Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ANABELA MIRANDA | ||
| Descritores: | BENS DA HERANÇA SEGURO DE VIDA SEGURO DE CAPITALIZAÇÃO BENEFICIÁRIA DA ACTIVIDADE BENEFICIÁRIOS DO SEGURO CAPTAÇÃO DE AFORRO ESTRUTURADO | ||
| Nº do Documento: | RP202205043863/06.2TBMAI.P1 | ||
| Data do Acordão: | 05/04/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O seguro de capitalização, apesar de apresentar características comuns com o seguro de vida, distingue-se deste por não cobrir, a título principal, o risco de morte ou de sobrevivência da pessoa segura. II - No seguro de vida a pessoa segura pode designar o beneficiário do seguro e na falta de designação, o capital seguro, por falecimento da pessoa segura, é prestado aos herdeiros legais. III - O seguro celebrado pelo de cujus, pelo prazo de 8 anos e 1 dia, nos termos do qual foram subscritas duas aplicações de € 50.000,00 cada (50 unidades de participação), obrigando-se a seguradora a pagar esse valor ao tomador, em caso de vida, e em caso de morte, ao cônjuge, na sua falta aos filhos e na falta destes aos herdeiros legais, deve ser qualificado como um instrumento de captação de aforro estruturado, que não integra a massa hereditária. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 3863/06.2TBMAI.P1 Relatora: Anabela Andrade Miranda Adjunta: Lina Castro Baptista Adjunta: Alexandra Pelayo * Sumário……………………………… ……………………………… ……………………………… * Acordam no Tribunal da Relação do PortoI—RELATÓRIO Nos presentes autos de inventário facultativo, requerido em 15/05/2006, para partilha dos bens deixados por óbito de AA, falecida em .../.../1990 e de BB, falecido em .../.../2005, casados em primeiras núpcias e comunhão geral de bens, nos quais desempenha as funções de cabeça-de-casal CC, foi homologada, por sentença, a partilha constante do mapa e, em conformidade, adjudicou-se os respectivos quinhões aos interessados. * Inconformados com a sentença, os interessados DD e EE, netos dos inventariados, interpuseram recurso formulando as seguintes CONCLUSÕES I -Um Seguro de Capitalização, não se confunde com um Seguro de Vida. II -Ao contrário do que sucede no "Seguro de Vida" o Seguro de Capitalização não está ligado a um risco relacionado com a morte ou sobrevivência da pessoa "Segura". III -No seguro de Capitalização, a Seguradora obriga-se a pagar um determinado valor no final do contrato, independentemente do "Segurado" estar vivo ou não. IV -O produto financeiro subscrito pelo "de cujus" junto do Banco 1..., aplica-se de ... 1/03 e não seguro do que seja. V -Na explicação do próprio Banco, o "de cujus" fez duas aplicações de 50.000,00 € nesse produto. VI -E explica no introito que o subscritor, fez um INVESTIMENTO que lhe vai proporcionar uma elevada remuneração. VII -E que os beneficiários são, em caso de vida, o subscritor e, em caso de morte os seus herdeiros legais, cônjuge, filhos ou herdeiros legais. VIII -Por outro lado, o capital e investimento não é pago, como não foi, com o óbito do inventariado. XI -Logo, trata-se dum produto financeiro atractivo, com melhor tratamento fiscal, mas não se confunde com "Seguro de Vida" pelo que tem de ser indicado na Relação de Bens. X -Aliás, nas condições da sua subscrição esclarece que os beneficiários em caso de morte são os herdeiros legais, e portanto, a partilha de acordo com o quinhão respectivo de cada um. XI -Os herdeiros têm de receber em cada espécie de bens o seu respectivo quinhão que tem de ser especificado no respectivo Mapa de Partilha. XII -No que tange ao dinheiro, direitos de crédito, cada herdeiro tem de receber o quinhão respectivo reflectindo-se aí, também, a quota disponível de que os Recorrentes beneficiam. XIII -E que num valor de 276.990,06 €, a C.C. só tem direito a 92.330,02 € e cada um dos Recorrentes 92.330,02 € e não os 75.312,415 € que lhes foram atribuídos no Mapa. * A cabeça-de casal apresentou resposta, concluindo da seguinte forma:I.Vêm os Recorrentes interpor Recurso de Apelação pelo facto de não ter sido relacionada, em sede de relação de bens, uma verba referente a um Seguro de Vida, cuja apólice foi junta aos autos a 15 de outubro de 2012. II.No entender dos Recorrentes, tal seguro reveste uma operação de capitalização e, como tal, deveria ser relacionado, uma vez que os beneficiários são os herdeiros legitimários. III.Analisando o documento apresentado nos autos a 15 de outubro de 2012, verifica-se que o mesmo se refere à Apólice n.º ..., especificando quem é o tomador do Seguro /Pessoa Segura, bem como os beneficiários “Em caso de Vida” e “Em caso de Morte”. IV.Ora, segundo as condições particulares, são beneficiários, por um lado, em caso de vida, a pessoa segura; e por outro, em caso de morte do Segurado: “cônjuge; na sua falta, filhos; na sua falta, herdeiros legais”. V.Esta estipulação de beneficiários é expressa, não havendo margem para qualquer dúvida: a apólice em apreço cobre o risco de vida e de morte da pessoa segura ou do tomador de seguro, pois que, ocorrendo a sua morte durante a vigência do contrato (8 anos e 1 dia), a prestação decorrente daquele risco reverte a favor das pessoas designadas na apólice como “Beneficiários”. VI.É que, resultando das Condições do contrato de seguro, que a seguradora, mediante uma retribuição/prémio a pagar pelo tomador do seguro e correspondente à subscrição de determinado número de unidades de participação, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, a proceder ao pagamento de um valor pré-definido, no caso de Vida ou Morte da Pessoa Segura no termo do Contrato, a obrigação do pagamento pela Seguradora aos Beneficiários designados, do valor da respetiva Unidade de Conta, conclui-se que esta mesma apólice, em rigor, cobre o risco de vida e de morte da pessoa segura ou do tomador de seguro. VII.O que significa que a apólice do presente caso – ... 1/03 - consubstancia um verdadeiro seguro de vida, porquanto não deixa de cobrir o risco de vida e de morte da pessoa segura. VIII.Em consequência, tratando-se de um seguro de vida, não carece de ser relacionada a quantia paga pela seguradora ao beneficiário do tomador do seguro falecido (o inventariado), pois que não integra manifestamente um bem da respetiva herança e que como tal deva ser partilhado. IX.Mesmo se qualificando o presente seguro como de capitalização, é importante contextualizá-lo com as normas vigentes à data, não deixando de parte, outrossim, o risco que está associado ao mesmo (em caso de vida ou em caso de morte). X.Ou seja: mesmo qualificando o seguro como de capitalização, o mesmo não deixa de indicar beneficiários em caso de morte. XI.A legislação, à data, previa uma grande amplitude de seguros qualificáveis como de vida, conforme se retira do artigo 455.º, do Código Comercial. XII.Ainda com a legislação atualmente em vigor, uma vez que a presente apólice cobre o risco de morte da pessoa segura, é enquadrada na previsão do artigo 183.º, do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril. XIII.Além disso, a doutrina é pacífica no que concerne a seguros de capitalização quando exibem elementos formalmente caraterizadores do seguro de vida: pretende-se abranger todos os seguros em que o risco coberto é o risco morte, ainda que associados a seguros de capitalização. XIV.E, segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de12 de novembro de 2013, (530/10.6TJPRT.P1.S1), mesmo só por si “o seguro de capitalização deverá considerar-se como um subtipo contratual do seguro de vida”. XV.O mesmo Aresto asseverou serem os Unit-Linked instrumentos de captação de aforro estruturado, que assumem a qualificação jurídica de contrato de seguro de vida, por continuarem a cobrir o risco de vida e de morte da pessoa segura, não devendo, por isso, integrar a herança do seu tomador. XVI.No caso da apólice em apreço, a mesma detém todos os elementos que conferem a indubitável conclusão de revestir um seguro de vida, ainda que se possa considerar a apólice como um seguro de capitalização. XVII.O contrato em análise exibe claramente os elementos formalmente caraterizadores do seguro de vida, desde logo tendo em atenção o prémio, o capital e ao evento fortuito de que depende a prestação do segurador. XVIII.Portanto, qualificar o contrato em causa como uma mera “aplicação financeira” é ignorar que, na sua valência nuclear, se comporta tal e qual como o clássico seguro de vida. XIX.A descrição do seguro de capitalização operada pelos Recorrentes, quando afirmam que, neste tipo de seguro, “a Seguradora obriga-se a pagar um determinado valor no final do contrato, independentemente do “Segurado” estar vivo ou não” não se poderá aplicar ao caso, uma vez que o presente contrato depende da vivência ou não da pessoa segura! XX.Nem se poderia atribuir tal produto aos herdeiros legais quando as filhas do de cujus são vivas: apenas em caso de morte das mesmas é que os beneficiários seriam os herdeiros legais. XXI.Como tal, a descrição dos beneficiários inserta na apólice faz com que o mesmo seja excluído da partilha, pelo que bem andou o Tribunal “a quo” ao excluir tal verba da relação de bens. XXII.Quanto ao demais vertido nas Alegações de Recurso quando à Forma da Partilha, sempre se diga que a mesma espelha a vontade dos Interessados aquando da Conferência de Interessados e tem-se por correta, pelo que se deverá manter a Forma dada em sede de 1.ª instância, no mais se pugnando pela manutenção da douta sentença proferida. * Colhidos os Vistos, cumpre decidir.II—Delimitação do Objecto do Recurso As questões decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem em saber se a verba correspondente a 50 unidades de participação de um seguro deve integrar a herança e se o mapa da partilha obedeceu ao legal formalismo. * III—FUNDAMENTAÇÃOFACTOS PROVADOS 1-Por óbito de AA, falecida em .../.../1990 e de BB, falecido em .../.../2005, casados em primeiras núpcias e comunhão geral de bens; 2-Os inventariados deixaram duas filhas, AA, divorciada, falecida em .../.../2012 no decurso deste processo, e CC, casada; 3-O inventariado BB lavrou testamento, no qual instituiu herdeiros da quota disponível da sua herança os netos EE e DD; 4-A AA sucederam os filhos EE e DD; 5-Os bens a partilhar constam da relação de bens de fls. 846 com as alterações de fls. 983; 6-Na conferência de interessados não houve acordo quanto à composição dos quinhões, tendo havido licitações; 7-A forma à partilha foi determinada da seguinte forma: “Somam-se os valores das verbas relacionadas, considerando-se as alterações supracitadas e divide-se o valor obtido do seguinte modo: A.A meação de AA é dividida em três partes, pelas filhas CC, AA e BB. B.A meação de BB e o respectivo quinhão na herança de AA será dividido em três partes, duas correspondentes à quota disponível, a dividir em partes iguais por EE e DD. C.Os quinhões pertencentes a AA serão divididos em partes iguais por EE e DD. O preenchimento dos quinhões será feito nos termos acima preconizados e considerando as licitações efectuadas. Notifique.” 8-O falecido BB celebrou com o Banco 1... um contrato designado por ..., em 03/01/2003, titulado pela Apólice n.º ..., com duração de 8 anos e 1 dia, nos termos do qual fez duas aplicações de € 50.000,00 (50 unidades de participação), obrigando-se aquele a pagar aquele valor ao tomador, em caso de vida e em caso de morte, ao cônjuge, na sua falta aos filhos e na sua falta aos herdeiros legais. * IV-DIREITOA questão principal suscitada no recurso prende-se com a falta de inclusão, na relação de bens, da verba correspondente a 50 unidades de participação de um seguro celebrado pelo de cujus. Os Recorrentes, netos do inventariado, são beneficiários, por testamento, da quota disponível da herança, e manifestaram a sua discordância por entenderem, em resumo, que se trata um seguro de capitalização que não se confunde com um seguro de vida. Sustentam que, ao contrário do que sucede com este último, aquele não está ligado a um risco relacionado com a morte ou sobrevivência da pessoa "Segura". Acrescentam que no seguro de capitalização, a seguradora obriga-se a pagar um determinado valor no final do contrato, independentemente do "Segurado" estar vivo ou não. A cabeça-de-casal opôs-se, defendendo que se trata de um seguro de vida porquanto não deixa de cobrir o risco de vida e de morte da pessoa segura, sendo que, neste caso, ficaram estipulados na apólice os beneficiários. A temática dos contratos de seguro rege-se pelo Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 72/2008 de 16.04 (LCS), que entrou em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2009 com a versão mais recente introduzida pela Lei n.º 75/2021 de 18.11. Sobre a aplicação do diploma no tempo, o disposto no art.º 2.º, estipula que o regime jurídico do contrato de seguro também se aplica ao conteúdo de contratos de seguro, celebrados anteriormente, que subsistam à data da sua entrada em vigor, ou seja, aplica-se a questões relacionadas com a execução do vínculo[1]. Nos termos do art. 1.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (LCS), por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador de seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente. Os contratos de seguro dividem-se em duas modalidades ou ramos, a saber: o seguro de danos e o seguro de pessoas, sendo que neste último incluem-se os seguros de vida, de acidente e de saúde.[2] No seguro de vida o segurador cobre um risco relacionado com a morte ou a sobrevivência da pessoa segura-art.183.º do LCS. Em anotação ao referido preceito legal, Leonor Cunha Torres[3] observa que com esta noção de seguro de vida pretende-se abranger todos os seguros em que o risco coberto é o risco morte, ainda que associados a seguros de capitalização, ou o risco lesão corporal, invalidez, temporária ou permanente, mas também os diversos seguros em que o risco coberto é a saúde, ou a verificação de qualquer evento fortuito que altere a saúde do segurado, como os seguros de saúde e de acidentes pessoais. A pessoa segura designa o beneficiário do seguro (art.81.º) e na falta de designação, o capital seguro, por falecimento da pessoa segura, é prestado nos termos do art.º 198.º, n.º 2, als a) a d) da LCS. Menezes Cordeiro esclarece que a designação beneficiária não é afectada pelas relações do tomador do seguro com pessoas estranhas ao benefício; as disposições relativas à colação, à imputação e à redução de liberalidades, assim como à impugnação pauliana só operam no que corresponda às quantias prestadas pelo tomador ao segurador.[4] O designado seguro/operação de capitalização é definido no art.º 124.º, n.º 4 do RGAS (Regime Geral da Actividade Seguradora) por “…toda a operação de poupança, baseada numa técnica actuarial, que se traduza na assunção de compromissos determinados quanto à sua duração e ao seu montante, como contrapartida de uma prestação única ou de prestações periódicas previamente fixadas.” Sobre o seguro de vida e a operação de capitalização, Eduarda Ribeiro[5] refere que apresentam diversos traços em comum pois aquele também: (1) pode assumir uma função e componente de poupança; (ii) utiliza uma técnica actuarial, isto é, baseia-se numa avaliação de risco assente numa distribuição da probabilidade e da severidade da ocorrência de um determinado evento aleatório;(iii) pode ter como contraprestação um prémio único ou periódico. Acrescenta que a diferença fundamental entre a natureza dos dois tipos de seguro reporta-se ao facto de na operação de capitalização não se encontrar ligada a um risco relacionado com a morte ou a sobrevivência da pessoa segura, ao contrário do seguro de vida. Em consequência desta distinção, na operação de capitalização o segurador vincula-se a, numa data determinada de vencimento, realizar uma prestação determinada quanto ao montante não dependente de qualquer álea ligada à duração da vida humana, ou seja, não cobre risco demográfico, elemento intrínseco a um contrato de seguro de vida. Na operação de capitalização o risco do segurador é um mero risco financeiro ou de investimento.[6] Nos termos do artigo 207.º da LCS o regime comum do contrato de seguro e o regime especial do seguro de vida são aplicáveis subsidiariamente às operações de capitalização, desde que compatíveis com a respectiva natureza. No caso em apreciação está em causa um seguro que o de cujus celebrou com o Banco 1... designado por ..., com a duração de 8 anos e 1 dia, nos termos do qual foram subscritas duas aplicações de € 50.000,00 cada (50 unidades de participação), obrigando-se aquele a pagar esse valor ao tomador, em caso de vida, e em caso de morte, ao cônjuge; na sua falta aos filhos e na sua falta destes aos herdeiros legais. Em primeira linha, cumpre analisar a vontade das partes, a qual se traduz, de forma clara e transparente, na concretização de um investimento por parte do subscritor, reembolsável no fim do prazo estabelecido, e no caso de morte, prestado às pessoas que foram designadas no contrato como beneficiárias, ou seja, preenche, numa primeira apreciação, as características apontadas ao seguro de capitalização por não estar dependente da álea da vida humana. Porém, existe uma disposição no contrato que torna a sua natureza incompatível com uma operação de capitalização tout court e nos faz concluir pela celebração de um seguro de vida com uma componente de aforro: a estipulação de beneficiários, em caso de morte do subscritor. A este respeito, Eduarda Ribeiro[7] enumera as disposições não aplicáveis às operações de capitalização, nomeadamente as que são incompatíveis com a sua natureza como são as que prevêm a atribuição da prestação a terceiros (194.º, n.º 5, 198.º a 201.º e 204.º da LCS). Nesta linha de raciocínio, explica que na operação de capitalização a prestação do segurador é feita ao subscritor ou portador do título, integrando na data de vencimento o respectivo património, sendo estranha a figura da designação beneficiária que representa a forma pela qual o tomador do seguro designa a pessoa singular ou colectiva a favor de quem reverte a prestação do segurador decorrente do contrato, bem como o regime que lhe está associado. Por conseguinte, podemos concluir, com segurança, que a verba, não incluída na relação de bens, deve ser qualificada como um instrumento de captação de aforro estruturado (cfr. art.º 206.º, n.º 1 e 2 da LCS) enquadrável no ramo “Vida”, assumindo a forma mista por ser um seguro em caso de vida e de morte, caracterizando-se pelo facto da prestação a que o segurador se obriga variar em função do valor das unidades de participação a que o capital de seguro corresponde.[8] De qualquer modo, a declaração contratual do inventariado de designação de determinados beneficiários da verba correspondente às unidades de participação deve ser respeitada, e tendo deixado filhas, não carece de ser relacionada por não fazer parte da massa hereditária. O segundo argumento do recurso traduz o inconformismo dos Recorrentes com a forma como foi elaborado o mapa da partilha. Consideram que os herdeiros têm de receber, em cada espécie de bens, o seu respectivo quinhão que tem de ser especificado no respectivo mapa de partilha, não tendo sido observado o artigo 1375.º, n.º 2 do C.P.Civil. O mencionado normativo, aplicável ao presente processo, que correspondeu ao art.º 59.º do RJPI até ser revogado pela Lei n.º 117/2019 de 13.09, determina que para a formação do mapa acha-se, em primeiro lugar, a importância total do activo, somando-se os valores de cada espécie de bens conforme as avaliações e licitações efectuadas e deduzindo-se as dívidas, legados e encargos que devam ser abatidos; em seguida, determina-se o montante da quota de cada interessado e a parte que lhe cabe em cada espécie de bens; por fim, faz-se o preenchimento de cada quota com referência aos números das verbas da descrição. Nesta matéria, Rabindranath Capelo de Sousa[9] ensina que há que determinar na universalidade da herança quais as fracções a que cada herdeiro tem direito e em que está onerado e há que fixar, consequentemente, o montante de cada quota hereditária em valor abstracto. No mesmo sentido, Lopes Cardoso[10] refere que o mapa é elaborado em harmonia com o despacho que determinou a partilha e com um duplo objectivo: c1) por um lado, é necessário apurar quanto cabe a cada interessado no montante global; c2) por outro, faz-se destrinça desse quantitativo com referência a cada espécie de bens. Cumprirá determinar, segundo o referido autor, quanto cabe ao respectivo interessado em direitos de crédito, títulos de crédito, dinheiro, moedas estrangeiras, objectos de ouro, prata e pedras preciosas e semelhantes, móveis e imóveis. O mapa da partilha não obedeceu integralmente ao citado preceito legal pois não determinou o quinhão de cada interessado relativamente a cada espécie de bens. Assim, deverá ser elaborado novo mapa da partilha que cumpra os ditâmes processuais, determinando, nessa conformidade, as quotas hereditárias de cada interessado. Em suma, a sentença deve ser revogada atendendo à necessidade de elaboração do mapa da partilha de harmonia com a determinação legal, mantendo-se inalterada a relação de bens. * V—DECISÃOPelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, revogam a sentença. Custas pelos Recorrentes e Recorrida, na proporção de 2/3 e 1/3 respectivamente. Notifique. Porto, 4/5/2022 Anabela Andrade Miranda Lina Baptista Alexandra Pelayo ___________ [1] V. Pedro Romano Martinez e outros, Lei do Contrato de Seguro Anotada, Almedina, 2.ª edição, pág. 25, nota III. [2] Cordeiro, António Menezes, Direito dos Seguros, 2.ª edição, Almedina, pág. 792. [3] Lei do Contrato de Seguro Anotada, Pedro Romano Martinez e outros, Almedina, 2.ª edição, pág. 538. [4] Ob. cit., pág. 847. [5] Lei do Contrato de Seguro Anotada, Pedro Romano Martinez e outros, Almedina, 2.ª edição, pág. 599. [6] Ob. cit., pág. 600. [7] Ob. cit. pág. 603. [8] Ob. cit., pág. 591, nota 4. [9] Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 171. [10] Partilhas Judiciais, vol. II, 6.ª edição, pág. 735. |