Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FERNANDO VILARES FERREIRA | ||
Descritores: | ACÇÃO EXECUTIVA TÍTULO EXECUTIVO ARRENDAMENTO INDEMNIZAÇÃO MORA | ||
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Nº do Documento: | RP20221011309/22.2T8VLG-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/11/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PROCEDENTE; DECISÃO ALTERADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – O título executivo configurado pelas disposições conjugadas dos artigos 703.º, n.º 1, al. d), do Código Civil, e 14.º-A, n.º 1, do Novo Regime do Arrendamento Urbano, é suscetível de justificar a propositura de ação executiva não só contra o arrendatário mas também contra o fiador, desde que este, tal como aquele, seja previamente notificado quanto ao montante em dívida, e desde que esta se mostre abrangida pelo âmbito obrigacional da fiança prestada. II – Para além das rendas em dívida, incluindo as vincendas até restituição do locado, também a indemnização por mora, nos termos do n.º 2 do art. 1045.º do Código Civil, é suscetível de ser abrangida pela força executiva do título mencionado em I). | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | PROCESSO N.º 309/22.2T8VLG-A.P1 Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução de Valongo - Juiz 2 Relator: Fernando Vilares Ferreira Adjunta: Maria da Luz Seabra Adjunto: Artur Dionísio Oliveira SUMÁRIO: ……………………………… ……………………………… ……………………………… ACORDAM os Juízes do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO 1. C..., S.A. intentou ação executiva para pagamento de quantia certa contra AA e BB, peticionando o pagamento da quantia de 4 239,04€, sendo 550,00€ a título de rendas vencidas, 3 600,00€ a título de indemnização pelo atraso na restituição do locado e em conformidade com o disposto no art. 1045.º nº. 2 do CC), 63,54€ respeitante ao valor da provisão paga à Srª. AE pelo procedimento extrajudicial pré-executivo, e 25,50€ da taxa de justiça paga com a interposição da execução. Alegou que celebrou com a primeira executada um contrato de arrendamento de que a segunda se constituiu fiadora; que não foram pagas as rendas dos meses de setembro e novembro de 2017; que procedeu à resolução do contrato com efeitos a 31 de janeiro de 2018; e que em 9 de agosto de 2018 as executadas ainda não haviam procedido à entrega do locado. 2. Foi prolatado despacho liminar, com o seguinte DISPOSITIVO: [Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artº. 726º. nº. 2 al. a) e 734º. do CPC: - indefiro liminarmente o requerimento executivo na parte respeitante à pretensão deduzida contra a executada BB; - relativamente à executada AA vai o mesmo indeferido quanto à quantia de € 1.825,50. Custas do decaimento pela exequente.] 3. Por não se conformar com aquela decisão, a Exequente interpôs o presente recurso de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo, assente nas seguintes CONCLUSÕES: 1.ª – Na comunicação/interpelação remetida às Executadas, o Recorrente peticiona o pagamento das rendas vencidas e não pagas, no montante exequendo de 550,00 € (quinhentos e cinquenta euros), declara que caso o imóvel não seja restituído tempestivamente após a resolução do contrato iria exigir o pagamento da indemnização, nos termos do 1045.º do C.C.. 2.ª – Encontrando-se o montante da indemnização legalmente fixado, ou seja, a indemnização encontra-se líquida pela própria Lei, contendo a comunicação/interpelação todos os dados para o cálculo aritmético dos montantes que permaneceriam em divida em caso de incumprimento da restituição do imóvel após resolução do contrato. 3.ª – Por outro lado, não restam dúvidas que os montantes peticionados a título de indemnização por não restituição do locado (art.º 1045º n.º 2 do CC) encontram-se abrangidos pelos limites definidos pelo título executivo complexo constituído nos termos do 14.º-A do NRAU, não extravasando o seu âmbito de aplicação e preenchendo os fatores que determinam a sua exigibilidade como a sua exequibilidade. 4.ª – Dispondo o Exequente de título executivo bastante para exigir das executadas a cobrança da quantia de 3.600,00 € (três mil e seiscentos euros), a título de indemnização por incumprimento da obrigação extracontratual quanto à restituição do imóvel após resolução do contrato de arrendamento e extinção dos efeitos jurídicos entre as partes. * Terminou, pedindo a revogação da decisão recorrida.4. Citados as executadas nos termos e para os efeitos do preceituado no art. 641.º, n.º 7, do CPCivil, não foram apresentadas contra-alegações. II. OBJETO DO RECURSO Considerando as conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, e visto o preceituado nos artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil), as questões a decidir no presente recurso passam por saber se o documento apresentado pela Exequente constitui ou não título executivo bastante para: justificar a execução contra a Executada/Fiadora; e justificar a execução quanto ao pedido de indemnização fundado no art. 1045.º, n.º 2, do CCivil. III. FUNDAMENTAÇÃO 1. OS FACTOS Com base nos termos do processo principal e documentos aí juntos, com relevância para apreciação da questão controvertida, importa considerar sobretudo o seguinte circunstancialismo factual: A – A Exequente fez constar no requerimento executivo: [Em 16-12-2021 o ora exequente intentou o procedimento extrajudicial pré-executivo, ao qual foi atribuído o nº 52303/21.4YLPEP, contra os ora executados - art. 5º da Lei nº 32/2014 de 30/5 - nos termos e com os fundamentos seguintes: O Requerente (adiante designado Exequente ou Requerente) vem intentar o procedimento extrajudicial pré-executivo contra o/s Requerido/s (adiante designado/s Executado/s ou Requerido/s) acima identificado/s – art. 5.º da Lei n.º 32/2014, de 30 de Maio - nos termos e fundamentos seguintes: 1. Entre o C1... e Requerido/s foi celebrado um contrato de arrendamento habitacional pelo prazo de cinco anos (Cl.ª 2.ª n.º 1), com início em 1 de Abril de 2017 – cfr. doc. 1 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e a seguir designado “contrato”. 2. O referido contrato de arrendamento teve por objeto o Prédio Urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., ... ..., freguesia ... e concelho de Gondomar descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, sob o número ... inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... e que à data era da propriedade do C1.... 3. As partes convencionaram, no contrato de arrendamento, que o domicílio do/s Requerido/s Arrendatário/s corresponde à morada do locado e do Fiador(es) na morada constante do proémio do Contrato de Arrendamento (cfr. clª 9ª e artº 9.º n.º 7 al.ª c) da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro conforme a redação dada pela Lei n.º 43/2017, de 14/06, adiante designado NRAU) - cfr. doc. 1. 4. A renda mensal acordada pelas partes no contrato, que se vencia no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeita (Cl.ª 4.ª n.º 1), corresponde ao montante de € 300,00 (trezentos euros) 5. O/s Requerido/s não pagaram as rendas referente aos seguintes meses (vencidas no primeiro dia do mês anterior): Setembro e Novembro de 2017, no valor total de € 600,00 (seiscentos euros). 6. O C1... procedeu à resolução do contrato de arrendamento, com fundamento no não pagamento das rendas referidas, mediante comunicação registada e enviada com A/R para a morada do locado (cfr. arts. 1083.º n.º 3 do Código Civil; artº 9.º n.º 7 al.ª c) do NRAU), resolução que produziu os seus efeitos em 31 de Janeiro de 2018. – cfr. que ora se juntam como doc. 2 e se dá/dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. 7. Da(s) comunicação(ões) junta(s) como doc. 2 consta ainda que, não se verificando a entrega efetiva do locado após o termo do contrato, o/s Requerido/s ficariam obrigados a indemnizar o C1..., nos termos do art.º 1045.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil. 8. O C1... não recusou o recebimento ou repeliu o recebimento de quaisquer valores, tendo o/s Requerido/s, após a carta de resolução supra mencionada, pago apenas o valor total de € 50,00 (cinquenta euros). 9. No contrato, o/s Requerido/s Fiador/es renunciaram ao benefício da excussão prévia e obrigam-se a proceder ao pagamento ao Requerente de "quaisquer importâncias que sejam devidas pela celebração, execução ou cessação do presente contrato, suas renovações e aditamento, incluindo indemnizações por não cumprimento" (clª 8º do contrato). 10. O/s Requerido/s Fiador/es são responsáveis pelo pagamento dos valores em dívida nos mesmos termos do/s Requerido/s Arrendatário/s, tendo também sido interpelados pelo C1... por comunicação com o conteúdo supra mencionado, incluindo quanto à indemnização prevista no art.º 1045.º n.º 2 do Código Civil – cfr. doc. 3 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – cfr. neste sentido, por todos Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22/10/2015, Proc. 4156-13.4TBALM-B.L1-8, in www.dgsi.pt. 11. Conforme disposto no art.º 14.º-A do NRAU, "o contrato de arrendamento quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário no montante em dívida, é título executivo para o pagamento de quantia certa correspondente às rendas e aos encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário". 12. Em 9 de Agosto de 2018, o imóvel que havia sido dado de arrendamento pelo C1... ao/s Requerido/s foi vendido à “P..., S.A.”, conforme escritura de compra e venda que se junta sob doc. 3. 13. Até essa data, o/s Requerido/s não haviam procedido à entrega do locado, nem ao pagamento da sua dívida. 14. Apesar de desde essa data não ser o proprietário do imóvel, a Requerente é credora do/s Requerido/s, por referência ao contrato de arrendamento acima identificado e pelos créditos devidos até ao dia 9 de Agosto de 2018. 15. Em 21 de Novembro de 2019, o C1... foi liquidado e acabou ser extinto em 29 de Novembro de 2019, exercendo a função de liquidatária a F..., S.A., conforme resulta do doc. 4 que aqui se junta e se tem por integralmente reproduzido. 16. Sociedade liquidatária que foi incorporada na C2... S.A., atualmente designada por C..., S.A. e Requerente nos autos. - cfr. doc. 5 já junto. 17. Em suma, deverão ser pagas, pelo/s Requerido/s à Requerente, as quantias identificadas na carta de resolução e que permaneçam em dívida na presente data, bem como as quantias devidas desde a data da resolução do contrato de arrendamento e até ao dia 9 de Agosto de 2018, a título de indemnização, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 1045.º do C.C. 18. Na presente data, o/s Requerido/s são devedores da Requerente nas seguintes quantias: (i) rendas vencidas e não pagas € 550,00 (ii) indemnização do art.º 1045.º/2 do C.C. € 3.600,00 (€ 300 x 6 meses) x 2 Num total de € 4.150,00 (quatro mil cento e cinquenta euros). NESTES TERMOS, Requer-se a V. Exa que o presente procedimento siga os seus termos quanto ao/s Requerido/s identificados, em virtude de os mesmos serem devedores das quantias supra mencionadas. Ora, sucede que se pretende convolar o procedimento extrajudicial pré-executivo relativamente aos executados nos presentes autos, por serem hoje devedores ao exequente da quantia de 4.150,00 € (quatro mil cento e cinquenta euros). Acrescida do montante pago a título de honorários da Agente de Execução designada no valor de 63,54 € (sessenta e três euros e cinquenta e quatro cêntimos), bem como, da taxa de justiça para entrada da presente execução no valor de 25,50 € (vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos) e dos honorários devidos ao Agente de Execução nomeado para tramitar a presente execução. O que perfaz um montante global, até à presente data, de 4.239,04 € (quatro mil duzentos e trinta e nove euros e quatro cêntimos). B – O requerimento executivo é acompanhado pelo doc. 1, que integra toda a documentação presente no procedimento extrajudicial pré-executivo (Processo 52303/21.4YLPEP), correspondente, para além do mais, a contrato de arrendamento e cartas de resolução daquele contrato, constando destas últimas também a indicação dos montantes devidos, remetidas às executadas, cujo teor se dá por reproduzido. 2. OS FACTOS E O DIREITO 2.1. A ação executiva visa a realização efetiva, por meios coercivos, do direito violado e tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (cf. art. 10.º, nºs 4, 5 e 6, do CPCivil). Títulos executivos são, na definição dada pelo Prof. MANUEL DE ANDRADE, “documentos de actos constitutivos ou certificativos de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia de servirem de base ao processo executivo; documentos que, no dizer dos antigos, têm execução aparelhada (parata executio). O título é condição necessária do título executivo (nulla executio sine titulo)”[1]. Acerca dos fundamentos gerais da exequibilidade dos títulos, o mesmo autor aponta para: “Relativa certeza ou probabilidade julgada suficiente da existência da dívida, e portanto da inutilidade do processo declaratório, enquanto se torna presumível que ele levaria ao mesmo resultado que já se pode coligir da simples inspeção do título”; e “Certa possibilidade de se provar no próprio processo executivo, o qual comporta as formalidades para esse efeito necessárias, que apesar do título, a dívida não existe – ou porque não chegou a constituir-se validamente, ou porque ulteriormente se extinguiu por qualquer causa legítima – sendo portanto injusta a execução”[2]. No ensinamento de J. CASTRO MENDES[3], “o título executivo contém em si, com o grau de segurança suficiente, o acertamento do direito, de tal modo que, por princípio, a coberto desse título e sem necessidade de outras indagações, haverá de ser desenvolvida atividade processual adequada a obter o pagamento da quantia exequenda, a entrega de coisa certa ou a prestação de facto positivo ou negativo (art. 10.º n.º 5). Ressalva-se a necessidade de diligências liminares tendentes a assegurar os requisitos da certeza, da exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda, nos termos dos artigos 713.º a 716.º, ou daqueles que fundamentam o pedido, nos termos do art. 724.º nº 1, al. e)”. Para LEBRE DE FREITAS, “a configuração do título executivo como pressuposto processual não é muito duvidosa”, já quanto “à certeza e à exigibilidade da prestação, embora também como pressupostos apareçam, entre nós, qualificadas, dir-se-á que melhor lhes cabe a qualificação de condições da acção executiva, enquanto características conformadoras do conteúdo duma relação jurídica de direito material. Mas a certeza e a exigibilidade só constituem requisitos autónomos da acção executiva quando não resultem já do título executivo; caso contrário, diluem-se no âmbito das restantes características da obrigação e a sua verificação é, tal como elas, presumida pelo título, sem qualquer especialidade de regime a ter em conta”[4]. Já TEIXEIRA DE SOUSA ensina que do título executivo resulta a exequibilidade extrínseca da pretensão e da obrigação certa, líquida e exigível a exequibilidade intrínseca[5]. Tanto uma como outra das referidas conceções teóricas apresentam-se insatisfatórias a RUI PINTO, preferindo este autor o conceito de “condições de ação”, em sentido “formal” ou “material”. Assim, enquanto o título executivo assume a natureza jurídica de “condição formal” da realização coativa da prestação, a certeza, a liquidez e a exigibilidade da obrigação assumem natureza jurídica de “condição material”[6]. A formação dos títulos executivos rege-se pelos princípios da legalidade e da tipicidade: só podem servir de base a um processo de execução documentos a que seja legalmente atribuída força executiva. Afastada está, pois, neste campo, a liberdade contratual ou a consensualidade[7]. Segundo dispõe o artigo 703.º, n.º 1, do CPCivil, “à execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias; b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”. No que caso que nos ocupa, o título executivo considerado pela Exequente encontra justificação nas disposições conjugadas do cit. art. 703.º, n.º 1, d), do CPCivil, e do art. 14.º-A, n.º 1, do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), que assim dispõe: “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”. 2.2. Como se deixou bem sublinhado na decisão recorrida, estamos perante um título executivo complexo, composto por dois elementos e que tem gerado entendimentos diversos, quer na doutrina quer na jurisprudência, desde logo acerca da possibilidade de o título executivo formado à luz do referido preceito permitir a propositura de ação executiva também contra o fiador, defendendo uns a constituição de título executivo sem necessidade de notificação do fiador, admitindo outros a constituição do título com a notificação do fiador e, finalmente, uma terceira posição, que recusa a possibilidade de constituição de título executivo contra o fiador. Perante tal encruzilhada, a decisão recorrida optou por seguir pelo último dos mencionados caminhos, sustentando que o contrato de arrendamento, acompanhado ou não de comunicação do valor das rendas em dívida, nunca constitui título executivo contra o fiador”, e daí que tenha concluído no sentido de que a execução não possa prosseguir contra a executada / fiadora BB. Adiantamos desde já que perfilhamos entendimento diverso, justamente o defendido pela Apelante e na linha do acórdão do STJ, de 20.05.2021[8], assim sumariado: “I. - Em contrato de arrendamento em que os executados intervieram como terceiros contraentes e declararam-se solidariamente como principais pagadores de todas as obrigações emergentes do referido contrato, renunciando ao benefício de excussão prévia, esse contrato e a sua interpelação constitui título executivo para poderem ser acionados nos termos do art. 14-A da NRAU II. - A notificação do fiador para permitir a obtenção contra ele de título justifica-se por razões de equilíbrio e proporcionalidade, atendendo à natureza das próprias obrigações tripartidas e ao facto de se tratar da criação de um título executivo cuja norma refere esse requisito para o arrendatário garantido”. Acentuando a especial controvérsia em torno da questão, historiou assim o cit. douto aresto: “Em termos doutrinários, Fernando Gravato de Morais, embora advertindo para dúvidas quanto à interpretação do preceito, propende para que perante o texto do artigo 15º, nº 2 do NRAU (antes da alteração introduzida pelo actual artigo 14º-A), apenas se pode afirmar uma tendência no sentido da não aplicabilidade ao fiador, dado ter sido pensado apenas para o arrendatário, argumentando com o risco da fiança; o eventual desconhecimento pelo fiador da situação de mora; a especial fragilidade da posição do garante e a possibilidade de multiplicação de acções noutros casos previstos no NRAU. E desenvolvendo esses items, refere que o nº 2 do artigo 15º do NRAU insere-se num normativo destinado, essencialmente, a proteger os interesses do senhorio perante o arrendatário, sendo esse o contexto da lei expresso no amplo leque de casos do nº 1; a não multiplicação de acções judiciais não pode ser feita à custa (apenas) do fiador e que o regime do NRAU compreende muitos casos de multiplicação de acções - sendo este apenas mais um; se o senhorio actuar logo, e observados todos os prazos, pode ser confrontado com a acção executiva, na melhor das hipóteses, treze a catorze meses após o incumprimento do afiançado. Em resumo, sustenta que não se forma título executivo contra o fiador porque a norma não é clara no sentido de incluir o fiador, havendo elementos literais que indiciam que o quis excluir. Se o fiador se encontra numa posição mais débil, não lhe deve corresponder um regime mais agravado do ponto de vista processual, como sucede se inclusivamente se prescindir da notificação dele - in “Falta de pagamento de renda no arrendamento urbano”, pags. 77 a 81; Cadernos de Direito Privado, nº 27, pags. 57 a 63, e in “A jurisprudência no triénio posterior à entrada em vigor do NRAU”, publicado na revista “Direito e Justiça – Estudos dedicados ao Professor Doutor Luís Alberto Carvalho Fernandes”, pags. 512 a 513. No mesmo sentido, Rui Pinto - in “Manual de Execução de Despejo”, a páginas 1164 a 1165 - exclui o fiador do âmbito e alcance do artigo 14º-A do NRAU, afirmando a natureza restritiva das normas que prevêem categorias de títulos executivos, limitados em relação a uma interpretação não literal. A norma (art.14-A nº 1) não prevê a formação de título executivo contra o fiador e, por força do princípio da taxatividade dos títulos executivos e da natureza restritiva das normas que os prevêem, não é possível fazer interpretações extensivas da norma; o título executivo é complexo e pressupõe a reunião conjunta de dois documentos, pelo que se o fiador não consta de um deles não existe título executivo contra ele; a alteração do NRAU pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto deixou intocado o texto quando a questão já se discutia, num sinal de que o legislador não pretendeu tomar claro que o fiador também pode ser executado; o Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de Janeiro, denuncia essa intenção legislativa ao consagrar expressamente que só o arrendatário pode ser objeto do procedimento especial de despejo quando nele está compreendido a execução das rendas em dívida. Também Miguel Teixeira de Sousa - Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, 2014, p. 406 - defende que a norma o preceito (art. 14-A nº 2) apenas admite que a comunicação seja realizada ao arrendatário, certamente porque somente esta parte está em condições de controlar a veracidade do seu conteúdo e de deduzir alguma eventual oposição. Por isso, o título executivo só se pode formar contra o próprio arrendatário, o que significa que o mesmo não se estende ao fiador que seja responsável pelo pagamento das rendas em dívida. Em sentido contrário, ou seja, no de que existindo fiadores estes também poderão ser demandados, pronunciam-se Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo - A acção executiva Anotada e Comentada, págs. 147 – e a maior parte da jurisprudência que defende ser admissível o contrato de arrendamento como título executivo contra o fiador, podendo ver-se por amostragem abrangente os acórdãos do STJ de 26/11/2014 no proc. 1442/12.4TCLRS-B.L1.S1 e de 17/11/2020 no proc. 3794/18.3T8SNT-A.L1.S1 in dgsi.pt; da R.L. de 07/07/2016 (rel, Maria do Rosário Morgado) no proc. nº 13257/15.3T8LSB-A.L1-7, acórdão de 07/06/2016 (rel. Luís Espírito Santo), proc. nº 5356/12.0TBVFX-B.L1-7 todos is dgsi.pt; da R.E. e de 21 de Março de 2013 (rel. Bernardo Domingos) publicado in Col. Jur. Ano XXXVIII, Tomo II, pags. 251 a 254, da R.L de 1 de Março de 2012 (rel. Ilídio Sacarrão Martins) in Col. Jur. Ano XXXVII, Tomo II, página 301 e ainda da R.C. de 21 de Abril de 2009 (rel. Sílvia Pires) dgsi.pt.”. Sufragando os argumentos da jurisprudência por último citada, o douto acórdão do STJ que vimos acompanhando, após lembrar as características principais da fiança (acessoriedade e subsidiariedade), conclui: “Entendemos, assim, que o legislador quis consagrar um título a que, em especial, atribuiu força executiva, conferindo-lhe uma específica e inconfundível natureza e alcance, e este mesmo título, de natureza complexa, é composto pelo contrato de arrendamento e pela notificação ao arrendatário (e ao fiador) quanto aos montantes em dívida. Também, a pretensa fragilidade da posição jurídica do fiador não obriga, por si só, à opção por um regime menos agravado (a acção declarativa em vez da executiva) do ponto de vista processual. De resto, a própria constituição da fiança constitui, na maior parte das situações, a melhor e mais sólida garantia concedida ao senhorio no sentido da salvaguarda da efectivação do direito básico neste relacionamento negocial: o recebimento pontual da renda – ac. RL de 7 de Julho de 2016 (rel. Luís Espírito Santo) no proc. 5356/12.0TBVFX-B.L1-7 in dgsi.pt. A situação do fiador, enquanto executado, é neste contexto precisamente similar à do próprio arrendatário: ambos figuram no contrato de arrendamento; ambos são responsáveis pelo pagamento das rendas vencidas; de ambos pode o credor senhorio exigir tal pagamento. Logo, o título executivo criado ex novo, com foros de especialidade, protegendo primordialmente o interesse do senhorio, deve valer contra ambos, a tal não se opondo o regime substantivo da fiança antes enunciado e que, nos termos do artigo 634º do Código Civil, prevê que a responsabilidade do fiador cubra as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor, indiciando a própria desnecessidade da sua interpelação. No essencial dos efeitos contratados a obtenção da realização da obrigação devida ao senhorio – o pagamento das rendas vencidas – por força do contrato de arrendamento pode resultar do conjunto dos responsáveis pelo incumprimento e que se assumiram, enquanto tais, no próprio título exequendo: o arrendatário e o seu garante, que nessa mesma específica qualidade aceitou e subscreveu o documento agora dado à execução, sendo nisto que assentamos o entendimento de ser extensível ao fiador como titulo executivo como o é para o arrendatário”. E quanto à questão de saber se a comunicação que a lei exige no cit. art. 14.º, n.º 1 para os arrendatários se estende ou não aos fiadores, não deixou o douto aresto de responder positivamente, por razões que bem se compreendem, desde logo “por um argumento a fartiori: se a comunicação tem de ser realizada ao arrendatário (parte contratante), então, por maioria de razão, tem de ser feita ao fiador”[9]. É este o sentido único pelo qual se encontra alinhada a jurisprudência do STJ, como reconhecido no recente acórdão de 21.06.2022[10], cujo sumário assim se apresenta: [I - O título executivo previsto no art.14.º-A da Lei n.º 6/2006 (denominada NRAU) pode ser feito valer contra o fiador do arrendatário, desde que este seja notificado diretamente dos montantes em dívida, como decorre do disposto no art. 1041.º, n.os 5 e 6, do CC (aditados pela Lei n.º 13/2019). II - Tal solução não constitui uma violação do numerus clausus dos títulos executivos previstos no art. 703.º do CPC, porque, em rigor, o art. 14.º-A não enuncia, em termos excludentes, o sujeito em relação ao qual o título executivo pode ser feito valer. Esta norma define a estrutura constitutiva do título (integrado por dois documentos: contrato de arrendamento e comunicação do montante em dívida) e delimita a tipologia de débitos relativamente aos quais tal título se torna normativamente operativo (rendas, encargos, despesas que corram por conta do arrendatário)]. Volvendo ao caso dos autos, constando da documentação que acompanha o requerimento executivo, para além do contrato de arrendamento, a comunicação à executada / fiadora BB quanto ao incumprimento da obrigação de pagamento de rendas, não temos dúvidas, seguindo a citada corrente jurisprudencial, em afirmar a existência de título executivo quanto àquela executada, que, nos termos da cláusula 8.ª do contrato de arrendamento, se obrigou “na qualidade de obrigado principal e solidariamente com o Arrendatário, renunciando ao benefício de excussão prévia, a proceder ao pagamento ao Senhorio de quaisquer importâncias que sejam devidas pelo Arrendatário a título da celebração, execução ou cessação do presente contrato, suas renovações e aditamentos, incluindo indemnizações por não cumprimento”. Deve assim proceder o recurso nesta questão. 2.3. A Apelante também rejeita o entendimento assumido pela decisão recorrida, no sentido de que o título dado à execução apenas tem força executiva “para cobrança das rendas em dívida e das vencidas até à entrega do locado”, e já não quanto à indemnização pela mora. Julgamos que também aqui a razão está do lado da Recorrente, como de resto vem sendo amplamente reconhecido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores (ainda que não de forma unânime), abundantemente citada nas alegações de recurso, e que aqui nos dispensamos de reproduzir. Sob a epígrafe “Indemnização pelo atraso na restituição da coisa”, dispõe assim o art. 1045.º do CCivil: “1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida. 2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro”. Tal como no acórdão da RC de 04.06.2019[11], também nós entendemos que o vocábulo “renda” foi empregue no cit. art. 14.º-A do NRAU com o sentido que abrange a indemnização prevista no cit. art. 1045.º do CCivil, e tanto no n.º 1 como no n.º 2, “na medida em que o desiderato legal que faculta a cobrança executiva de verdadeiras “rendas” ao abrigo desse normativo é precisamente idêntico ao desiderato legal que justifica a cobrança de indemnizações que são sucedâneo de verdadeiras rendas, rectius, trata-se de uma “renda em dobro”, devida a título de indemnização, mas que nem por isso deixa de corresponder a uma “renda” e a dever ser considerada enquanto tal”. Tal sentido interpretativo, seguramente com o “mínimo de correspondência verbal na letra de lei” (art. 9.º, n.º 2, do CCivil), não deixa também de encontrar apoio na circunstância de se ter querido, com o NRAU, “alargar a eficácia executiva conferida a atos promovidos pelos senhorios, precisamente para evitar o recurso a ações declarativas”. Perfilhando o mesmo sentido interpretativo, e apenas com referência à jurisprudência mais recente, veja-se, a título de exemplo, o ac. da RC, de 18.01.2022[12] e o ac. desta Relação, de 04.05.2022[13]. No caso dos autos, considerando o conteúdo das comunicações endereçadas pela Exequente às Executadas (arrendatária e fiadora)[14], não vemos razão substancial alguma para não considerarmos abrangida pelo título compósito dado à execução também a indemnização fundada em mora decorrente do preceituado no art. 1045.º, n.º 2, do CPCivil, cujo cômputo, à semelhança do que sucede quanto ao valor das rendas em singelo, opera por via do alegado no próprio requerimento executivo, em conformidade com a prévia interpelação das Executadas e em termos de mero cálculo aritmético. No que se refere em particular à Executada/fiadora, o que deixámos afirmado justifica-se também tendo em conta o âmbito da obrigação assumida, que abrange, como resulta da já citada cláusula 8.ª do contrato, o pagamento de indemnizações por não cumprimento e decorrentes da cessação do contrato. Termos em que também quanto a esta questão deve o recurso proceder, o que conduz à necessidade de alteração da decisão recorrida em conformidade. 2.4. Em matéria de custas processuais, não obstante a integral procedência do recurso, certo é não poder atribuir-se às Apeladas a qualidade de “vencidas”, desde logo por não terem assumido no processo qualquer posição contrária ao sustentado pela Apelante. Assim, centrando-se a controvérsia apenas entre a Exequente e o Tribunal de 1.ª instância, e não se tratando de um caso de isenção objetiva ou subjetiva de custas, em face das regras atinentes, desde logo arts. 527.º, nº 1 e 2, do CPCivil, e 1.º e 4.º do RCProcessuais, outra via não resta que não seja a de onerar a Apelante com as custas do recurso, por dele ter retirado proveito. IV. DECISÃO Pelos fundamentos expostos, julgamos o recurso procedente e decidimos: a) Alterar a decisão recorrida, devendo a execução prosseguir os respetivos termos com vista a obter o pagamento da quantia peticionada pela Exequente ante ambas as Executadas, com exceção da parte reclamada a título de taxa de justiça; e b) Condenar a Apelante no pagamento das custas do recurso. *** Tribunal da Relação do Porto, 11 de outubro de 2022Os Juízes Desembargadores, Fernando Vilares FerreiraMaria da Luz Seabra Artur Dionísio Oliveira ________________ [1] Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, 1993, p. 58. [2] Idem, p. 60. [3] Direito Processual Civil, vol. I, p. 333. [4] Cf. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva, Coimbra Editora, 1993, pp. 26.27. [5] Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, pp. 14-15. [6] A Ação Executiva, AAFDL Editora, Reimpressão, 2020, p. 230. [7] Cf. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES / PAULO PIMENTA / LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, 2020, p. 16. [8] Relatado por MANUEL CAPELO no processo 8520/20.4T8PRT-B.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt. [9] Cf. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, anotação ao ac. RL 7.11.2020 (1866/17.0T8ALM-A.L1-6), Jurisprudência 2019 (212), in Blog do IPPC, acessível em https://blogippc.blogspot.com/2020/04/jurisprudencia-2019-212.html. [10] Relatado por MARIA OLINDA GARCIA no processo 9443/20.2T8SNT-A.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt. [11] Relatado por LUÍS CRAVO no processo 7285/18.4T8CBR-B.C1, acessível em www.dgsi.pt. [12] Relatado por FONTE RAMOS no processo 998/20.2T8SRE-A.C1, acessível em www.dgsi.pt. [13] Relatado por PAULO DIAS DA SILVA no processo 1413/21.0T8VLG-D.P1, acessível em www.dgsi.pt. [14] Veja-se que se fez constar, para além do mais: [Caso não procedam aos pagamentos e/ou à entrega do locado ao C1... nos prazos referidos, o C1... será forçado a actuar os meios judiciais e a responsabilidade de V. Exas. será agravada pelos custos judiciais e ainda: a) Pelos juros vincendos (futuros) à taxa de juro legal, até efectivo e integral pagamento, calculados sobre cada uma das rendas vencidas e não pagas; b) Pela indemnização legal por não entrega do locado, correspondente ao dobro do valor da renda mensal, desde a cessação do contrato e até efectiva entrega do locado (art.º 1045º do CC)]. |