Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2943/23.4T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: ACOMPANHAMENTO DE MAIOR
PROCURADOR DE CUIDADOS DE SAÚDE
DESIGNAÇÃO DO ACOMPANHANTE
Nº do Documento: RP202410072943/23.4T8PRT.P1
Data do Acordão: 10/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O mandato com vista a acompanhamento celebrado anteriormente pelo beneficiário, previsto no art. 156º do C. Civil, sendo “para a gestão dos seus interesses”, como ali preceituado sob o nº1, permite abranger tanto matérias do foro pessoal, como do campo patrimonial.
II – Resultando provado que a beneficiária, numa altura em que não havia declínio percetível das suas capacidades, outorgou testamento vital e nomeou como procurador de cuidados de saúde um seu filho, desta nomeação deste seu filho como procurador para aquelas matérias do seu foro pessoal decorre que conferiu a este mandato em relação às mesmas.
III – Devendo a sentença que decretar as medidas de acompanhamento referir expressamente a existência de testamento vital e de procuração para cuidados de saúde e acautelar o respeito pela vontade antecipadamente expressa pelo acompanhado (art. 900º nº3 do CPC), aquele mandato deve ser tido em conta na designação do acompanhante (art. 156º nº3 do C. Civil).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº2943/23.4T8MTS.P1

(Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Matosinhos – Juiz 2)

Relator: António Mendes Coelho

1º Adjunto: Eugénia Maria Moura Marinho da Cunha

2º Adjunto: Maria de Fátima Almeida Andrade

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

AA instaurou ação especial de acompanhamento de maior a favor de BB, sua mãe, viúva, peticionando o seguinte:

- o suprimento do consentimento da beneficiária para a instauração do processo de acompanhamento;

- o decretamento do acompanhamento da beneficiária, pelo menos, com a medida de autorização prévia para ato de disposição e administração dos seus bens e dos bens da herança aberta por óbito do seu falecido marido, sem prejuízo de outras que a perícia a realizar venha a considerar ser mais adequada e necessária em função das capacidades cognitivas da beneficiária.

Alegou, em síntese, que a requerida sofre de síndrome demencial e que, por conseguinte, não consegue exercer de forma plena, pessoal e conscientemente os seus direitos e fazer cumprir os seus deveres, não sendo autónoma para as atividades básicas da vida diária.

Foram publicados anúncios nos termos do artigo 893.º n.º 2 do Código de Processo Civil.

Apurado que a beneficiária não estava em condições de receber a citação, procedeu-se à citação do Ministério Público nos termos e para os efeitos do artigo 21.º n.º 1 do CPC.

O Ministério Público não deduziu contestação.

A requerida constituiu mandatária nos autos.

Procedeu-se à audição pessoal da requerida (autos de 12/9/2023 e 22/4/2024), a exame pericial psiquiátrico da mesma (relatório médico-legal psiquiátrico junto aos autos a 15/1/2024, complementado pelo relatório junto a 5/6/2024) e às demais diligências instrutórias requeridas.

Por despacho de 03/03/2024, foi julgada suprida a falta de autorização da beneficiária para a propositura da ação de acompanhamento de maior.

Naquela mesma data, foi ainda proferido despacho de aplicação de medidas cautelares em sede do qual se decidiu:

- decretar, provisoriamente, o acompanhamento de BB;

- determinar a aplicação provisória à beneficiária BB das seguintes medidas de acompanhamento: medida de representação geral, nos termos do artigo 145.º n.ºs 1 e 2 alínea b) do Código Civil; administração total de bens, nos termos do artigo 145.º n.ºs 1 e 2 alínea c) do Código Civil; dependência de autorização judicial prévia, nos termos do artigo 145.º n.ºs 1 e 2 alínea d) do Código Civil, de todos os atos de disposição ou de mera administração dos bens ou direitos patrimoniais da beneficiária, bem como de todos os atos que possam afetar, por qualquer forma, direta ou indiretamente, a esfera patrimonial da beneficiária – incluindo a movimentação de contas bancárias da beneficiária ou de saldos bancários da beneficiária que se encontrem depositados em contas bancárias co-tituladas com terceiros ou tituladas por terceiros –, com exceção dos que visem suprir as despesas correntes e do dia-a-dia da beneficiária, aí se compreendendo, designadamente, despesas com alimentação diária, vestuário, médicas e medicamentosas, até um máximo mensal correspondente a 1.908,87 Euros.

- nomear como acompanhante provisório da beneficiária o filho da mesma, CC.

A 8/7/2024 foi proferida sentença cujo dispositivo final é o seguinte:

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a presente ação procedente e, em consequência:
1. Decreta-se o acompanhamento de BB.
2. Determina-se a aplicação à beneficiária das seguintes medidas de acompanhamento:
2.1. Representação geral;
2.2. Administração total de bens.
2.3. Ficam dependentes de autorização judicial prévia, nos termos do artigo 145.º n.ºs 1 e 2 alínea d) do Código Civil, todos os atos de disposição ou de mera administração dos bens ou direitos patrimoniais da beneficiária, bem como de todos os atos que possam afetar, por qualquer forma, direta ou indiretamente, a esfera patrimonial da beneficiária – incluindo a movimentação de contas bancárias da beneficiária ou de saldos bancários da beneficiária que se encontrem depositados em contas bancárias co-tituladas com terceiros ou tituladas por terceiros –, com exceção dos que visem suprir as despesas correntes e do dia-a-dia da beneficiária, aí se compreendendo, designadamente, despesas com alimentação diária, vestuário, médicas e medicamentosas, até um máximo mensal de 1.908,87 Euros (mil novecentos e oito euros e oitenta e sete cêntimos).
3. Veda-se à beneficiária:
3.1. A celebração de negócios da vida corrente;
3.2. O exercício dos seguintes direitos pessoais:
i. Casar ou constituir situações de união de facto;
ii. Procriar/recorrer a técnicas de procriação medicamente assistida;
iii. Perfilhar ou adotar;
iv. Cuidar e educar os filhos ou adotados ou exercer a tutela;
v. Escolher profissão;
vi. Deslocar-se no país ou no estrangeiro de forma autónoma;
vii. Fixar domicílio ou residência de forma autónoma;
viii. Estabelecer relações com quem entender; e
ix. Testar.
4. Fixa-se o dia 1 de Novembro de 2022 como a data a partir da qual as medidas de acompanhamento se tornaram convenientes.

5. Nomeia-se como acompanhante da beneficiária CC, filho da beneficiária, a quem caberão as ditas funções de representação geral, devendo, no exercício de tais funções, privilegiar o bem-estar e a recuperação da acompanhada, com a diligência que é requerida a um bom pai de família e tendo, ainda, de manter um contacto permanente com a beneficiária, devendo visitá-la, no mínimo, com uma periodicidade mensal.

6. Decide-se constituir o Conselho de Família, que será composto, para além do Digno Magistrado do Ministério Público, que o presidirá, por:

- DD, nora da beneficiária; e

- AA, filha da beneficiária.

7. Consigna-se que a beneficiária outorgou testamento vital, tendo nomeado como procurador de cuidado de saúde o filho CC e como procurador de cuidado de saúde suplente a nora DD.

8. Após trânsito em julgado, proceda-se à publicação da presente sentença através de anúncio no portal Citius.

9. Sem custas.

De tal sentença veio a requerente AA interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

i - Se a beneficiária está nas condições que justificam este tipo de acompanhamento e a proibição da prática do atos e liberdades pessoais supra identificados designadamente, escolar profissão, escolher livremente com quem se relacionar e escolher o domicílio, escolher onde ir, não pode dar-se valor absoluto à vontade da mesma para escolher o acompanhante

ii- O artigo 143º, nº 1 determina que a escolha deve ser feita pela acompanhante, mas tem de ser lido cum grano salis, ou seja, desde que se reconheça que a mesma tem pelo menos capacidade para fazer essa escolha.

iii- A preferência manifestada pela beneficiária não conteve qualquer justificação ou razão que a justificasse e que pudesse racionalmente ser tida em consideração pelo tribunal, por corresponder ao melhor e superior interesse da beneficiária, limitando-se a dizer que prefere o filho CC porque ele é “um santo” e porque “ele tem sempre tratado de tudo”.

iv- Estas duas afirmações não se afiguram suficientes para dar valor à preferência manifestada pela beneficiária, tanto mais que não pode deixar de se ignorar o sério risco de manipulação de que a mesma pode estar a ser alvo, pelo menos desde a morte do seu marido, atenta a circunstância de, desde então, a mesma não ter tido contactos com a recorrente, risco, esse, que foi detetado nas conclusões da perícia médico legal efetuada.

v- Se a beneficiária não detém sequer a necessária capacidade para autorizar o pedido de acompanhamento realizado pela aqui requerente, então, por maioria de razão, igualmente não pode tomar, de forma livre, consciente e informada, a escolha do acompanhante e, por isso, a sua vontade pode não poder ser respeitada em termos absolutos.

vi- De qualquer modo, sempre se dirá que o que resultou da audição da beneficiária não foi que só admitiria como acompanhante o seu filho CC, uma vez que quando perguntada diretamente se se oporia se também fosse a sua filha AA, a beneficiária afirmou – por duas vezes – que não se oporia à sua escolha (audição 09:30:15 h e fim às 09:52:51 h.)

vii - Por isso, se se quer respeitar a autonomia e dignidade da beneficiária não se pode ignorar que apesar de existir uma preferência, a mesma também não se opõe a que os dois filhos procedam ao seu acompanhamento.

viii - Ficou provado na sentença em crise na parte da designação do acompanhante e CF quem o seu filho CC, o ora acompanhante designado, celebrou e ou foi destinatário de alguns atos jurídicos outorgados pela beneficiária, a saber:

a) trespasse de usufruto de quota, onde, no dia 13 de julho de 2023, a beneficiária, titular do usufruto de uma participação social no valor nominal de 265.000,00 euros da sociedade “RG – Rogranit Grantax-Granitos, Lda., trespassou de forma definitiva e gratuita, ao filho e nora aquele direito;

b) doação de todas as ações que detinha na sociedade anónima A... S.A. para o seu filho, apenas ficando com aqueles de que é usufrutuária e que pertencem à herança cujo inventário pende no juízo local cível de Matosinhos (o que se retira da folha de presenças e da ata da reunião daquela sociedade realizada no dia 15 de julho de 2022);

ix - O que ambos os negócios jurídicos têm em comum é o facto de o beneficiário da celebração dos negócios ser, diretamente ou por intermédio da sua esposa, o filho CC, bem como em nada serem vantajosos para a beneficiária, uma vez que foram celebrados gratuitamente.

x - Acresce que o negócio jurídico identificado em “a)” foi celebrado no dia 13 de julho de 2023, ou seja, depois de se ter verificado a primeira tentativa de citação da presente ação (que ocorreu no dia 20 de junho de 2023).

xii - É totalmente incompreensível que após o comportamento revelado pelo filho da beneficiária, designadamente aquele que teve lugar após a citação para o acompanhamento da mesma, e que se traduziu em aceitar, sem o pagamento de qualquer quantia, para si e para a sua mulher, o trespasse de usufruto de quota de uma quota no valor de 265.000,00 euros da sociedade B... lda., e, note-se, sabendo já do resultado dos exames neuropsicológicos que a sua mãe tinha realizado (datados de novembro 2022), o Tribunal consagre o filho da beneficiária, como único acompanhante quando é manifesto que não pode ser acompanhante – de todo – aquele que, mesmo perante a conhecida incapacidade de sua mãe, não se coibiu nem de aceitar, nem de preparar os negócios jurídicos de que foi beneficiário, sem qualquer custo.

xiii – O acompanhante de facto já deu as provas necessárias para que o Tribunal possa perceber que ao mesmo não podem ser entregues as funções de acompanhante definitivo exclusivo, pois este não oferece garantias de conseguir inverter o seu comportamento e refrear a sede de benefício pessoal com que tem convivido e que tem revelado ao longo deste processo e já demonstrou que, em bom rigor, não respeita a dignidade ou liberdade pessoal da mãe, pois, de contrário ter-se-ia abstido de a orientar para a prática de tais atos quando era bem sabedor das limitações cognitivas da mesma no momento da celebração dos mesmos ou pelo menos de um deles.

xiv- Porém, se não se quer desvalorizar completamente a pessoa da beneficiária, o que os autos impõem é que, pelo menos, sejam nomeados acompanhantes esse seu filho, mas também a aqui apelante, sua outra filha sendo que esta solução teria, além do mais, o benefício de permitir a dispensa da formação do conselho de família nos termos do art.145.º n.º4 do código civil, uma vez que o acompanhamento seria entregue aos descendentes diretos da beneficiária.

xv – Mesmo com os constrangimentos impostos pelo Tribunal ao acompanhante este não pode ser considerado como pessoa idónea para este efeito uma vez que se há situações em que em virtude do registo de tais medidas contratos ou negócios do género dos celebrados já não vão poder sê-lo - a não ser judicialmente autorizados para o efeito - o certo e que há um outro conjunto de atos, designadamente aqueles que se prendem com o recebimento de quantias de rendas ou de vendas de bens móveis da beneficiária ou movimentação de contas bancárias que ainda poderão ser objeto de oneração alienação ou outros mesmo em violação das regra sora impostas.

xvi- A nomeação desta pessoa como acompanhante ou, pelo menos, como único acompanhante da beneficiária, não oferece as garantias de idoneidade necessárias para o exercício de tais funções e por conseguinte a decisão que o designa está, ainda assim, eivada de erro de julgamento por violação do artigo 143º, nº 2 i) e 146º, nº1, sendo suscetível de pôr em risco a proteção do superior interesse do beneficiário acompanhado.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve a decisão da nomeação do acompanhante ser revogada e ser substituída pela nomeação de ambos os filhos como acompanhantes ou apenas pela nomeação da filha AA, aqui apelante, para o efeito, ao abrigo do 143º, nº 1 e 3 e) do CC e, sendo o caso, ser consequentemente revogada a decisão de composição do CH, a qual até poderá ser dispensada na situação de co-acompanhamento por ambos os filhos ou incluir, em vez da apelante, o acompanhante designado na Sentença em crise (por troca)”.

O acompanhante nomeado, CC, apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.

Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), há uma única questão a tratar: apurar se é de nomear como acompanhante exclusivo à beneficiária o seu filho CC.


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II – Fundamentação

É a seguinte a matéria de facto a ter em conta (toda a da sentença recorrida, que não se mostra questionada):

Factos provados

1. BB nasceu a ../../1945, filha de CC e de EE.

2. A beneficiária casou com FF a 16/04/1967.

3. FF faleceu a 29/04/2020.

4. A 07/05/2018, no Cartório Notarial de GG, FF outorgou “testamento”, no qual declarou:

«(…) Que por este testamento, por conta da quota disponível dos seus bens, lega a sua esposa, BB, o usufruto vitalício de todos os bens imóveis e móveis que vierem a integrar a sua herança, instituindo-a ainda como herdeira do remanescente da quota disponível dos seus bens.

Caso sua esposa não lhe sobreviva, então institui seu filho, CC, casado, como herdeiro da quota disponível dos seus bens, com o encargo de cuidar dele testador até à data da sua morte de acordo com as suas necessidades e condição. (…)».

5. A requerente instaurou ação, que se encontra a correr termos no Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, com o número de processo 1071/21.1T8PVZ, na qual peticiona a anulação do testamento outorgado por FF, a 07/05/2018, no Cartório Notarial do Dr. GG, no Marco de Canaveses, ali inscrito no Livro ...-T, a fls. 133 e 134.

6. Na referida ação, a 10/04/2024, foi proferida sentença, ainda não transitada em julgado, nos termos da qual se decidiu:

Nos termos e fundamentos expostos, julgo procedente, por provada, a presente ação instaurada por AA contra BB e CC, e, em consequência, declaro ANULADO o testamento outorgado por FF, em dia 07 de Maio de 2018, no Cartório Notarial do Dr. GG, no Marco de Canaveses, ali inscrito no Livro ...-T a fls. 133 a 134.”.

7. A Requerente deu ainda entrada do processo de inventário que pende neste Juízo, com o número de processo 3522/20.3T8MTS.

8. Naquele processo, a aqui beneficiária apresentou relação de bens, a qual foi objeto de reclamação.

9. A requerente apresentou reclamação dessa relação, alegando a falta de bens e a verificação de transferência de saldos de contas bancárias de que era cotitular o falecido e a beneficiária para contas desta ou do irmão da requerente ou simples levamentos avultados ocorridos na pendência da ação de acompanhamento do falecido.

10. A 28/11/2022, em entrevista e exame clínico realizado pelo Dr. HH, foi diagnosticado à beneficiária:

«(…) Trata-se de uma senhora com antecedentes psiquiátricos de Síndrome Depressivo Major com seguimento em consulta e mais recentemente com realização de terapêutica antidemencial (rivastigmina desde 9/2022).

Encontra-se desorientada no tempo e orientada parcialmente no espaço.

Estudou até à 3ª classe, sabendo ler e escrever.

Faz cálculos simples mas não complexos.

Reconhece o dinheiro e o seu valor.

É parcialmente autónoma, cuidando da sua alimentação, higiene embora já apresente necessidade de apoio ao níel de gestão da sua vida diária e também ao nível da realização de deslocações. Aquando da avaliação foi realizado mini mental state examination que cotou 18 pontos, sendo que o ponto de corte para declínio cognitivo em indivíduos com grau de escolaridade entre 1 a 11 anos é para cotações iguais ou inferiores a 22 pontos.

Apresenta alguma dificuldade ao nível da realização de pensamentos mais abstratos (não consegue interpretar provérbio popular).

Portanto face ao quadro clínico apresentado de Síndrome Demencial em fase inicial (a carecer de estudo neuropsicológico para maior caracterização) a Senhora BB poderá beneficiar de um eventual processo de maior acompanhado futuro.

No presente momento face à fragilidade da utente (Síndrome Depressivo Major e processo demencial em fase inicial) a presença da mesma em contexto de audiência poderá ser desestabilizador para o seu quadro clínico embora não seja uma contra-indicação absoluta para a sua audição, sendo que a sua capacidade de resposta e esclarecimento deverá também ser contextualizada à luz da sua doença. (…)».

11. São o filho e a nora da beneficiária, CC e DD que providenciam pela alimentação, medicação e cuidados diários da beneficiária, tendo contratado uma pessoa, II, para tomar conta da beneficiária de dia e de noite.

12. Pelos serviços prestados por II, despendem a quantia mensal de 653,38 Euros.

13. A requerente intentou providencia cautelar de arrolamento de conta bancária que a beneficiária é usufrutuária e cabeça de casal por integrar a herança que administra.

14. Tal processo pendeu neste Tribunal sob o n.º 3522/20.3T8MTS-A.

15. A 13/07/2023, a beneficiária – na qualidade de primeira outorgante – e o filho CC e a nora DD – na qualidade de segundos outorgantes – outorgaram escritura pública de “trespasse de usufruto de quota”, na qual declararam:

«(…) Declarou a primeira outorgante:

Quer lhe pertence o usufruto de uma participação social no valor nominal de duzentos e sessenta e cinco mil euros (265.000,00 Euros), no capital social da sociedade, “B..., LDA” (…), direito de usufruto registo a seu favor conforme Dep 49/2020 de 03-06-2020. (…)

E acrescentou a primeira outorgante:

Que por esta escritura, por conta da quota disponível dos seus bens, TRESPASSA definitivamente e de forma gratuita, aos segundos outorgantes, seus filho e nora, em comum na proporção de setenta por cento para seu filho e trinta por cento para sua nora, aquele direito de usufruto que a ela primeira outorgante pertence na referida participação social.

Considerando que a usufrutuária tem setenta e sete anos de idade (…) e o disposto nas alíneas a) e b) do artigo 13.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, o valor tributável do usufruto da quota é de cinquenta e três mil euros (53.000,00 Euros), valor que ela primeira outorgante atribui ao direito trespassado, tem assim o direito doado a seu filho o valor atribuído de trinta e sete mil e cem euros (37.100,00 Euros) e o doado a sua nora de quinze mil e novecentos euros (15.900,00 Euros).

Disseram os segundos outorgantes:

Que aceitam o presente trespasse de usufruto nos termos exarados. (…)».

16. A 20/07/2023, foi realizada reunião da Assembleia Geral da sociedade B..., Lda., com a presença do sócio CC, de JJ na qualidade de procuradora da sócia AA e da sócia DD e na ausência da aqui beneficiária, na qual, a presidente daquela Assembleia – DD – declarou o seguinte:

«(…) Que pertence a BB, o usufruto duma participação social no capital desta sociedade, no valor nominal de quinhentos e noventa mil euros (590.000,00 Euro), e; pertence a CC e a DD, o usufruto duma participação social no capital desta sociedade, no valor nominal de duzentos e sessenta e cinco mil euros (265.000,00 Euros), na proporção de setenta por cento para ele e de trinta por cento para ela, conforme certidão de registo comercial da sociedade, e; que assim, compete àqueles, BB, CC e a DD, votar nesta assembleia geral, enquanto usufrutuários daquelas participações sociais. (…)».

17. Na referida reunião foram aprovados:

- O relatório de gestão e contas relativas ao ano de 2022, com votos favoráveis de CC e de DD, por si e enquanto usufrutuários da quota da beneficiária e com a abstenção expressa pela mandatária da aqui requerente;

- A proposta de aplicação de resultados relativo ao ano de 2022 de trânsito dos mesmos para o ano seguinte, com votos favoráveis de CC e de DD, por si e enquanto usufrutuários da quota da beneficiária e com o voto contra expresso pela mandatária da aqui requerente;

- A alienação do imóvel designado “...” à sociedade C..., pelo valor de 167.500,00 Euros, com votos favoráveis de CC e de DD, por si e enquanto usufrutuários da quota da beneficiária e com a abstenção expressa pela mandatária da aqui requerente;

- Dar poderes à gerência para outorgar a respetiva escritura de alineação do imóvel descrito, com votos favoráveis de CC e de DD, por si e enquanto usufrutuários da quota da beneficiária e com a abstenção expressa pela mandatária da aqui requerente.

18. A 01/08/2023, o Dr. KK subscreveu declaração na qual consta que:

«(…) declaro para os devidos efeitos que avaliei a Sra. BB, com recurso a bateira de Avaliação Neuropsicológica em dois momentos: Novembro de 2022 e novamente (para control) em Maio de 2023.

Dessas avaliações podemos extrair os seguintes elementos:

- a Sra. BB preserva as suas Atividades de Vida Diária ao momento da avaliação

- a paciente estava colaborante e consciente, quer do seu estado de saúde, quer da avaliação em si.

- a paciente estava orientada para os seus dados pessoais, mas não no tempo e espaço

- a paciente preserva juízo crítico, percebe o que lhe é transmitido (preciso atender à escolaridade e nível de literacia financeira), e por isso perfeitamente capaz de tomar decisões quanto à sua vida pessoal, como financeira aquando das avaliações.

As alterações cognitivas apresentadas não influenciam decisivamente estas capacidades. Existe em comorbilidade com o quadro neurodegenerativo inicial, uma perturbação de humor que agrava pontualmente a síndrome apresentada. (…)».

19. A 23/07/2019, a beneficiária outorgou testamento vital e nomeou como procurador de cuidado de saúde CC e como procurador de cuidado de saúde suplente, DD.

20. Consta do relatório do exame de psiquiatria forense realizado à beneficiária que:

«(…) ANTECEDENTES PESSOAIS

A examinada refere que nasceu em ...; tinha uma irmã mais velha que já faleceu e uma mais nova com quem mantém bom relacionamento.

Aos 21 anos casou e foi viver em ... .

Refere que actualmente reside em ..., em casa própria com uma cuidadora; «porque o marido faleceu há quase 3 anos de cancro abdominal».

Tem dois filhos, comenta que «ele é muito bom CC, veio com ela, este é um santo»; e uma filha mais nova, «má que não deve haver pior, vive na Maia; aliás só foi boa no 1º dia que nasceu de manhã, mas logo nessa noite chorou tanto que todo o hospital ouvia, e a partir daí sempre má, já veio assim; já o meu filho sempre um santo.».

Refere que completou a terceira classe, nunca trabalhou fora; fazia rendas em casa.

Depois de casar tratava da família, o marido tinha uma empresa de exportação de granito para o estrangeiro.

Sobre os seus antecedentes patológicos diz que não tem doença nenhuma; toma medicamentos, desconhece os nomes, o filho é o responsável pela medicação.

ESTADO ATUAL

A examinanda apresenta bom estado geral e de cuidados pessoais.

Consciente, vigil, colaborante e cooperante; desorientada no tempo, suborientada no espaço, não identifica local; orientada em relação a si e outros, sabe o seu nome, idade, data de nascimento e narra história biográfica básica.

Estabelece interação social adequada e com facilidade.

O humor é normal com ressonância afectiva.

O discurso é perceptivel, de fluxo diminuído por interrupções e lentificação de processo cognitivo; entende as questões colocadas e responde de forma adequada embora lacónica e com erros e imprecisões; sem actividade heteróloga nem alterações da sensopercepção.

À avaliação das funções mentais, apuram-se défices cognitivos multidominios, com afectação global de todas as áreas de memoria impedindo a evocação correcta de factos recentes assim com a retenção de nova informação, mínima; o processamento de informação é lento e rígido; a associação de ideias é por vezes ilógica; a capacidade de abstração está severamente afectada. Tem evidentes défices de funções executivas.

Tem défice de juízo crítico.

Do seu quotidiano, diz que «faz tudo, mas tem uma senhora», não sabe quanto lhe paga, «se quer que lhe diga quem paga é o meu filho».

Demonstra ter dificuldades graves na gestão de situações de vida assim como financeiras, apreciando-se que conhece o dinheiro mas confunde valores, é incapaz de cálculo mental, com tempo é capaz de adicionar um digito.

Diz que «recebe reforma de cerca de 70 contos por mês»; não sabe a equivalência em euros. Normaliza as falhas, diz «também lá está, o dinheiro vai para o banco, não me passa pela mão, vai para o meu filho…».

Não tem ideia das suas necessidades de sobrevivência, não identificando gastos, diz que «precisa de dinheiro para comer…. E tudo o que faz falta».

Diz que vai às compras mas não identifica o custo de qualquer produto, demonstra poder colocar-se em situações de abuso - diz que «não sabe os preços de nada, a senhora dá-lhe a conta e ela paga, tinha mais que fazer, ia estar a olhar para aquilo…confio nas pessoas ».,

Identifica o seu património de forma generalista, não sendo capaz de valorização do mesmo «Bens bastantes, a casa onde vive, uma empresa muito grande, o filho e a nora estão agora na frente».

Refere saber o que é um testamento «deixar isto ou aquilo àquele ou àquela», diz que se faz no talho…«É onde costumam fazer no Marco de Canavezes ».

Refere que uma procuração « é um papel que se passa a qualquer pessoa para tratar de qualquer coisa…não se lembra…o marido é que tratava disso tudo» Não recorda ter outorgado qualquer procuração.

Não identifica o Presidente da República «ai como é que agora não me vem à ideia…não me lembra agora…«; diz que também sabe o primeiro ministro «mas não me vem à ideia…»

Foi incapaz de recordar o meu nome ou sequer a minha profissão, afirmando variadíssimas opções erradas.

Não apresenta queixas psicopatológicas, nomeadamente não se apuram desvios patológicos do humor.

CONCLUSÕES

A examinanda não tem informação do seu seguimento médico prévio; de avaliação psiquiátrica analisada em «informação» apura-se que em Novembro de 2022 apresentava quadro demencial e já era tratada com antidemencial desde Setembro do mesmo ano; são apresentados resultados de testes neuropsicologicos da mesma altura compatíveis com demência.

Ao exame directo e de estado mental avalia-se senhora de 78 anos que mantém vida de relação e estabelece interação socialmente adequada; encontra-se dependente de apoio e supervisão, usufruindo de apoios no seu domicilio.

Está desorientada no tempo e tem discurso perceptivel; a avaliação das suas capacidades cognitivas revela deterioração cognitiva face ao seu nível de funcionamento prévio, apresentando défices cognitivos multidominios de gravidade moderada atingindo áreas como memória, processamento cognitivo, abstração e funções executivas.

Os défices que apresenta aliados à história evolutiva são compatíveis com quadro demencial.

Não é possível estabelecer com segurança uma data de início desta afeção progressiva, mas esta estava certamente presente previamente a Novembro de 2022.

Os quadros demenciais são doenças graves, crónicas e irreversíveis, progredindo para a perda progressiva de capacidades e funcionalidade global pela pessoa afectada.

Por via de padecer deste quadro, a examinada não tem capacidade para gerir a sua pessoa nem administrar os seus bens; não tem capacidade para cumprir com as suas obrigações nem exercer os seus direitos.

Necessita que lhe seja nomeado acompanhante que cuide de todos os seus interesses e a represente.

Não existem tratamentos curativos para a demência, a terapêutica deverá ser sintomática, conforme avaliação por médico assistente.».

21. Dos esclarecimentos prestados pela Sra. Perita Médica consta ainda que: «(…) a) Qual o défice de juízo crítico de que padece? Perda de entendimento e discernimento sobre a realidade externa.

b) Quais as consequências na vida diária da D. BB? Torna-a vulnerável por exemplo nas relações sociais, crédula nos negócios, etc.

c) Está a D. BB capaz de decidir da sua pessoa como por exemplo intervenção cirúrgica? E se não, explique as suas razões? A capacidade de decisão está muito prejudicada, não tem capacidade de tomar decisões em completa consciência: a examinada tem défice de entendimento, discernimento e de antecipação de consequências.

2º Das conclusões diz-se ainda “a examinada não tem capacidade para gerir sua pessoa nem administrar os seus bens, não tem capacidade para cumprir com as suas obrigações e nem exercer os seus direitos”, pergunta-se:

a) Se a senhora perita fez testes ou exames médicos e se fez quais, para aferir tal incapacidade que diz que a beneficiaria tem. A perita, médica, fez uma perícia médica; não foi necessário solicitar exames complementares de novo, porque a informação existente é suficiente.

b) Se a D. BB tem ou não capacidade para gerir atos da sua vida corrente, como seja: tomar banho, alimentar-se, vestir-se, ir às compras, ao cabeleireiro, se pode estar sozinha, entre outros. Os défices de que padece diminuem o seu desempenho; mas terá capacidade para tarefas básicas, com apoio (por exemplo alimentar-se mas não cozinhar); tarefas como ir às compras ou ao cabeleireiro exigem capacidades executivas nomeadamente de cálculo que a examinada não tem.

c) Se a D. BB, estando aconselhada, tem capacidade para decidir, por exemplo, dispor de bens, quer sejam móveis ou imóveis. A examinanda não tem essas capacidades que implicam preservação de capacidades cognitivas complexas; também não tem capacidade para valorizar os aconselhamentos, sendo vulnerável à influência por terceiros.

d) Estando aconselhada, pode ou não orientar o seu dia-a-dia. Necessita de apoio e supervisão do seu quotidiano; a orientação /gestão envolve capacidades executivas que a examinada não possui devido à afeção de que padece.

e) Que tipo de demência apresenta ou padece. Quadro demencial, não reversível.

f) Caso se trate de Alzeimer o estado da doença é inicial, intermédio ou adiantado?

Quadro demencial, não reversível, gravidade moderada.

g) Sendo autónoma para as actividades da vida diária que limitações apresenta no dia-a-dia? Não é autónoma para as actividades de vida diária; necessita de apoio e supervisão adequados a situações específicas.

h) Em quais actividades na vida diária é que a D. BB de ajuda de 3ª pessoa; o tipo de ajuda nas actividades especificas de higiene, vestir-se, organizar a sua roupa, são analisadas pelos cuidadores ou técnicos de área psicossocial; deverá existir relatório social com avaliação no domicilio desse tipo de necessidades. (…)».

22. A beneficiária aufere uma pensão mensal de 1.908,87 Euros.

23. A beneficiária despendeu:

- Em Fevereiro de 2024, em eletricidade, o valor de 138,99 Euros, referente ao período de faturação de 28/01/2023 a 27/01/2024;

- Com segurança da sua habitação, despendeu a quantia de 71,07 Euros;

- Em IMI, o montante anual de 926,00 Euros;

- Em Fevereiro de 2024, 88,03 Euros em telecomunicações.


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Vamos ao tratamento da questão enunciada.

Sobre a nomeação do acompanhante rege o art. 143º do C. Civil, onde se preceitua, sob o nº1, que o acompanhante deve ser maior e no pleno exercício dos seus direitos e é escolhido pelo acompanhado e, sob o nº2, que na falta de escolha o acompanhamento é deferido, designadamente, às pessoas referidas sob as suas várias alíneas, optando-se pela “designação que melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário”.

No âmbito da consideração da escolha pelo acompanhado, há ainda, designadamente, que ter em conta as situações em que exista mandato com vista a acompanhamento celebrado anteriormente pelo beneficiário, como previsto no art. 156º do C. Civil, sendo de notar que tal mandato, sendo “para a gestão dos seus interesses”, como preceituado sob o nº1 daquele preceito, “permite abranger tanto matérias do foro pessoal, como do campo patrimonial”[1].

No caso, resulta provado que a beneficiária, a 23/7/2019, outorgou testamento vital e nomeou como procurador de cuidados de saúde o seu filho CC (nº19 dos factos provados), do que decorre, face a esta nomeação deste seu filho como procurador para aquelas matérias do seu foro pessoal (cuidados de saúde), que conferiu a este mandato em relação às mesmas.

Note-se também que aquela outorga de testamento vital e de nomeação daquele seu filho como procurador de cuidados de saúde (cujo regime legal consta da Lei 25/2012, de 16 de julho) ocorre ainda numa altura em que não havia declínio percetível das capacidades da beneficiária, pois a mesma teve lugar mais de 3 anos antes da data de 1 de novembro de 2022, a qual, como se decidiu na sentença recorrida e não se mostra nessa parte posto em causa, é a data a partir da qual as medidas de acompanhamento se tornaram convenientes.

Ora, como se preceitua no nº3 daquele art. 156º do C. Civil, “No momento em que é decretado o acompanhamento, o tribunal aproveita o mandato, no todo ou em parte, e tem-no em conta na definição do âmbito da proteção e na designação do acompanhante” (os sublinhados são nossos).

Nesta mesma linha, dispõe o art. 900º nº3 do CPC que “A sentença que decretar as medidas de acompanhamento deverá referir expressamente a existência de testamento vital e de procuração para cuidados de saúde e acautelar o respeito pela vontade antecipadamente expressa pelo acompanhado” (sublinhado nosso).

Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[2], “[o] respeito pelas diretivas antecipadas de vontade do acompanhado (cujos requisitos constam do art. 4º da Lei 25/12, de 16-7, sendo o seu âmbito o definido no art. 2º) e pelo mandato com vista ao acompanhamento (art. 156º do CC) constituem expressão da tutela da autonomia e dignidade do acompanhado”.

Neste conspecto, a nomeação como acompanhante da beneficiária de CC, seu filho, é a que se mostra fiel à vontade daquela expressa nos termos acima referidos, tendo pleno apoio nos comandos legais que se aludiram.

Aliás, a vontade expressa pela beneficiária naqueles termos acaba por estar em concordância com o que a mesma referiu sobre a sua filha e ora recorrente aquando da sua audição pelo tribunal a 12/9/2023 e 22/4/2024: como das respetivas gravações resulta, naquela primeira ocasião disse, designadamente, que a sua filha “não lhe liga nada”, “nunca lhe telefona”, nunca lhe pergunta “se está bem, se está mal”, não lhe pergunta “se quer ir a casa dela”, que ainda o pai era vivo (era preciso mudar-lhe a fralda e fazer-lhe a barba) e também já não aparecia em sua casa; na segunda, disse, no mesmo sentido, designadamente, que não tem afinidade com a sua filha, que ela “andou sempre ao largo”, que não tem nenhum contacto com ela, e que naquele próprio dia 22/4/2024, no tribunal, a sua filha não a cumprimentou nem esteve consigo.

Como tal, e como neste sentido se refere na sentença recorrida, não vemos motivos para contrariar aquela vontade expressa pela beneficiária, ao que acresce que a relação de conflito entre a beneficiária e a filha expressa nos litígios judiciais (vide factos provados sob os nºs 6, 7 e 13) bem como nas declarações prestadas pela beneficiária aquando da sua audição configura uma circunstância que desaconselha a nomeação da requerente, ainda que num regime dual.

De resto, faz-se notar que, como decorre dos comandos da sentença recorrida, foi estabelecido um regime bastante restrito quanto à administração dos bens da beneficiária (vide nºs 2.2 e 2.3 do dispositivo final daquela peça, em que se determina a administração total de bens e a dependência de autorização judicial em relação a “todos os atos de disposição ou de mera administração dos bens ou direitos patrimoniais da beneficiária, bem como de todos os atos que possam afetar, por qualquer forma, direta ou indiretamente, a esfera patrimonial da beneficiária”), foi-lhe vedada a celebração de negócios da vida corrente e até vedado o exercício do direito de testar (nºs 3.1 e 3.2 do dispositivo final) e foi inclusivamente decidido constituir conselho de família (como possibilitado pelo art. 900º nº2 do CPC, na sequência do disposto no art. 145º nº4 do C. Civil) para o qual a recorrente foi designada para vogal, órgão este que, como se sabe, é presidido pelo agente do Mº Pº (art. 1951º do C. Civil) e está particularmente vocacionado para funções de fiscalização do acompanhante (art. 1954º do C.Civil, adaptado ao acompanhamento de maior por força do art. 145º nº4).

Isto é, além de a nomeação como acompanhante de CC respeitar a vontade expressa pela beneficiária nos termos sobreditos, o acompanhamento decidido está rodeado de plenos cuidados e vigilância.

Assim, é de confirmar a nomeação como acompanhante, em exclusivo, de CC.

Por tudo quanto se expôs, há que julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.

Não há lugar a custas, por o processo delas estar isento [art. 4º, nº2, alínea h) do RCP, na redação introduzida a esta alínea pelo art. 424º da Lei 2/2020, de 31/3].


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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):

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III – Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Sem custas.


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Porto, 7/10/2024
Mendes Coelho
Eugénia Cunha
Fátima Andrade
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[1] Paula Távora Vítor, in “Código Civil Anotado”, Coord. de Ana Prata, volume I, 2ª edição, Almedina, pág. 205, anotação 5 ao art. 156º.
[2] Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, Almedina, 2021, pág. 341, anotação ao art. 900º.