Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MENDES COELHO | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA NOMEAÇÃO DO ADMINISTRADOR CREDOR | ||
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Nº do Documento: | RP201109261368/08.6TBMCN-D.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/26/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA. | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Quando o juiz não acolhe a indicação de pessoa para administrador da insolvência que é feita pelo credor/requerente, pelo devedor ou pela comissão de credores ao abrigo da faculdade conferida pelos arts. 52º nº2 e 32º nº1 do CIRE e nomeia uma terceira pessoa, deve, em virtude da exigência de fundamentação decorrente do estabelecido nos arts. 158º nº1 e 659º nº3 do CPC, fundamentar esse não acolhimento e as razões que o levaram a nomear aquela terceira pessoa. II – Faltando em absoluto os fundamentos que levaram o tribunal a não acolher a proposta quanto à pessoa a nomear e a nomear outra para esse cargo, verifica-se, no àquela decisão de nomeação respeita, a nulidade prevista na alínea b) nº1 do art. 668º do CPC. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº1368/08.6TBMCN-D.P1 (apelação) (1º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canaveses) Relator: António M. Mendes Coelho 1º Adjunto: Ana Paula Carvalho 2º Adjunto: Caimoto Jácome Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório B…, residente na Rua …, nº…, freguesia de …, Marco de Canaveses, requereu a declaração de insolvência de “C…, Lda.”, com sede naquela mesma rua e lugar, tendo na respectiva petição inicial (artigo 57º de tal peça) proposto para o cargo de administrador da insolvência o sr. dr. E…, cujo domicílio profissional indicou, o qual subscreveu declaração de aceitação de tal função que veio junta com aquele articulado. A insolvência da requerida veio a ser declarada em sede de recurso por acórdão deste mesmo Tribunal da Relação (conforme cópia do mesmo constante de fls. 26 a 42) e, após baixa do processo à primeira instância para se cumprirem os ulteriores termos processuais, veio aí, entre outros despachos a dar cumprimento ao preceituado no art. 36º do CIRE, a ser proferido despacho que nomeou administradora da insolvência D…, sem que fosse feita qualquer alusão ou pronúncia sobre a proposta do requerente para o desempenho de tais funções. De tal despacho veio o requerente a interpor o presente recurso, tendo na sequência da sua motivação apresentado as seguintes conclusões, que ora se transcrevem: “I – O presente recurso tem por objecto a douta decisão do Tribunal Judicial de Marco de Canaveses de 07-01-2011 que nomeou como administradora da insolvência a Srª Drª D…, com domicílio profissional na Rua …, …, …, ….-… Porto, na sequência do Acórdão da Relação do Porto de 15-11-2010, que declarou a insolvência da requerida C…, LDA, e mandou dar cumprimento, no tribunal recorrido, ao que dimana dos artºs 36º e seguintes do CIRE; II – É um facto incontroverso e incontrovertível que nos termos do preceituado no artº 52º, nº 1, do CIRE, a nomeação do administrador da insolvência é sempre da competência do juiz; III – No entanto, o legislador regulamenta os termos em que essa competência deve ser exercida, permitindo ao devedor e ao credor requerente da insolvência indicar a pessoa a nomear; IV – Estabelecendo que o juiz “pode” atender à pessoa indicada pelo próprio devedor ou pelo credor requerente da insolvência – artº 32º, nº 1, e artº 52º, nº, 2 do CIRE; V – Mas não em termos que o leve a não se pronunciar sobre o peticionado sem fundamentar, levando à discricionariedade e mesmo à arbitrariedade de tal decisão, ou simplesmente a não se pronunciar sobre o peticionado; VI – Sendo clara a letra da lei quando atribui ao juiz o poder de atender às indicações feitas (“poder de atender” no sentido de ouvir o requerente da insolvência ou o devedor sobre tal matéria e sobre o mesmo se pronunciar); VII – Pois, o pedido de nomeação, apesar de não ser vinculativo, foi feito em tempo e fundamentadamente, merecendo a apreciação pelo Tribunal a quo; VIII – Demais que o credor / ex - trabalhador, ora recorrente, requereu ao Tribunal (utilizou as expressões “propõe” e “sugestão”, respectivamente no artº 57º e na alínea b) do pedido) na petição inicial em que peticionou a declaração da insolvência, que fosse nomeado como Administrador da Insolvência o Sr. Dr. E…, com os sinais dos autos e escritório na cidade e comarca de Marco de Canaveses, justificando tal proposta de nomeação com o disposto nos artºs 32º e 52º, nº 2, do CIRE e ser o Sr. Dr. E… conhecido do requerente, sabendo o mesmo requerente da sua competência e imparcialidade no exercício das funções, sendo um profissional diligente e justo, e, ademais, que tal Sr. Administrador fora previamente contactado e manifestou disponibilidade para aceitar a nomeação, circunstância que comprovou com documento bastante, anexo com a p. i. sob Docº nº 21 (“Declaração de Aceitação”, por si assinada, com data de 30 de Outubro de 2008); IX – Na douta decisão do Tribunal a quo, em cumprimento dos artºs 36º e ss. do CIRE, foi nomeada administradora a Srª Drª D…, com domicílio profissional na Rua …, …, …, ….-… Porto, sem menção de qualquer motivo para o não acatamento da sugestão feita na petição inicial; X – Não resulta dos autos que tenha havido (porque não houve) outra indicação para o exercício do referido cargo além da do requerente da insolvência; XI – Uma vez que só o credor requerente da insolvência indicou a pessoa a nomear para o cargo de administrador de insolvência e este consta das listas oficiais, o Tribunal a quo deveria, em princípio, acolher essa indicação, a não ser que tivesse motivos que a desaconselhassem (por ex., por a pessoa/entidade em causa ser já administrador noutros processos pendentes no Tribunal e porque o art. 2º, nº 2, da Lei 32/2004 aconselha a “distribuição em idêntico número” pelos administradores constantes daquelas listas); XII – Além disso, não acolhendo a indicação do requerente, o Tribunal a quo devia fundamentar esse não acolhimento e as razões que o levaram a nomear uma terceira pessoa, cuja capacidade e idoneidade para o exercício do cargo obviamente não se coloca em causa, sendo todavia totalmente estranha ao conhecimento do requerente, tendo domicílio profissional na cidade do Porto, relativamente longe da comarca de Marco de Canaveses, precisamente onde se situa o domicílio profissional do Sr. Administrador que propôs, Dr. E…, e longe, igualmente, da sede social da firma insolvente, que se situa no mesmo concelho de Marco de Canaveses, já que tal exigência decorre do que estabelecem os artºs 158º, nº 1, e 659º, nº 3, do CPC; XIII – No caso em apreço, o Tribunal a quo não acolheu a indicação do requerente da insolvência (feita na petição inicial) e nomeou outra pessoa para o cargo de administrador da insolvência (um e outro constantes das aludidas listas oficiais) sem fundamentar, minimamente que fosse, a sua opção; XIV – Com efeito, o Tribunal a quo, para fundamentação da decisão, refere apenas a norma que impõe que na sentença que declare a insolvência o juiz nomeie o administrador da insolvência – artº 36º -, bem como a referência à Listagem publicada no DR, II Série, nº 60, de 26 de Março de 2010; XV – Nenhuma referência é feita à indicação de pessoa a nomear para tal cargo, efectuada pelo credor / ex - trabalhador, requerente da insolvência; XVI – Por outro lado, nem a norma, nem a Listagem acima citadas, mencionadas no segmento da decisão sob recurso, exclui, por si só, a possibilidade de que a nomeação para o cargo de administrador da insolvência, recaísse na pessoa indicada pelo requerente; XVII – Com a referida omissão o Tribunal a quo não fundamentou a nomeação a que procedeu e, se bem analisamos, deixou de se pronunciar sobre questão que foi colocada à sua apreciação (não se pronunciou sobre a nomeação do administrador da insolvência na pessoa indicada pelo requerente), incorrendo, por isso, nas nulidades previstas nas als. b) e d) do nº 1 do art. 668º do CPC; XVIII – Segundo estas alíneas, a sentença é nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” ou quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”; XIX – Faltando, como faltam, em absoluto, os fundamentos que levaram o Tribunal, por um lado, a não acolher a indicação do requerente, ora apelante, quanto à pessoa a nomear como administrador da insolvência e, por outro, a nomear outra para esse cargo, consideramos, por essa via, estar preenchida a previsão da primeira daquelas alíneas [que exige que falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito da decisão, não bastando a mera deficiência ou insuficiência de fundamentação, embora tal nulidade, como é manifesto, se circunscreva à questão aqui em apreço, tratando-se, portanto, de uma nulidade parcial da sentença recorrida; XX – E, deixando de se pronunciar sobre questão que deveria apreciar, porque suscitada em articulado próprio e idóneo (artº 57º da p. i. e alínea b) do pedido), não fazendo referência à indicação peticionada, incorreu o Tribunal a quo na nulidade prevista na 1ª parte da al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC, que está directamente relacionada com o comando fixado no nº 2 do artº 660º, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”; XXI – Nessa medida, a decisão recorrida enferma de vício de nulidade, que deverá determinar a sua revogação, na parte atinente à nomeação do administrador da insolvência; XXII – De harmonia com a regra da substituição da Relação ao tribunal recorrido (artº 715º, nº 1, na sua actual redacção), cabe a este Tribunal de 2ª instância “conhecer do objecto da apelação”, ou seja, substituir-se ao Tribunal recorrido e, «in casu, proceder à nomeação do administrador da insolvência em função dos elementos fácticos que decorrem dos autos; XXIII – Assim, não resultando destes que tenha sido indicada, por algum credor ou pela insolvente, outra pessoa para o exercício do cargo em questão (com efeito, para além da indicação do requerente, ninguém se apresentou nos autos a dizer ou requerer o que quer que fosse, a tal respeito), nem que a nomeação levada a cabo pelo Tribunal a quo tenha sido para observância do disposto na parte final do nº 2 do art. 2º da Lei nº 32/2004, crê-se que não se possibilita que se extraia outra solução que não seja a de nomear como administrador da insolvência a pessoa que o requerente, aqui apelante, indicou na parte final da p. i. com que requereu a insolvência, dando, deste modo, provimento ao recurso; XXIV – Ao decidir nos termos em que o fez na douta decisão, o Tribunal a quo violou e fez errada interpretação e aplicação do disposto nas normas e princípios legais supra referidos.” Não foram apresentadas contra-alegações. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões (art. 684º nº3 do CPC), são as seguintes as questões a tratar: a) – apurar se o tribunal recorrido estava obrigado a fundamentar o seu não acolhimento da proposta do requerente quanto à pessoa a nomear para o cargo de administrador da insolvência; b) – apurar se a omissão de tal fundamentação integra as nulidades das alíneas b) e d) do art. 668º nº1 do CPC. ** II – FundamentaçãoOs dados a ter em conta para a apreciação das questões supra referidas são os seguintes: - o requerente da insolvência, no artigo 57º da sua petição inicial, propôs que fosse nomeado para o cargo de administrador da insolvência o sr. dr. E…, cujo domicílio profissional ali também indicou, e acompanhou tal proposta de declaração de aceitação para tal cargo assinada por este (documento junto com tal articulado sob o nº21, cuja cópia consta de fls. 17 e 78 destes autos); - em despacho subsequente ao acórdão deste Tribunal da Relação que declarou a insolvência da requerida, foi nomeada administradora da insolvência a sra. D…, sem que fosse feita qualquer alusão ou pronúncia sobre a proposta do requerente para o desempenho de tais funções; - não resulta de qualquer das certidões constantes de fls. 1 e sgs. e de fls. 61 e sgs. que tenha havido outra indicação para o exercício do referido cargo além da do requerente da insolvência. Vamos ao tratamento da primeira questão enunciada. Como se prevê no art. 52º do CIRE, a nomeação do administrador da insolvência é da competência do juiz (nº1) e aplica-se a tal nomeação o disposto no nº1 do art. 32º do mesmo diploma, “ podendo o juiz ter em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor ou pela comissão de credores” (nº2). Por sua vez, preceitua-se naquele art. 32º nº1 (para a nomeação de administrador judicial provisório) que a escolha recai em entidade inscrita na lista oficial de administradores de insolvência, “podendo o juiz ter em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial (…)”. Face a tais preceitos, é de concluir que quer o credor/requerente da insolvência (art. 32º nº1), quer o devedor ou a comissão de credores (neste caso quando não se trate de nomeação a efectuar na sentença de declaração de insolvência, pois só nesta e/ou antes da assembleia de credores nesta convocada é que tal comissão pode ser nomeada, como decorre do art. 66º nº1 do CIRE) podem indicar o administrador a nomear. Ora, como se refere no acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de 11/5/2010, disponível em www.dgsi.pt – em que são dilucidadas as várias situações plausíveis de acontecer quanto à indicação e nomeação de administrador da insolvência e em relação ao qual, dada a sua clareza e completude, se pode perfeitamente dizer que é difícil dizer mais do que o que ali se diz sobre tal matéria – quando, como acontece no caso vertente, o juiz não acolhe a indicação que é feita (pelo credor/requerente, pelo devedor ou pela comissão de credores) ao abrigo da faculdade conferida por aqueles preceitos legais, deve, em virtude da exigência de fundamentação decorrente do estabelecido nos arts. 158º nº1 e 659º nº3 do CPC, fundamentar esse não acolhimento e as razões que o levaram a nomear uma terceira pessoa. * Passemos à segunda questão enunciada. Defende o recorrente que a não fundamentação da decisão de nomeação para administrador da insolvência de pessoa diferente da indicada integra as nulidades previstas nas alíneas b) e d) do nº1 do art. 668º do CPC. Também na sequência e praticamente transcrevendo o que se diz no acórdão deste Tribunal da Relação já acima referido, para caso idêntico, parece-nos evidente que o caso em análise não se enquadra na previsão da segunda destas alíneas, pois a respectiva nulidade só ocorreria se o Tribunal “a quo” não se tivesse pronunciado sobre a nomeação do administrador da insolvência, incumprindo, assim, a imposição da al. d) do art. 36º do CIRE. Porém, faltando em absoluto os fundamentos que levaram o tribunal a, por um lado, não acolher a proposta do requerente quanto à pessoa a nomear e, por outro, a nomear outra para esse cargo, é de reconhecer que se verifica, quanto àquele despacho, a nulidade prevista na supra referida alínea b) (art. 666º nº3 do CPC). Declarando-se nulo tal despacho, cumpre a este tribunal de 2ª instância conhecer do objecto da presente apelação (art. 715º nº1 do CPC), ou seja, substituir-se ao tribunal recorrido e proceder à nomeação do administrador. Nesta sequência, não resultando dos autos ter sido indicada outra pessoa para o exercício do cargo, designadamente pelo devedor, e não se vislumbrando outro qualquer obstáculo à nomeação da pessoa indicada pelo requerente, não resta outra solução que não seja nomear tal pessoa como administrador da insolvência. ** Sumariando o decidido (art. 713º nº7 do CPC):I – Quando o juiz não acolhe a indicação de pessoa para administrador da insolvência que é feita pelo credor/requerente, pelo devedor ou pela comissão de credores ao abrigo da faculdade conferida pelos arts. 52º nº2 e 32º nº1 do CIRE e nomeia uma terceira pessoa, deve, em virtude da exigência de fundamentação decorrente do estabelecido nos arts. 158º nº1 e 659º nº3 do CPC, fundamentar esse não acolhimento e as razões que o levaram a nomear aquela terceira pessoa. II – Faltando em absoluto os fundamentos que levaram o tribunal a não acolher a proposta quanto à pessoa a nomear e a nomear outra para esse cargo, verifica-se, no àquela decisão de nomeação respeita, a nulidade prevista na alínea b) nº1 do art. 668º do CPC. ** III – DecisãoPelo exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e, declarando-se nula a decisão recorrida, nomeia-se para administrador da insolvência o sr. dr. E…, com o domicílio profissional indicado no art. 57º da petição inicial. Sem custas. *** Porto, 26/09/2011António Manuel Mendes Coelho Ana Paula Vasques de Carvalho Manuel José Caimoto Jácome |