Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1878/11.8TBPFR.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: DECLARAÇÕES DE PARTE
OBJECTO DO RECURSO
PERDA DE INTERESSE NA PRESTAÇÃO
RECUSA DE CUMPRIR PRESTAÇÃO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
Nº do Documento: RP201411201878/11.8TBPFR.P2
Data do Acordão: 11/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – As declarações de parte (art. 466 do CPC) ou o depoimento de um interessado na procedência da causa não podem valer como prova de factos favoráveis a essa procedência se não tiverem o mínimo de corroboração por um qualquer outro elemento de prova.
II – A perda de interesse na prestação tem de ser apreciada objectivamente (art. 808/2 do CC); “não se funda em qualquer subjectividade [...] ou razão individual mas ‘há-de ser justificada segundo o critério da razoabilidade, próprio do comum das pessoas’, sendo uma ‘perda absoluta, completa… traduzida por via de regra no desaparecimento da necessidade que a prestação visava satisfazer’
III - A recusa categórica de cumprir a prestação pelo menos já depois da entrada em mora é equiparável ao incumprimento definitivo mas para o efeito tem de ser suficientemente clara, unívoca, definitiva e séria.
IV – Se a parte dispositiva da sentença tem partes autónomas e o corpo das alegações, tal como as conclusões, não se refere a uma dessas partes, nem a alteração da matéria de facto tem reflexos necessários e imediatos no decidido nessa parte, ela não é objecto do recurso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acção sumária 1878/11.8TBPFR do 2º juízo do TJ de Paços de Ferreira

Sumário:
I – As declarações de parte (art. 466 do CPC) ou o depoimento de um interessado na procedência da causa não podem valer como prova de factos favoráveis a essa procedência se não tiverem o mínimo de corroboração por um qualquer outro elemento de prova.
II – A perda de interesse na prestação tem de ser apreciada objectivamente (art. 808/2 do CC); “não se funda em qualquer subjectividade [...] ou razão individual mas ‘há-de ser justificada segundo o critério da razoabilidade, próprio do comum das pessoas’, sendo uma ‘perda absoluta, completa… traduzida por via de regra no desaparecimento da necessidade que a prestação visava satisfazer’
III - A recusa categórica de cumprir a prestação pelo menos já depois da entrada em mora é equiparável ao incumprimento definitivo mas para o efeito tem de ser suficientemente clara, unívoca, definitiva e séria.
IV – Se a parte dispositiva da sentença tem partes autónomas e o corpo das alegações, tal como as conclusões, não se refere a uma dessas partes, nem a alteração da matéria de facto tem reflexos necessários e imediatos no decidido nessa parte, ela não é objecto do recurso.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados:

B…, Lda, (= autora, intentou contra C… e mulher D… (= réus), a presente acção, pedindo que se reconheça o incumprimento por parte dos réus de um contrato de empreitada que haviam celebrado com a autora, bem como que foi válida a sua resolução operada pela autora e ainda que os réus sejam condenados ao pagamento de 19.657,59€, acrescido de juros vincendos à taxa de 4%.
Para o efeito alegou, no essencial, que os réus contrataram a autora para a construção de uma moradia, “tendo ficado acordado que o pagamento do preço se processaria de forma parcelar, sendo que a primeira tranche no valor de 10.000€ deveria ser paga aquando do início dos trabalhos e as restantes tranches aquando da finalização das diversas fases dos trabalhos executados, a solicitação da autora e mediante a apresentação da correspondente factura, a emitir pela mesma.” Apesar dos réus não terem procedido à imediata entrega da primeira tranche, a autora iniciou os trabalhos. Como os réus continuaram sem pagar apesar de diversas interpelações, a autora parou os trabalhos em 10/11/2010 e em 19/07/2011 emitiu uma factura de 19.419,24€ pelo valor dos trabalhos realizados; como os réus mantiveram o seu propósito de não a pagar, a autora resolveu o contrato por carta de 16/08/2011.
Os réus contestaram, impugnando e excepcionando; dizem que: o preço da obra não era o indicado e que apenas tinha sido acordado o pagamento de uma quantia inicial de 2950€, que cumpriram, e nada tinha sido acordado quanto ao pagamento do resto. Não pagaram os 10.000€ que lhes foram exigidos após o início dos trabalhos porque tal montante não correspondia nem a trabalhos efectuados nem a materiais aplicados em obra, embora tenham pago mais 2820€ que se mostrava ajustado ao estado em que a obra se encontrava. Após dizem que pagaram assim um total de 4300€ [contas que, como se constata facilmente, estão erradas]. Acrescentam que a autora abandonou a obra em 09/11/2010 e não mais a retomou, exigindo os 10.000€ para o fazer. Dizem que a autora entrou em incumprimento, porque não lhe emitiu factura dos trabalhos que lhe haviam sido pagos pelos réus, nem lhes deu quitação, nem emitiu factura correspondente aos 10.000€ que lhes exigiu. Os réus não entraram em mora e muito menos em incumprimento definitivo que legitimasse o abandono da obra e a resolução. A factura de 19.419,24€ foi emitida antes da resolução do contrato. Por fim, com base no que antecede, dizem que a resolução do contrato foi ilegal e que têm direito ao ressarcimento dos prejuízos decorrentes do incumprimento do contratado, o que corresponde pelo menos ao valor entregue pelos trabalhos realizados que terão de ser demolidos devido ao abandono. Pelo que deduzem reconvenção, pedindo o reconhecimento da invalidade da resolução do contrato pela autora, o reconhecimento desta resolução por facto imputável à autora, a condenação da autora a pagar aos réus os 4.300€ ou o valor superior que resultar demonstrado, e ainda no montante que vier a ser apurado em execução de sentença quanto aos custos com a demolição da obra efectuada pela autora.
A autora respondeu, impugnando os factos excepcionados e os que são base da reconvenção. Completa ainda a causa de pedir, alegando, nos seus artigos 25 a 29, que posteriormente à suspensão dos trabalhos, os réus sempre referiram que procederiam ao pagamento dos 10.000€ e assinalavam diversas datas para o efectuar. Desgastada com as constantes promessas de pagamento, a autora, na pessoa do seu sócio gerente à data, entrou em contacto com os réus e informou-os que, caso não procedessem ao pagamento dos 10.000€ até Junho de 2011, jamais retomaria os trabalhos. Em face da falta de pagamento, em Julho de 2011 o Sr. E… contactou novamente com os réus para informar que jamais retomaria os trabalhos (a autora alega ainda factos que poderiam justificar a conclusão da rescisão, por mútuo acordo, do contrato, mas tal não pode ser tomado em causa por sair da causa de pedir invocada na petição inicial).
Foram admitidos os pedidos reconvencionais, com excepção do que se referia à condenação da autora no montante que viesse a ser apurado em execução de sentença quanto aos custos com a demolição da obra que efectuou, por se ter apurado que os réus já não são proprietários de tal prédio.
Depois de realizado o julgamento, foi proferida sentença julgando parcialmente procedente, por provada, a acção e consequentemente reconhecendo-se um incumprimento contratual por parte dos réus quanto ao contrato de empreitada celebrado com a autora, declarando-se válida a resolução desse contrato de empreitada efectuada a 16/08/2011 pela autora e condenando-se os réus a pagar à autora a quantia que se vier a apurar em posterior liquidação correspondente ao valor do trabalho por esta efectuado na obra dos réus, aqui se entendendo os gastos e as despesas que teve para o efectuar e o valor dos materiais que empregou nessa obra, com o limite de 19.419,24€, acrescida de juros até integral pagamento; e julgando-se totalmente improcedente, por não provada, a reconvenção e, consequentemente, sendo a autora absolvida dos pedidos formulados pelos réus.
A autora recorreu desta sentença – para que fosse modificada a resposta dada ao quesito 4, na sua redacção inicial, no sentido de dar-se como provado o valor dele constante e, consequentemente, de condenar-se os réus a pagar o aludido valor acrescido dos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Os réus também recorreram da sentença – para que fosse alterada a resposta ao quesito 2 e para que fossem absolvidos do pedido formulado pela autora (e daqui decorre que não puseram em causa a improcedência da reconvenção, que, por isso, já transitou em julgado).
O recurso da autora contra a decisão proferida sobre o quesito 4 foi julgado procedente; o recurso dos réus contra a decisão proferida sobre o quesito 2 foi julgado improcedente. E depois foi anulada parcialmente a sentença recorrida (sem prejuízo do trânsito em julgado da absolvição da reconvenção) ficando prejudicado o conhecimento dos recursos da autora e dos réus contra a mesma, a fim de ser ampliada a matéria de facto quanto ao alegado na síntese da resposta da autora à contestação (na parte que está sublinhada).
Regressado o processo à primeira instância, o tribunal recorrido procedeu à produção de prova quanto àquela matéria, que considerou provada como factos 16 a 18, e depois proferiu nova sentença tendo em conta a alteração do facto 4 e a introdução dos factos 16 a 18, reconhecendo um incumprimento contratual por parte dos réus quanto ao contrato de empreitada celebrado com a autora, declarando válida a resolução desse contrato de empreitada efectuada a 16/08/2011 pela autora e condenando os réus a pagar à autora 19.657,59€, acrescidos de juros à taxa legal até integral pagamento.
Os réus recorrem desta sentença – para que seja alterada a decisão relativa aos factos 16 a 18 e depois seja revogada a sentença -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (as relativas à decisão da matéria de facto serão transcritas abaixo):
XVI – Atenta a factualidade dada como assente e a que foi supra sindicada, os réus não estavam em mora, aquando da paragem dos trabalhos/abandono da obra no dia 10/11/2011.
XVII – A recusa de pagamento dos 10.000€ pelos réus era absolutamente legítima e sem qualquer fundamento legal a paragem dos trabalhos ou o abandono da obra pela autora, pois não havia sido apresentada a factura como foi acordado pelas partes.
XVIII – Tanto mais que os réus não tinham como sindicar a adequação do montante exigido, aquele que foi aplicado em materiais e mão-de-obra, pois também nos dizem as regras da experiência comum que o usual na construção civil, é os pagamentos ocorreram após medição e quantificação dos trabalhos executados, o que não sucedeu por qualquer modo.
XIX – Diz-nos o artigo 406 [do Código Civil] que os contratos devem ser pontualmente cumpridos e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes.
XX – O facto das partes, terem estipulado que o pagamento deveria ser efectuado após emissão prévia de facturas, resulta do princípio da liberdade contratual, como permitem os artigos 405; 397 e 398/1 do CC […].
[…]
XXII. Nesta conformidade, a sentença deveria ter sido bem diversa, absolvendo os réus do pedido.
A autora contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.
*
Do recurso contra a decisão da matéria de facto
Factos 16 a 18
A autora tinha alegado os seguintes factos, complementares dos factos alegados na petição inicial:
i) Posteriormente à suspensão dos trabalhos, os réus sempre referiram que procederiam ao pagamento dos 10.000€ e assinalavam diversas datas para o efectuar.
Em relação a isto foi dado como provado, sob 16, que:
Posteriormente à suspensão dos trabalhos, os réus disseram à autora que procederiam ao pagamento dos cerca de 10.000€ acordados, assinalando diversos momentos para o fazerem, que não cumpriram.
ii) Desgastada com as constantes promessas de pagamento, a autora, na pessoa do seu sócio gerente à data, entrou em contacto com os réus e informou-os que, caso não procedessem ao pagamento dos 10.000€ até Junho de 2011, jamais retomaria os trabalhos.
Em relação a isto foi dado como provado, sob 17, que:
Desgastada com as constantes promessas de pagamento, a autora, na pessoa de E…, seu anterior sócio gerente, entrou em contacto com os réus e informou-os que caso não procedessem ao pagamento em falta até Junho de 2011, jamais retomaria os trabalhos.
iii) Em face da falta de pagamento, em Julho de 2011 o Sr. E… contactou novamente com os réus para informar que jamais retomaria os trabalhos.
Em relação a isto foi dado como provado, sob 18, que:
Em Junho de 2011, E… contactou os réus dando-lhe conta que os trabalhos não seriam retomados pela falta de pagamento.
*
Como fundamentação da sua convicção, relativamente a estes factos, o tribunal recorrido disse o seguinte:
“E…, ouvido nesta segunda audiência de discussão e julgamento, explicou com propósito que a autora nunca abandonou a obra que efectuava aos réus, simplesmente suspendeu esses trabalhos porque os réus não lhe pagaram a primeira tranche acordada.
E de tal forma assim é, explicou este, que a autora deixou no local a grua que para lá tinha deslocado, apenas a retirando em Junho de 2011, sendo essa grua mencionada por uma outra testemunha ouvida, referida na carta que a autora escreveu aos réus em Julho de 2011 (fls. 18) e no orçamento dos trabalhos realizados a fls. 20.
Disse ainda E… que por diversas vezes procurou os réus por para que estes lhe pagassem, antes de ter suspendido os trabalhos e depois de o ter feito, sendo que estes se limitavam a dizer que iriam pagar, adiando no fundo esse pagamento que já era devido, acabando por lhe referir que apenas aguardava até Junho de 2011, não esperando mais.
Ora, foi nessa altura, em Junho de 2011, que por não lhe ter sido pago, que a autora retirou a grua da casa que construía para os réus, com isso significando que o contrato que haviam celebrado não era mais válido.
Estas declarações foram confirmadas por F… actual gerente da autora e casada com E…, que não tendo o conhecimento preciso que o seu marido evidenciou, sempre disse que após a ora ter sido parada os réus foram contactados para pagarem, o que nunca aconteceu, não obstante as promessas nesse sentido.
Além disso, no mesmo dia em que a grua foi retirada da casa dos réus, o réu C… foi a sua casa para saber da razão pela qual a grua ter sido retirada, tendo o E… lhe confirmado que se ficou a dever à falta de pagamento. Note-se aliás que a razão pela qual esta obra parou é evidente, deve-se à falta de pagamento por parte dos réus à autora. Isso mesmo transpareceu de toda a prova testemunhal produzida, incluindo na primeira audiência de discussão e julgamento, tendo a testemunha G…, arrolada pelos réus, o dito claramente quando lhe foi perguntado, certo que após isso o seu depoimento acabou por não ser tão fluído e espontâneo, conforme já se mencionou na resposta à matéria de facto que então se teve a oportunidade de proferir.
Neste sentido, estas declarações de E… e de F… revelam-se muito mais consistentes e credíveis do que as do réu C… também ouvido nesta segunda audiência de julgamento, não obstante todos terem um interesse particular no resultado desta acção, tendo o Tribunal feito uma apreciação livre dos seus depoimentos, conjugada com a demais prova produzida.
Mas voltemos ao depoimento do réu. O sentido do depoimento prestado por C… é que houve um abandono da obra pela autora e que esta é que se desinteressou da obra que lhe efectuava. Porém, estas declarações esbarram no facto dos réus deverem dinheiro à autora, os réus não lhe pagaram o que lhe deviam, concretamente os 20% da primeira tranche, num valor muito próximo dos 10.000€ (e por isso, compreensível que todas as testemunhas o arredondem para esse valor), não tendo sentido a alegação do abandono puro e simples que defende.
E seria realmente estranho acreditar nas declarações do réu C… quando diz que procurava a autora para que esta acabasse a obra que tinha começado, sendo que esta o recusava sem razão aparente, sabendo que a autora a tinha começado e que não lhe tinham pago o valor acordado, e não acreditar nas declarações de E… que procurava os réus para que lhe pagassem, dizendo que assim que fosse feito a obra retomaria, até ao momento em que percebeu que não valia a pena esperar eternamente nas promessas sempre quebradas dos réus.
Não sabe o Tribunal se bem ou mal, mas ainda não chegamos a um mundo em que o devedor anda atrás do credor para lhe pagar e este foge dele, preferindo não receber.
A este propósito, cabe ainda mencionar o depoimento da testemunha H…, irmão do réu C…, que não se pronunciou nesta segunda audiência de julgamento sobre pagamentos, conforme aconteceu na anterior, mas do abandono da obra pela autora sem qualquer razão que o justificasse e das tentativas do seu irmão para contactar, em vão, a autora.
Também quanto a este depoimento se apresenta a falta de coerência que acima se mencionou, não tendo qualquer tipo de sentido, nem estando de acordo com a regras da experiência comum, que tenha sido a autora a abandonar a obra sem razão alguma, que recusava os contactos com os réus, quando se sabe que a autora já tinha começado a obra, já era credora dos réus e que estes não lhe tenham pago aquilo que já lhe deviam.
Tanto não tem sentido que esta testemunha a certa altura mencionou que o seu irmão procurou um terceiro que pudesse fazer a ponte com a autora, uma pessoa que sabia ter o nome de I…, procurando que fosse este a resolver este diferendo com a autora.
A questão é que esta pessoa também foi ouvida e o seu depoimento não confirmou o sentido dos depoimentos da testemunha H… e do seu irmão C…. Trata-se, sem sombra de dúvida pelo contexto em que interveio, de I…, que referiu ter apresentado o réu C… ao F…, contando então esta testemunha que a determinada altura foi contactado por este último para lhe perguntar se tinha encomendado um móvel àquele primeiro.
A testemunha negou a compra de qualquer bem móvel, mas percebeu que a pergunta lhe era colocado por aquele C… ter dito ao F… que lhe pagaria quando o próprio (a testemunha) lhe pagasse o dito móvel. Ou seja, o réu C… prometia pagar à autora quando recebesse da testemunha I… o preço de um móvel.
O problema já se viu qual é, é que a testemunha I… não tinha encomendado qualquer bem móvel ao réu C…, pelo que nada lhe tinha a pagar, não passando isto senão de mais uma desculpa e promessa de pagamento deste ao C…, sendo este mais um elemento de prova a confirmar as declarações do F… quanto às promessas de pagamento quebradas e em desfavor do que mencionou o réu C…
Por fim, foi ainda ouvido nesta segunda audiência de julgamento a testemunha J…, se bem que o seu depoimento não teve qualquer relevância para a matéria que foi ampliada e que agora se discutia, apenas sabendo a testemunha de uma avaliação que teria efectuado aos réus, matéria que está ultrapassada.”
*
Os réus entendem que estes factos não deviam ter sido dados como provados, com base no seguinte:
IV – Estava há muito assente:
“D) Tendo autora e réus acordado que o pagamento das obras seria feito mediante a apresentação da correspondente factura, a emitir pela autora, começou esta os trabalhos de construção na obra dos réus.
E) Alguns dias após o início dos trabalhos de construção, em Outubro de 2010, a autora solicitou aos réus que lhe pagassem 10.000€, o que estes recusaram.”
V – Do registo do depoimento da testemunha F… não consta qualquer referência que contrarie um qualquer acordo posterior que mitigue a obrigatoriedade de emissão da factura para posterior pagamento das obras.
VI – O depoimento desta testemunha foi cuidado e cirúrgico na escolha das palavras, no sentido de contornar a questão da mora, mas totalmente contrário ao alegado pela autora nos artigos 8, 9 e 10 da pi., com o que está em manifesta contradição.
VII – Utilizou expressões como “suspendeu os trabalhos” porque os réus não lhe pagaram a primeira tranche acordada, tendo nomeadamente circunstanciado que se tratou de uma “suspensão” pois deixou a grua no local da obra.
VIII – Mas a própria autora alegou matéria que desmente o depoimento da testemunha F…, tendo referido como se transcreveu no art. 8 da PI: “vindo só posteriormente proceder à retirada da grua, para uma outra obra em Julho 2011”, o que no dizer da testemunha aconteceu em 10/07/2011.
IX – Evidencie-se que, referiu a testemunha que parou os trabalhos a 10/11/2011 [é lapso, o réu quis escrever 2010], pouco tempo depois de os ter iniciado e no que interessa e para efeitos de mora, poderemos atender a esta data.
X – Ademais, referiu a testemunha F… que por diversas vezes procurou os réus para que lhe pagassem, antes e depois de ter suspendido os trabalhos, sendo que estes se limitavam a dizer que iriam pagar,
XI – Mais uma vez o depoimento é fantasioso, na medida em que é também contrariado pela própria alegação da autora, mormente nos arts. 9 e 10 da PI, onde é referido que “…constante inércia e recusa dos réus ao pagamento daquela referida tranche …” e “… e porque os réus mantiveram o seu propósito de não pagar a mesma, não restou alternativa à autora senão, por carta registada datada de 16/08/2011, proceder à resolução do contrato de empreitada …”
XII – Da alegação da autora, resulta inequívoco o entendimento de que nunca os réus prometeram ou adiaram o pagamento, pelo contrário, resulta inequívoco que estes sempre se recusaram a pagar o valor pedido pela autora.
XIII – O tribunal a quo não encontra qualquer meio probatório nos autos, que lhe permita contrariar ou julgar pouco relevante a não emissão da factura, para efeitos de constituir os réus em mora, tanto mais que o acordo resultou da liberdade contratual que livremente aceitar consignar esse pressuposto.
XIV – E este pormenor é tão relevante que por si só, coloca a autora no campo do incumprimento e permitiu aos réus lançar mão do princípio da liberdade contratual.
XV – Por via disso, conjugado o depoimento da referida testemunha, com os mencionados elementos processuais, à luz da experiência comum, existiu erro na apreciação da prova, e impunha-se que fosse dada como não provada a matéria dos pontos 16, 17 e 18.
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Os argumentos sintetizados nas conclusões IV e V e XIII e XIV não convencem. Como diz a autora nas contra-alegações, já foi explicado no anterior acórdão deste TRP que:
“[…] de facto, de acordo com o que consta da alínea D) o pagamento das obras seria feito mediante a apresentação da correspondente factura, a emitir pela autora.
E autora não emitiu factura quando exigiu os 10.000€ iniciais.
No entanto, antes de mais, esclareça-se que a redacção da al. D) corresponde a um erro, do despacho de condensação, de interpretação do alegado pela autora.
Dizia a autora nos artigos 4 e 5 na parte relevante:
4. […] ficou também acordado entre a autora e os réus, que o pagamento do preço acordado se processaria de forma parcelar, sendo que, a primeira tranche no valor de 10.000€ deveria ser paga pelos réus aquando do início dos trabalhos, e as restantes tranches aquando da finalização das diversas fases dos trabalhos executados, a solicitação da autora e mediante a apresentação da correspondente factura, a emitir pela mesma. Porém,
5. Apesar dos réus não terem procedido à imediata entrega da primeira tranche conforme o combinado, o certo é que a autora iniciou os trabalhos de construção da mencionada moradia unifamiliar.
Ora, no despacho de condensação, dividiram-se estas afirmações sem se atentar que era só em relações às “tranches” subsequentes à primeira que se dizia que seriam pagas aquando da finalização das diversas fases dos trabalhos executados, a solicitação da autora e mediante a apresentação da correspondente factura, a emitir pela mesma.
Assim, não fazia parte do acordado, segundo o alegado, que a primeira tranche só fosse paga com a apresentação da factura, embora pela forma como o facto D) foi formulado se pudesse concluir o contrário.
Mas a questão fica esclarecida depois com a resposta ao quesito 2, em que não se coloca o pagamento dos 20% iniciais na dependência da emissão da factura, sendo que a resposta a um quesito, com base em prova produzida, prevalece sobre um facto dado como assente em resultado da interpretação incorrecta da alegação de uma das parte, tanto mais que a “especificação” dos factos assentes não faz caso julgado.
E certamente conscientes disto, os réus não invocaram, ao contrário do que agora sugerem, não ter efectuado o pagamento inicial por falta de apresentação da factura. Tanto mais que até disseram ter pago pelos trabalhos iniciais, mesmo sem factura, mais de 5000€, como já se viu acima.”
*
O conjunto dos argumentos sintetizados nas outras conclusões tem a ver com a análise do valor do depoimento prestado pelo marido da sócia- gerente da autora e podem ser vistos de duas perspectivas diferentes: confronto dos factos dados como provados com a versão da petição e confronto do depoimento do marido da sócia-gerente da autora com os factos dados como provados.
A versão da petição inicial era a seguinte: a autora parou os trabalhos em 10/11/2010, retirou a grua em Julho2011 para outra obra, e, em face da constante inércia e recusa de pagamento dos réus, a autora, a 18/07/2011, escreveu uma carta aos réus com factura (constando da carta também informação da retirada da grua tendo em vista a sua colocação noutra obra – o que, entre o mais, quer dizer que aquela retirada ocorreu até 18/07/2011) e, como os réus mantiveram o propósito de não pagar, procedeu à resolução do contrato por carta de 16/08/2011 por falta de pagamento do preço.
Os factos provados 17 e 18 dizem o seguinte: desgastada com as constantes promessas de pagamento, a autora, na pessoa de F…, seu anterior sócio-gerente, entrou em contacto com os réus e informou-os que caso não procedessem ao pagamento em falta até Junho de 2011 (mas quis-se, certamente, escrever Julho), jamais retomaria os trabalhos. Em Julho de 2011, F… contactou os réus dando-lhe conta que os trabalhos não seriam retomados pela falta de pagamento.
Ora, apesar desta versão não ser inteiramente congruente com a versão da petição, as duas são compatíveis desta forma: a autora pára os trabalhos; informa os réus que se não procedessem ao pagamento até Julho de 2011 não retomaria os trabalhos; em Julho de 2011 retira a grua, envia uma carta com factura e informação da retirada da grua; os réus não pagam; a autora informa que não retoma os trabalhos (resolução oral); e escreve uma carta a resolver o contrato (resolução por escrito).
Por outro lado, dizer que os réus se recusam a pagar e que eles diziam que pagavam mas acabavam por não pagar, podem ser duas formas diferentes de dizer a mesma coisa até porque o resultado prático é o mesmo.
Portanto, não há a apontada contradição.
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Quanto ao confronto entre o depoimento e os factos dados como provado, já o resultado é diferente.
Antes ainda esclareça-se o seguinte para apreciação da posição deste depoente e daquilo que o Sr. juiz refere quase no início do interrogatório:
A certidão registal de fls. 10 a 16 mostra o seguinte: nos inícios de 2002 foi constituída a K..., Lda, tendo como sócios F…, casado com F…, também sócia, no regime de comunhão de adquiridos, e duas filhas – como foi esclarecido por aquele e resulta dos respectivos apelidos -, ficando como gerente o referido E…; em 11/05/2011 foi registada a cessação de funções deste, por renúncia datada de 23/03/2011; naquela data também foi registada a transformação, na data de 23/03/2011, da sociedade em B…, Lda, com quatro quotas, todas daquela F… que ficou com gerente, todas por transmissão dos anteriores sócios.
Posto isto:
O depoimento do marido da sócia-gerente, prestado em cerca de 9 minutos, tem o seguinte conteúdo, num apanhado feito aqui sem se tentar reproduzir ipsis verbis as expressões utilizadas (por desnecessário e por demasiado trabalhoso dada a constante sobreposição de vozes):
O depoente diz que a mulher e a filha são sócios e ele empregado da empresa, embora tivesse sido o sócio-gerente da sociedade anterior; que era ele que mandava; quando o Sr. juiz adianta que “e hoje também” (0:30), o depoente vai negando, mas com riso, e o Sr. juiz diz, vá não vamos perder tempo com isso (0:34); o Sr. juiz diz que ele tem um interesse especial na acção, a lei não lhe permite ouvi-lo como testemunha, vai ouvi-lo em declarações de parte (0:56); o depoente presta juramento de que vai responder com verdade ao que lhe for perguntado (0:58). Diz que começou a obra em 08/Out e concorda quando o Sr. juiz precisa o ano de 2010 (1:21); conta o acordo do pagamento dos 10.000€ com o início da obra com enorme sobreposição de vozes na parte final (até 2:01); iniciei a obra… – e o Sr. juiz acrescenta: e ele não pagou (2:10); Depoente: dizia que ia fazer um crédito na L… e depois ele foi aprovado e eu disse ao C…: se foi aprovado há dinheiro (2:19); e ele pagou os 10.000€? pergunta o Sr. juiz (2:31) o depoente diz que não; Sr. juiz: esteve lá a trabalhar até quando, desde Outubro…? Depoente: Até 10/Nov (3:21); ele dizia que me vinha dar dinheiro (3:36), eu fui à fábrica dele várias vezes, ele ficava de dar, não dava, às vezes ia de tarde, ele dizia que tinha um cheque de um cliente que era muito bom (4:06); ao fim de 15 dias disse que não tinha provisão (4:08); depois pegou no telemóvel e fez de conta que ligou para o Sr. I… e disse oh Sr. H…, o Sr. aceita um cheque do I…, eu disse: aceito (4:19); depois o depoente conta que conversou com o Sr. I… e chegou à conclusão que era mentira (até 5:19); eu parei a obra e não tirei de lá nada (5:38); fala de mais uma conversa em que o réu invoca a hipótese de um outro cheque (até 5:53); Sr. juiz: o Sr. quando parou a obra ficou lá tudo, portanto estava disposto a continuar a obra assim que ele lhe pagasse os 10.000€; e então? (5:43 a 5:58); o depoente volta a contar que o réu não lhe pagava, que ele insistia e que o réu protelava e o Sr. juiz pergunta: o Sr. deu-lhe um prazo (6:15); depoente: dei-lhe um prazo; juiz: e qual foi o prazo que o Sr. lhe deu? (6:17); eu dei-lhe um prazo, eu fui-lhe dando cada vez…; juiz: pronto, foi-lhe dando muitos prazos e ainda hoje estamos nisso, ainda hoje estamos no prazo, quer dizer se ele amanhã lhe pagar o Sr. [imperceptível…], é isso? (6:26); não, se ele me pagar não vou à obra (6:27); Sr. juiz: mas isso é hoje? é hoje que acabou o contrato? (6:33); depoente: não, não acabou o contrato, o contrato já acabou há muito (6:36); Sr. juiz: então quando é que acabou? Acabou quando [… imperceptível] tirar a grua; a grua esteve lá desde Novembro (6:44); juiz: o Sr. tirou a grua quando? Depoente: No dia 01/Nov (6:48); [corrige…] no dia 10/Julho (6:57); Sr. juiz: de 2011, não é? Depoente: sim (6:57); Sr. juiz: pronto, o Sr. tirou de lá a grua, e o Sr. tinha dito antes que ia tirar a grua? (7:02); eu disse antes que ia tirar a grua; Juiz: disse? Depoente: Disse; juiz: como é que disse? Depoente: Olhe, não há pagamento nenhum, eu vou tirar a grua (7:12); Sr. juiz: não escreveu uma carta? Depoente: Escrevi a carta, vim ao Sr. Dr (7:14); Sr. juiz: pronto, e disse-lhe antes de tirar a grua; mas o Sr. tirava a grua e ele no dia seguinte ia lá e tome lá os 10.000€ e o Sr. punha lá a grua outra vez? (7:22); depoente: Não, não, eu não começava, eu para começar tinha que ser tudo escrito, ao pormenor, o dinheiro batido do coiso e alguém que ficasse responsável por ele (7:34); eu não podia confiar mais no homem (7:36); S. juiz: não confiava nele? Depoente: Não, ele diz uma coisa hoje e amanhã diz outra (7:39); então para si, tirar a grua era o fim do contrato (7:42); depoente: era o final (7:44); juiz: então, desta forma: para si, no momento em que se retira de lá as coisas – a grua era o principal - acabava o contrato, era isso? (7:50); depoente: sim; Sr. juiz: e ele compreendeu isso? (7:52) Ele nunca quis pagar…; juiz: sim, mas o Sr., quer dizer, explicou-lhe isso, ele ficou ciente disso, ele e a D…? (7:59); depoente: a D… [imperceptível] eu falei com ela uma ou duas vezes; Sr. juiz, pronto está bem, com a D… não falou, mas falou com ele, ele compreendeu, ele ficou ciente disso, para si tirar a grua acabava o contrato, o contrato morreu, acabava o contrato? (8:12); depoente: eu falei com ele, oh C…, terminou (8:18); nunca tive pessoa tão mentirosa à face da terra como ele (8:26); vai repetindo isto e a dada altura o Sr. juiz diz: no fundo, isto foi-se protelando, protelando, ele prometia, é aquilo que o Sr. já explicou, e o Sr. a certa altura disse: “é até Julho que eu vou retirar a grua, a partir daí acabou” (8:50 a 9:01); depoente: acabou; Sr. juiz: e ele ficou ciente disso? Depoente: [Imperceptível mas com um tom positivo] (9:03).
Deste depoimento, para quem o ouve de fora do interrogatório, tomando apontamentos e com possibilidades de o repetir sempre que necessário, resulta, de espontâneo, apenas o seguinte: o réu ficou de pagar 10.000€ com o início da obra mas não pagou; o réu ia dizendo que pagava mas o resultado era sempre o mesmo; o depoente acabou por parar a obra e um dia mais tarde, depois de meses de intervalo, em Julho de 2011, tira de lá a grua para a levar para outra obra, na disposição de retomar o trabalho se o réu pagasse os 10.000€.
É certo que o depoente também diz: dei-lhe um prazo; eu dei-lhe um prazo; eu fui-lhe dando cada vez…; não, se ele me pagar não vou à obra; o contrato já acabou há muito; eu disse antes que ia tirar a grua; [tirar a grua] era o final; e concorda com o Sr. juiz quando este põe as coisas assim: “para si, no momento em que se retira de lá as coisas – a grua era o principal - acabava o contrato, era isso?” e “é até Julho que eu vou retirar a grua, a partir daí acabou”. Mas isso depois de ter dito o que acima foi sintetizado, em evidente contradição com isso e sem qualquer espontaneidade.
Em suma, o depoimento desta testemunha poderia servir para prova do facto 16 mas não serve para confirmação dos factos 17 e 18.
Mas outras questões se levantam que impedem o aproveitamento deste depoimento para prova do facto sob 16 e, se os tivesse confirmado, também para prova dos factos sob 17 e 18.
E que é o facto de esta testemunha ser evidentemente um especial interessado (é o gerente de facto da sociedade cujas quotas são todas da sua mulher com quem é casado no regime de comunhão de adquiridos), de facto, na procedência da causa e de, por isso, a prova dos factos nunca se poder fazer apenas com base no seu depoimento.
O que se acabou de dizer importa o esclarecimento de três coisas:
i) O depoente devia, realmente, ter deposto como testemunha e não como parte. Quem depõe como parte são as partes pessoas físicas ou os representantes legais das partes pessoas colectivas (arts. 453/2 e 466/1 do CPC). Ora, um ex-gerente de uma sociedade não é representante legal de uma parte e por isso não pode depor como tal. O critério é este e não o de ter ou não um interesse especial.
ii) Mas tivesse prestado declarações como parte (art. 466/1 do CPC) ou como testemunha, testemunha que, no caso, seria uma pessoa com um evidente interesse na procedência da causa (como o Sr. juiz logo deixou claro no início do depoimento, já depois de ter ouvido a mulher do mesmo, gerente formal da autora [que no início do seu depoimento logo esclareceu que a firma está em seu nome, mas o “representante” é o marido e nem sequer faz a distinção entre os períodos de antes e de depois da transformação da sociedade – 0:26 a 0:40]), o depoimento isolado dele, sem qualquer corroboração, nunca poderia servir para prova dos factos.
Como já se defendeu no acórdão do TRP de 26/06/2014, 97564/13.8YIPPRT.P1, não publicado, é certo que actualmente já se admite o “testemunho” de parte, a que se chama declarações de parte (art. 466 do CPC) e a lei diz que o juiz aprecia livremente as declarações de parte, salvo se as mesmas constituírem confissão. Mas a apreciação desta prova faz-se segundo as regras normais da formação da convicção do juiz. Ora, em relação a factos que são favoráveis à procedência da acção, o juiz não pode ficar convencido apenas com um depoimento desse mesmo depoente, interessado na procedência da acção, deponha ele como “testemunha” ou preste declarações como parte, se não houver um mínimo de corroboração de outras provas.
Como se trata da formação da convicção do juiz, não está em causa a aplicação de regras jurídicas, para além da referência legal à livre apreciação da prova, pelo que se pode lembrar aqui o que diz, relativamente ao sistema espanhol que também admite a prova por declarações da parte, Jordi Nieva Fenoll, La valoración de la prueba, Marcial Pons, 2010, págs. 241/242: “lo único [das quatro circunstâncias gerais da credibilidade de qualquer pessoa, quais sejam: coerência no relato do declarante, contextualização, existência de corroborações periféricas e ausência de circunstâncias oportunistas no relato] que cabe valorar de la declaración de un litigante es que su relato esté espontaneamente contextualizado e que se vea acreditado por outros médios de prueba. De lo contrario, la declaración es sospechosa de falsedad, o al menos su fuerza probatória es tan débil que no tiene por qué ser tenida en cuenta. Ni siquiera se es coherente, por las razones antes vistas. En esos casos, cabría concluir que el resultado de la práctica de la prueba es infructuoso, e así debería argumentarlo el juez en la sentencia.” [A única coisa que importa valorar da declaração de um litigante é que o seu relato esteja espontaneamente contextualizado e que se veja credenciado por outros meios de prova. De contrário, a declaração é suspeita de falsidade, ou, ao menos, a sua força probatória é tão débil que não deve ser tida em conta. Nem sequer se é coerente, pelas razões já vistas. Nestes casos, importaria concluir que o resultado da produção da prova é infrutuoso, e o juiz assim o deveria argumentar na sentença. – tradução deste acórdão]
Quanto “às razões já vistas” quanto à irrelevância, neste caso, da coerência do depoimento, este autor acrescenta, com interesse para o caso dos autos (veja-se o que já se disse acima quanto à espontaneidade – ou falta dela - de parte do depoimento do marido da sócia-gerente da autora):
En cuanto a la coherencia, […e]s casi seguro que el litigante habrá hablado con su letrado, y éste, ejerciendo su oficio, le habrá realizado recomendaciones sobre la declaración. Ello hay que tenerlo en cuenta a fin de no sobrevalorar la coherencia de un relato. El litigante puede haber hablado mil veces del objeto del juicio con el abogado, por lo que es posible que incluso haya llegado a distorsionar la historia real de base, adaptándola, sin ser del todo consciente, a lo que dicen los escritos dispositivos. Por eso no resulta de gran ayuda en estas casos el juicio sobre la coherencia del relato, porque puede estar perfectamente preparado de antemano. Al contrario, en este caso concreto, la espontaneidad puede ser un factor positivo a considerar en cuanto a la veracidad de la declaración. Como es seguro que el letrado, si ha hecho bien su trabajo, ha construido un relato estructurado y sin contradicción alguna, si la declaración del litigante también posee esa coherencia casi podría decirse que excesiva, surge aquí un motivo para desconfiar. Pero como se ve, esta circunstancia es de muy difícil apreciación, por lo que solamente debería acudirse a la misma con carácter subsidiário.” [Quanto à coerência, […é] quase seguro que o litigante terá falado com o seu advogado, e este, exercendo o seu ofício, ter-lhe-á feito recomendações sobre as declarações. Há que ter isso em conta a fim de não sobrevalorizar a coerência de um relato. O litigante pode ter falado mil vezes do objecto do processo com o advogado, pelo que é possível que, inclusive, tenha chegado a distorcer a história real de base, adaptando-a, sem estar disso consciente, ao que dizem os articulados processuais. Por isso, não é de grande ajuda, nestes casos, o juízo sobre a coerência do relato, porque pode estar perfeitamente preparado de antemão. Pelo contrário, neste caso concreto, a espontaneidade pode ser um factor positivo a considerar quanto à veracidade da declaração. Como é seguro que o advogado, se fez bem o seu trabalho, construiu um relato estruturado e sem qualquer contradição, se a declaração do litigante também possui essa coerência que quase se poderia dizer excessiva, surge aqui um motivo para desconfiar. Porém, como se vê, esta circunstancia é de muito difícil apreciação, pelo que somente se deveria socorrer da mesma com carácter subsidiário. – tradução deste acórdão].
Ou seja, é necessária a corroboração de algum outro elemento de prova. A prova dos factos favoráveis aos depoentes não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos.
iii) trata-se de um depoimento isolado, sem qualquer suporte corroboratório.
Diz-se isto porque, embora seja extensa a fundamentação da convicção do juiz, a verdade é que só há um único outro elemento de prova que confirmaria as “declarações” desta “testemunha”, qual seja, o da sua mulher, sócia-gerente da autora. Só que quanto a esta valem exactamente as mesmas razões quanto ao valor do seu depoimento por um lado, e, por outro lado, ela não disse nada que confirmasse minimamente o que foi dito pelo seu marido [esclareceu que ia com o marido mas não entrava na oficina do réu (5:34 a 5:47), o que indica que não ouvia a troca de conversa entre ambos; daí que o seu mandatário depois lhe tenha perguntado o que é que o marido lhe dizia que o réu lhe tinha respondido (7:07 a 7:14). E a outra pergunta sobre a imposição de prazo, responde, em concreto, que não se recorda (7:49). Ou seja, a gerente da autora não confirma, nem teria razões para confirmar, aquilo que o marido contou].
O resto da fundamentação da convicção do tribunal recorrido tem a ver com a demonstração da inverosimilhança da versão dos réus. Mas esta questão não chega a ter relevo. Não se trata de comparar a credibilidade das duas versões. Se a autora tem o ónus da prova de um facto ela tem de fazer prova do facto. Só depois de ela ter feito esta prova é que se põe a questão de saber se a outra parte produziu prova que pusesse em dúvida a prova produzida pela autora (art. 344 do Código Civil). Se a prova produzida pela autora não tem qualquer valor, não se pode dizer que ela produziu prova. Ora, a prova produzida pela autora e aproveitada pelo Sr. juiz foram apenas “as declarações” do marido da sócia-gerente da autora e as declarações desta, que já se viu que não tiveram qualquer força. Assim sendo, não tinha relevo comparar esta “prova” com a prova produzida pelos réus.
Nem se diga que há ainda outras referências a outras testemunhas, porque essas referências que são feitas não dizem respeito aos factos 16 a 18. Assim, diz-se que a grua foi mencionada por uma outra testemunha ouvida e que ela, a grua, é referida noutros dois documentos. Mas nos factos 16 a 18 não se está a discutir a grua. Depois diz-se que a razão pela qual esta obra parou é evidente, deve-se à falta de pagamento por parte dos réus à autora e que isso mesmo transpareceu de toda a prova testemunhal produzida, incluindo na primeira audiência de discussão e julgamento, tendo a testemunha G…, arrolada pelos réus, o dito claramente, mas também nada disto está em causa nos factos 16 a 18. Por fim, refere-se o depoimento da testemunha I… para contar aquilo que ele teria percebido do que lhe foi contado pelo marido do sócio-gerente da autora (promessa de pagamento), o que não serve de prova do único facto a que poderia dizer respeito, que era o facto 16.
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Em suma: o marido da sócia-gerente (formal) da autora apenas confirmou, realmente, o facto 16, não os factos 17 e 18. Mas como ele é o gerente de facto da autora, o seu depoimento de pessoa especialmente interessada na procedência da acção, não tem valor probatório para provar factos favoráveis a essa procedência, por estar isolado, isto é, não ter a mínima corroboração. Ele não confirmou os factos sob 17 e 18, mas se o tivesse feito, o que antecede valeria contra o aproveitamento de tais “declarações”. O mesmo vale para as declarações prestadas pela sócia-gerente da autora que nada revelou saber sobre os factos em causa para além do que lhe foi contado pelo marido, pelo que, mesmo que esta tivesse confirmado os factos – que não confirmou – as suas declarações não teriam qualquer valor probatório: ainda hoje as partes não podem provar os factos favoráveis às suas pretensões apenas com as suas próprias declarações, sem qualquer tipo de corroboração. Parafraseando o autor já citado (agora na pág. 263), ninguém inicia um processo unicamente alegando a sua palavra e ninguém sensato se defende se a única coisa que possui a seu favor é, igualmente, o seu próprio testemunho.
Assim sendo, conclui-se que os factos 16 a 18 não foram provados, pelo que se altera a decisão recorrida de os considerar como provados.
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Os factos provados continuam, por isso, a ser apenas os seguintes: (colocando-os por ordem cronológica - os sob alíneas vêm dos factos assentes e os sob nºs vêm da resposta aos quesitos; o facto D) tem de ser lido de acordo com o que já foi dito acima sobre ele, isto é, com prevalência do que consta do facto 2):
A) A autora dedica-se, com intuito lucrativo, à realização de obras e trabalhos de construção civil, tendo a anterior denominação de K…, Lda.
B) No exercício da sua actividade, após prévio contacto dos réus, a autora entregou-lhes em Junho de 2010 um orçamento para a construção uma moradia unifamiliar, a edificar na Rua …, Freguesia …, Concelho de Paços de Ferreira, prevendo o valor de 49.750€, tudo conforme consta do documento de fls. 17, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
C) Após entrega daquele orçamento, os réus encomendaram à autora todos os trabalhos de construção civil e fornecimento de materiais, mão-de-obra e equipamentos necessários à realização e concretização da construção de uma moradia unifamiliar e mais concretamente os trabalhos de grosso a implantar no terreno propriedade dos réus.
D) Tendo autora e réus acordado que o pagamento das obras seria feito mediante a apresentação da correspondente factura, a emitir pela autora, começou esta os trabalhos de construção na obra dos réus.
1. O valor acordado para as obras a efectuar pela autora foi no montante de 49.750€.
2. Cujo pagamento se faria de forma parcelar, sendo a primeira tranche no valor de cerca de 20% do valor total, aquando do início dos trabalhos e as restantes aquando da finalização das diversas fases dos trabalhos executados.
3. A autora iniciou os trabalhos de construção entre meados de Outubro de 2010 e o início de Novembro de 2010.
E) Alguns dias após o início dos trabalhos de construção, em Outubro de 2010, a autora solicitou aos réus que lhe pagassem 10.000€, o que estes recusaram.
I) Em Novembro de 2010 a autora parou os trabalhos na obra de construção da moradia unifamiliar dos réus.
5. A autora deixou de trabalhar na obra porque os réus não lhe pagaram a tranche referida em 2.
4. O valor dos trabalhos efectuados pela autora na obra dos réus, incluindo os gastos com mão-de-obra e materiais aplicados ascendeu a 19.419,24€.
J) Por escritura pública celebrada a 20/07/2011, a fls. 87 e seguintes do Livro 58-A, do Cartório Notarial de Paços de Ferreira, […] os réus doaram, por conta da quota disponível, a G… e mulher N… o prédio referido em B).
F) A autora procedeu à emissão, em 19/07/2011, da factura n.º …, no valor de 19.419,24€, que remeteu aos réus por carta registada em 21/07/2011, acompanhada de uma relação/orçamento dos trabalhos que alega ter efectuado na obra até aquela data, tudo conforme termos dos documentos de fls. 19 a 21, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
G) Por carta registada datada de 29/07/2011, dirigida pelos réus à autora, estes devolveram a factura referida em F), tudo conforme termos do documento de fls. 57 e 58, cujo teor aqui se dá por reproduzido [e que é o seguinte, transcrito por este acórdão do TRP de um documento pouco legível]:
“Como sabem, no decurso do mês de Novembro no dia 9 abandonaram a obra sem justificação quando já tinha sido por nós pago muito dinheiro, cujos comprovativos possuímos, que cobrem perfeitamente os trabalhos por vós realizados. Aliás, já temos pareceres técnico do que foi feito e respectivos valores adequados.
Resta-nos informar que esta situação de abandono da obra e agora (volvidos que foram mais de 8 meses) que está de má fé a querer cobrar um valor que sabe não ter direito, vai acarretar-lhe consequências de vária natureza, prejuízos causados, e participação a entidades responsáveis para análise da factura e elementos que agora na vossa carta nos foram transmitidos.”
H) Por carta registada datada de 16/08/2011, dirigida pela autora aos réus, a autora, invocando a falta de pagamento, procedeu à resolução do contrato de empreitada que haviam celebrado, tudo conforme termos do documento de fls. 22 a 24, cujo teor aqui se dá por reproduzido [e que é o seguinte, transcrito por este acórdão do TRP]:
“Acuso a recepção da missiva endereçada por Vª Exª no pretérito dia 29/07/2011, cujo conteúdo mereceu a nossa melhor atenção, todavia, e como é do perfeito conhecimento de Vª Exª, o mesmo não corresponde de à realidade, uma vez que a suspensão da execução dos trabalhos foi devidamente comunicado a Vª Exª e deveu-se, exclusivamente, à falta de pagamento do preço nos termos acordados.
Assim sendo, e uma vez que a mora no pagamento do preço se converteu em incumprimento definitivo por parte de Vª Exª, tendo tal facto sido já comunicado verbalmente a Vª Exª, existindo até a vossa total anuência, apraz-me informar novamente a resolução do contrato de empreitada celebrado verbalmente com Vª Exª em virtude da falta de pagamento do preço no termos acordados.
No que respeita ao conteúdo da missiva endereçada por Vª Exª, não procedemos ao abandono da obra sem qualquer justificação, uma vez que foi por diversas vezes transmitido a Vª Exª que se não procedessem ao pagamento parcelar do preço nos termos acordados não procederíamos à continuação dos trabalhos.”
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Do recurso sobre matéria de direito
Segundo os réus, eles não estavam em mora aquando da paragem dos trabalhos no dia 10/11/2011; a recusa de pagamento dos 10.000€ pelos réus era legítima e sem qualquer fundamento legal a paragem dos trabalhos pela autora pois não havia sido apresentada a factura como foi acordado pelas partes.
Mas os réus não tem razão, como já foi explicado no anterior acórdão deste TRP, explicação essa já reproduzida acima.
Os réus apoiam-se da al. d) dos factos assentes, mas esquecem a resposta dada ao quesito 2, resposta que se manteve no anterior acórdão, com base na referida explicação.
Ora, do facto 2 decorre que os réus tinham que pagar à autora cerca de 20% de 49.750€ aquando do início dos trabalhos. Ora, tendo em conta os factos 3 e E) a autora iniciou os trabalhos de construção e alguns dias após, ainda em Outubro de 2010, solicitou aos réus que lhe pagassem 10.000€, o que estes recusaram.
Com isso os réus entraram em mora, ou seja, em incumprimento presumidamente culposo do contrato (arts. 804 e 799/1 do CC) e a autora podia suspender os trabalhos enquanto os réus não lhe pagassem os 10.000€ (art. 428 do CC).
Portanto, improcede esta argumentação.
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No entanto, retirados os factos dados como provados sobre a conversão da mora dos réus em incumprimento definitivo, impõe-se a parcial procedência do recurso, quanto à questão da resolução, embora com fundamentação diversa da aduzida pelos réus.
A sentença tem a seguinte fundamentação, em síntese:
Com o início da obra pela autora os réus teriam 20% do preço total; a autora iniciou a obra, pediu o pagamento destes 20% mas os réus não os pagaram, com isso entrando em incumprimento do mesmo; por isso a autora lançou mão da excepção do não cumprimento do contrato (art. 428 do CC); em 21/07/2011 a autora veio a reclamar dos réus o pagamento do montante de 19.419,24€, por ser este o valor dos trabalhos que dizia que havia efectuado, tendo como resposta dos réus uma recusa de pagamento e a alegação de que havia, sem justificação, abandonado a obra. Os réus não têm razão: a autora, como se viu, não abandonou a obra, simplesmente recusou-se a continuar a construir a moradia por os réus não lhe pagarem o valor inicial do preço conforme haviam contratado.
Por outro lado, conforme resultou da ampliação à matéria de facto, posteriormente à suspensão dos trabalhos, os réus disseram à autora que procederiam ao pagamento dos cerca de 10.000€ acordados, assinalando diversos momentos para o fazerem, que não cumpriram.
Desgastada com as constantes promessas de pagamento, a autora, […] entrou em contacto com os réus e informou-os que caso não procedessem ao pagamento em falta até Junho de 2011, jamais retomaria os trabalhos, nisto consistindo a interpelação admonitória.
Finalmente, em Junho de 2011, F… contactou os réus dando-lhe conta que os trabalhos não seriam retomados pela falta de pagamento, retirando nessa altura os bens da autora que ainda se encontravam na casa que construía para os réus, concretamente uma grua, com isso resolvendo o contrato de empreitada.
Diga-se que, em nossa opinião, já se teria de admitir que passados mais de seis meses desde que esta recusa persistia a autora tenha começado a perder interesse na prestação por parte dos réus, o que ficou ainda mais claro com a posição destes que defendiam que nada tinham a pagar à autora, acrescentando que esta havia abandonado a obra e que esse abandono iria acarretar-lhe consequências de vária natureza, conforme resulta do teor de fls. 58, tornando assim impraticável a manutenção do contrato de empreitada celebrado, com isso se dando um rompimento definitivo desse contrato.
Ora, em caso de incumprimento definitivo por parte do dono da obra no que respeita ao pagamento do preço acordado, sendo neste plano omisso o regime da empreitada, pode o empreiteiro resolver o contrato nos termos gerais, lançando mão do regime dos arts 432 e ss do CC.
Mas a sentença não tem razão.
Desde logo, tudo o que se refere à interpelação admonitória tem de ser desconsiderado (são os três parágrafos antecedentes que se puseram em itálico para este efeito), dado que os factos correspondentes foram agora retirados dos factos provados e sem eles não é possível dizer que se verificou a interpelação admonitória, o que era reconhecido expressamente na 1ª sentença anulada.
Retirada a via da interpelação admonitória, volta a valer aquilo que já se disse no primeiro acórdão deste TRP, embora com algumas adaptações:
Nos termos do art. 432/1 do CC, é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção.
O art. 432/1 do CC não tem nenhum fundamento autónomo para a resolução do contrato. Ele tem de estar previsto noutro lugar da lei, ou em convenção das partes.
Ora, as partes não convencionaram qualquer fundamento resolutivo e quanto ao fundamento legal a sentença directamente não o invoca, já que para o efeito, como se vê, não serve o art. 432/1 do CC.
Posto isto,
O fundamento legal para a resolução do contrato é o incumprimento definitivo do mesmo (arts. 801/1, 798 e 801/2 do CC) ou a mora convertida em incumprimento definitivo (art. 808/1 do CC) por perda do interesse na prestação ou por interpelação admonitória, a que tem sido equiparada, para possibilitar a resolução, a recusa categórica de cumprimento após a mora.
Ora, os factos não demonstram um incumprimento definitivo da prestação por parte dos réus, mas apenas uma mora deles no cumprimento da sua prestação, mora que não foi convertida em incumprimento definitivo, quer pela perda do interesse (nada nos autos permite dizer que a autora perdeu o interesse no pagamento do preço, nem normalmente tal pode acontecer em relação a prestações pecuniárias), quer pela interpelação admonitória (que não foi feita). Sendo que os factos também não demonstram a recusa categórica de cumprimento.
A sentença, em alternativa à interpelação admonitória, diz que houve incumprimento (definitivo) do contrato, e fá-lo decorrer (i) da perda do interesse derivado do facto de a recusa em pagar ter persistido por 6 meses, ou (ii) da impraticabilidade de manutenção do contrato.
Quanto à perda do interesse, desenvolva-se agora que a mesma tem de ser apreciada objectivamente (art. 808/2 do CC); ela “não se funda em qualquer subjectividade [...] ou razão individual mas ‘há-de ser justificada segundo o critério da razoabilidade, próprio do comum das pessoas’, sendo uma ‘perda absoluta, completa… traduzida por via de regra no desaparecimento da necessidade que a prestação visava satisfazer’ (“Antunes Varela citado através de Brandão Proença, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, Set2011, pág. 321).
Quanto à impraticabilidade da manutenção do contrato, o que se pode dizer, nestes casos em que não está em causa nenhuma relação contratual duradoura e em que, portanto, a perda de confiança não é, como justa causa, um fundamento resolutivo autónomo (veja-se, sempre por último, Brandão Proença, obra citada, pág. 290, com as inevitáveis referências a Baptista Machado) é que, ou os factos em causa são enquadráveis como recusa categórica a cumprir, ou então o que a autora tem a fazer é converter a demora no pagamento da contraprestação em incumprimento definitivo, pela via da interpelação admonitória. Nada que fosse difícil de fazer, pela autora, e que tenha que ser substituído por um indeterminado critério de impraticabilidade.
Por fim, quanto à recusa categórica, precise-se agora que esta recusa não se confunde com a mera recusa em pagar o que lhes foi pedido [facto E)]. Ela tem de ser uma declaração categórica, clara e definitiva, (Nuno Manuel Pinto de Oliveira, Princípios de direito dos contratos, Coimbra Editora, Maio 2011, págs. 864 a 868). Ela deve ser suficientemente clara, unívoca, definitiva e séria. Uma declaração unívoca é uma comunicação não viciada, precisa, com ausência de pedidos de esclarecimento ao credor e que mostra a intenção categórica, o propósito claro de o devedor não cumprir, que provoque uma imediata perda de confiança nesse mesmo cumprimento, de modo a que crie no declaratário a convicção que o devedor não realizará a prestação no decurso de uma subsequente interpelação admonitória. Não devem subsistir dúvidas quanto a certas intenções do devedor, pois é diferente ele afirmar que não irá cumprir no prazo (ou dentro do prazo) ou que nunca irá cumprir nem em acção de cumprimento (as frases anteriores são, no essencial, retiradas de Brandão Proença, obra já citada, págs. 265/268, relativamente a uma recusa anterior ao vencimento ou exigibilidade, mas adaptadas, entre o mais porque no caso a recusa é posterior à mora; vejam-se também as páginas 290/291).
Ora, no caso, para além da recusa referida no facto E), o que existe é, como referido na sentença, o decurso de um período de mais de 6 meses e o envio da carta referida no facto G). Mas nesta carta não se diz que não se irá cumprir, não se recusa a existência ou validade do contrato, não se sugere que se deixou de ter interesse no contrato, não se formulam pretensões sem justificação contratual, nem há uma atitude de repúdio ou rejeição do contrato, nem mesmo da obrigação do pagamento do preço (as expressões são de novo retiradas de Brandão Proença, obra citada, pág. 262), antes se discutem os montantes exigidos e já pagos. É certo que a carta em causa é típica de quem não quer pagar o montante que lhe é pedido e que é proteladora e conflituosa, mas dela não se retira a quase certeza da vontade de não cumprir em definitivo.
Por fim, acrescente-se que à configuração da recusa categórica não ajuda a existência da doação referida no facto J) (nem aliás a sentença se socorreu dela), porque a autora não dizia ter dela conhecimento à data da carta resolutória, só a vindo invocar na réplica como fundamento da ilegitimidade processual dos réus, para além de ficar sugerido que se trata de um negócio simulado, para fuga à “ameaça resultante de iminente acção a instaurar pela autora”
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Assim, mantendo-se a primeira parte da sentença, isto é, o reconhecimento do incumprimento contratual por parte dos réus, a parte relativa à resolução do contrato tem que ser revogada, visto que o contrato não foi bem resolvido.
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Já quanto à parte da condenação dos réus a pagar à autora 19.657,59€, acrescidos de juros à taxa legal até integral pagamento, o recurso dos réus não tem uma única conclusão de direito, nem essa parte da sentença está dependente dos factos 16 a 18 retirados neste acórdão.
Perante isto e perante a relativa autonomia de tal condenação face às outras partes da sentença (a condenação dos réus corresponde ao valor dos trabalhos efectuados pela autora na obra dos réus, incluindo os gastos com mão-de-obra e materiais aplicados - facto 4 -, não estando na dependência da interpelação admonitória ou da resolução do contrato), a condenação em causa não foi objecto do recurso.
Dito de outro modo: as partes não podem recorrer de uma sentença simplesmente dizendo que ela está errada ou que a solução devia ter sido outra, sem apresentarem na sua alegação qualquer indicação dos fundamentos por que pedem alteração ou anulação da decisão (art. 639/1 do CC). Se o recorrente, nas alegações, tal como nas conclusões, nada diz quanto a uma parte da decisão com relativa autonomia, essa parte da decisão fica afastada do objecto do recurso (art. 635/4 do CPC).
Tudo isto tem sido afirmado sistematicamente para as conclusões, valendo por maioria de razão para o corpo das alegações, quer para a totalidade da sentença, quer para partes dela com autonomia.
Veja-se:
As conclusões de um recurso, quanto ao direito, não se podem limitar a dizer que “deve a sentença proferida ser revogada por violar os preceitos legais em que se funda e identifica”. Dizer isto ou nada é o mesmo. Não há aqui qualquer fundamento jurídico.
Como diz João Aveiro Pereira, no seu estudo sobre O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil, publicado sob www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf:
“As conclusões das alegações são ilações ou deduções lógicas terminais de um raciocínio argumentativo, propositivo e persuasivo, em que o alegante procura demonstrar a consistência das razões que invoca contra a decisão recorrida”.
No mesmo sentido, vejam-se os autores citados neste estudo: “As conclusões são «proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” (Alberto dos Reis, CPC anotado, 5º vol, reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pág. 359); as conclusões consistem “na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso” (Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. 3, Lisboa, 1972, p. 299); “Expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou a anulação da decisão” (Fernando Amâncio Ferreira, op. cit., p. 167).”
Ainda recorrendo ao estudo de João Aveiro Pereira, “de harmonia com o acórdão do STJ de 19/02/2008 (08A194 da base de dados do ITIJ) as conclusões não podem limitar-se a uma singela:
“afirmação de procedência do pedido da recorrente, antes contendo todo um raciocínio lógico-jurídico a contrariar as razões adoptadas no aresto posto em crise […]”
O Prof. Alberto dos Reis (obra citada, pág. 360) lembra o caso do ac. do STJ de 10/12/1943 que decidiu:
“não satisfaz ao disposto no art. 690 [agora 690/1] a alegação do recorrente que, a título de conclusão, se limita a solicitar a absolvição do pedido e a revogação da sentença apelada, pois o artigo exige que nas conclusões se indiquem resumidamente os fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da sentença ou despacho.”
E comenta:
“A doutrina do acórdão é perfeitamente exacta.”
Ora, no caso dos autos nem sequer isto temos, quer no corpo das alegações quer nas conclusões.
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Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso dos réus, considerando-se não provados os factos sob 16 a 18 da sentença e revogando-se a parte dispositiva da sentença na parte em que ela declara válida a resolução do contrato de empreitada, mantendo-se tudo o resto.
Custas do recurso em 1/3 pela autora e 2/3 pelos réus.

Porto, 20/11/2014.
Pedro Martins
Judite Pires
Teresa Santos