Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2505/23.6T8AVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA
PRESCRIÇÃO
INDEMNIZAÇÃO EM PRESTAÇÕES AUTÓNOMAS
Nº do Documento: RP202405092505/23.6T8AVR-A.P1
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O prazo de prescrição do direito de regresso da seguradora tem o seu termo inicial na data em que for feito o pagamento da última parcela da indemnização, excepto quando a indemnização global possa ser fraccionada em prestações individuais e autónomas.
II - Cabe ao causador do acidente alegar e provar os factos diferenciadores desses núcleos indemnizatórios.
III - Integram essa autonomia as indemnizações líquidas em 2018 a vários lesados do mesmo acidente ocorrido em 2011 e duas entidades hospitalares que lhe prestaram assistência, tanto mais que o direito de regresso quanto à principal lesada só foi acionado em 2023.
IV - A intervenção incidental do condutor do veículo na acção em que essa lesada principal pediu uma indemnização pela eclosão do acidente não pode abranger as quantias entregues, em data anterior à instauração desta aos restantes lesados, porque nunca foi exigido ou alegado o cumprimento dessa indemnização que era, pois, desconhecida pelo devedor e não fez parte do objecto dessa acção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2505/23.6T8AVR-A.P1


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Sumário:

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I. Relatório

A... - COMPANHIA DE SEGUROS S.A. intenta a presente ACÇÃO DECLARATIVA SOB FORMA DE PROCESSO COMUM contra AA, id nos autos pedindo que se condene o Réu ao pagamento do valor de € 359.835,70 (trezentos e cinquenta e nove mil oitocentos e trinta e cinco euros e setenta cêntimos) acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, a apurar, desde a primeira interpelação daquele até efetivo e integral pagamento, custas judiciais e respetivas custas de parte. (Mais) se Condene o Réu no pagamento de todas as quantias que vierem a ser pagas a título de regularização do sinistro pela Autora, cujos montantes se relegam para liquidação de Sentença.

Para tal alega em suma que a Autora celebrou com o Réu um contrato de seguro do Ramo Automóvel, no decurso do qual ocorreu um acidente com o veículo por aquele tripulado e objecto do seguro.

Nesse condução o réu acusou uma TAS de 1,95 g/l, e deu causa ao sinistro, cujos danos já reparou e que montam no montante peticionado.


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Na sua contestação o réu, apelado pede a sua absolvição, alegando, no que aqui interessa, que A Autora terá efetuado vários pagamentos a várias entidades e a várias pessoas, sendo por isso, cada pagamento, autónomo, para efeitos de prescrição. Além do mais, o acidente ocorreu no dai 1 de janeiro de 2011. Pelo que invoca o decurso do prazo de prescrição dos pagamentos mencionados nos artigos 64º, 65º e 66º.

Foi elaborado despacho saneador que conheceu dessa questão tendo-se decidido: Declaro prescrito o Direito de regresso da Autora quanto às indemnizações arbitradas a: - BB - crédito de 2000,00, pago a 14 de Maio de 2018 e crédito de 36,90 €, pago a 29 de Março de 2011 - CC - crédito de 1750,00 € pago a 14 de Maio de 2018; - DD - crédito de 3000,00 € pago a 14 de Maio de 2018; - EE - crédito de 5000,00 € pago a 14 de Maio de 2018.

Inconformada veio a apelante interpor recurso, o qual foi admitido como de apelação (art. 644º n.º 1 b) do CPC), com subida imediata, em separado (art. 645º n.º 1 e 2 do CPC) e efeito meramente devolutivo (647º n.º 1 do CPC).


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2.1. Foram apresentadas as seguintes conclusões

1. O presente recurso visa submeter à apreciação do Tribunal Superior a decisão proferida pela Mmª Juiz do Tribunal a quo relativamente à procedência da exceção perentória de prescrição.

2. Entendeu a Mmª Juiz do Tribunal a quo que a citação do Réu ocorrida no âmbito do processo nº 563/18.4T8AVR não teve a virtualidade de interromper a prescrição em relação a todos os pagamentos, mas somente quanto aos pagamentos efetuados a FF.

3. Resulta do disposto no nº 1 do artigo 323º do Código Civil que a interrupção da prescrição opera pela prática de um ato que exprima a intenção do credor exercer o seu direito, direta ou indiretamente.

4. A este título, chama-se à colação o ora determinado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo 1335/13.58TTVNG.P1, datado de 13.04.2015: II - A equiparação da notificação judicial avulsa a uma citação ou notificação judicial para efeitos de interrupção de prescrição tem sempre como pressuposto que o requerente dessa notificação pretende exercer um concreto direito de que se arroga.”

5. A Recorrente requereu a intervenção do Réu como interveniente acessório de modo a vir exercer o seu direito de regresso contra o responsável pela ocorrência do acidente ocorrido no dia 01 de Janeiro de 2011, pelas 01:20 horas, na EN ...35, junto ao Km ..., na ação que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Aveiro, Juiz 3,

sob o nº de processo 563/18.4T8AVR.

6. Aquando do chamamento do Réu, a Recorrente declarou expressamente a intenção de vir a exercer o direito de regresso.

7. O direito da Recorrente não se traduz exclusivamente na pretensão de ser ressarcida dos valores despendidos na sequência do processo nº 563/18.4T8AVR, mas, antes, traduz-se no direito de vir a ser ressarcida de todos os danos ocorridos na sequência do acidente ocorrido no dia 01 de Janeiro de 2011, na EN ...3.

8. O conhecimento do Réu acerca do direito que a Recorrente pretendia exercer contra o mesmo é especialmente acentuado pelo facto de ser o pai de BB, DD e EE e marido de CC, pelo que o Réu sabia que o direito que se pretendia exercer dizia respeito a todos os pagamentos efetuados às lesadas, sabendo, em concreto, o montante total despendido pela Recorrente.

9. Entende a Recorrente que o direito que se pretende ver reconhecido nos presentes autos não se encontra prescrito, em virtude da interrupção da prescrição operada por força da citação do Réu no âmbito do processo nº 563/18.4T8AVR, pelo que os seguintes montantes não se encontram prescritos: - O montante de € 2.000,00, pago a BB, em 14 de Maio de 2018; - O montante de € 36,90, pago a BB, em 29 de Março de 2011; - O montante de € 1.750,00, pago a CC, em 14 de Maio de 2018; - O montante € 3.000,00, pago a DD, em14 de Maio de 2018; - O montante de € 5.000,00, pago a EE, em 14 de Maio de 2018; - O montante de € 324,00, pago ao Centro Hospitalar Baixo Vouga EPE, sendo o valor de € 108,00 devido pela assistência prestada à lesada BB e € 216,00, devido pela assistência prestada à lesada CC, pagos em 14/08/2018 e 14/09/2018, respetivamente.

10. Da conjugação do nº 1 e 2 do artigo 498º do Código Civil, dúvidas não restam que a contagem do prazo prescricional de 3 anos apenas se inicia com o cumprimento da obrigação quando se verifique o exercício do direito de regresso, como é o caso vertido nos autos.

11. Tratando-se de um direito de regresso, deve entender-se que as prestações pagas devem ser consideradas como um todo, uma vez que respeitam a valores indemnizatórios decorrentes das lesões sofridas em consequência do acidente em causa nos presentes autos.

12. Em resultado do acidente de viação em discusão, resultaram lesões às passageiras do veículo de matrícula ..-..-IC, designadamente, a FF, DD, CC, EE e BB.

13. As lesões sofridas pelas passageiras protelaram-se no tempo, tendo, igualmente, a recuperação das Lesadas e o consequente ressarcimento dos respetivos danos se protelado no tempo.

14. Primeiramente, e em virtude do restabelecimento das lesões, a Recorrente indemnizou BB, CC, DD e EE e procedeu ao pagamento das despesas hospitalares ao Centro Hospitalar Baixo Vouga, EPE.

15. Após a consolidação das lesões de FF, esta intentou uma ação declarativa de condenação contra a Recorrente, tendo em vista o ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente, cuja ação correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Aveiro, Juiz 3, sob o nº de processo 563/18.4T8AVR.

16. Resulta que a Recorrente apenas cumpriu integralmente a obrigação a que se encontrava adstrita por força do Contrato de Seguro com o pagamento à Lesada FF, cujos pagamentos se concluíram em 25.01.2022, pelo que deverá ser a partir desta data que se inicia o prazo prescricional.

17. Dúvidas não restam que todas as obrigações satisfeitas pela Recorrente, i.e. os pagamentos de indemnizações devidas às lesadas, derivaram todas do mesmo facto: a ocorrência do acidente em causa nos presentes autos.

18. Na senda do supra exposto, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão datado de 07 de Abril de 2011, proferido no âmbito do processo nº 329/06.4TBAGN.C1.S1; no Acórdão datado de 14 de Julho de 2016, proferido no âmbito do processo nº 1305/12.3TBABT.E1.S1 e no Acórdão datado de 23 de Janeiro de 2020, no âmbito do processo nº 5486.17.1T8SNT.L1.S1.

19. Existindo um único responsável pelo pagamento das quantias que a Recorrente despendeu na sequência da regularização do sinistro, carece de fundamento que o prazo de prescrição corresse individualmente em consideração a cada pagamento efetuado.

20. Admitindo que o prazo de prescrição se inicia na data em que cada pagamento individual foi realizado, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, sempre se dirá que, para não correr o risco de se considerar o direito que pretende exerce prescrito, a Recorrente teria de ter intentado, pelo menos, duas ações contra o Recorrido, existindo a possibilidade de existirem decisões contraditórias no que concerne à responsabilidade do Réu na produção do acidente.

21. É imperativo concluir que todos os pagamentos efetuados pela Recorrente estão relacionados e derivam do mesmo facto, constituindo, por isso, uma única prestação, pelo que a contagem do prazo prescricional só se inicia a partir do cumprimento da última prestação, porquanto só nesse momento se considera que a obrigação se encontra integralmente cumprida, o que ocorreu apenas em 25.01.2022.

22. Resulta do supra exposto que o direito de regresso de que a Recorrente pretende fazer valer com a presente ação, no que concerne ao pagamento das quantias que totalizam de € 12.074,00 não se encontra prescrito, pelo que deverá ser proferida decisão diferente que considere que o direito que a Autora pretende fazer valer na presente ação não se encontra prescrito.


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2.2. Não foram apresentadas contra-alegações


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3. Questões a decidir (pela ordem lógica e não a que consta da apelação)

1. Determinar se o prazo de prescrição se inicia após o último pagamento ou em relação a cada uma das prestações.

2. Determinar depois, se necessário, se a intervenção acessória do réu na acção nº 563/18.4T8AVR interrompeu ou não o prazo de prescrição.


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4. Motivação de facto (com base na tramitação processual e documentos juntos aos autos)

1. A Autora celebrou com o Réu um contrato de seguro do Ramo Automóvel, titulado pela apólice nº ...68 (doc nº1 cujo teor se dá por reproduzido).

2. No dia 01 de Janeiro de 2011, pelas 01:20 horas, ocorreu um acidente de viação na Estrada Nacional ...35 junto ao Km ..., na Freguesia ..., no Concelho ..., no Distrito de Aveiro.

3.. No referido acidente foi interveniente o veículo IC, conduzido pelo Réu e no seu interior circulavam as passageiras CC, EE, BB, FF e DD.

4. Submetido a exame o réu acusou uma TAS de 1,95 g/l.

5. A passageira FF intentou contra a ora autora uma acção declarativa de condenação, visando ser ressarcida dos danos provocados pelo acidente na qual foi proferida sentença que condenou esta a pagar: “ 1 - A quantia de 267.938,52 € (duzentos e sessenta e sete mil novecentos e trinta e oito euros e cinquenta e dois cêntimos) a título de danos patrimoniais. A esta quantia acrescerá os juros de 8% contados desde a citação até efetivo e integral pagamento. 2 - A quantia de 100.000 € (cem mil euros) a título de danos morais. A esta quantia acrescerá os juros de 8% contados desde a prolação da sentença até efetivo e integral pagamento. 3 - No montante que se vier a liquidar em execução de sentença e relativo a tratamentos médicos, de enfermagem, intervenções cirúrgicas, internamentos, ajudas técnica e medicamentosas e de terceiras pessoas que tenham como causa as lesões decorrentes do acidente de viação sofrido pela Autora.”, conforme documento que se junta sob o nº 7, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

6. Após dois recursos essa sentença transitou em julgado com, além do mais, os seguintes montantes € 100.000,00, a título de danos não patrimoniais, à ora lesada FF e € 180.000,00, a título de danos patrimoniais.

7. a Autora alega ter procedido ao pagamento à lesada FF do montante total de € 346.290,43, conforme documentos nºs 10 e 11.

8. BB, CC, DD e EE seguiam no interior do veículo IC quando ocorreu o despiste e sofreram lesões ligeiras.

9. A autora alega ter procedido ao pagamento de indemnizações às mesmas nas datas e valores que constam dos documentos nºs 12 a 20, cujo teor se dá por reproduzido.

10. A autora suportou, pela eclosão do acidente as quantias que constam dos documentos 21 a 24, cujo teor se dá por reproduzido, montante total de € 324,00 [€ 216,00 relativamente à lesada CC e € 108,00, ao Centro Hospitalar Baixo Vouga EPE pela assistência à lesada BB a qua ainda foi ressarcida da quantia de € 36,90 a título de medicamentos.

11. Esses pagamentos ocorreram nas seguintes datas e montantes:

- BB - 2000,00 € pago a 14 de Maio de 2018 – documento n.º 13, fls. 171 verso e crédito de 36,90 €, pago a 29 de Março de 2018 – documento 24, fls. 180 verso ;

- CC - 1750,00 € pago a 14 de Maio de 2018 – documento n.º 14, fls. 172;

- DD - crédito de 3000,00 € pago a 14 de Maio de 2018 – documento n.º 15, fls. 172 verso;

- EE - crédito de 5000,00 € pago a 14 de Maio de 2018 – documento n.º 16, fls. 173;

- Centro Hospitalar Baixo Vouga EPE crédito de 324,00 pagos a 14/08/2018 e 14/09/2018- Documento 21 e 22, fls. 177 verso e 178.

12. No decurso da acção Proc. nº 563/18.4T8AVR foi requerida em 22.3.2018 a intervenção acessória de AA, (ora réu), alegando-se que era o condutor do veículo seguro, uma vez que este conduzia com uma taxa de álcool de 1,95 g/l, tendo assim a Ré direito de regresso.

13. A apelante não alegou ou comprovou a data concreta da citação para os termos dessa acção.

14. O réu foi citado, nos termos desta acção por carta registada com a/r nº ... enviada em 7.9.23.

15. Em 18.3.22 a autora enviou ao réu a carta junta em 5.7.23, na qual comunicou que “Assim, neste contexto solicitamos o reembolso do valor despendido até esta data de 367.938,52€ (Trezentos e sessenta e sete mil, novecentos e trinta oito euros e cinquenta e dois cêntimos)”.

16. A apelante alega que o último pagamento foi efetuado no dia 25 de Janeiro de 2022


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5. Motivação jurídica

Está em causa a questão de saber se se completou ou não o decurso do prazo de prescrição.


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1. A primeira questão é a de saber quando se inicia esse prazo.

A questão não é nova e foi longamente tratada entre nós[1].

Que o prazo do reembolso começa a contar-se desde o pagamento resulta inequivocamente das normas legais dos arts. 498º,2, do CC, art.  54º, 1 do DL nº 291/2007 (quanto ao direito de regresso do FGA); e art. 136º,1 da LCS e 17º,4 da Lei nº 98/2009.

Mas, a questão suscita-se no caso de haver vários lesados ou de o lesado ir recebendo diversos quantitativos indemnizatórios.

Nesta matéria a jurisprudência divide-se entre a corrente de que o prazo se inicia com o último dos pagamentos efectuados e outra, que defende esse início desde a data do pagamento cada uma das prestações desde que estas possuem autonomia.[2]

Teremos de notar, que existe uma diferença literal, nas normas aplicáveis que inculca a posição que o legislador quis distinguir a posição do direito de regresso do FGA da referente às seguradoras.

Isto porque o art. 54º, nº 6 do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto expressamente dispõe que “Aos direitos do Fundo de Garantia Automóvel previstos nos números anteriores é aplicável o n.º 2 do artigo 498.º do Código Civil, sendo relevante para o efeito, em caso de pagamentos fraccionados por lesado ou a mais do que um lesado, a data do último pagamento efectuado pelo Fundo de Garantia Automóvel”. (nosso sublinhado).

Pelo contrário a lei laboral efectua a referência apenas à data do acidente[3] e a lei do contrato de seguro[4] refere apenas que (art. 136º, nº1) “ O segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro”.

Parece, portanto, que o legislador quis consagrar um regime específico, mais favorável para o FGA, no caso de pluralidade de lesados.

Acresce que a posição intermédia (é paradigmático o Ac do STJ de de 7/4/2011 (LOPES DO REGO)[5] é hoje a maioritária[6].

Pode resumir-se nos seguintes termos: “O prazo de prescrição do direito de regresso da seguradora contra o condutor tem o seu termo inicial na data em que for feito o pagamento da última parcela da indemnização, excepto quando a indemnização global possa ser fraccionada em núcleos normativamente diferenciados.abe ao Réu condutor o ónus de alegar os factos diferenciadores desses núcleos indemnizatórios, não podendo limitar-se a invocar a prescrição do direito quanto aos montantes pagos até certa data[7].

O Ac STJ de 3.7.2018 nº 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1: “O direito exercido pela seguradora nos termos do nº 4 do art. 31º da Lei 100/97, de 13/9, não constitui um verdadeiro direito de regresso, mas de sub-rogação legal nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, na medida em que tiver pago a indemnização. Nessa situação, o prazo de prescrição deve ser contado a partir do cumprimento, por aplicação analógica do art. 498º, nº 2, do CC. Esse prazo é o de três anos aí estabelecido, sem o alargamento previsto no nº 3 do art. 498º: o direito de sub-rogação mais não é que um direito de reembolso das quantias pagas, com uma natureza diferente da do direito do lesado e com um conteúdo delimitado essencialmente pelo crédito satisfeito. No caso de fraccionamento do pagamento da indemnização, deve atender-se, por regra, ao último pagamento efectuado, sendo porém de admitir que essa regra possa ser temperada nos casos em que seja possível a "autonomização da indemnização que corresponda a danos normativamente diferenciados".

Os argumentos da tese principal são, como veremos inteiramente aplicáveis a esta situação.

Do ponto de vista sistemático, o que torna razoável que o prazo de prescrição inicie o seu curso sem que o lesado tenha efectivo conhecimento da extensão dos danos é a possibilidade de, na acção destinada a exigir a responsabilidade, se possa deduzir um pedido genérico e mesmo de obter de obter uma condenação do responsável também puramente genérica (artºs 569 do Código Civil, 471 nº 1 b) e 661 nº 2 do CPC).

Essa faculdade não é, porém, reconhecida ao segurador na actuação do direito de regresso, dado que um tal direito é um direito novo que só se constitui com o cumprimento da obrigação de indemnização, o que exclui, por isso a possibilidade do seu exercício de forma antecipada relativamente a cada acto de pagamento parcelar da indemnização.

Note-se, porém, que não é isso que ocorre no presente caso, pois, quanto aos danos relativos aos restantes passageiros e entidades hospitalares estes estão já fixados e foram liquidados em 2018 (quando esta acção foi intentada em 2023).

Como segundo argumento acentua-se que o prazo deve começar a correr ex novo desde a data do pagamento[8] já que antes desse facto o segurador “está privado da possibilidade de exercer o direito que lhe assiste no confronto do principal responsável pelo dano causado, constituindo restrição excessivamente onerosa a que decorreria da aplicação, nessas circunstância, de um prazo prescricional curto, contado da originária verificação do facto danoso na esfera do lesado”.

Note-se, porém que neste caso, mais uma vez, este argumento não é aplicável, pois o pagamento total quanto aos restantes lesados já foi realizado e por isso podia ser accionado individualmente.

Em terceiro lugar, é evidente que a exigência de prazos de prescrição parcelares poderá implicar a multiplicação de acções ou a ampliação do objecto das já existentes o que implicaria a violação de normas processuais.

Mas, nesta matéria, basta dizer que a interrupção poderia ter sido interrompida nos termos legais por meio de mera interpelação extrajudicial efectuada até 2021 (2018+3), sem necessidade, pois, de qualquer tipo de acção mas de uma mera interpelação extra-judicial.

Por fim, se a razão de ser da prescrição é estabilizar as relações jurídicas das partes, esta fica teleologicamente melhor salvaguardada pela oneração de uma conduta activa da seguradora, no caso em que existem vários lesados que receberam uma indemnização autónoma e individual.

Note-se aliás que, todas essas indemnizações foram liquidadas num curto espaço de tempo, a várias entidades.

Acresce que a posição da seguradora fica integralmente salvaguardada, já que é necessário que essa autonomia das prestações seja clara e evidente, cabendo a sua demonstração à parte contrária, pois, é aquela que pretende aproveitar-se da procedência da excepção de prescrição.


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Por fim, parece seguro que as prestações em causa são inteiramente autónomas e independentes da que foi accionada nestes autos. Basta dizer que dizem respeito a outros lesados, foram liquidadas em datas diversas quanto a ferimentos e montantes individuais e o seu ressarcimento, apuramento e liquidação não dependem das restantes exceptuando a questão nuclear da eclosão e imputação do evento danoso.

Ora, se algo é certo nesta questão é que o factor temporal de conexão para o inicio do prazo é o pagamento da indemnização e não a eclosão do acidente que, aliás, ocorreu neste caso em 2011.

Concluímos, pois que o prazo de prescrição se iniciou na data dos pagamentos autónomos (2018) e por isso ter-se-á completado em 2021.


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2. Dos efeitos do chamamento do apelado na anterior acção

Essa notificação implica nos termos do art. 323º, do CC a interrupção do prazo de prescrição e nos termos do art. 326, do CC o início de novo prazo, a qual assume o prazo da prescrição primitiva nos termos do art. 326º, nº1, do CC.

Pretende a apelante que a intervenção quanto a um dos lesados implica a interrupção da prescrição quanto a todos os restantes.

A questão, quanto a nós, possui vários meios de resposta.

Um substancial relativo ao que deve significar o acto interruptivo. Este nos termos do art. 323º, nº1, do CC exige a prática “de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito”. Ora, para qualquer declaratário normal o pedido de intervenção quanto aos danos peticionados pela principal lesada não podem significar que a aí ré seguradora iria exercer o mesmo direito quanto a indemnizações a entidades hospitalar e todos os outros lesados que, note-se, nem sequer estavam liquidadas quando a mesma acção foi interposta.

Depois, em segundo lugar, importa notar que os efeitos substanciais dessa intervenção são, nos termos do art. 327º, nº1, do CC os seguintes “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”.

Ou seja, algo bem superior a uma mera interrupção, mas sim uma suspensão que, neste caso, perdurou por mais de 4 anos.

Logo é evidente que algum tipo de conexão efectiva terá de existir nessa acção para que os efeitos substantivos e processuais desta paralisem também os restantes pagamentos autónomos efectuados, de forma individual, e extrajudicialmente.

Do ponto de vista processual.

O direito de regresso previsto, no art. 144º do DL 72/2008, de 16 de Abril (regime jurídico do contrato de seguro), é um direito nascido ex novo na titularidade daquele que, com o pagamento das indemnizações e despesas cobertas pela apólice do seguro celebrado, extinguiu a relação creditória-indemnizatória.

O cerne dessa acção é, portanto, averiguar da existência de uma condução com determinada TAS e a responsabilidade na eclosão do acidente, bem como a fixação dos danos.

Mas, essas questões não incluíram os prejuízos liquidados às restantes passageiras e entidades hospitalares que não foram aí alegados, peticionados, instruídos e, naturalmente julgados.

O art. 332.º do CPC estabelece que “A sentença proferida na causa constitui caso julgado em relação ao assistente, que é obrigado a aceitar, em qualquer causa posterior, os factos e o direito que a decisão judicial tenha estabelecido (…)”.

Portanto, mesmo admitindo um conceito alargado do caso julgado (que incida não apenas sobre a decisão mas também sobre as questões e que sejam antecedentes lógicos daquela), é evidente que o montante liquidado aos restantes lesados não assume essa natureza.

Por isso, não existe qualquer possibilidade processual de alargar os efeitos da tramitação dessa causa que, também por isso, não pode ser considerada como um acto que permita expressar a intenção de exercício daquele concreto direito de regresso.

Em terceiro lugar, importa acentuar que no caso dos obrigados solidários, a interrupção da prescrição está regulada no art. 521º, do CC que estabelece que interrupção do prazo de prescrição pela citação de um dos obrigados solidários, não se estende aos demais obrigados, porque o prazo de prescrição, regra geral, correr autonomamente para cada um dos obrigados solidários. Isso demonstra, pois, que a interrupção da prescrição pressupõe um acto pessoal e concreto quanto a cada parte (ou neste caso objecto da pretensão). Não faria, pois, sentido, pretender, como a apelante, que sem qualquer referência concreta, a intervenção no âmbito de uma indemnização produza efeitos quanto às restantes.

Em conclusão.

Por fim, e mais importante, é pacifico entre nós que para que se interrompa a prescrição não é necessário que a citação ou notificação tenha lugar no processo em que se procura exercer o direito, mas é sempre necessário que se expressa uma vontade de o exercer.

Ora, se as indemnizações são autónomas entre si e são até pessoalmente desconhecidas (em parte)[9] pelo lesado não se vislumbra como e quando é que a apelante comunicou de forma clara que pretendia receber essas quantias. Só assim, note-se é que o escopo da interrupção é cumprido, pois esta demonstra que o credor exerce o seu direito ou exprime a intenção de o fazer; e por outro lado, o devedor com esse acto tem o conhecimento daquele exercício ou desta intenção.

Note-se, aliás, que o inicio do prazo de prescrição pressupõe, neste caso, o pagamento, pelo que o acto que a interrompe terá de consistir numa interpelação, ainda que extra-judicial, que refira o montante do mesmo.

Ora, se algo é certo nestes autos é que efectuado o pagamento em 2018, apenas em 2022 a apelante enviou uma carta (mesmo assim sem discriminar se nessa quantia estavam ou não incluídas as quantias liquidadas aos restantes lesados), e em 2023 foi intentada a presente acção.

Completou-se, pois, o prazo de prescrição de 3 anos antes da instauração da presente acção.


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6. Decisão

Pelo exposto, o tribunal decide julgar esta apelação não provida e, por via disso, confirma a decisão recorrida.


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Custas a cargo da Apelante porque decaiu inteiramente.


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Porto em 9.5.24
Paulo Teixeira
Ernesto Nascimento
Ana Vieira

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[1] Desta secção Ac da RP de 13.7.21, nº 2680/20.1T8MTS.P1 (Márcia Vieira) e Ac da RP de25.1.24, nº 21006/22.3T8PRT.P1 (mesma relatora). Ac da Rc de 24.1.2012, nº 644/10.2TBCBR-A.C1 (Henrique Antunes). Ac da Rl de 28.5.15, nº 1960/11.1TCLRS.L1-8 (Octávio Viegas).
[2] NO sentido da contagem autóma  Acs do STJ, de 27/3/2003 (ARAÚJO BARROS);  de 28/10/2004, (SALVADOR DA COSTA), de 26/6/2007, (FARIA ANTUNES) e de 25/10/2012, (GRANJA DA FONSECA); no sentido oposto Acs do STJ de 13/4/2000, de 4/11/2010 e, além do mais o citado pela apelante.
[3] Art. 17º, nº4 da lei nº Lei nº 98/2009 dispõe “4 - O empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no n.º 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.
[4] DL n.º 72/2008, de 16 de Abril.
[5] Este aresto afirma: “E tal autonomização ou diferenciação, operada funcionalmente em razão da natureza dos bens lesados, poderá tornar razoável uma consequencial autonomização do início dos prazos de prescrição do direito de regresso : assim, por exemplo, não vemos razão bastante para que, - tendo a seguradora assumido inteiramente perante o lesado o ressarcimento de todos os danos decorrentes da destruição e privação do uso da viatura sinistrada – possa diferir o exercício do direito de regresso quanto a essa parcela autonomizável e integralmente satisfeita da indemnização apenas pela circunstância de, tendo o acidente provocado também lesões físicas determinantes de graves sequelas, ainda não inteiramente avaliadas e consolidadas, estar pendente o apuramento e a liquidação da indemnização pelos danos exclusivamente ligados à violação de bens da personalidade do lesado”.
Nos mesmos termos o Ac do STJ de 26/11/2020, nº 2325/18-0T8VRL.G1.S1 “Para efeitos do disposto no art. 498º, nº 2, do CC, no caso de fracionamento do pagamento da indemnização, deve atender-se, em regra, à data do último pagamento efetuado, pode, no entanto, autonomizar-se o pagamento de cada parcela, desde que se esteja perante danos normativamente diferenciados”.
[6] Acs do STJ de7.4.11, nº 329/06.4TBAGN.C1.S1 (Lopes do Rego), de 19.5.16 nº 645/12.6TVLSB.L1.S1 (Maria da Graça Trigo), de 3.7.18 nº 2445/16.5T8LRA-A.C1.S1 (Pinto de Almeida) e de 26.11.20, nº 2325/18-0T8VRL.G1.S1 (Maria do Rosário Morgado).
[7] Ac da RL de 17.2.22 1631/21.0T8PDL-A.L1-6 (ANA DE AZEREDO COELHO).
[8] Ac.STJ 25.3.2010 (LOPES DO REGO), proc.2195/06.
[9] Curioso que seja nesta fase do recurso que se aleguem relações de família entre os lesados e o condutor, mas se omita que foram também indemnizadas duas entidades hospitalares que por certo não são familiares do mesmo.