havia sido emitida há menos de três meses. Note-se que, conforme resulta de fls. 227 a 229 dos autos, em 16/12/2016 e 30/01/2017, a recorrente enviou à APA os relatórios de monitorização em continuo da unidade de incineração de resíduos e deu conta que, em face dos VLE e dos resultados obtidos pela solução técnica implementada (e prevista na licença ambiental), “a empresa já adjudicou a aquisição de um STEG à empresa C..., que será parte integrante do processo de alteração à LA que a empresa vai promover”. Porém, ao invés de aguardar por esse processo de alteração (sendo que foi essa a intenção que comunicou à APA), a recorrente logo implementou essa modificação de equipamentos, a qual já se encontrava em funcionamento aquando da inspecção em 15/02/2017 e uma vez decorrido período inferior a três meses após a emissão da licença. E não se diga, como sustentou a recorrente, que não era viável a instrução de um pedido de alteração à licença (facto não provado descrito sob a alínea b), porquanto, segundo oficio junto ao processo em 13/03/2024, veio a APA informar que “1. A licença ambiental prevista no capítulo II do Decreto-lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, na sua atual redação (diploma REI) pode ser objeto de alteração após a sua emissão, desde que o operador apresente na APA, IP, via Entidade Coordenadora, um pedido de alteração da exploração, nos termos do artigo 19º do Diploma REI. 2. O operador da instalação A..., S.A submeteu um pedido de alteração no módulo LUA, que funciona a partir da plataforma electrónica D... a 17 de julho de 2017, processo com a Refe ..., que se anexa, tendo o mesmo sido encerrado por esta Agência em 27 de setembro de 2017, em virtude de o mesmo ter sido incorretamente submetido pelo operador; este facto foi comunicado ao operador, através do envio de uma mensagem via D..., que se anexa, para endereço de email: ..........@.....”. De facto, resultou da prova produzida que a recorrente apenas instruiu novo pedido de alteração da licença ambiental em Julho de 2017, o qual foi encerrado. Todavia, através de novo pedido datado de Dezembro de 2017, a nova licença veio a ser emitida e finalizada em 2021, encontrando-se ali contempladas as ditas alterações que foram efectuadas no final de 2016 / início de 2017. Não se olvida a explicação dada pela testemunha GG de que, encontrando-se pendente o pedido de licenciamento que só ficou concluído com a vistoria ocorrida em 20/02/2017, não era possível gerar novo pedido, em simultâneo, na plataforma existente para o efeito. No entanto, a ser assim, sempre teria a recorrente de aguardar por essa mesma vistoria e só depois diligenciar pelo pedido de alteração do licenciamento com vista a implementar as soluções técnicas que considerava adequadas. De referir que não se pode considerar cumprida a obrigação de comunicar e licenciar esta alteração dos equipamentos com base nas comunicações que foi remetendo à APA e em que dava conta da intenção de virem a fazer uma substituição da fonte FF2. Conforme se afere do documento a fls. 280 dos autos, em 21/03/2015, a recorrente informou a APA que “quanto ao FF2 – termodestrutor de reserva – não iremos fazer nada uma vez que este equipamento será substituído (no prazo de 1 ano) por um outro que terá como combustível o singás produzido na instalação de incineração de resíduos (gaseificador)”. Idêntica comunicação foi efectuada em 21 de Abril de 2016 (cfr. fls. 281 e 282), voltando a referir-se que a empresa pretendia, “no espaço de um ano, substituir o termodestrutor de reserva por uma caldeira nova que incluirá também uma chaminé nova”. Daqui não se pode retirar qualquer concreto pedido de autorização ou licenciamento expresso para a realização das aludidas alterações, não sendo mais do que uma manifestação de uma intenção futura e que não prescinde do cumprimento das formalidades legais impostas para este tipo de instalações. Da mesma forma, a circunstância da Agência Portuguesa do Ambiente não ter manifestado discordância ou objecção em relação a essa mera pretensão de vir a substituir o termodestrutor de reserva também não revela qualquer assentimento por parte daquela entidade, tanto mais que nunca lho foi pedido. Por outro lado, também não releva a circunstância de a vistoria só ter sido efectuada em 20/02/2017 quando a licença ambiental datava já de 5/12/2016, porquanto, conforme afirmou a testemunha DD, após a sua emissão, o operador está já adstrito ao cumprimento das obrigações decorrentes da licença. Nessa medida, concluímos que, efectivamente, a recorrente procedeu a alterações significativas por referência aos equipamentos previstos na licença ambiental (a qual foi emitida de acordo com o projecto que a própria apresentou), sem cuidar de informar devidamente as autoridades competentes de que essas mesmas alterações já estavam a ser implementadas e sem diligenciar pela instrução do correspondente pedido de alteração / modificação da licença ambiental. Quanto ao ponto 8 dos factos provados, tal resulta, desde logo, da análise do teor dos relatórios de fls. 35 a 39 dos autos, sendo que a recorrente sempre admitiu que, quanto à fonte FF1 e nos períodos em causa, efectivamente incumpriu os valores limite de emissão fixados no quadro 10 do ponto 2.2.1.4 da LA para a média de 24 horas e média de 30 minutos relativamente aos parâmetros Partículas totais, cloreto de hidrogénio, óxidos de azoto e dióxido de enxofre durante o mês de Dezembro de 2016 e aos parâmetros fluoreto de hidrogénio, monóxido de carbono e carbono orgânico total durante o mês de Janeiro de 2017. Com efeito, quanto aos concretos valores a que se aludia na decisão administrativa, os mesmos foram concretizados na factualidade provada por reporte aos documentos para os quais aquela remetia, designadamente os relatórios de monitorização de fls. 35, 37, 38 e 39 dos autos, limitando-se o tribunal a – por facilidade de compreensão e exposição da factualidade provada – concretizar e transcrever esses mesmos valores para o ponto 8 dos factos provados. No que concerne às razoes para esta desconformidade, conforme explicou o legal representante da recorrente e as testemunhas FF e GG, face à nova solução técnica encontrada para o processo de gaseificação, foi solicitado e concedido um período experimental de três meses, visto que era evidente que os equipamentos não estavam a permitir o cumprimento dos VLE. Isso mesmo foi confirmado pelas testemunhas DD e EE, ambos a exercer funções na APA, e que acompanharam directamente este processo, os quais explicaram que, apesar de não se encontrar legalmente previsto, permitem que o operador, a requerimento deste, possa beneficiar de um período para a instalação e calibração de novos equipamentos, o que sucedia no caso em apreço. Ora, efectivamente, analisados os autos, constata-se que, por requerimento datado de 18/08/2016, dirigido à APA, foi solicitado o referido período experimental (cfr. fls. 216 a 218), a que esta entidade respondeu afirmativamente (cfr. fls. 226), iniciando-se o arranque do equipamento em 16/09/2016 (cfr. fls. 220 e 221). Mas, antes de concluído este período experimental (o qual, nada sobrevindo, decorreria até 16/12/2016), foi emitida, em 5/12/2016, a licença ambiental de fls. 9 a 33 dos autos, da qual passou a resultar a obrigação de estrito cumprimento daqueles VLE. Sucede que, quando analisados os referidos relatórios trimestrais de fls. 35 e ss., verifica-se que o sobredito incumprimento dos VLE relativamente aos parâmetros de partículas totais, cloreto de hidrogénio, óxidos de azoto e dióxido de enxofre durante o mês de Dezembro de 2016, ocorreram também após o referido dia 16/12/2016 (data em que findaria o referido período experimental). Ademais, também as desconformidades verificadas em Janeiro de 2017 ocorreram numa altura em que aquele período experimental sempre estaria findo e as obrigações decorrentes da licença ambiental seriam já vinculativas. Daqui resulta que, mesmo desconsiderando o dito período experimental, sempre a recorrente estaria em violação dos sobreditos VLE, cabendo-lhe diligenciar pela obtenção e subsequente licenciamento das soluções técnicas necessárias à sua resolução. Aliás, isso mesmo resultou do depoimento do inspector do IGAMAOT BB, o qual percepcionou que as alterações foram efectuadas à margem das entidades competentes, tendo havido uma implementação de uma nova solução que não foi correctamente pensada e estruturada. Ademais, como a própria testemunha GG afirmou, aquando da emissão da licença ambiental, ponderaram solicitar à APA um novo período experimental e optaram por não o fazer, quando tinham perfeito conhecimento que os equipamentos não estavam a permitir o cumprimento dos VLE que ali se encontravam previstos. Da mesma forma, também não questionaram a APA quanto às eventuais consequências desses mesmos incumprimentos. A isto acresce que não ponderou sequer a recorrente a suspensão da sua actividade, visto que, para efeitos de calibração dos equipamentos, a unidade teria de se encontrar em laboração, além do que os prejuízos seriam extremamente avultados. Do exposto decorre que, ao optar por manter a laboração, recolhendo o correspondente benefício económico, sem que dispusesse ainda de equipamentos / soluções que lhe permitissem cumprir as obrigações decorrentes da licença ambiental emitida em 5/12/2016, no que concerne aos VLE na fonte FF1, importa concluir que, de facto, a recorrente não agiu com a diligência que lhe era exigível. No que respeita ao ponto 9 dos factos provados, é a própria recorrente que admite, no seu recurso que, não deu cumprimento ao estabelecido no ponto 4 da LA relativo a acidentes e emergências dos registos de emissões que não cumprem com os requisitos da LA, pois não informou no prazo de 48h a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e a Direcção Regional de Agricultura e Pescas (DRAP) enquanto entidade coordenadora do licenciamento, sobre a violação dos valores da monotorização em contínuo quanto à fonte FF1. É certo que o faz porquanto considera que tal violação dos VLE não configuravam qualquer tipo de infracção e porquanto foram dando conhecimento à APA dessas mesmas desconformidades, como se alcança das sobreditas comunicações datadas de 16/12/2016 e 30/01/2017 (fls. 227 a 229), através das quais comunicou à APA os relatórios de monitorização em continuo da unidade de incineração de resíduos e deu conta que, em face dos VLE e dos resultados obtidos pela solução técnica implementada (e prevista na licença ambiental), iria adquirir um STEG. Sucede que, quando analisado o teor da licença ambiental, verifica-se que a mesma impõe que “caso ocorra um acidente, incidente ou incumprimento desta licença, nomeadamente nas situações tipificadas no quadro 19, o operador deverá: “ a) informar a EC e a APA, IP e a CCDR no prazo máximo de 48 horas, por qualquer via que se mostre eficiente; …”. Ora, apesar de a testemunha GG ter afirmado que tais comunicações haviam sido feitas, certo é que tal não foi evidenciado nos autos, sendo aquelas de fls. 227 a 229 (monitorização em contínuo) manifestamente extemporâneas quando visto o dito prazo de 48 horas por referência às datas dos incumprimentos dos VLE que se alcançam do teor dos relatórios trimestrais de fls. fls. 35 e ss. Ademais, a testemunha BB esclareceu que estas comunicações exigidas são distintas da comunicação dos relatórios da monitorização em contínuo, visto se destinarem a dar conhecimento às entidades competentes da existência de desconformidades na emissão de poluentes e com vista à sua rápida resolução. Por conseguinte, tendo a recorrente conhecimento de que a licença ambiental havia sido emitida em 5/12/2016 e as obrigações dela decorrentes, impõe-se concluir que, ao não comunicar os sobreditos incumprimentos, a recorrente não actuou com a diligência que lhe era possível e exigível. Quanto ao ponto 10 dos factos provados, o tribunal valorou os depoimentos das testemunhas BB e CC, conjugados com o teor das fotografias de fls. 44 dos autos (fotos 11 a 13), sendo notório que, aquando da inspecção realizada, a arguida não se encontrava a acondicionar em local coberto as cinzas volantes do reactor de gaseificação que se encontravam naquele concreto contentor, havendo, inclusive, resíduos de cinza no chão. É certo que o legal representante da recorrente e as testemunhas FF e GG afirmaram que não reconhecem essa conduta como sendo a prática adoptada no tratamento deste tipo de resíduos, afirmando que as cinzas são acondicionadas em contentores como aquele que figura na fotografia junta pela recorrente a fls. 240. Mais afirmou a testemunha FF que o contentor em causa que foi visto e fotografado aquando da inspecção não se encontrava no local da descarga e aguardava reparação. Sucede que, independentemente do que são as práticas habituais da recorrente, encontram-se os autos suficientemente documentados com elementos probatórios que permitem concluir que, na data da inspecção, aquelas concretas cinzas não se encontravam devidamente acondicionadas de acordo com o previsto nas condições fixadas para o parque de resíduos PA4 no quadro 17 do ponto 2.3.1 da licença ambiental. Por conseguinte, também aqui teremos de concluir que a recorrente não actuou com a diligência que lhe era possível e exigível para assegurar o devido acondicionamento das cinzas volantes do reactor de gaseificação. Por fim, no que concerne à prova do ponto 11 dos factos provados, o tribunal valorou os depoimentos das testemunhas BB e CC, conjugados com o teor das fotografias de fls. 44 dos autos (foto 14), sendo visível que, aquando da inspecção realizada, a arguida depositou, no contentor de misturas de resíduos urbanos (CER ...), outros tipos de resíduos como vidro, gradados e contentores metálicos e plásticos. Não obstante o afirmado pela testemunha GG, no sentido de que os resíduos em causa contêm vestígios de subprodutos, pelo que não poderão ser previamente limpos para encaminhamento, certo é que bem explicou o inspector BB que os resíduos em causa eram decorrentes do próprio processo produtivo, pelo que deveriam ser encaminhados, separadamente, para um operador de gestão de resíduos e não colocados em contentor respeitante a resíduos urbanos, porquanto a estes correspondem diferentes códigos de classificação. Destarte, importa concluir que a recorrente não actuou com a diligência que lhe era possível e exigível para assegurar a triagem adequada deste tipo de resíduos de acordo com o seu código LER específico, nos termos do ponto 2.3.1 da licença ambiental. Relativamente aos antecedentes contra-ordenacionais da recorrente, o tribunal valorou o oficio remetido pela IGAMAOT em 11/07/2023, e do qual consta que, apesar da pendência de um outro processo por idênticas infracções, tal decisão não é ainda definitiva (encontrando-se em fase instrutória), razão pela qual se deu como provada a ausência de antecedentes contra-ordenacionais da recorrente por factos da mesma natureza. Por fim, quanto ao facto não provado elencado sob a alínea a), o tribunal teve em consideração o teor do relatório de fls. 40 e ss. dos autos, conjugado com o depoimento prestado pelo inspector BB, o qual bem esclareceu que teve em consideração o valor limite de emissão (VLE) na fonte FF3 — Caldeira a Biomassa, fixado em 150 mg/Nm 3 para o parâmetro Partículas totais, para um teor em oxigénio de 11%, no quadro 12 do ponto 2.2.1.4 da LA, porquanto daquele relatório da amostragem efectuada em 16/12/2016 consta que os valores foram “determinados sem correcção do teor de oxigénio, segundo o ponto 2, do artigo 3.º da Portaria n.º 675/2009, de 23 de Junho”. Por tal razão, explicou que, fazendo aquela correcção de valores de concentração de partículas totais, de 15,9% para 11%, a concentração obtida foi de 291,76 mg/Nm 3, com uma incerteza de 61,16 mg/Nm 3, sendo, por isso, superior ao VLE de 150 mg/Nm 3. Sucede que, como explicou a testemunha GG, tal situação derivou de um lapso do próprio laboratório de ensaios, visto que os valores constantes do quadro 7 já haviam sido determinados com a sobredita correcção do teor de oxigénio. Analisado o relatório de fls. 232 a 239, junto pela recorrente com a defesa apresentada na fase administrativa, verifica-se que aquele laboratório reconheceu o lapso, corrigindo-o, fazendo constar do referido quadro 7 que os valores determinados foram corrigidos com o2 = ref = 11%, segundo a licença ambiental. Nessa medida, não havendo que fazer a dita correcção (porquanto se terá de admitir que, de facto, aqueles valores iniciais já estavam calculados de acordo com essa mesma percentagem), os valores do parâmetro Partículas totais, para um teor em oxigénio de 11%, não excedem os VLE fixados em 150 mg/Nm 3, razão pela qual tal facto foi dado como não provado. III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Enquadramento jurídico Nos termos do disposto no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (que aprovou o Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, doravante abreviadamente identificado por RGCO), para poder afirmar-se que determinado agente cometeu uma contra-ordenação, necessário se torna, desde logo, que tenha praticado um facto, típico, ilícito e censurável e, ainda, obviamente, que o tipo no qual se submete a conduta do agente, sancione com uma coima essa mesma conduta. A recorrente apresentou recurso de impugnação da decisão administrativa proferida pela Inspecção-geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (doravante tão somente referida como IGAMAOT), que a condenou no pagamento de uma coima única no valor de 40.000,00€ (quarenta mil euros) acrescida das custas do processo, pela prática de três contraordenações, a saber: - uma contraordenação ambiental muito grave, pelo incumprimento das obrigações impostas pelo respectivo título, p.p. pela alínea c) do n.º3 do art. 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio; - uma contraordenação ambiental grave, pelo incumprimento do dever de comunicar qualquer alteração da instalação, nos termos do art. 19.º punida pela al. b) do n.º 2 do art. 111.º do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto; e - uma contraordenação ambiental grave, pela construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais actividades constantes do anexo I com inobservância das condições fixadas na licença ambiental, p.p. pela al. e) do n. º 2 do art. 111.º do Decreto-Lei n. º 127/2013, de 30 de Agosto. Cumpre analisar cada uma das referidas infracções. a) Incumprimento das obrigações impostas pelo respectivo título, prevista pela alínea c) do n.º3 do art. 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, e punida pelo art. 22.º n.º4 alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto A Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, veio aprova a Lei da Água, transpondo para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro, e estabelecendo as bases e o quadro institucional para a gestão sustentável das águas. Ali se prevê que enquadramento para a gestão das águas superficiais se destina, além do mais, a assegurar o fornecimento em quantidade suficiente de água de origem superficial e subterrânea de boa qualidade, conforme necessário para uma utilização sustentável, equilibrada e equitativa da água – cfr. art. 1.º n.º1 alínea f). Mais se consagra um princípio da dimensão ambiental da água, nos termos do qual se reconhece a necessidade de um elevado nível de protecção da água, de modo a garantir a sua utilização sustentável – cfr. art. 3.º n.º1 alínea c). Nos termos do art. 56.º desse mesmo diploma, “Ao abrigo do princípio da precaução e da prevenção, as actividades que tenham um impacte significativo no estado das águas só podem ser desenvolvidas desde que ao abrigo de título de utilização emitido nos termos e condições previstos nesta lei e em decreto-lei a aprovar ao abrigo do n.º 2 do artigo 102.º, (…)”. A licença confere ao seu titular o direito a exercer as actividades nas condições estabelecidas por lei ou regulamento, para os fins, nos prazos e com os limites estabelecidos no respectivo título (cfr. art. 67.º n.º 1 da citada Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro). Nesse contexto, a Lei da Água determina que a reformulação do regime de utilização de recursos hídricos por si iniciada seja completada mediante a aprovação de um novo regime sobre as utilizações dos recursos hídricos e respectivos títulos, tarefa a que o Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, veio dar resposta. Ali se estipula, no art. 1.º, que a autorização, licença ou concessão constituem títulos de utilização dos recursos hídricos, e são reguladas nos termos da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, e do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio. Ademais, nos termos do art. 81.º n.º3 alínea c), que constitui contra-ordenação ambiental muito grave o incumprimento das obrigações impostas pelo respectivo título. A moldura contraordenacional para a sobredita infracção muito grave é dada pelo art. 22.º n.º 4 da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto (Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, doravante, LQCA): a) Se praticadas por pessoas singulares, de (euro) 10 000 a (euro) 100.000 em caso de negligência e de (euro) 20.000 a (euro) 200.000 em caso de dolo; b) Se praticadas por pessoas colectivas, de (euro) 24 000 a (euro) 144.000 em caso de negligência e de (euro) 240.000 a (euro) 5.000.000 em caso de dolo. No que concerne ao elemento subjectivo, é uma contra-ordenação praticada por pessoas (singulares ou colectivas), podendo-o ser com dolo, em qualquer das suas modalidades, ou por negligência, nos termos dos art. 8.º do RGCO Temos assim que estamos perante uma contraordenação ambiental, tal como previsto no art. 1.º n.º2 da LQCA, que classifica como tal o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima. Revertendo ao caso em apreço e analisada a factualidade dada como provada, verifica-se que, no que concerne à captação de água, a arguida dispõe de um furo AC1 que abastece de água a instalação que é utilizada nas lavagens, produção de vapor na caldeira acoplada ao termodestrutor recuperativo, lavador de gases, desgaseificadores, centrifugas de gordura e nas suas instalações sanitárias onde ocorre o consumo humano. O furo AC1 dispõe de uma autorização de utilização de recursos hídricos para captação de água superficial/subterrânea n.º ..., de 21 de Janeiro de 2016, sem prazo de validade, emitida pela APA/ARH Norte, e da qual consta que o titular se compromete “a cumprir com as normas aplicáveis do Decreto-Lei n.º 306/2007, de 27/08, que regula a qualidade da água destinada a consumo humano”. Sucede que, da análise dos boletins de análise da água captada em 2016, verificou-se que, na amostra recolhida em 20/10/2016, conforme o último boletim analítico apresentado n.º ..., e elaborado em 14/11/2016, na torneira do WC, foram detectados: - um valor de concentração em Ferro de 236 micrograma/litro (ultrapassando o valor limite de 200 micrograma/litro); - um valor de concentração em Manganês com 56 micrograma/litro (ultrapassando o valor limite de 50 micrograma/litro; - um valor do pH com um valor de 6,3 (violando o valor limite inferior de 6,5). Ora, ao determinar que o titular se compromete a cumprir com as normas aplicáveis do Decreto-Lei n.º 306/2007, de 27 de Agosto, que regula a qualidade da água destinada a consumo humano, a autorização de utilização de recursos hídricos para captação de água superficial/subterrânea n.º ..., de 21 de Janeiro de 2016, de que a recorrente era titular, impunha o cumprimento do que ali se encontra previsto, com a finalidade de proteger a saúde humana dos efeitos nocivos resultantes da eventual contaminação da água e assegurar a disponibilização tendencialmente universal de água salubre, limpa e desejavelmente equilibrada na sua composição. Destarte, somente se pudermos afirmar que a recorrente não deu cumprimento a essas mesmas obrigações impostas pelo respectivo título, se poderá concluir pela verificação da sobredita infracção. Desde logo, relativamente ao conceito de “Água destinada ao consumo humano”, ali se define, no art. 2.º alínea b), subalíneas i) e ii), que se trata de: i) Toda a água no seu estado original, ou após tratamento, destinada a ser bebida, a cozinhar, à preparação de alimentos, à higiene pessoal ou a outros fins domésticos, independentemente da sua origem e de ser fornecida a partir de uma rede de distribuição, de um camião ou navio--cisterna, em garrafas ou outros recipientes, com ou sem fins comerciais; ii) Toda a água utilizada numa empresa da indústria alimentar para fabrico, transformação, conservação ou comercialização de produtos ou substâncias destinados ao consumo humano, assim como a utilizada na limpeza de superfícies, objectos e materiais que podem estar em contacto com os alimentos, excepto quando a utilização dessa água não afecta a salubridade do género alimentício na sua forma acabada. No caso em apreço, importa ter presente que, segundo se alcança dos factos provados, a água em causa se considera destinada ao consumo humano, seja porque servia ao seu eventual consumo e à higiene pessoal dos trabalhadores, seja porque era utilizada na limpeza de superfícies, objectos e materiais que pudessem estar em contacto com alimentos. Sucede que, estipula o art. 18.º n.º1 daquele Decreto-Lei n.º 306/2007, de 27 de Agosto, que as situações de incumprimento dos valores paramétricos estabelecidos nas partes I, II e III do anexo I do mesmo decreto-lei devem ser comunicadas, de forma auditável e até ao fim do dia útil seguinte àquele em que tiveram conhecimento da sua ocorrência, pelos laboratórios de análises encarregues do controlo da qualidade da água às entidade gestoras, as quais, por sua vez, devem comunicá-las à autoridade de saúde e à autoridade competente até ao fim do dia útil seguinte àquele em que tiveram conhecimento da sua ocorrência. Porém, nem todas as desconformidades terão idêntico tratamento por parte das autoridades competentes. Nos termos do art. 19.º n.º1 do mesmo diploma, verificada uma situação de incumprimento dos valores paramétricos das partes I e II do anexo I do decreto-lei, as entidades gestoras devem investigar imediatamente a sua causa e adoptar as medidas correctivas necessárias para restabelecer a qualidade da água destinada ao consumo humano, tendo especialmente em atenção o desvio em relação ao valor paramétrico fixado e o perigo potencial para a saúde humana. Todavia, nos termos do n.º2 do mesmo art. 19.º, no caso de situações de incumprimento dos valores paramétricos da parte III do anexo I do decreto-lei, a autoridade de saúde deve, no prazo máximo de cinco dias úteis contados após a sua tomada de conhecimento, pronunciar -se junto das entidades gestoras sobre se existe um risco significativo para a saúde humana, dando conhecimento à autoridade competente. Ora, caso a autoridade de saúde considere que há um risco significativo para a saúde humana, a autoridade de saúde, em colaboração com a entidade gestora, define as medidas correctivas a adoptar por esta para o restabelecimento da qualidade da água e das eventuais restrições ao seu uso, dando delas conhecimento à autoridade competente – cfr. art. 19.º n.º3. Mesmo que não considere a existência de risco significativo para a saúde humana, a autoridade competente pode, no prazo de 30 dias e em colaboração com a entidade gestora, determinar a implementação de medidas correctivas para cumprimento dos valores paramétricos – cfr. art. 19.º n.º4. Daqui decorre a necessidade de aferir qual a concreta desconformidade do valor paramétrico em causa, enquadrá-la no anexo I do Decreto-Lei n.º 306/2007, de 27 de Agosto, verificar se ocorreu a comunicação às autoridades de saúde e, subsequentemente, quais as medidas correctivas que o operador teria de adoptar. Revertendo ao caso em apreço, está em causa a violação dos valores limite quanto ao ferro, manganês e PH, parâmetros que se encontram previstos no quadro constante da Parte III — Parâmetros indicadores, do referido anexo I. Trata-se, assim, de situação que se reconduz ao transcrito n.º2 do art. 19.º e que impõe à autoridade de saúde uma tomada de posição, no prazo máximo de cinco dias úteis contados após a sua tomada de conhecimento, no sentido da existência de um risco significativo para a saúde humana e ainda uma definição das medidas correctivas que a entidade gestora terá de adoptar. Concluímos assim que a infracção não se pode ter por cometida mediante a mera verificação de desconformidades entre os valores limite impostos por aquele diploma e os analisados no âmbito do controlo da qualidade da água (do que se extrairia uma verdadeira responsabilidade objectiva da entidade gestora). Antes se retira daquelas obrigações que a entidade gestora apenas incorre em responsabilidade contra-ordenacional nesta matéria caso não implemente as medidas correctivas necessárias para restabelecer a qualidade da água destinada ao consumo (como, aliás, se pune no art. 31.º n.º1 alínea r) do referido Decreto-Lei n.º 306/2007, de 27 de Agosto). Em face do que ficou dito, importa concluir que a factualidade apurada, por si só, não permite o preenchimento do elemento objectivo da infracção em análise. Com efeito, apesar de demonstrada a existência de desconformidade dos aludidos valores paramétricos na amostra de 20/10/2016 (de que tomou conhecimento através do boletim datado de 14/11/2016), por referência aos valores limite previstos no Decreto-Lei n.º 306/2007, de 27 de Agosto, ficou demonstrado que, logo em 15/11/2016 (e, por conseguinte, dentro do prazo legal), a recorrente comunicou essa mesma desconformidade à autoridade de saúde e à APA, dando ainda conta da conclusão do processo de aquisição e instalação da unidade de osmose inversa, dando conta que alguns parâmetros se encontravam fora de especificação mas que havia indicadores que apontavam para a conformidade, a curto prazo, dos resultados. Todavia, não resulta dos autos nem a autoridade administrativa diligenciou por apurar qual a resposta dada pela autoridade de saúde, designadamente: - se foi considerando existir um risco significativo para a saúde humana; - se foram definidas e comunicadas as medidas correctivas a adoptar para o restabelecimento da qualidade da água e das eventuais restrições ao seu uso; - em caso afirmativo, se a recorrente deu ou não cumprimento a essas mesmas medidas. Impunha-se uma actividade instrutória própria, na fase processual adequada, de quem exerce a pretensão punitiva estadual no sentido de aferir, com o grau de convicção adequado neste domínio, da verificação daqueles pressupostos para a responsabilidade delitual da recorrente, o que não sucedeu nem era susceptível de suprir na presente fase de recurso. Sem prejuízo do que ficou dito, certo é que a recorrente logrou demonstrar nos autos que tomou medidas no sentido de mitigar os efeitos dessas mesmas desconformidades nos valores paramétricos, porquanto se apurou que passou a disponibilizar a todos os trabalhadores água engarrafada para beber, diligenciou pela aquisição e instalação da unidade de osmose inversa e, posteriormente, logrou, a expensas suas, proceder à ligação ao sistema de abastecimento de água municipal através da construção de um ramal na extensão de 218 metros. Em suma, a factualidade dada como provada não permite concluir pelo preenchimento dos elementos típicos da infracção prevista pela alínea c) do n.º3 do art. 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, e punida pelo art. 22.º n.º4 alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, razão pela qual se conclui pela sua absolvição. b) Incumprimento do dever de comunicar qualquer alteração da instalação, prevista pelos art. 19.º e 111.º n.º2 alínea b) do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto, e punida pelo art. 22.º n.º3 alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto O Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto, veio estabelecer o regime de emissões industriais aplicável à prevenção e ao controlo integrados da poluição, bem como as regras destinadas a evitar e ou reduzir as emissões para o ar, a água e o solo e a produção de resíduos, transpondo a Directiva n.º 2010/75/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Novembro de 2010, relativa às emissões industriais (prevenção e controlo integrados da poluição). Com efeito, o reconhecimento de que a existência de abordagens diferentes no controlo das emissões para o ar, para a água e para os solos reflectidas em diversos diplomas legais específicos poderia favorecer a transferência dos problemas de poluição entre os vários meios físicos, em vez de favorecer a protecção do ambiente no seu todo, conduziu a uma abordagem integrada do controlo das emissões através de um novo quadro jurídico que agregue num único diploma legal os seguintes regimes: - prevenção e controlo integrado da poluição proveniente de certas actividades; - limitação das emissões para o ar de certos poluentes provenientes das grandes instalações de combustão; - incineração e coincineração de resíduos; - limitação da emissão de compostos orgânicos voláteis resultantes da utilização de solventes orgânicos em certas actividades e instalações; - estabelecimento das condições de licenciamento para a descarga, armazenagem, deposição ou injecção no solo de águas residuais ou de resíduos da indústria de dióxido de titânio; tudo no sentido de facilitar a harmonização e a articulação sistémica dos respectivos regimes jurídicos, bem como a adopção, pelas entidades públicas, de condições técnicas padronizadas e a intervenção de entidades acreditadas na garantia da boa instrução dos processos de licenciamento ou autorização. Nos termos do art. 2.º do referido diploma, este é aplicável às “Actividades previstas no anexo I ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante” e no qual estão previstas, na categoria 6.5, as “instalações de eliminação ou valorização de carcaças ou resíduos de animais com uma capacidade de tratamento superior a 10 t por dia”, como é a exercida pela recorrente. Quanto ao conceito de “licença ambiental”, estipula-se na alínea ii) do art. 3.º que se trata da “decisão que visa garantir a prevenção e o controlo integrados da poluição proveniente das instalações que desenvolvem uma ou mais actividades constantes do anexo I, estabelecendo as medidas destinadas a evitar, ou se tal não for possível, a reduzir as emissões para o ar, água e solo, a produção de resíduos e a poluição sonora, constituindo condição necessária da exploração dessas instalações”. Nos termos do art. 19.º n.º1 do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto, consideram-se alterações de exploração para efeitos de licença ambiental (LA): a) A modificação das características ou do funcionamento ou uma ampliação da instalação que possa ter consequências no ambiente, nomeadamente as que induzam um efeito relevante nas condições especificamente estabelecidas na LA emitida; b) A alteração substancial nas actividades desenvolvidas numa instalação que corresponda aos limiares estabelecidos no anexo I; c) A transmissão, a qualquer título, da exploração ou propriedade de parte da instalação, sujeita a uma mesma LA; d) A actualização da LA decorrente do disposto no n.º 7. E, quanto ao procedimento para essa mesma alteração, prevêem os números seguintes do mesmo art. 19.º que: - o operador requer à entidade coordenadora a alteração da instalação sujeita a licença ambiental, devendo a APA, I.P., emitir parecer sobre a proposta, a pedido da entidade coordenadora; - em caso de alteração substancial da instalação, no prazo de 15 dias a contar da data da ressecção do pedido previsto no número anterior, a APA, I.P., comunica à entidade coordenadora a necessidade de o operador desencadear o pedido de licença ambiental; - quando não for efectuada a comunicação nos termos do número anterior, a APA, I.P., emite, se necessário, aditamento à licença ambiental que integra a alteração proposta pelo operador, dando conhecimento à entidade coordenadora no prazo de 30 dias a contar da data da recepção da proposta; - no caso de instalações novas ou alterações substanciais de instalações existentes, cuja construção seja iniciada após a emissão da licença ambiental, o operador remete à entidade coordenadora e à APA, I.P., informação relativa à data de início de construção, bem como memória descritiva de eventuais alterações ao projecto licenciado, para que seja avaliada a necessidade de actualizar a licença. O incumprimento das sobreditas obrigações encontra-se previsto no art. 111.º n.º2 alínea b) do mesmo Decreto-Lei, punindo como contraordenação ambiental grave, nos termos da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, alterada e republicada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, o incumprimento do dever de comunicar qualquer alteração da instalação, nos termos do artigo 19.º. A moldura contraordenacional para a sobredita infracção grave é dada pelo art. 22.º n.º 3 da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto (LQCA): a) Se praticadas por pessoas singulares, de (euro) 2 000 a (euro) 20 000 em caso de negligência e de (euro) 4 000 a (euro) 40 000 em caso de dolo; b) Se praticadas por pessoas colectivas, de (euro) 12 000 a (euro) 72 000 em caso de negligência e de (euro) 36 000 a (euro) 216 000 em caso de dolo. No que concerne ao elemento subjectivo, é uma contra-ordenação praticada por pessoas (singulares ou colectivas), podendo-o ser com dolo, em qualquer das suas modalidades, ou por negligência, nos termos dos art. 8.º do RGCO. Temos assim que estamos perante uma contraordenação ambiental, tal como previsto no art. 1.º n.º2 da LQCA, que classifica como tal o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima. Revertendo ao caso em apreço e analisada a factualidade dada como provada, verifica-se que, após a emissão da licença ambiental em 5/12/2016, a arguida procedeu à instalação de um novo termodestrutor regenerativo na unidade de categoria 3, o que constitui uma nova fonte fixa de emissão e procedeu à remoção da fonte FF2, o termodestrutor de reserva na unidade de categoria 1. Estamos perante modificações significativas à licença ambiental e ao modo de funcionamento da instalação, em particular aos métodos de encaminhamento e tratamento dos gases com origem no seu processo industrial, não tendo sido tais alterações previamente comunicadas à APA por via da Entidade Coordenadora do Licenciamento. Do exposto decorre que, tendo a arguida procedido à modificação das características, do funcionamento e a uma ampliação da instalação que era susceptível de ter consequências no ambiente (como, aliás, teve), teria de adoptar os procedimentos previstos no referido art. 19.º, o que não se verificou no caso em apreço. Não se olvida que resultou demonstrado que a instalação de incineração de resíduos, que integra o termodestrutor associado à fonte pontual FF1, representa um esforço financeiro da arguida na melhoria da eficiência ambiental do seu estabelecimento industrial, com impactos positivos no ambiente, na medida em que diminui substantivamente os impactos ambientais resultantes da laboração do mesmo. Porém, tal não invalida a obrigação que sobre a recorrente impendia de diligenciar pela alteração da licença ambiental com vista a que mesma contemplasse a nova solução técnica implementada. Destarte, é tal factualidade susceptível de preencher o elemento objectivo do tipo legal da contra-ordenação em análise. Tal conduta pode ser punida se tiver sido praticada a título doloso ou negligente, vindo a recorrente condenada pela prática de tal contra-ordenação por negligência. São requisitos da negligência enquanto tipo de ilícito: a previsibilidade objectiva (traduz-se no facto de ser possível prever, pelo homem médio, que daquela conduta poderia resultar aquele mesmo resultado desvalioso); a não observância do dever objectivo de cuidado (é aquele cuidado que seria adequado a evitar aquele tipo de resultado, dependendo, em concreto, a definição de cuidado dos bens jurídicos em causa, da proximidade do perigo, da actividade em causa); e, a imputação objectiva do resultado típico à violação do dever objectivo de cuidado. É, assim, necessário que o agente tenha omitido um dever de cuidado, que se tivesse sido acatado, teria impedido a produção de um evento danoso em si previsível. Existe previsibilidade quando o agente nas circunstâncias em que se encontrava podia, tendo em conta as circunstâncias em que o evento se produziu, ter representado como possível o resultado ocorrido. A negligência consiste, pois, em qualquer das suas modalidades, consciente e inconsciente na omissão de um dever objectivo de cuidado e de diligência: o dever de não confiar leviana ou precipitadamente na não produção do facto ou o dever de ter previsto tal facto e de ter tomado as diligências necessárias para o evitar. No caso concreto, ficou demonstrado que a arguida exerce conduta regulada por lei, pelo que tinha obrigação de conhecer e cumprir com o ali prescrito para o exercício da mesma. Não o tendo feito, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz, não resultando dos autos elementos que retirem ilicitude aos factos ou censurabilidade à sua conduta. Impõe-se, assim, concluir que a recorrente actuou de forma negligente, preenchendo igualmente o elemento subjectivo da contra-ordenação imputada. Face ao exposto, a recorrente praticou, a título negligente, a contraordenação ambiental grave prevista pelos art. 19.º e 111.º n.º2 alínea b) do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto, e punida pelo art. 22.º n.º3 alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto. c) Inobservância das condições fixadas na licença ambiental na construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais actividades constantes do anexo I, prevista pelo art. 111.º n.º2 alínea e) do Decreto-Lei n. º 127/2013, de 30 de Agosto, e punida pelo art. 22.º n.º3 alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto Conforme referimos supra, o Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto, estabelece o regime de emissões industriais aplicável à prevenção e ao controlo integrados da poluição, bem como as regras destinadas a evitar e ou reduzir as emissões para o ar, a água e o solo e a produção de resíduos, transpondo a Directiva n.º 2010/75/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Novembro de 2010, relativa às emissões industriais (prevenção e controlo integrados da poluição). Nos termos do art. 2.º do referido diploma, este é aplicável às “Actividades previstas no anexo I ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante” e no qual estão previstas, na categoria 6.5, as “instalações de eliminação ou valorização de carcaças ou resíduos de animais com uma capacidade de tratamento superior a 10 t por dia”. Trata-se, precisamente, da actividade desenvolvida pela recorrente, a qual, segundo resultou provado, tem como actividade a transformação de subprodutos de origem animal de categoria 1 e 3 e gaseificação de resíduos, com capacidade produtiva instalada para 1214 ton/dia de subprodutos de categoria 1 e 3. Daqui decorre que a recorrente se encontra abrangida pela categoria 6.5. do Anexo I ao referido Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30/08, detendo para o efeito a Licença Ambiental n. º 378/1.2/2016, de 05/12/2016 (documento a fls. 9 e ss. dos autos e que aqui se dá como reproduzido). Ora, nos termos do disposto no art. 111.º n.º2 alínea e) do referido Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto, constitui contraordenação ambiental grave, nos termos da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, “A construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais actividades constantes do anexo I com inobservância das condições fixadas na LA”. A moldura contraordenacional para a sobredita infracção grave é dada pelo art. 22.º n.º 3 da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto (LQCA): a) Se praticadas por pessoas singulares, de (euro) 2 000 a (euro) 20 000 em caso de negligência e de (euro) 4 000 a (euro) 40 000 em caso de dolo; b) Se praticadas por pessoas colectivas, de (euro) 12 000 a (euro) 72 000 em caso de negligência e de (euro) 36 000 a (euro) 216 000 em caso de dolo. No que concerne ao elemento subjectivo, é uma contra-ordenação praticada por pessoas (singulares ou colectivas), podendo-o ser com dolo, em qualquer das suas modalidades, ou por negligência, nos termos dos art. 8.º do RGCO. Temos assim que estamos perante uma contraordenação ambiental, tal como previsto no art. 1.º n.º2 da LQCA, que classifica como tal o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima. Revertendo ao caso em apreço e analisada a factualidade dada como provada, verifica-se que são várias as infracções que se subsumem à prática da contraordenaçao em análise, em virtude da inobservância das condições fixadas na licença ambiental. Vejamos. Dos factos provados resulta que, no decorrer da acção de inspecção, a IGAMAOT apurou que na fonte FF1 (Termodestrutor), foram violados os valores limite de emissão fixados no quadro 10 do ponto 2.2.1.4 da licença ambiental. Com efeito, analisada a licença ambiental de fls. 9 e ss. dos autos e cujo teor foi dado por reproduzido em 3) dos factos provados, verifica-se que, no aludido ponto 2.2.1.4, se prevê o plano de monitorização e os VLE aplicáveis à fonte pontual FF1. Assim, no que concerne ao mês de Dezembro de 2016, verificou-se um incumprimento dos VLE relativamente aos seguintes parâmetros: - partículas totais, registando um valor máximo de 7744,11 mg/Nm3 nos valores médios diários (VLE de 10 mg/Nm3) e de 21.557,6 mg/Nm3 nos valores médios de 30 minutos a 100% (VLE de 30 mg/Nm3); - cloreto de hidrogénio, registando um valor máximo de 83,88 mg/Nm3 nos valores médios diários (VLE de 10 mg/Nm3) e de 101,58 mg/Nm3 nos valores médios de 30 minutos a 100% (VLE de 60 mg/Nm3); - óxidos de azoto, registando um valor máximo de 1016,62 mg/Nm3 nos valores médios diários (VLE de 400 mg/Nm3); - dióxido de enxofre, registando um valor máximo de 384,17 mg/Nm3 nos valores médios diários (VLE de 50 mg/Nm3) e de 398,77 mg/Nm3 nos valores médios de 30 minutos a 100% (VLE de 200 mg/Nm3). Relativamente ao mês de Janeiro de 2017, verificou-se um incumprimento dos VLE relativamente aos seguintes parâmetros: - fluoreto de hidrogénio, registando um valor máximo de 2,19 mg/Nm3 nos valores médios diários (VLE de 1 mg/Nm3) e de 29,78 mg/Nm3 nos valores médios 30 minutos a 100% (VLE de 4 mg/Nm3); - monóxido de carbono, registando um valor máximo de 728,72 mg/Nm3 nos valores médios 30 minutos a 100% e 10 minutos a 95% (VLE de 100 mg/Nm3 média 1 hora); - carbono orgânico total, registando um valor máximo de 10,95 mg/Nm3 nos valores médios diários (VLE de 10 mg/Nm3) e de 72,89 mg/Nm3 nos valores médios 30 minutos a 100% (VLE de 20 mg/Nm3). Estamos perante divergências acentuadas em relação aos apontados valores limite de emissão, as quais se prologaram por período considerável e com as inerentes e gravosas consequências ambientais. Daqui decorre que esta conduta integra os elementos objectivos da infracção prevista pelo art. 111.º n.º2 alínea e) do Decreto-Lei n. º 127/2013, de 30 de Agosto. Já no que concerne à conduta respeitante à violação do valor limite de emissão (VLE), fixado em 150 mg/Nm3 para o parâmetro Partículas totais da fonte FF3, não tendo ficado demonstrado que o valor daquele parâmetro excedesse o referido VLE, esta conduta não é susceptível de preencher os elementos típicos da infracção em análise. Ainda no que concerne ao incumprimento dos VLE nos referidos meses de Dezembro de 2016 e Janeiro de 2017, ficou também demonstrado que a arguida não informou, no prazo de 48h, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e a Direcção Regional de Agricultura e Pescas (DRAP) enquanto entidade coordenadora do licenciamento, sobre a violação daqueles valores da monotorização em contínuo. Ora, analisada a licença ambiental de fls. 9 e ss. dos autos e cujo teor foi dado por reproduzido em 3) dos factos provados, verifica-se que, no ponto 4 se prevê que “caso ocorra um acidente, incidente ou incumprimento desta licença, nomeadamente nas situações tipificadas no quadro 19, o operador deverá: “ a) informar a EC e a APA, IP e a CCDR no prazo máximo de 48 horas, por qualquer via que se mostre eficiente; …”. Não obstante os referidos incumprimentos da licença no que concerne aos referidos VLE, a arguida não efectuou a comunicação, no prazo de 48 horas, às sobreditas entidades, sendo que apenas deu conhecimento da monitorização em contínuo à APA, muito depois de decorrido o referido prazo. Daqui decorre que esta conduta também integra os elementos objectivos da infracção prevista pelo art. 111.º n.º2 alínea e) do Decreto-Lei n. º 127/2013, de 30 de Agosto. Dos factos provados resulta ainda que, aquando da inspecção, a arguida não se encontrava a acondicionar em local coberto as cinzas volantes do reactor de gaseificação (LER -...), sendo visível a acumulação de algumas destas cinzas no chão. Do teor da licença ambiental de fls. 9 e ss. dos autos e cujo teor foi dado por reproduzido em 3) dos factos provados, verifica-se que, no quadro 17 do ponto 2.3.1, se impõe que estas cinzas com o código LER ... têm de ser armazenadas e acondicionadas em contentores metálicos fechados, o que não sucedia nos termos assinalados. Por conseguinte, esta conduta também integra os elementos objectivos da infracção prevista pelo art. 111.º n.º2 alínea e) do Decreto-Lei n. º 127/2013, de 30 de Agosto. Por fim, resultou provado que, no contentor de misturas de resíduos urbanos (LER ...) encontravam-se a ser depositados outros tipos de resíduos como vidro, gradados e contentores metálicos e plásticos, não estando assegurada a triagem adequada deste tipo de resíduos de acordo com o seu código LER específico. Segundo a licença ambiental de fls. 9 e ss. dos autos e cujo teor foi dado por reproduzido em 3) dos factos provados, ali se prevê, no quadro 17 do ponto 2.3.1, que os resíduos com o código LER ... devem ser armazenados e acondicionados em contentor metálico tapado com lona de 26 m3, não devendo ser ali misturados outros resíduos decorrentes do próprio processo produtivo, que deverão ter encaminhamento diverso. Do exposto resulta que esta conduta também integra os elementos objectivos da infracção prevista pelo art. 111.º n.º2 alínea e) do Decreto-Lei n. º 127/2013, de 30 de Agosto. Esta infracção pode ser punida se tiver sido praticada a título doloso ou negligente, vindo a recorrente condenada pela prática de tal contra-ordenação por negligência. São requisitos da negligência enquanto tipo de ilícito: a previsibilidade objectiva (traduz-se no facto de ser possível prever, pelo homem médio, que daquela conduta poderia resultar aquele mesmo resultado desvalioso); a não observância do dever objectivo de cuidado (é aquele cuidado que seria adequado a evitar aquele tipo de resultado, dependendo, em concreto, a definição de cuidado dos bens jurídicos em causa, da proximidade do perigo, da actividade em causa); e, a imputação objectiva do resultado típico à violação do dever objectivo de cuidado. É, assim, necessário que o agente tenha omitido um dever de cuidado, que se tivesse sido acatado, teria impedido a produção de um evento danoso em si previsível. Existe previsibilidade quando o agente nas circunstâncias em que se encontrava podia, tendo em conta as circunstâncias em que o evento se produziu, ter representado como possível o resultado ocorrido. A negligência consiste, pois, em qualquer das suas modalidades, consciente e inconsciente na omissão de um dever objectivo de cuidado e de diligência: o dever de não confiar leviana ou precipitadamente na não produção do facto ou o dever de ter previsto tal facto e de ter tomado as diligências necessárias para o evitar. No caso concreto, ficou demonstrado que a arguida exerce conduta regulada por lei, pelo que tinha obrigação de conhecer e cumprir com o ali prescrito para o exercício da mesma. Não o tendo feito quando adoptou as sobreditas condutas contrárias ao prescrito na licença ambiental, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz, não resultando dos autos elementos que retirem ilicitude aos factos ou censurabilidade à sua conduta. Impõe-se, assim, concluir que a recorrente actuou de forma negligente, preenchendo igualmente o elemento subjectivo da contra-ordenação imputada. Face ao exposto, a recorrente praticou, a título negligente, a contraordenação ambiental grave prevista pelo art. 111.º n.º2 alínea e) do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto, e punida pelo art. 22.º n.º3 alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto. Da determinação da coima Concluindo-se pela manutenção da condenação da recorrente pela prática de duas das três contra-ordenações em causa nos autos, cumpre agora aferir da medida concreta da coima parcelar a aplicar pela prática de cada uma delas e, posteriormente, a determinação da coima única pela punição das infracções em concurso. Na determinação da medida da coima a lei manda atender, entre outros factores, à gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação (cfr. art. 18.º do R.G.C.O.). A recorrente vai condenada pela prática, a título negligente, de duas contra-ordenações previstas pelo art. 111.º n.º2 alíneas b) e e) do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto, e punidas pelo art. 22.º n.º3 alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto. Por conseguinte, a moldura contra-ordenacional da coima para cada uma das sobreditas infracções ambientais graves, praticadas por uma pessoa colectiva, a título de negligência, tem como limite mínimo o montante de 12.000,00€ e o limite montante máximo o montante de 72.000,00€. No caso, verifica-se que, relativamente a cada uma das duas contra-ordenações em causa e cuja condenação subsiste, foi aplicada pela autoridade administrativa, uma coima no valor de 12.000,00€, a qual corresponde já ao mínimo da moldura abstracta prevista. Nessa medida, encontra-se vedado a este tribunal – mormente por força do princípio da reformatio in pejus previsto no art. 72.º-A do R.G.C.O. – fixar coimas parcelares diferentes daquelas que foram encontradas pela autoridade administrativa. Por fim, nos termos do art. 19.º do R.G.C.O., quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso, não podendo a coima a aplicar ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações. Assim, atentas as coimas concretamente aplicadas a cada uma das contra-ordenações, é de aplicar à recorrente uma coima única dentro do limite mínimo de 12.000,00€ (coima mais elevada das concretamente aplicadas às infracções em concurso) e do limite máximo de 24.000,00€ (soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso). A justificação para o regime especial de punição previsto no art. 19.º do R.G.C.O. radica nas finalidades das sanções, exigindo uma ponderação da culpa e das razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial), no conjunto dos factos incluídos no concurso, tendo presente a personalidade do agente. Desde logo, recorde-se que a decisão recorrida ponderou que a recorrente incumpriu obrigações classificadas pelo legislador como contra-ordenações ambientais graves e a que correspondem equivalente grau de gravidade, bem como a existência de um beneficio económico correspondente, pelo menos, às despesas não suportadas para assegurar o cumprimento das omitidas obrigações legais. Por outro lado, importa ter presente o número de vezes em que cada um dos deveres foi violado, identificando-se, a partir dos concretos factos praticados, pelo menos cinco situações susceptíveis de recondução às infracções em causa nos autos. Esta circunstância acentua a ilicitude da conduta. Sem prejuízo, não se deixará de ter em consideração a ausência de antecedentes contra-ordenacionais e ainda que as alterações implementadas pela recorrente representam um esforço financeiro e demonstram uma preocupação na melhoria da eficiência ambiental do seu estabelecimento industrial, com impactos positivos no ambiente, na medida em que visou diminuir os impactos ambientais resultantes da laboração. Por conseguinte, considerando conjuntamente os factos e a natureza dos ilícitos em causa, determina-se a aplicação à recorrente de uma coima única no valor de 20.000,00€ (vinte mil euros). * Aplicando-se aos presentes autos as regras do processo criminal – cfr. o art. 41.º do R.G.C.O. -, o objecto do presente recurso está limitado ao definido pelas conclusões apresentadas no recurso da decisão administrativa apresentado nos autos. Assim, não versando a impugnação judicial quanto à eventual substituição da coima, nada cumpre apreciar a este respeito.IV. DECISÃO Face ao exposto, julga-se o presente recurso contra-ordenacional parcialmente procedente e, em consequência, decide-se: - absolver a recorrente A..., S.A. da prática da contraordenação ambiental muito grave, prevista pelo art. 81.º n.º 3 alínea c) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, e punida pelo art. 22.º n.º4 alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, que lhe vinha imputada; - manter a condenação da recorrente A..., S.A. pela prática da contraordenação ambiental grave, prevista pelos art. 19.º e 111.º n.º2 alínea b) do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto, e punida pelo art. 22.º n.º3 alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na coima parcelar no valor de 12.000,00€ (doze mil euros); - manter a condenação da recorrente A..., S.A. pela prática da contraordenação ambiental grave, prevista pelo art. 111.º n.º2 alínea e) do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto, e punida pelo art. 22.º n.º3 alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na coima parcelar no valor de 12.000,00€ (doze mil euros); - em cúmulo jurídico, condenar a recorrente A..., S.A. numa coima única que se fixa no valor de 20.000,00€ (vinte mil euros). * Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça no montante de 3 UC, em face da actividade processual desenvolvida (cfr. art. 513.º e 514.º do C.P.P., art. 8.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais e art. 57.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto).* Registe e notifique.* Comunique à autoridade administrativa – cfr. art. 55.º n.º 3 da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, e art. 70.º n.º 4 do R.G.C.O.* Progredindo para a apreciação do recurso, passemos então a analisar as suscitadas e elencadas questões: - impugnação dos factos provados 7. 9., 10. 11. e 13. e o facto b) dos Factos Não Provados e contradição entre o ponto 7. dos Factos Provados e o facto dado como provado em 14. Como amplamente decorre das motivações do recurso, a recorrente discorda e discute parte da matéria de facto fixada, e, em simultâneo, argumenta que a decisão padece do vício da contradição. Principia o recurso enumerando os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, a saber, os factos provados 7. 9., 10. 11. e 13. e o facto b) dos Factos Não Provados, porquanto, assevera, sem mais, que a prova produzida não o permite. Depois, no que concerne à contraordenação prevista na alínea b) (incumprimento do dever de comunicar qualquer alteração da instalação), sustenta que o ponto 7. dos Factos Provados está em directa contradição com o facto dado como provado em 14. Pois, se por um lado se dá como provado que as alterações introduzidas não foram previamente comunicadas à APA por via da Entidade Coordenadora do Licenciamento, por outro lado dá-se como provado que a sua instalação constituiu um sistema de carácter inovador complexo, que foi acompanhado pela APA e pela DRAPN. Como, aliás, está dado como provado no ponto 17. dos factos Provados, a instalação efectuada pela ora recorrente, para além de representar um esforço financeiro por parte desta, teve e tem impactos muito positivos no ambiente, na medida em que diminuiu, como continua a diminuir, significativamente os impactos ambientais resultantes da laboração da ora recorrente E, acrescenta, não lhe era possível – e nem a nenhuma outra empresa colocada nas suas circunstâncias - solicitar uma alteração à licença ambiental, sem que solicitasse um pedido de alteração da exploração, que é um processo extremamente complexo e moroso, nunca menos de três anos do qual a licença ambiental é apenas uma “peça”, uma pequena parte. Questiona por isso a prática da antedita contraordenação, sustentando que foi condenada “apenas” por não ter cumprido a parte burocrática, porquanto, na prática, nenhum dano causou ao ambiente – muito pelo contrário. Vejamos. A recorrente, na sua densificação recursiva, e em atinência à pretensa impugnação da matéria de facto, apresenta a sua versão dos factos impugnados, e de imediato, sustenta que o facto dado como provado em 7. está em directa contradição com o facto dado como provado em 14. Porém, cumpre desde logo aclarar a questão, atentando no especifico regime dos recursos das contraordenações. Com efeito, o regime dos recursos de decisões proferidas em primeira instância, em processo de contraordenação, está definido nos arts. 73º a 75º do Regime Geral das Contraordenações (doravante designado de RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27/10, e sucessivamente alterado pelos Decreto-Lei nº 356/89, de 17/10, Decreto-Lei nº 244/95, de 14/09, Decreto-Lei nº 323/2001, de 17/12, e pela Lei nº 109/2001, de 24/12 -, seguindo a tramitação dos recursos em processo penal - cfr. nº 4 do art. 74º, decorrente do princípio da subsidiariedade a que alude o seu art. 41º. Assim sendo, neste âmbito, constituindo desvio ao princípio geral que as Relações conhecem de facto e de direito - cfr. art. 428º do CPP -, apenas se conhece, em regra, da matéria de direito, sem prejuízo de alteração da decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida ou de anulação e devolução do processo ao mesmo tribunal, conforme estipula o art. 75º do RGCO, decorrendo do seu nº 1 “se o contrário não resultar deste diploma, a 2ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões”. Donde, face aos poderes conferidos pelo citado normativo, nos processos de contraordenação, como é o caso destes autos, o Tribunal da Relação (a segunda instância) apenas conhece da matéria de direito, funcionando como tribunal de revista, perante os factos que foram apurados em primeira instância. O que quer dizer que a factualidade apurada e dada como assente na sentença proferida em primeira instância tem de considerar-se fixada, salvo se do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resultar a ocorrência de algum dos vícios a que alude o art. 410º, nº 2, do CPP. Acerca do tema em análise lê-se no Acórdão desta Relação do Porto de 18.05.2005 acessível in www.dgsi.pt. “O tribunal da Relação, em regra e no âmbito dos recursos de contraordenação, apenas conhece de direito. Constituem excepções a esta regra as que constam do art. 410º, nº 2, do CPP: A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e o erro notório na apreciação da prova. Tais vícios da matéria de facto têm de resultar do texto da decisão recorrida e sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, não sendo admissível, designadamente, o recurso a declarações ou de depoimentos exarados no processo, e não podendo basear-se em documentos juntos ao processo”. Em consonância, este Tribunal ad quem apenas conhece, neste âmbito, de matéria de direito, muito embora sem prejuízo da apreciação das assinaladas questões de conhecimento oficioso, a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, ou a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos arts. 379º, nº 2 e 410º, nº 3, do CPP. Posto isto, é inequívoco que o inconformismo da recorrente se dirige a alguma da matéria de facto, que identifica, procurando provocar o seu reexame, mas que, como vindo de referir, não é admissível. O que quer dizer que a recorrente não teve em conta o regime legal aplicável nesta sede do qual decorre que a matéria de facto provada está definitivamente fixada na decisão recorrida, e é sob esse aspeto imodificável o decidido, pois o Tribunal a quo esgotou os poderes de averiguação da matéria de facto. Improcede, desta forma, o presente fundamento do recurso, considerando-se definitivamente fixada a matéria de facto, sem prejuízo da análise da questão subsequente. * No que concerne ao vicio decisório invocado – contradição entre o facto dado como provado em 7.e o facto dado como provado em 14. – haverá que observar o seguinte.Conforme supra se aflorou a matéria de facto pode ser questionada mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do Código Processo Penal, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar. Estamos em presença de impugnação da matéria de facto baseada no chamado recurso de revista ampliada, e que se reconduz às patologias catalogadas nas alíneas do nº 2, do art. 410º, que devem surgir evidenciadas no texto decisório, por si ou em conjugação com as regras de experiência, sem recurso a quaisquer outros elementos que o extravasem. Assim, os erros da decisão, para poderem ser apreciados ou mesmo conhecidos oficiosamente, devem detetar-se, sem esforço de análise, a partir do teor da própria sentença, sem recurso a elementos externos como seja o cotejo das provas disponíveis nos autos e/ou produzidas em audiência de julgamento. O elenco legal destes vícios, como decorre das alíneas a), b) e c), do citado normativo legal, abrange a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - lacunas factuais que podiam e deviam ter sido averiguadas e se mostram necessárias à formulação de juízo seguro de condenação ou absolvição -, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão - incompatibilidade entre factos provados ou entre estes e os não provados e entre a matéria fáctica e a conclusão jurídica - e o erro notório na apreciação da prova - erro patente que não escapa ao homem comum. Sendo certo que o vício decisório previsto na referida alínea b), do nº 2 do citado art. 410º, e o que a recorrente suscita (muito embora sem enquadrar legalmente o tema) abrange, na verdade, dois vícios distintos: a contradição insanável da fundamentação; e a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. Ora, no caso em exame, afirma a recorrente que estão dados como provados dois factos que manifestamente não podem estar simultaneamente provados. Trata-se de “um vício ao nível das premissas, determinando a formação deficiente da conclusão”, de tal modo que “se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correta é impossível” – vide Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 13.05.2020, disponível in www.dgsi.pt., citando o acórdão do STJ de 18/2/1998, Proc. nº JSTJ00034535. Vejamos então se assiste razão à recorrente, revisitando os pontos factuais em questão. O ponto 7. da matéria de facto provada tem o seguinte teor: 7. Após a emissão da licença ambiental referida em 3., a arguida procedeu à instalação de um novo termodestrutor regenerativo na unidade de categoria 3, o que constitui uma nova fonte fixa de emissão e procedeu à remoção da fonte FF2, o termodestrutor de reserva na unidade de categoria 1, consubstanciando estas modificações alterações significativas à LA e ao modo de funcionamento da instalação, em particular aos métodos de encaminhamento e tratamento dos gases com origem no seu processo industrial, não tendo sido tais alterações previamente comunicadas à APA por via da Entidade Coordenadora do Licenciamento. Já o ponto 14. do mesmo elenco reza o seguinte: 14. O desenvolvimento de um sistema de incineração próprio e a sua instalação constituiu um processo técnico complexo que foi acompanhado pela Agência Portuguesa do Ambiente e Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Norte. Ora, analisada a decisão recorrida não descortinamos qualquer contradição entre os anteditos factos, percebendo-se antes e tão só que a recorrente tem uma perspetiva diferente em relação á apreciação da prova efetuada pelo tribunal. Em realidade, o ponto 7. da matéria de facto provada em nada colide com o ponto 14. da matéria de facto provada, posto que não se tratam objetivamente de factos contraditórios, mas sim diferentes e, por isso, não se excluem entre si, o que aliás na motivação, o tribunal a quo satisfatoriamente explica, sem deixar qualquer margem para dúvidas. Com efeito, tal como desenvolve o tribunal recorrido, o que se rememora “No que respeita ao ponto 7 e 14 a 17 dos factos provados, a recorrente não colocou em causa que, aquando da inspecção realizada, efectivamente havia sido efectuada uma alteração relevante com a instalação de um novo termodestrutor regenerativo na unidade de categoria 3 e remoção da fonte FF2, o termodestrutor de reserva na unidade de categoria 1. Sendo que a Agência Portuguesa do Ambiente e Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Norte acompanhou tal processo como prossegue e detalha a fundamentação da decisão recorrida. E, de facto, quando analisada a licença ambiental emitida em 5/12/2016, verifica-se que esta solução técnica implementada não se encontrava contemplada, revestindo uma modificação significativa à licença ambiental e ao modo de funcionamento da instalação, em particular aos métodos de encaminhamento e tratamento dos gases com origem no seu processo industrial. É certo que, como afirmaram o legal representante da recorrente e as testemunhas FF e GG, esta solução era urgente e não podia aguardar a instrução de um novo processo de alteração da licença ambiental. No entanto, bem explicou o inspector do IGAMAOT, BB, que, tendo sido realizada a inspecção em 15/02/2017 e datando a licença ambiental de 5/12/2016, eram já várias e relevantes as modificações realizadas nos equipamentos, sem que a recorrente tivesse dado cabal conhecimento às entidades competentes e responsáveis pelo licenciamento. Aliás, a inspectora CC aludiu a uma “profunda alteração” do projecto que foi apresentado pela recorrente para instrução do pedido de licença ambiental que havia sido emitida há menos de três meses. Note-se que, conforme resulta de fls. 227 a 229 dos autos, em 16/12/2016 e 30/01/2017, a recorrente enviou à APA os relatórios de monitorização em continuo da unidade de incineração de resíduos e deu conta que, em face dos VLE e dos resultados obtidos pela solução técnica implementada (e prevista na licença ambiental), “a empresa já adjudicou a aquisição de um STEG à empresa C..., que será parte integrante do processo de alteração à LA que a empresa vai promover”. Porém, ao invés de aguardar por esse processo de alteração (sendo que foi essa a intenção que comunicou à APA), a recorrente logo implementou essa modificação de equipamentos, a qual já se encontrava em funcionamento aquando da inspecção em 15/02/2017 e uma vez decorrido período inferior a três meses após a emissão da licença. E não se diga, como sustentou a recorrente, que não era viável a instrução de um pedido de alteração à licença (facto não provado descrito sob a alínea b), porquanto, segundo oficio junto ao processo em 13/03/2024, veio a APA informar que “1. A licença ambiental prevista no capítulo II do Decreto-lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, na sua atual redação (diploma REI) pode ser objeto de alteração após a sua emissão, desde que o operador apresente na APA, IP, via Entidade Coordenadora, um pedido de alteração da exploração, nos termos do artigo 19º do Diploma REI. 2. O operador da instalação A..., S.A submeteu um pedido de alteração no módulo LUA, que funciona a partir da plataforma electrónica D... a 17 de julho de 2017, processo com a Refe ..., que se anexa, tendo o mesmo sido encerrado por esta Agência em 27 de setembro de 2017, em virtude de o mesmo ter sido incorretamente submetido pelo operador; este facto foi comunicado ao operador, através do envio de uma mensagem via D..., que se anexa, para endereço de email: ..........@.....”. De facto, resultou da prova produzida que a recorrente apenas instruiu novo pedido de alteração da licença ambiental em Julho de 2017, o qual foi encerrado. Todavia, através de novo pedido datado de Dezembro de 2017, a nova licença veio a ser emitida e finalizada em 2021, encontrando-se ali contempladas as ditas alterações que foram efectuadas no final de 2016 / início de 2017. Não se olvida a explicação dada pela testemunha GG de que, encontrando-se pendente o pedido de licenciamento que só ficou concluído com a vistoria ocorrida em 20/02/2017, não era possível gerar novo pedido, em simultâneo, na plataforma existente para o efeito. No entanto, a ser assim, sempre teria a recorrente de aguardar por essa mesma vistoria e só depois diligenciar pelo pedido de alteração do licenciamento com vista a implementar as soluções técnicas que considerava adequadas. De referir que não se pode considerar cumprida a obrigação de comunicar e licenciar esta alteração dos equipamentos com base nas comunicações que foi remetendo à APA e em que dava conta da intenção de virem a fazer uma substituição da fonte FF2. Conforme se afere do documento a fls. 280 dos autos, em 21/03/2015, a recorrente informou a APA que “quanto ao FF2 – termodestrutor de reserva – não iremos fazer nada uma vez que este equipamento será substituído (no prazo de 1 ano) por um outro que terá como combustível o singás produzido na instalação de incineração de resíduos (gaseificador)”. Idêntica comunicação foi efectuada em 21 de Abril de 2016 (cfr. fls. 281 e 282), voltando a referir-se que a empresa pretendia, “no espaço de um ano, substituir o termodestrutor de reserva por uma caldeira nova que incluirá também uma chaminé nova”. Daqui não se pode retirar qualquer concreto pedido de autorização ou licenciamento expresso para a realização das aludidas alterações, não sendo mais do que uma manifestação de uma intenção futura e que não prescinde do cumprimento das formalidades legais impostas para este tipo de instalações. Da mesma forma, a circunstância da Agência Portuguesa do Ambiente não ter manifestado discordância ou objecção em relação a essa mera pretensão de vir a substituir o termodestrutor de reserva também não revela qualquer assentimento por parte daquela entidade, tanto mais que nunca lho foi pedido. Por outro lado, também não releva a circunstância de a vistoria só ter sido efectuada em 20/02/2017 quando a licença ambiental datava já de 5/12/2016, porquanto, conforme afirmou a testemunha DD, após a sua emissão, o operador está já adstrito ao cumprimento das obrigações decorrentes da licença. Nessa medida, concluímos que, efectivamente, a recorrente procedeu a alterações significativas por referência aos equipamentos previstos na licença ambiental (a qual foi emitida de acordo com o projecto que a própria apresentou), sem cuidar de informar devidamente as autoridades competentes de que essas mesmas alterações já estavam a ser implementadas e sem diligenciar pela instrução do correspondente pedido de alteração / modificação da licença ambiental. Bem se vê, por isso, sendo também para nós evidente, que a factualidade vertida em cada um desses factos não é contraditória, abarcando realidades factuais distintas, contrariamente ao propugnado pela recorrente. Sem olvidar que o tribunal recorrido não deu como provado que “aquando do sucedido em 7) dos factos provados, a arguida não podia apresentar novo processo para alteração da licença ambiental”. De resto, a circunstância de a Agência Portuguesa do Ambiente e Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Norte ter acompanhado o antedito processo, nada tem de contraditório com a afirmação de que “Após a emissão da licença ambiental referida em 3., a arguida procedeu à instalação de um novo termodestrutor regenerativo na unidade de categoria 3, (…) não tendo sido tais alterações previamente comunicadas à APA por via da Entidade Coordenadora do Licenciamento.”. Não ocorre, portanto, o sugerido vicio. Improcede, deste modo, o presente fundamento do recurso. - a (il)icitude da sua conduta. No que à matéria de direito se refere, começa por questionar a prática das contraordenações e concreta e resumidamente, no que toca à Contraordenação prevista na alínea b) (incumprimento do dever de comunicar qualquer alteração da instalação), conclui que foi condenada “apenas” por não ter cumprido a parte burocrática, porquanto, na prática, nenhum dano causou ao ambiente – muito pelo contrário. Faz sobressair que que estamos a tratar de contraordenações ambientais, em que o que está em causa deve ser a protecção do meio ambiente e não a protecção da burocracia. E porque nenhum comportamento negligente lhe pode ser apontado - mas sim, pelo contrário, de extremamente diligente, porquanto não mediu esforços para resolver um problema ambiental muito prejudicial à saúde pública e ao meio ambiente, o que logrou fazer - entende a recorrente que não devia ter sido condenada pela prática das contraordenações que lhe estavam imputadas. Já quanto à Contraordenação prevista na alínea c) (inobservância das condições fixadas na licença ambiental) igualmente sustenta que não devia ter sido condenada pela prática desta contraordenação, posto que, não obstante existirem valores divergentes dos legalmente permitidos, é preciso não esquecer que parte deles se encontrava dentro do período experimental, onde não existiam, consequentemente, tais obrigações. Mais aduz que laborou em erro, erro esse que não lhe pode ser censurável, porquanto se tratava de um equipamento inovador e único, sujeito a período experimental, o que exclui a ilicitude do facto. No que respeita aos resíduos, a ora recorrente mantém que tudo o que se encontrava nos contentores de resíduos urbanos, tal como visível nas fotografias, eram resíduos urbanos e, como tal, estavam correctamente seriados. Quanto às cinzas, a ora recorrente mantém que no dia da inspecção a tampa do contentor havia sido levada para reparar, porquanto se tinha partido – ou seja, por força de um acidente, não previsto, não previsível e não querido, aquele concreto contentor não tinha tampa. A mesma foi reparada e recolocada logo que possível, o que ocorreu no dia seguinte. Vejamos. Como se fez sobressair supra, a matéria de facto provada mostra-se intangível, sem ocorrência de qualquer vicio decisório, mormente o convocado, e assim sendo, dúvidas não há incerteza de que todos os elementos dos tipos contraordenacionais assacados à recorrente se mostram verificados, como aliás, fundada e detalhadamente, a decisão em escrutínio revelou. Donde, e necessariamente terá liminarmente de ser desatendida a pretensão em causa, não merecendo reparo a sentença na parte em que considerou convergirem no caso os elementos das contraordenações em causa, e que nos escusamos de repisar, não ocorrendo, de todo, o aventado erro, suscetível de excluir a ilicitude do facto. Mas, e ainda assim, em síntese apertada: - do incumprimento do dever de comunicar qualquer alteração da instalação, prevista pelos art.º 19.º e 111.º, n.º 2 alínea b) do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto, e punida pelo art.º 22.º, n.º 3 alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto (contraordenação prevista na al. b) da sentença) Como se denota da alegação recursiva, a recorrente faz finca pé de que não podia ou não lhe era possível solicitar uma alteração à licença ambiental, sem que solicitasse um pedido de alteração da exploração, que é um processo extremamente complexo e moroso, à data, nunca menos de três anos, do qual a licença ambiental é apenas uma “peça”, uma pequena parte. Todavia, a descrita factualidade não logrou comprovação. Antes se provou, e de resto já acima se anotou, que, após a emissão da licença ambiental em 5/12/2016, a arguida procedeu à instalação de um novo termodestrutor regenerativo na unidade de categoria 3, o que constitui uma nova fonte fixa de emissão e procedeu à remoção da fonte FF2, o termodestrutor de reserva na unidade de categoria 1. Constituindo tais procedimentos modificações significativas à licença ambiental e ao modo de funcionamento da instalação, em particular aos métodos de encaminhamento e tratamento dos gases com origem no seu processo industrial, não tendo sido tais alterações previamente comunicadas à APA por via da Entidade Coordenadora do Licenciamento. Ora, tal como se conclui e bem que “tendo a arguida procedido à modificação das características, do funcionamento e a uma ampliação da instalação que era susceptível de ter consequências no ambiente (como, aliás, teve), teria de adoptar os procedimentos previstos no referido art. 19.º, o que não se verificou no caso em apreço. E o próprio tribunal recorrido concede que “resultou demonstrado que a instalação de incineração de resíduos, que integra o termodestrutor associado à fonte pontual FF1, representa um esforço financeiro da arguida na melhoria da eficiência ambiental do seu estabelecimento industrial, com impactos positivos no ambiente, na medida em que diminui substantivamente os impactos ambientais resultantes da laboração do mesmo.” como é de forma gritante enfatizado pela recorrente no recurso. Mas, deixa-se explicado, e reitera-se, nesta sede que, tal não invalida a obrigação que sobre a recorrente impendia de diligenciar pela alteração da licença ambiental com vista a que mesma contemplasse a nova solução técnica implementada. Mostra-se, sem dúvida, preenchido o elemento objectivo do tipo legal da contraordenação em exame. No que ao elemento subjetivo do tipo diz respeito, a recorrente foi condenada a título negligente, e dispensando-nos de aprofundar o tema, posto que a sentença recorrida o explicitou com profundidade, limitar-nos-emos a constatar que, na situação em apreço, ficou demonstrado que a arguida exerce conduta regulada por lei, pelo que tinha obrigação de conhecer e cumprir com o ali prescrito para o exercício da mesma. Não o tendo feito, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz, não existindo nos autos elementos que retirem ilicitude aos factos ou censurabilidade à sua conduta. Actuou, pois, aquela de forma negligente, pelo que se mostra também preenchido o elemento subjectivo da sobredita contraordenação (prevista pelos art. 19.º e 111.º nº 2 alínea b) do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto, e punida pelo art. 22.º n.º3 alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.) * - Inobservância das condições fixadas na licença ambiental na construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais actividades constantes do anexo I, prevista pelo art. 111º nº 2 alínea e) do Decreto-Lei n. º 127/2013, de 30 de agosto, e punida pelo art. 22º nº 3 alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto (contraordenação prevista na al. c) da sentença)A tónica da recorrente, no que a esta contraordenação se refere, incide sobre a prática, do circunstancialismo considerado no período experimental; os resíduos eram urbanos e, como tal, estavam correctamente seriados e quanto às cinzas, a tampa do contentor havia sido levada para reparar, porquanto se tinha partido, o que sequer encontra respaldo nos factos provados. Vejamos então, sendo de assinalar que, considerando a factualidade dada como provada, são várias as infracções que se subsumem à prática da contraordenação em análise, em virtude da inobservância das condições fixadas na licença ambiental. Assim e desde logo, na fonte FF1 (Termodestrutor), foram violados os valores limite de emissão fixados no quadro 10 do ponto 2.2.1.4 da licença ambiental. Sendo certo que, tal como destaca a sentença recorrida, estamos perante divergências acentuadas em relação aos apontados valores limite de emissão (que a decisão recorrida enumera), as quais se prologaram por período considerável (dezembro de 2016 e janeiro de 2017) e com as inerentes e gravosas consequências ambientais, pelo que a apurada conduta integra os elementos objectivos da infracção prevista pelo art. 111º nº 2 alínea e) do Decreto-Lei n. º 127/2013, de 30 de agosto. É um dado inquestionável que, quando a primeira alteração ocorreu já tinha sido emitida a licença ambiental que estipulava os valores limites de emissão máximos admitidos a qual a recorrente sabia existir e estar vinculada e, por outro lado, já depois do termo do período experimental a recorrente voltou a registar valores de emissão superiores aos fixados na licença ambiental. Por outro lado, a recorrente violou em duas ocasiões os parâmetros previstos na licença ambiental, sendo que no mínimo, na sequência da primeira ocorrência deveria ter parado a laboração (e com isso evitar a poluição do ambiente), comunicar às entidades competentes, detetar os problemas técnicos e corrigi-los, só retomando a atividade com a certeza de que os equipamentos estavam a operar com emissões abaixo dos limites de referência, como justamente observa o Ministério Público na resposta ao recurso. É que a arguida é uma pessoa coletiva, sociedade anónima, que desenvolve, desde há vários anos, atividades de onde poderão resultar graves prejuízos ambientais, razão pela qual não é configurável a possibilidade de poder exercer essas atividades de forma leviana, sem o conhecimento concreto dos perigos que implica e condições que tem de observar e, consequentemente, da sua responsabilidade individual e da regulamentação a que se encontra sujeita, tanto mais que a atividade em causa carecia de uma licença ambiental para a qual a recorrente inevitavelmente teve de instruir o referido pedido com todos os documentos, pareceres e registos técnicos a fim de lhe ser autorizado o desenvolvimento da referida atividade económica (a transformação de subprodutos de origem animal de categoria 1 e 3 e gaseificação de resíduos – cf. ponto 3 da matéria de facto provada). E acrescenta, com acuidade, “a atividade desenvolvida, perante as suas específicas características e necessidade de uma licença ambiental emitida e escrutinada por diversas entidades públicas, possui relevante carga ética, não sendo uma atividade axiologicamente neutra, pelo que a sociedade arguida, para além de conhecer a antijuridicidade formal da sua conduta, conhecia ainda a ilicitude material ou danosidade social dessa mesma sua conduta (sabia que agia, claramente, em desconformidade com os valores tutelados pela ordem jurídica), encontrando-se numa situação de prever o injusto do facto, como previu, não tendo, pois, atuado sem consciência da ilicitude (não tendo agido em erro sobre a ilicitude). Resta dizer que a circunstância de, na perspetiva da recorrente, nenhum “evento danoso” ter ocorrido, ou seja, não ter sido verificado um dano ambiental, não exclui a ilicitude do facto, mas antes tem relevância na medida da coima, a qual se fixou pelo mínimo legal. Sendo inquestionável que efetivamente foram violados os valores limite de emissão para a atmosfera em dois meses com as inerentes consequências ambientais. Ainda no que concerne ao incumprimento dos VLE nos referidos meses de dezembro de 2016 e janeiro de 2017, ficou também demonstrado que a arguida não informou, no prazo de 48h, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e a Direcção Regional de Agricultura e Pescas (DRAP) enquanto entidade coordenadora do licenciamento, sobre a violação daqueles valores da monotorização em contínuo, conduta que também integra os elementos objectivos da antedita contraordenação. Ora, não obstante os referidos incumprimentos da licença no que concerne aos referidos VLE, a arguida não efectuou a comunicação, no prazo de 48 horas, às sobreditas entidades, sendo que apenas deu conhecimento da monitorização em contínuo à APA, muito depois de decorrido o referido prazo. Portanto, este dever de comunicação às entidades competentes no prazo de 48 horas da alteração dos valores limites de emissão, resultava expressamente da licença ambiental que foi emitida à recorrente, não podendo ela desconhecer o conteúdo da mesma e eventuais consequências em caso de incumprimento. Ainda resulta dos factos provados resulta que, aquando da inspecção, a arguida não se encontrava a acondicionar em local coberto as cinzas volantes do reactor de gaseificação (LER -...), sendo visível a acumulação de algumas destas cinzas no chão e, do teor da licença ambiental de fls. 9 e ss. dos autos e cujo teor foi dado por reproduzido em 3) dos factos provados, verifica-se que, no quadro 17 do ponto 2.3.1, se impõe que estas cinzas com o código LER ... têm de ser armazenadas e acondicionadas em contentores metálicos fechados, o que não sucedia nos termos assinalados. Por conseguinte, esta conduta também integra os elementos objectivos da mesma infracção contraordenacional. Em relação aos resíduos urbanos, resultou outrossim provado que, no contentor de misturas de resíduos urbanos (LER ...) encontravam-se a ser depositados outros tipos de resíduos como vidro, gradados e contentores metálicos e plásticos, não estando assegurada a triagem adequada deste tipo de resíduos de acordo com o seu código LER específico. Segundo a licença ambiental de fls. 9 e ss. dos autos e cujo teor foi dado por reproduzido em 3) dos factos provados, ali se prevê, no quadro 17 do ponto 2.3.1, que os resíduos com o código LER ... devem ser armazenados e acondicionados em contentor metálico tapado com lona de 26 m3, não devendo ser ali misturados outros resíduos decorrentes do próprio processo produtivo, que deverão ter encaminhamento diverso. Do que tudo resulta que esta apurada conduta também integra os elementos objectivos da infracção prevista pelo art. 111.º nº 2 alínea e) do Decreto-Lei n. º 127/2013, de 30 de agosto. Tendo actuado de forma negligente, mostra-se também preenchido o elemento subjectivo da sobredita contraordenação. Desta feita, igualmente neste conspecto, não merece censura, a sentença recorrida. Destarte, o recurso improcede neste segmento. - a sentença padece de nulidade porque não se pronunciou sobre a possibilidade de haver lugar à atenuação especial da coima. Por último, entende a recorrente que não trataram, nem a entidade autuante, nem o tribunal a quo, como podiam e deviam, de analisar e proceder à aplicação da pena especialmente atenuada, nos termos do artigo 23º-A do DL 50/2006 de 29/08, na sua redacção actual, não se tratando de análise facultativa. É que a decisão foi tomada pela Entidade Autuante em dezembro de 2022, quando passavam já mais de cinco anos e meio sobre a alegada prática das contraordenações que haviam sido imputadas à recorrente, tendo sido mantida pelo tribunal a quo, e as coimas aplicadas situadas no mínimo legal. E aceutua a lei não diz que a autoridade “pode atenuar especialmente” a coima, estipulando antes que esta “atenua especialmente a coima em determinados casos”. E um dos casos em que é imposta a atenuação especial da coima é o previsto na alínea b) do nº 2 do referido artigo 23º-A, ou seja, “terem decorrido dois anos sobre a prática da contraordenação, mantendo o agente boa conduta”. Portanto, deixou o tribunal a quo de se pronunciar sobre questão que devia apreciar, sendo nula a decisão, nos termos do art. 379º nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, aplicável ex vi dos artigos 2º da Lei 50/2006 de 29/08, na sua redacção actual e 41º do RGCO. Começamos por antecipar que, lavra a recorrente em tão inusitado quanto indesculpável equivoco, pois só ocorre omissão de pronúncia quando, nos termos do art. 379º, nº 1, alínea c), do CPP, o tribunal “deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” ou seja, o tribunal tenha o dever de o fazer, o que equivale a dizer que a mesma se suscite. Com efeito, se atentarmos no teor da impugnação judicial que foi deduzida pela recorrente em 01/02/2023 (cfr. fls. 400 a 407) desde logo constatamos que não foi suscitada pela recorrente a apreciação da suscitada questão no recurso interposto para esta Relação, tão pouco é a mesma de conhecimento oficioso pelo Tribunal a quo. Cumpre escrutinar a disposição legal invocada - o referido art. 23º-A do DL 50/2006 de 29/08 – na qual se estatui: “1 - Para além dos casos expressamente previstos na lei, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da coima. 2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes: a) Ter havido atos demonstrativos de arrependimento do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados e o cumprimento da norma, ordem ou mandado infringido; b) Terem decorrido dois anos sobre a prática da contraordenação, mantendo o agente boa conduta.”. E à luz do art. 23.º-B “Termos da atenuação especial” “Sempre que houver lugar à atenuação especial da coima, os limites mínimos e máximos da coima são reduzidos a metade.” Dito isto, importa ter presente que a atenuação especial – neste caso da coima - está reservada para casos extraordinários ou excecionais, pois para a generalidade dos casos a pena determina-se dentro da moldura penal do tipo de ilícito (contraordenacional in casu) cometido pelo agente. E assim sendo, a substituição da moldura penal do tipo de ilícito cometido pelo agente por uma moldura especialmente atenuada, só pode dar-se quando no caso concreto existam circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores que ainda não tenham operado e “que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena/coima” – cfr. a norma decalcada no art. 72º, nº 1, do CP. Critério decisivo é que as circunstâncias concorrentes, pela sua especial intensidade, configurem um caso de gravidade, tão acentuadamente diminuída, seja ao nível da ilicitude ou da culpa, seja ao nível da necessidade da pena, que escapa à previsão do que o legislador definiu e que, por isso, seria injusto punir dentro da respetiva moldura penal, já prevenidamente muito ampla. Em suma, podemos afirmar que a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, uma vez que, para a generalidade dos casos normais, existem as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios, o que aliás é consensual na jurisprudência. Ora, regressando ao nosso caso, relativamente a cada uma das duas contraordenações em causa foi aplicada pela autoridade administrativa, uma coima no valor de 12.000,00€, a qual corresponde já ao mínimo da moldura abstracta prevista. Nessa medida, considerou o tribunal recorrido estar-lhe vedado – mormente por força do princípio da reformatio in pejus previsto no art. 72.º-A do R.G.C.O. – fixar coimas parcelares diferentes daquelas que foram encontradas pela autoridade administrativa. Sem perder de vista que realçou o mesmo tribunal que “importa ter presente o número de vezes em que cada um dos deveres foi violado, identificando-se, a partir dos concretos factos praticados, pelo menos cinco situações susceptíveis de recondução às infracções em causa nos autos. Esta circunstância acentua a ilicitude da conduta.”. Daí que a circunstância meramente exemplificativa que da norma consta e a que a recorrente faz apelo - Terem decorrido dois anos sobre a prática da contraordenação, mantendo o agente boa conduta - não configura um caso de gravidade, tão acentuadamente diminuída, seja ao nível da ilicitude ou da culpa, seja ao nível da necessidade da pena, que escapa à previsão do tipo de ilícito contraordenacional que o legislador definiu. Antes pelo contrário, o tribunal entendeu que no caso a ilicitude era acentuada e acabou por não elevar as coimas para lá do mínimo legal, porque tal possibilidade lhe estava vedada. Portanto, está completamente fora de cogitação poder concluir-se pela considerável diminuição da ilicitude dos factos. Donde, não tem qualquer sustentação fática e de direito a pretensão recursiva, tão pouco ocorre nulidade alguma. Deste modo, é manifesta a improcedência do recurso, também neste segmento. Por conseguinte, deve o recurso ser julgado integralmente improcedente. III. DECISÃO Face ao exposto, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso interposto pela arguida A..., SA mantendo na integra a sentença recorrida. Face à improcedência do recurso, condena-se a Recorrente no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs. Notifique. (Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente). Porto, 13 de novembro de 2024 Cláudia Rodrigues Maria dos Prazeres Silva Maria Dolores da Silva e Sousa |