Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | CARLOS PORTELA | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO OBRAS DE CONSERVAÇÃO OBRAS DE REPARAÇÃO CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE RESPONSABILIDADE DO SENHORIO | ||
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Nº do Documento: | RP202311092369/21.4T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/09/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Constituem obras de conservação a cargo do senhorio as obras que se destinem a evitar a degradação das condições de habitabilidade ou de utilização do arrendado. II - A circunstância de o locado ser de construção antiga e, naturalmente, de menor qualidade não exclui a responsabilidade do senhorio pelas obras de reparação necessárias à reposição do locado em condições de habitabilidade. III - No caso concreto enquadram-se na noção antes melhor referida, entre outras, as obras de reparação dos tectos e da canalização da cozinha e da casa de banho. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 2369/21.4T8PRT.P1 Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível do Porto Relator: Carlos Portela Adjuntos: Leonel Serôdio Judite Pires Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório: AA, por si e em representação, como seu acompanhante, de BB, instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra CC. Para tanto, alegou que vigora entre eles um contrato de arrendamento habitacional, celebrado em 25.04.1966, assumindo, actualmente, os AA. a posição de senhorios e o R. a de arrendatário. Deu conta que, no âmbito desse contrato, ficou a cargo do R. a realização das obras de conservação que o locado, no seu interior, necessitasse. Mais deu conta o A. que, por determinação da Câmara Municipal do Porto, na sequência de denúncia apresentada pelo R., levou a cabo obras nos tectos, paredes, escadas, portas e canalizações do locado, tendo despendido, para o efeito, 5.000€. Defendeu que cabia ao R., nos termos contratuais, a realização dessas obras, pelo que, não as tendo levado a cabo, deverá indemnizá-lo na quantia despendida para esse efeito – ou seja, nos apontados 5.000€. Mais pugnou que a actuação do R., ao não realizar tais obras e ao denunciar o estado do imóvel à entidade administrativa, constitui incumprimento contratual fundamentador da resolução do contrato. Assim, termina formulando os seguintes pedidos: - A condenação do R. a pagar-lhes a mencionada quantia de 5.000€, acrescida de juros desde a citação; - A emissão de decisão que decrete a cessação do contrato, por resolução, sendo o R. condenado a entregar- lhes o locado, devoluto de pessoa de bens Deduziu o R. contestação, invocando as excepções de incapacidade judiciária e de falta de representação do A. BB, bem como de ilegitimidade activa por preterição de litisconsórcio necessário. Mais alegou, em suma, que sempre realizou as obras que a sua depauperada situação económica permitiu, não lhe sendo exigível a realização de outras, designadamente, as em apreço nos autos. Deu conta, igualmente, que nunca foi interpelado pelos AA. para a realização de obras, sendo que as realizadas pelos AA. não correspondem rigorosamente às determinas pela Câmara Municipal do Porto. Referiu, por fim, que não ficou obrigado, nos termos contratuais, a levar a cabo as obras em causa, só estando vinculado a realizar as resultantes da imprudente utilização do locado. Defendeu, nesta perspectiva, que inexiste fundamento quer para a resolução do contrato, quer para a sua condenação no pagamento da peticionada indemnização. Pugnou, assim, pela improcedência da acção e pela sua absolvição dos pedidos. Proferiu-se despacho saneador, tendo sido julgadas improcedentes as excepções dilatórias invocadas pelo R.. Foi dispensada a indicação do objecto do litígio e a selecção dos temas da prova. Realizou-se audiência de discussão e julgamento no culminar da qual foi proferida sentença na qual se julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência: A) Se condenou o réu CC a pagar aos autores AA e BB a quantia que, em incidente de liquidação ulterior, se vier a apurar como correspondente ao custo das seguintes obras realizadas no locado mencionado no “facto provado” nº 1, com o limite máximo de 5.000€: - A reparação dos tectos; e - A substituição de canalização de água quente e fria na casa de banho e na cozinha; B) Se condenou o Reu a pagar ao Autor juros de mora contados desde a data a fixar na decisão a proferir em posterior incidente de liquidação, até efectivo e integral pagamento; C) Se julgaram improcedentes os pedidos de resolução do contrato de arrendamento e de restituição do locado, deles se absolvendo o Réu. * O Réu veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.Não foram apresentadas contra alegações. Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo. Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II. Enquadramento de facto e de direito:Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho. É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo réu/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC). E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões: I - As obras impostas aos Recorridos pelo Município reportavam-se a tectos que ameaçavam ruir e às canalizações que, instalada há muitas décadas, estavam apodrecidas, o que determinava que a água não chegasse ao lavatório, bidé, e sanita na casa-de-banho da habitação e, bem assim, que ocorressem infiltrações de água decorrentes, precisamente, das referidas rupturas – cfr. factos julgados provados nºs 8 e 11 a 13. II - Tal como se extrai do facto julgado provado nº9 e do facto julgado não provado nº2, o R.-Recorrente jamais foi interpelado pelos AA.- Recorridos para a realização de quaisquer obras, tendo sido apenas informado que os AA.- Recorridos iam realizar as obras impostas pela Câmara Municipal do Porto. Assim, III - Por um lado, as referidas obras em causa – “obras de reparação dos tectos e da canalização da cozinha e da casa de banho” – sic. facto julgado provado nº8 -, pela sua natureza, não constituíram obras de conservação e limpeza subsumíveis à cláusula 3 do contrato de arrendamento, na qual o que se pretendeu estabelecer foi reiterar o que a lei já prescreve, isto é que o inquilino deve fazer do locado uma utilização prudente e caso o não faça, então sim, suportará as despesas com os danos que dessa imprudência resultarem, IV - Sendo que, nos termos da Lei (cfr. art.º 1074º do Cód. Civil), conforme, entre outros, é referido nos doutos Acórdão desta Relação do Porto de 9/12/2004 (processo 0436434, in www.dgsi.pt), com particular identidade com a factualidade sub judice, e de 22.02.2011 (processo nº 5307/07.3TBMAI.P1, também disponível in www.dgsi.pt), mesmo a realização das obras que o locado carecia constituía obrigação legal dos AA.- Recorridos executar e custear, por serem obras subsumíveis ao disposto no nº1 do art.º 1074º do Código Civil. V - Assim, salvo o devido respeito, considerando a factualidade julgada provada e atento os doutos entendimentos supra citados, forçoso é concluir que inexiste fundamento contratual ou legal para que o R.- Recorrente seja condenado a pagar as obras em causa, sendo que a realização das mesmas competia nos termos legais (cfr. art.º 1074º do Cód. Civil) aos AA.- Recorridos, e nenhum ato ou omissão do R.- Recorrente determinou a pretensa necessidade de realização das obras em causa. Sem prescindir, VI - Por outro lado, mesmo que se entendesse – o que se admite, sem conceder e por dever de patrocínio – que algumas das obras em causa pudessem ser subsumidas ao estabelecido na cláusula 3ª do contrato, o certo é que, nessa hipótese, sempre teria de ter sido o Réu a executar e a custear as mesmas e, para tanto – realizar e custear tais obras –, estavam os AA. obrigados a tê-lo interpelado, o que não fizeram, como resulta da factualidade julgada provada enunciada sob 9 e, bem assim, considerando que o teor da factualidade julgada não provada enunciada sob 2 na Sentença recorrida; VII - Tudo, aliás, em conformidade com o Princípio da Restauração Natural, pois que, como é pacifico, “O princípio da restauração ou reposição natural consagrado como regra na nossa lei, só é substituído ou completado pelo princípio da indemnização em dinheiro em três situações taxativas: a) quando for impossível a restauração natural; b) quando essa restauração não reparar integralmente os danos; c) quando a restauração natural seja excessivamente onerosa para o devedor” (sic. o Ac. Rel. Lisboa de 28.05.1996, in http//www.dgsi.pt/jstrl.nsf/, processo: 0014471), sendo que nenhuma das excepções foi invocada pelos AA.-Recorridos, precisamente por não ocorrer. VIII - Sempre com o devido respeito por diverso entendimento, inexiste, pois, pelas diversas razões apontadas, fundamento para a condenação do R.-Recorrente a pagar aos AA. AA e BB a quantia que, em incidente de liquidação, se vier a apurar como correspondente às obras realizadas no locado que respeitam à reparação dos tectos e substituição de canalização de água quente e fria na casa de banho e na cozinha e, bem assim, juros de mora. IX - A douta Sentença recorrida violou as referidas normas legais, devendo, pois, ser revogada e, consequentemente, integralmente absolvido o Réu-Recorrente dos pedidos. * Perante o antes exposto, resulta claro que são as seguintes as questões suscitadas no presente recurso:1ª) Saber se as obras em causa – “obras de reparação dos tectos e da canalização da cozinha e da casa de banho”, pela sua natureza, não constituíram obras de conservação e limpeza subsumíveis à cláusula 3 do contrato de arrendamento; 2ª) Saber se no caso de caber ao Réu a realização das referidas obras, os Autores estavam obrigados a proceder à sua prévia interpelação para tal efeito. * E o seguinte o teor da decisão de facto proferida e que aqui não vem impugnada:Factos provados: 1- Os Autores são os actuais proprietários, em comum e sem determinação de parte ou direito, do prédio urbano sito à Rua ..., da freguesia ..., Porto. 2- Que adquiriram por sucessão de seus pais, DD e EE. 3- Pelo documento junto como doc. nº4 à petição, este prédio foi dado de arrendamento, em 25-4-1966, pelo antepossuidor FF, a GG, mediante contrato escrito, pela renda mensal de 600$00. 4- Mercê de sucessivas transmissões “mortis causa”, o actual arrendatário é o R. CC, filho do primitivo arrendatário. 5- Cifrando-se actualmente o montante da renda anual em 1.836€ a pagar em duodécimos mensais de 153€, mercê das actualizações legais. 6- Estipula a cláusula terceira do referido contrato de arrendamento que “Todos os reparos de que o prédio arrendado carecer para sua conservação e limpeza serão feitos à custa do arrendatário, os interiores”. 7- Em 12-12-2018, o R. solicitou à Câmara Municipal do Porto a realização de vistoria ao locado, alegando que este apresentava tectos a cair e canalização apodrecida. 8- Nessa sequência, a Câmara Municipal do Porto determinou ao A. a realização, no prazo de 120 dias, de obras no locado, as quais incluíam, pelo menos, as obras de reparação dos tectos e da canalização da cozinha e da casa de banho. 9- Por carta de 3-2-2020, junta como doc. nº9, o A. AA informou o R. que iria levar a cabo as obras impostas pela Câmara Municipal do Porto e que lhe enviaria as respectivas facturas, as quais lhe deviam ser pagas. 10- Sequentemente, o A., através da empresa “A...”, levou a cabo no interior do locado as seguintes obras: - Reparação e pintura de tectos e paredes; - Reparação de escadas e portas; e - Substituição da canalização de água quente e fria na casa de banho e na cozinha. 11- Os tectos e paredes do locado apresentavam fissuras. 12- Os tectos do locado encontravam-se em risco de ruína. 13- As canalizações da casa de banho e da cozinha estavam apodrecidas, o que impedia a água de chegar às respectivas toneiras. 14- Na realização das obras referidas em 10), o A. despendeu, em materiais e mão-de-obra, a quantia de 5.000 €. 15- Por carta junta como doc. 10, o Ilustre Mandatário do A. solicitou ao R. o pagamento, em 8 dias, da mencionada quantia de 5.000 €. 16- Em data não concretamente apurada, o R. substituiu os móveis e a banca da cozinha do locado. 17- Em datas não concretamente apuradas, o R. reparou alguns degraus da escada, pintou paredes e colocou tijoleira no chão de duas divisões do locado. 18- Em data não concretamente apurada, o R. revestiu de cimento as paredes exteriores do locado e colocou caleiros. 19- O R. aufere 557,83 € mensais a título de pensão de reforma. Factos não provados: 1 - A Câmara Municipal do Porto determinou ao A. a realização das obras de reparação e de pintura das paredes, bem como de reparação das escadas e das portas do locado. 2- O A. interpelou o R. no sentido de o mesmo levar a cabo as obras mencionadas no “facto provado” nº 10. 3- O R. reparou a casa de banho do locado, tendo executado uma nova. * A propósito das questões que agora se suscitam no presente recurso, cabe recordar aqui o que ficou consignado na decisão proferida.Assim e citando: “Inexiste dúvida que AA. e R. assumem as posições, respectivamente, de senhorios e de arrendatário no contrato de arrendamento habitacional mencionado no “facto provado” nº 3. Tal contrato foi celebrado em 25-4-1966, ou seja, anteriormente à vigência do RAU. Estipula a cláusula terceira do referido contrato de arrendamento que “Todos os reparos de que o prédio arrendado carecer para sua conservação e limpeza serão feitos à custa do arrendatário, os interiores”. Ora, o art.º 1074º, nº 1, do CC, na versão introduzida pela Lei 6/2006, de 27/2, depois de preceituar que, em principio, “cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato”, vem permitir que as partes estipulem em contrário, fazendo incidir sobre o arrendatário a obrigação de realizar tais obras de conservação. Nesta senda, independentemente da regularidade, à data da celebração do contrato, daquela cláusula terceira, a verdade é que, por força do disposto nos arts. 28º, nº 1, e 26º do NRAU, merecerá aplicação, actualmente, o disposto no referido art.º 1074º, nº 1, do CC. Veja-se, neste sentido, PINTO FURTADO, in “Manual de Arrendamento Urbano”, vol. I, 5ª edição revista e actualizada, Almedina, págs. 505 e 506. Assim, tal cláusula terceira é válida à luz do art.º 1074º, nº 1, actualmente vigente. Visto isto, apesar de a legislação actual não o especificar, o conceito de “obras de conservação” encontrava-se explicitado no art.º 11º do RAU. Nas obras de conservação incluem-se, nos termos do nº 2, al. c), deste preceito, as “destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração”. Nestes termos, dúvidas inexistem que as obras realizadas pelo A. relativas ao arranjo dos tectos – que estavam em risco de ruína – e das canalizações da casa de banho e da cozinha – cujo apodrecimento impedia que a água chegasse às torneiras – estavam a cargo do R.. Com efeito, a existência de um tecto e a possibilidade de usufruir de água canalizada são aspectos essenciais do gozo do locado habitacional. Porém, apesar de a tal estar obrigado contratualmente, o R. não levou a cabo essas obras. Foi o A. quem as realizou, depois de instado a tal pela Câmara Municipal do Porto, na sequência de denúncia apresentada pelo R.. Perante a efectivação dessa denúncia, dúvidas inexistem que o R. se recusou a realizar tais obras. Assim sendo, não se justificava que o A. interpelasse o R. a fazê-las. Nesta perspectiva, tendo o A. realizado tais obras de reparação de tectos e de canalizações, cabe ao R. indemnizá-lo do custo das mesmas.” Já vimos que contra este entendimento se insurge o Réu defendendo o seguinte: Que as obras realizadas pelo Autor, pela sua natureza, não constituem obras de conservação e limpeza subsumíveis na cláusula 3 do contrato de arrendamento, não sendo por isso a realização das mesmas da sua responsabilidade; Que mesmo a considerar-se que as referidas obras eram da sua responsabilidade, cabia ao Autor proceder à prévia interpelação do Réu para proceder à sua execução. Vejamos, pois, qual destes dois entendimentos merece ser acolhido. Para responder a tal questão, vamos recorrer ao Acórdão da Relação de Guimarães de 08.05.2012, proferido no processo 120/10.3TBVNC.G1, relatado pelo Desembargador Fernando Fernandes Freitas, em www.dgsi.pt. Assim e como ali se refere: “O contrato de arrendamento é um contrato oneroso, bilateral e sinalagmático, consistindo a prestação contratual do senhorio em conceder o gozo efectivo, posto que temporário, do prédio, a que corresponde a contraprestação do inquilino de pagar a renda acordada. O senhorio tem, pois, como obrigação principal, a de assegurar ao inquilino o gozo do prédio arrendado, para o fim a que ele se destina – alínea b) do art.º 1031º., do Cód. Civil. Daqui decorre que, como refere Antunes Varela, “o locador é obrigado a realizar todas as reparações ou outras despesas essenciais ou indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim contratual, quer se trate de pequenas ou de grandes reparações, quer a sua necessidade resulte de simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro” (in Rev. Legisl. e Jurisprudª., Ano 100, pág. 381). Por sua vez, o art.º 12º. do R.A.U. impõe ao senhorio o encargo de fazer as obras de conservação ordinária, que são, além de outras, “as destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração” - cfr. a alínea c) do nº. 2 do art.º 11º. Assim, estão excluídas daquele conceito apenas as obras destinadas a reparar as “pequenas deteriorações” que o inquilino pode realizar no prédio arrendado, “quando elas se tornem necessárias para assegurar o seu conforto ou comodidade” – cfr. art.º 1073.º do Cód. Civil e 4º., nº. 1, do R.A.U. – e as obras necessárias à reposição do prédio no estado em que ele foi recebido pelo arrendatário, e que não constituam deteriorações inerentes a uma prudente utilização, nos termos do disposto no art.º 1043º., nº. 1, do Cód. Civil. No que se refere às obras de conservação extraordinária, o artº. 13º., do RAU atribuía a responsabilidade por essas obras ao senhorio quando elas lhe tivessem sido ordenadas pela câmara municipal competente ou quando haja acordo escrito das partes no sentido da sua realização. Já o art.º 1074º., do Cód. Civil (NRAU) impõe ao senhorio o dever de executar as obras de conservação, quer ordinárias, quer extraordinárias, quer sejam impostas pelas “leis vigentes” quer o sejam pelo fim do contrato, sendo esta, porém, uma regra supletiva já que às partes é dada liberdade para convencionarem regime diferente. O arrendatário apenas poderá executar obras no locado quando no contrato se faça constar que o poderá fazer. E se nada ficar estabelecido, o arrendatário terá de obter uma autorização prévia, e por escrito, do senhorio. Margarida Grave, citada por França Pitão, na senda do que vinha sendo entendido já, doutrinal e jurisprudencialmente, entende por obras de conservação ordinária “aquelas que estão relacionadas com o envelhecimento exterior e interior do prédio e com o seu uso normal” e por obras de conservação extraordinária “as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior, e, em geral, as que, não sendo imputáveis a acções ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassem, no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano” (in “Novo Regime do Arrendamento Urbano”, 2ª. edição actualizada, pág. 550. Cfr. ainda Aragão Seia in “Arrendamento Urbano Anotado e Comentado”, 2ª. edição, pág. 148/149).” Perante tal entendimento, o qual subscrevemos sem quaisquer dúvidas, podem ser retiradas as seguintes conclusões: - Constituem obras de conservação a cargo do senhorio as obras que se destinem a evitar a degradação das condições de habitabilidade ou de utilização do arrendado; - A circunstância de o locado ser de construção antiga e, naturalmente, de menor qualidade não permite excluir a responsabilidade do senhorio pelas obras de reparação necessárias à reposição do locado em condições de habitabilidade, salvo se o mesmo senhorio demonstrar que o locado já possuía tais infiltrações à data da celebração do contrato e o arrendatário, não obstante conhecer tais vicissitudes, o aceitou nesses termos. Neste sentido e entre outros cf. os Acórdãos desta Relação do Porto de 22.02.2011, no processo 5307/07.3TBMAI.P1, relatado pelo Desembargador Vieira e Cunha e de 24.10.2016, no processo 494/14.7T8GDM.P1, relatado pelo desembargador Jorge Seabra, ambos publicados em www.dgs.pt. Aplicando tais orientações ao caso concreto o que se impõe afirmar é pois o seguinte: Deve ter-se como evidente que as obras em apreço, as melhores identificadas no ponto 10) dos factos provados se devem subsumir na noção antes melhor definida de obras de conservação, por ser claro que se destinam a evitar a degradação das condições de habitabilidade ou de utilização do arrendado. A ser deste modo e não se provando quaisquer outra factualidade que exclua tal responsabilidade, é de considerar que a realização das mesmas cabia aos Autores enquanto senhorios. E a tal não obsta em nossa opinião, o que ficou acordado na cláusula 3 do contrato de arrendamento por ser manifesto que no caso não estamos perante obras de “conservação e limpeza”. Nestes termos, merecem pois provimento os argumentos que quanto à 1ª questão suscitada sustentam o recurso dos Réus. E sendo assim, mostra-se prejudicada a apreciação da 2ª questão suscitada e antes melhor identificada. * Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC): ……………………………………. ……………………………………. ……………………………………. * III. Decisão: Pelo exposto e concedendo provimento ao recurso aqui interposto, revoga-se nos seguintes termos a decisão proferida: Julga-se totalmente improcedente por não provada a acção e, em consequência, absolve-se o réu CC, de todos os pedidos que contra foram formulados pelos Autores AA e outros. * Custas a cargo dos autores/apelados (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).* Notifique. Porto, 9 de Novembro de 2023 Carlos Portela Leonel Serôdio Judite Pires |