Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ELSA PAIXÃO | ||
| Descritores: | CRIME DE RECEBIMENTO INDEVIDO DE VANTAGEM PERDA DE VANTAGEM | ||
| Nº do Documento: | RP20170927316/16.4T9AVR-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 09/27/2017 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REC PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 728, FLS 302-306 | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | A susceptibilidade de perda a favor do Estado, prevista no artº 111º CP não depende de qualquer juízo acerca da perigosidade do bem, mas apenas de se apresentar como vantagem dada ao arguido em consequência do crime. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 316/16.4T9AVR-A.P1 Juízo de Instrução Criminal de Águeda Acordam, em Conferência, as Juízas desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO No Juízo de Instrução Criminal de Águeda, no processo nº 316/16.4T9AVR, em 30.01.2017, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho (certificado a fls. 39 e 40) [transcrição]: “O Digno MP veio requerer a fls. 326 e ss a apreensão do veículo automóvel de matricula ..-FQ-... Marca ..., que se encontra na posse do arguido B.... Alega para o efeito e em síntese que resultam fortes indícios da prática pelos arguidos B... e C..., além do mais, de factos integradores do crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo artigo 372º, nº 1, do Código Penal – factos esse pelos quais se encontram acusados (cf. fls. 235 e ss.). Consistiram tais factos, em súmula, em o arguido C..., em Janeiro de 2014, ter facultado ao arguido B... a utilização gratuita do veículo automóvel de matrícula nº ..-FQ-.., de marca ‘...’, de propriedade da sociedade “D..., S. A.”, de que o primeiro era e é administrador; tendo, desde então, tal sociedade suportado os custos relativos ao pagamento do IUC e o arguido B... usado e fruído de tal veículo como seu proprietário. Compulsados os autos, constata-se, que o arguido B... mantém tal veículo na sua posse – vindo ambos os arguidos, em sede de RAI, informar terem já formalizado a transferência de propriedade do mesmo para o arguido B... – sem que até ao presente tenha sido determinada a respectiva apreensão. Pelo que nos termos das disposições conjugadas dos artigos 178º, nº 1, do Código de Processo Penal, e 111º, nº 1, do Código Penal, se impõe a apreensão. * Cumpre decidir: Dispõe o artigo 109° nº 1 do Cód. Penal que “São declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico (...)”. Por sua vez, dispõe o art.º 111 do CP que “toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado”. De acordo com o disposto no art.º 178º, nº 1, do Código de Processo Penal, “são apreendidos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir a prova. A viatura em causa nos autos constitui uma vantagem dada ao agente do facto ilícito, concretamente o arguido B.... Por via das disposições legais supra citadas e tendo em conta a douta promoção que antecede, justifica-se a sua apreensão, como meio de obtenção de prova (artigo 178° do C.P.P.), isto é, "como instrumento de que se servem as diversas autoridades para investigar e recolher meios de prova, sendo, nessa conformidade, apreendidos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática do crime" (neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª ed., p.209). Além disso, e constituindo uma vantagem patrimonial decorrente da pratica de um facto ilícito tipico, pode o mesmo ser declarado perdido a favor do Estado, nos termos supra mencionados. Assim, justifica-se a apreensão requerida. Pelo exposto e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 178º, nº 1, do Código de Processo Penal, e 111º, nº 1, do Código Penal, determino a apreensão, com efectiva remoção, do veículo automóvel de matrícula nº ..-FQ-.., de marca ‘...’, o qual se encontra na posse do arguido B.... Tendo em consideração que as funções desempenhadas pelo arguido, determina-se que a apreensão seja efectuada pela Polícia Judiciária – DIC de Aveiro. * Oficie à AT – DF de Aveiro, solicitando informação sobre quem foi(ram) o(s) TOC(s) responsável(eis) pela contabilidade da sociedade ‘D..., S. A.” (NIF/NIPC .........), no período compreendido entre Janeiro de 2014 e Janeiro de 2017, tendo em conta o requerido pelo MP.”*** Inconformado, o arguido B... interpôs recurso deste despacho, terminando a sua motivação com as conclusões seguintes (transcrição):1ª – Em 22 de Fevereiro de 2017, foi arguida a nulidade do despacho de fls.328 e seguintes que ordenou “a apreensão, com efectiva remoção do veículo automóvel de matrícula ..-FQ-.., de marca ... o qual se encontra na posse do arguido B...”, notificado ao arguido em 20 de Fevereiro de 2017. 2ª – Pela razão de até à presente data, não ter havido despacho sobre aquela arguição de nulidade, por uma razão de cautela, interpõe-se o competente recurso daquele despacho, para o que ora se apresenta a respectiva motivação. 3ª – A interposição do presente recurso não tem assim qualquer efeito de prescindir da arguição da nulidade oportunamente deduzida, nos termos abaixo indicados, e cujo interesse se mantém incólume. 4ª – A presente motivação tem assim por objecto o despacho do Tribunal a quo, de fls. 328 e 329, notificado ao arguido em 20.02.2017 e apenas a este (não obstante o mesmo ter mandatário constituído nos autos), em que foi ordenada “a apreensão, com efectiva remoção do veículo automóvel de matrícula ..-FQ-.., de marca ... o qual se encontra na posse do arguido B...”. (bold nosso) 5ª – O despacho em crise foi proferido depois de, por douto despacho judicial, ter sido declarada aberta a fase de instrução. 6ª – Com efeito, em 2 de Dezembro de 2016, o Il.mo Representante do Ministério Púbico, proferiu despacho de acusação, tendo ainda requerido, naquele despacho, o perdimento do referido veículo (ou do seu valor), após a condenação que viesse a ser proferida e como efeito dela. 7ª – Com vista à comprovação judicial negativa da matéria narrada na acusação, o arguido B... requereu a abertura de instrução, e nessa sequência cronológica, recaiu despacho judicial de fls., deferindo aquela pretensão do arguido, declarando formalmente aberta a fase de instrução. 8ª – Durante a fase da instrução, o Ministério Público promoveu a efectiva apreensão do veículo automóvel de matrícula ..-FQ-.., promoção sobre a qual recaiu o despacho inesperado e ilegal, que deferiu aquela pretensão e do qual ora se recorre. 9ª – Entendeu pois o Tribunal a quo, por adesão ao promovido pelo Ministério Público (a fls.326 e seguintes), que a viatura em causa nos autos constitui uma vantagem dada ao agente do facto ilícito, utilizada na prática de crime, justificando-se por essa razão, e ao abrigo do disposto no artigo 178º do Código de Processo Penal, a sua apreensão. 10ª – Não obstante, a decisão recorrida olvida a razão que subjaz à apreensão de bens no processo penal: a finalidade probatória, conforme estipula o preceito legal do artigo 178.º do CPP. 11ª – E a natureza da apreensão, enquanto meio de obtenção de prova, para além de pressupor a existência de um crime, visa em primeira linha a “guarda dos vestígios da prática do crime detectados”, conforme explica Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário ao Código de Processo Penal, página 504. 12ª – Ora, nos presentes autos, onde o arguido B... se encontra acusado de ter recebido uma vantagem indevida, porquanto, no entendimento do Ministério Público, o arguido terá “mantido na sua posse, com usufruição plena, até à actualidade, o veículo automóvel em causa” de forma gratuita, 13ª – sobeja, desde o início e de forma abundante, a indicação de todas as características do veículo automóvel de matrícula ..-FQ-.., isto é, o ano de construção, a marca, o modelo, a matrícula, a cor, a prova do cumprimento escrupuloso de todas as suas obrigações fiscais. 14ª – Assim, o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, a reboque da promoção do Ministério Público, pela efectiva apreensão com remoção do veículo, visando obter qualquer outro efeito que não o de “servir a prova”, como se verifica nos presentes autos, decidiu contra legem, violando assim o artigo 178º do C.P.P. 15ª – Ora, tendo em conta que toda a informação relativa ao bem ora apreendido consta já dos autos, a decisão em crise, torna-se totalmente desproporcional e desnecessária, e por essa razão, ilegal. 16ª – E sendo a apreensão uma medida restritiva do direito de propriedade, constitucionalmente consagrado (art. 62.º-2 da CRP), sempre que se verifique a possibilidade de obter ou conservar a prova por qualquer outro meio, a apreensão deve ser evitada ou revogada, pelo que ao decidir como decidiu, o despacho em crise violou ainda aquela norma constitucional e o artigo 186º n.º1 C.P.P. 17ª – Acresce que, o fundamento no qual o Tribunal a quo também alicerça a decisão recorrida é a susceptibilidade do mencionado veículo vir a ser declarado perdido a favor do Estado, porquanto “toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado”. 18ª – Mas, para aquele efeito, exige-se que o instrumento em causa tenha servido (ou estivesse destinado) à prática de um crime e, cumulativamente, que se verifique uma das situações tipo descritas no preceito legal: a perigosidade para a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública; e ou o sério risco de repetição da actividade criminosa. (artigo 109.º do CP). 19ª – No respeitante à perigosidade do objecto, o veículo automóvel em causa não tem, naturalmente, pela sua específica e conatural utilidade, a virtualidade de se revelar apto ou com potencialidades específicas, para constituir um utensílio criminoso. 20ª – Além de que, como é sabido, o instituto da perda visa responder à perigosidade da própria coisa e não à perigosidade do agente, para o qual existem outros meios apropriados de reacção. 21ª – Pelo que com a promoção da perda do veículo aqui em causa, o Ministério Público acaba por querer prevenir a perigosidade do agente e não a do objecto, sendo esta uma finalidade estranha ao instituto invocado, pelo que mais uma vez, o douto despacho em crise ao ter decidido, com base naquela argumentação frágil e ligeira do Ministério Público, violou os artigos 109º e 111º do Código Penal. 22ª – Requer-se, ao abrigo do disposto no artigo 407º do CPP a subida imediata do presente recurso, para que o mesmo não venha a perder a sua utilidade, já que conforme ficou explanado no capítulo “VI – DA SUBIDA IMEDIATA DO RECURSO ORA INTERPOSTO”, e para onde desde já se remete, a presente decisão foi proferida na fase de instrução, sem que, à presente data tenha sido designada data para o debate instrutório ou decisão instrutória, desconhecendo-se, naturalmente se a decisão instrutória será de pronúncia ou não pronúncia, e ainda tendo em conta que se trata de um bem perecível, que pode a todo o tempo ser danificado, desvalorizado e destruído, e cuja privação tem causado graves prejuízos de índole económica ao arguido recorrente. Termos em que se requer a V. Exas. se dignem revogar a decisão recorrida e substituí-la por outra que revogue a medida de apreensão de veículo automóvel, ao abrigo do disposto nos arts. 178.º n.º6 do Código de Processo Penal, com as devidas consequências legais. *** O recurso foi admitido para subir imediatamente, em separado, e com efeito meramente devolutivo (despacho certificado a fls. 52).*** Em resposta ao recurso, o Ministério Público pugnou que lhe seja negado provimento e confirmado o despacho recorrido. Formulou as seguintes conclusões:1 ° A ordem de apreensão de objectos, nos termos do artigo 178°, n° 1, do Código de Processo Penal, seja para efeitos de prova, seja para efeitos de garantia da perda de tais objectos a favor do Estado, independentemente da fase processual em que seja ordenada - nomeadamente em fase de instrução - não depende do prévio exercício do contraditório por parte do arguido; 2° A apreensão de um objecto susceptível de perda a favor do Estado, por constituir a vantagem do crime, ainda que determinada em fase de instrução, não se trata de um acto próprio da instrução - atentos a finalidade, o objecto e o conteúdo de tal fase processual, decorrentes dos artigos 286°, n° 1, 287°, n° 1, als. a) e b), 288°, n° 4, e 289°, n° 1, do Código de Processo Penal - não estando, pois, a coberto da contraditoriedade que caracteriza tal fase processual, porquanto tal característica própria dirige-se apenas aos actos destinados a satisfazer a finalidade da instrução; 3° Não tem aplicabilidade à medida de apreensão de objectos o disposto nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 61 ° (Direitos e deveres processuais) do Código de Processo Penal, pois não está em causa a prática de acto que directamente diga respeito ao arguido, nem a tomada de decisão que pessoalmente o afecte - dado que a apreensão de objectos não contende com o exercício dos direitos, liberdades e garantias do arguido enquanto tal, afectando a propriedade de bens e já não a posição processual do arguido e a sua liberdade pessoal; 4° O artigo 178º do Código de Processo Penal contém todo um regime relativo às apreensões que contempla já a possibilidade de contraditório quanto a tal medida, mas a ser exercido quer pelo arguido, quer por terceiros, em acto posterior à execução de tal medida cautelar (cf. os respectivos nºs 6 e 7) - decorrendo de tal regime que a apreensão de bens dispensa o prévio exercício do contraditório e que, em caso de apreensão de bens susceptíveis de perda, apenas tem lugar a audição do respectivo titular quando os bens pertençam a terceiro, bem como que, atenta a referência genérica a 'autoridade judiciária', o mesmo tem aplicabilidade em qualquer fase processual; 5° A medida de apreensão, não obstante a inserção sistemática do citado artigo 178° no Título III (Dos meios de obtenção de prova) do Livro III (Da prova) da Parte I do Código de Processo Penal, não se limita a ser, atento o respectivo regime, um meio de obtenção da prova, sendo igualmente uma medida cautelar de conservação de bens indiciariamente considerados como tendo proveniência ilícita, que visa garantir a colocação e manutenção sob a alçada do processo, e assim das autoridades judiciárias sucessivamente competentes no decurso do processo, dos bens que sejam susceptíveis de vir a ser objecto de perda a favor do Estado; 6° Nos termos do artigo 178°, n° 1, do Código de Processo Penal, são apreendidos, não apenas, os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime e quaisquer outros objectos susceptíveis de servir a prova - mas igualmente os objectos que constituírem o produto, lucro, preço ou recompensa do crime; 7° Nos termos do artigo 186°, nºs 1 e 2, daquele Código, enquanto os objectos exclusivamente destinados a servir a prova são restituídos a quem de direito logo que se tomar desnecessário manter a apreensão para tal efeito, os demais objectos (aqueles que sejam susceptíveis de vir a ser declarados perdidos a favor do Estado) mantêm-se apreendidos até que transite em julgado a sentença, sendo então restituídos apenas se não forem declarados perdidos a favor do Estado; 8° A ordem de apreensão de um veículo automóvel que constitui a vantagem do crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo artigo 372°, nº 1, do Código Penal, é imposta pelas disposições conjugadas do artigo 178°, n° 1, do Código de Processo Penal, do artigo 111°, nº 1, do Código Penal (relativo à perda de vantagens); 9° Estando o perdimento do aludido veículo a favor do Estado já promovido pelo Ministério Público, na sequência da acusação deduzida nos autos, tal ordem de apreensão não está dependente de qualquer juízo de necessidade para efeitos probatórios; 10° O regime previsto no artigo 111° do Código Penal (Perda de vantagens) - cuja matriz resulta apenas do respectivo n° 1 - tem apenas como pressuposto da perda a favor do Estado que o(s) bem(ns) em questão se configurem como a recompensa, dada ou prometida, ao agente do facto ilícito típico ou a outrem, abrangendo todas as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto tiverem sido adquiridos e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie; 11° Entre os dispositivos resultantes, por um lado, do artigo 109° e, por outro lado, do artigo 111° do Código de Processo Penal - porque visando reger realidades diversas - inexiste qualquer relação que implique que ao regime estabelecido para a perda de vantagens se apliquem os pressupostos definidos para a perda de instrumentos e produtos, nomeadamente o critério de perigosidade; 12° Assim sendo, o juízo de susceptibilidade de perda a favor do Estado que subjaz à ordem de apreensão não depende de qualquer juízo acerca da perigosidade do bem cuja apreensão se determinou - depende apenas e tão-só da constatação de que o bem em causa se apresenta como a vantagem dada ou prometida ao agente ou a outrem (sendo que, in casu, se está perante o veículo automóvel dado ao arguido-recorrente em consequência do crime de recebimento indevido de vantagem que lhe é imputado); 13° Por todo o exposto, conclui-se que não assiste razão ao arguido-recorrente, porquanto se constata que a Mª Juiz a quo, na decisão sob recurso, fez correcta avaliação dos pressupostos de que dependia a ordenada apreensão, bem como fez correcta interpretação e aplicação das normas resultantes dos artigos 178°, nº 1, e 286°, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, e do artigo 111°, n° 1, do Código Penal. *** Nesta Relação o Ilustre Procurador-Geral Adjunto, seguindo inteiramente a contra-argumentação do Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no sentido “do presente recurso ser julgado improcedente”.*** Foi cumprido do disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.*** Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.*** II – FUNDAMENTAÇÃOConforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal). Assim, face às conclusões apresentadas pelo recorrente, as questões a decidir são: a) A ilegalidade da ordem de apreensão do veículo em causa, por desnecessidade da mesma para efeitos de prova; b) A insusceptibilidade de perda a favor do Estado de tal veículo, por não verificação dos requisitos exigidos pelo artigo 109° do Código Penal. Tratemos tais questões. Alega o recorrente que “o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, a reboque da promoção do Ministério Público, pela efectiva apreensão com remoção do veículo, visando obter qualquer outro efeito que não o de “servir a prova”, como se verifica nos presentes autos, decidiu contra legem, violando assim o artigo 178º do C.P.P.” E conclui que “tendo em conta que toda a informação relativa ao bem ora apreendido consta já dos autos, a decisão em crise, torna-se totalmente desproporcional e desnecessária, e por essa razão, ilegal”. Vejamos se lhe assiste razão. Revertendo para a decisão recorrida dela resulta que, “tendo em conta a douta promoção que antecede, justifica-se a sua apreensão “como meio de obtenção de prova” e por constituir “uma vantagem patrimonial decorrente da prática de um facto ilícito típico”. Tendo tal apreensão sido determinada nos “termos das disposições conjugadas dos artigos 178º, nº 1, do Código de Processo Penal, e 111º, nº 1, do Código Penal”. Tecidas estas considerações, cumpre contextualizar a decisão recorrida. Após o encerramento da fase processual de inquérito, em 2 de Dezembro de 2016, o Ministério Público deduziu acusação imputando ao arguido, aqui recorrente, a prática de um crime de recebimento indevido de vantagem, previsto e punível pelo artigo 372º n.º1 do Código Penal e de um crime de abuso de poder, previsto e punível pelo artigo 382º do Código Penal, tendo ainda requerido, naquele despacho, o perdimento do referido veículo (ou do seu valor), após a condenação que viesse a ser proferida e como efeito dela. Os factos imputados ao ora recorrente e ao coarguido, consistem, em súmula, em o arguido C..., em Janeiro de 2014, ter facultado ao arguido B... a utilização gratuita do veículo automóvel de matrícula ..-FQ-.., de marca ..., de propriedade da sociedade “D..., S. A.”, de que o primeiro era e é administrador; tendo, desde então, tal sociedade suportado os custos relativos ao pagamento do IUC e o arguido B... usado e fruído de tal veículo como seu proprietário. Inconformado com a acusação, o arguido requereu a abertura de instrução e em sede de RAI veio informar ter sido já formalizada a transferência de propriedade do veículo em causa para o arguido B.... A instrução veio a ser admitida por despacho de 17.01.2017, que designou data para inquirição de testemunhas e deferiu a prova documental requerida pelos arguidos. Em 26.01.2017 o Ministério Público, invocando que o veículo em causa “é a vantagem dada ao arguido B...”, para além de estar em “causa objeto susceptível de vir a ser declarado perdido a favor do Estado”, “nos termos das disposições conjugadas dos artigos 178º, nº 1, do Código de Processo Penal e 111º, nº 1 do Código Penal” promoveu a “imediata apreensão, com efetiva remoção, do veículo automóvel de matrícula nº ..-FQ-.., de marca “...”, o qual se encontra na posse do arguido B...”. Em 30.01.2017 foi proferido o despacho recorrido. No dia 20 (vinte) de Fevereiro de 2017 foi apreendido ao arguido pela Polícia Judiciária, aquele seu veículo automóvel de matrícula ..-FQ-... Dispõe o nº 1 do artigo 178º do Código de Processo Penal que “São apreendidos os instrumentos, produtos ou vantagens relacionados com a prática de um facto ilícito típico, e bem assim todos os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova”. Quer dizer, são apreendidos, não apenas, os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime e quaisquer outros objetos suscetíveis de servir a prova, mas igualmente os objetos que constituírem o produto, lucro, preço ou recompensa do crime. Tal medida de apreensão, inserida no Título III (Dos meios de obtenção de prova) do Livro III (Da prova) da Parte I do Código de Processo Penal, visa ainda garantir a colocação e manutenção sob a alçada do processo, e assim das autoridades judiciárias sucessivamente competentes no decurso do processo, dos bens indiciariamente considerados como tendo proveniência ilícita e que sejam suscetíveis de vir a ser objeto de perda a favor do Estado. A apreensão é autorizada por despacho do Ministério Público na fase de inquérito, pertencendo esta competência ao juiz na fase de instrução e ao juiz presidente na fase de julgamento. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 109º do Código Penal “São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática”. E face ao estipulado no nº 1 do artigo 111º, nº 1 do Código Penal “toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado” – na redação anterior à Lei n.º 30/2017, de 30 de maio. Com a Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, o nº 1 do artigo 111º do Código Penal (com a epígrafe “Instrumentos, produtos ou vantagens pertencentes a terceiro”) passou a ter a seguinte redação: “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a perda não tem lugar se os instrumentos, produtos ou vantagens não pertencerem, à data do facto, a nenhum dos agentes ou beneficiários, ou não lhes pertencerem no momento em que a perda foi decretada”. Por sua vez dispõe o artigo 186º do Código Penal que: “1 - Logo que se tornar desnecessário manter a apreensão para efeito de prova, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito. 2 - Logo que transitar em julgado a sentença, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados perdidos a favor do Estado.” No caso em apreço, considerando o teor do despacho acusatório, no relatado contexto o veículo em causa constitui uma vantagem dada ao agente do facto ilícito, concretamente o arguido B..., conforme se refere no despacho recorrido. Assim, tendo o veículo em causa sido apreendido por constituir uma vantagem do crime imputado aos arguidos, tal apreensão revela-se perfeitamente justificada, independentemente de qualquer juízo de necessidade para efeitos probatórios. Pelo que, não se afigura que o despacho recorrido, proferido pelo Sr. Juiz de Instrução, tenha violado o disposto no artigo 178º do Código de Processo Penal. Defende também o recorrente que o despacho recorrido é ilegal, porquanto o veículo em questão não é suscetível de perda a favor do Estado, por não estarem reunidos os pressupostos previstos no artigo 109° do Código Penal. Parece-nos que também não lhe assiste razão. Na verdade, há que distinguir o regime de perda de instrumentos e produtos do crime (previsto no artigo 109° do Código Penal) do regime de perda de vantagens do crime (decorrente do artigo 111º do Código Penal). Com efeito, “o que fundamenta a perda dos instrumentos e do produto do crime são razões ligadas à segurança das pessoas, à moral ou à ordem públicas, ou à circunstância de oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos. Quanto às vantagens não se poderá associar-se-lhes tais características – que sejam, em si mesmas, perigosas (cfr. Figueiredo Dias, 1993, pag.616). “O fundamento da perda de instrumentos e produtos regulada no artigo 109º radica nas exigências, individuais e colectivas de segurança e na perigosidade dos bens apreendidos, ou seja, nos riscos específicos e perigosidade do próprio objecto e não na perigosidade do agente do facto ilícito ou na culpa deste ou de terceiro” (cfr. Ac. TRL de 28.09.2010, disponível em www.dgsi.pt). Diversamente, o regime previsto no artigo 111° do Código Penal tem como pressuposto da perda de vantagens que o(s) bem(ns) em questão se configurem como a recompensa, dada ou prometida, ao agente do facto ilícito típico ou a outrem, abrangendo todas as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto tiverem sido adquiridos e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie. Ora, é precisamente neste âmbito - o da perda de vantagens do crime (artigo 111º do Código Penal - que se situa o despacho sob recurso e em que se fundamenta a ordem de apreensão no mesmo corporizada. Assim sendo e, acolhendo o entendimento no sentido de que o juízo de suscetibilidade de perda a favor do Estado que subjaz a tal ordem não depende de qualquer juízo acerca da perigosidade do bem cuja apreensão se determinou – mas da constatação de que o bem em causa, o veículo automóvel de matrícula n° ..-FQ-.., se apresenta como a vantagem dada ao arguido-recorrente em consequência do crime imputado, entendemos que o despacho recorrido também não violou o disposto nos artigos 109º e 111º do Código Penal, conforme defende o recorrente. Pelo que, face ao exposto, nenhuma censura nos merece o despacho recorrido, proferido sem violar nenhuma disposição legal ou princípio constitucional, mormente os invocados pelo recorrente. Improcede, pois, o recurso. *** III – DECISÃOPelo exposto, acordam as juízas da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B..., mantendo integralmente o despacho recorrido. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s. Dê conhecimento de imediato à primeira instância. *** Porto, 27 de setembro de 2017Elsa Paixão Maria dos Prazeres Silva |