Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3004/13.0TBVCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
IMPUGNAÇÃO DAS DELIBERAÇÕES
PRAZO
Nº do Documento: RP201502233004/13.0TBVCD.P1
Data do Acordão: 02/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O prazo de 60 dias mencionado no n.º 4 do artigo 1433.º do Código Civil, conta-se a partir da data da deliberação, quer para o condómino presente, quer para o ausente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação do Porto – 5.ª secção.
Recurso de Apelação.
Processo n.º 3004/13.0TBVCD.
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Juiz relator – Alberto Augusto Vicente Ruço.
1.º Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto.
2.º Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim.
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Sumário:
O prazo de 60 dias mencionado no n.º 4 do artigo 1433.º do Código Civil, conta-se a partir da data da deliberação, quer para o condómino presente, quer para o ausente.
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Recorrente…………………...B…, residente na Rua …, n.º …, ….-… Vila do Conde;
…………………………………C…, residente em Rua …, n.º …, em ….-… Vila do Conde.
Recorridos……………………D… casado com E… e residentes na Rua … n.º .., ..º Dt., Vila do Conde;
………………………………….I… casada com G… e residentes na Rua … n.º .., r/ch esquerdo;
…………………………………H… casado com I… e residentes na Rua … n.º .., Vila do Conde;
…………………………………J… casada com K… e residentes na Rua … n.º .., ..º andar esquerdo; e
…………………………………L…, casado com M… e residentes na Rua … n.º .., Vila do Conde.
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I. Relatório.
a) Os recorrentes instauraram a presente acção com o fim de obterem do tribunal uma sentença a declarar, no confronto com os recorridos, a anulabilidade da deliberação votada relativa ao ponto dois da ordem de trabalhos da Assembleia Geral de Condóminos realizada em 19 de Setembro de 2013, relativa ao prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua … e Rua …, descrito na Conservatória do registo Predial de Vila do Conde sob o n.º 3396.
O tribunal, no despacho saneador, face ao prazo de 60 dias fixado no n.º 4 do artigo 1433.º do Código Civil, julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção e absolveu os Réus do pedido, considerando que a assembleia de condóminos tinha aprovado a deliberação em 19 de Setembro de 2013 e que a acção tinha sido proposta em 27 de Novembro de 2013.
b) É desta decisão que vem interposto o recurso, sendo as respectivas conclusões as seguintes:
«1/ No dia 19 de setembro de 2013 realizou-se uma Assembleia geral ordinária de Condóminos, para a qual os AA foram convocados.
2\ No dia 03 de Outubro de 2013, as deliberações tomadas naquela Assembleia foram comunicadas por carta registada com A/R ao A. B….
3\ Em 27 de Novembro de 2013, os AA intentaram no Tribunal Judicial de Vila do Conde, ação tendente a obter a nulidade das deliberações tomadas naquela Assembleia.
4\ Ao considerar que o prazo de 60 dias para os AA. intentarem a ação de anulação se inicia, para condóminos presentes e ausentes, na data da deliberação, a Meritíssima Juiz à Quo, opta pela violação de um dos mais basilares princípios jurídicos vigentes em qualquer Estado de Direito democrático, do qual decorre a necessidade Imperativa de Comunicação/notificação ao destinatário de todo e qualquer ato/ou decisão que potencialmente afetem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, para que o mesmo possa, a partir desse momento pronunciar-se sobre o conteúdo de tais atos/ou decisões.
5\Sem a exigência de tal comunicação, a pessoa cujos direitos ou interesses sejam afetados nunca terá a possibilidade de apresentar de forma tempestiva a sua defesa em relação ao conteúdo de tais atos, se assim o pretendesse, algo que num estado de Direito como o nosso é certamente inconcebível.
6\ A sentença recorrida violou portanto o nº 6 do artigo 1432 do C.C que é um comando de ordem Geral e com o qual o nº 4 daquele mesmo artigo se tem de articular por considerar que tendo a Assembleia sido realizada em 19 de Setembro e a ação dado entrada no dia 27 de Novembro, ocorreu a caducidade do direito dos AA .
7\ E viola também o artigo 329 do C.C,” o prazo de caducidade, se a Lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito pode ser legalmente exercido” momento esse que ocorre precisamente quando a comunicação que a lei obriga a fazer, chega ao alcance do condómino ausente.
Termos em que, com o douto suprimento que sempre se espera de VOSSAS EXCELÊNCIAS, deve a sentença proferida ser revogada, proferindo-se Acórdão que reconheça que o Direito dos AA não caducou, com todas as consequências legais, assim se fazendo a tão esperada e melhor justiça».
c) Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.
II. Objecto do recurso.
A questão colocada no recurso consiste em saber se o prazo de 60 dias mencionado no n.º 4 do artigo 1433.º do Código Civil, se conta a partir da data da deliberação, quer para os condóminos que estiveram presentes, quer para os que estiveram ausentes, ou se em relação a estes últimos o prazo de 60 dias só começa a correr após a deliberação lhe ter sido comunicada, nos termos prescritos no n.º 6 do artigo 1432.º do mesmo código.
III. Fundamentação.
a) Matéria de facto provada.
A matéria factual relevante é a que consta do relatório que antecede.
b) Apreciação da questão objecto do recurso.
1 – No sentido do prazo de 60 dias mencionado no n.º 4 do artigo 1433.º do Código Civil [1] se contar a partir da data da deliberação, quer para os condóminos que estiveram presentes, quer para os ausentes, invoca-se a seguinte argumentação:
A actual redacção do n.º 4 do artigo 1433.º resulta do Dec.-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro.
A norma anterior determinava o seguinte:
«O direito de propor a acção caduca, quanto aos condóminos presentes, no prazo de 20 dias a contar da deliberação e, quanto aos condóminos ausentes, no mesmo prazo a contar da comunicação da deliberação».
O novo texto trouxe duas alterações: alargou o prazo de impugnação de 20 para 60 dias e foi suprimida a referência à comunicação da deliberação como início do prazo da impugnação, referindo-se agora apenas à data da deliberação.
O facto da nova redacção ter abandonado a referência à data da «comunicação aos condóminos ausentes», como início do prazo para a impugnação das deliberações, mostra que o legislador procedeu a uma alteração deliberada com a finalidade de conferir segurança e eficácia às deliberações, colocando-as a salvo das vicissitudes inerentes à efectivação das comunicações aos condóminos ausentes.
Com efeito, com ou sem dolo, estes últimos podem encontrar-se em situação de incomunicabilidade, seja por se encontrarem em parte incerta ou por se furtarem à comunicação, podendo ocorrer que passados meses ou anos ainda não se encontrasse efectuada a comunicação ou então, passado esse tempo podia a deliberação vir a ser atacada com fundamento na falta de comunicação, situações estas que tornariam um condomínio ingovernável.
Por conseguinte, o legislador, conhecendo estas consequências possíveis, quis afastá-las e por isso deixou de fazer referência à comunicação da deliberação.
E, por ter optado por essa solução, alargou o prazo de 20 dias para 60 dias, precisamente para dar mais tempo aos condóminos para se informarem acerca das deliberações tomadas na sua ausência [2].
2- Em sentido divergente, no sentido do prazo de 60 dias mencionado no n.º 4 do artigo 1433.º se contar apenas para o condómino ausente a partir da data da comunicação da deliberação, invocam-se os seguintes argumentos:
O n.º 6 do artigo 1432.º é uma disposição genérica e não apenas complementar do anterior n.º 5, pelo que o prazo de 60 dias só começa a correr em relação ao condómino ausente após a deliberação lhe ter sido comunicada nos termos prescritos no n.º 6 do artigo 1432.º do mesmo código.
O prazo de 60 dias conta-se para os condóminos ausentes da data da comunicação da deliberação [3] por ser este o único modo de harmonizar todo o procedimento processual que consta do artigo 1433.º.
Com efeito, no n.º 2 do artigo 1433.º determina-se que os condóminos ausentes têm o prazo de 10 dias, contado da comunicação da deliberação, para exigirem ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, que poderá revogar a deliberação.
No n.º 3 do mesmo artigo determina-se ainda que os condóminos ausentes têm o prazo de 30 dias, contado da comunicação da deliberação, para sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.
Prevendo o legislador, nestes dois casos, a contagem dos prazos a partir da «comunicação da deliberação» ao condómino ausente, não se vê qualquer razão para estabelecer a contagem do início do prazo a partir da data da deliberação no caso do condómino pretender instaurar uma acção de anulação.
Podendo ocorrer, inclusive, que este prazo de 60 dias contado a partir da data da deliberação se esgote estando ainda a correr o prazo para o condómino requerer junto do administrador a assembleia extraordinária.
Por conseguinte, se o prazo se contasse da data da deliberação, diz autora Sandra Passinhas, «…podíamos deparar com a seguinte situação: apesar de decorridos os 60 dias sobre a tomada da deliberação, quando esta vier a ser comunicada, o condómino ausente segue o procedimento da convocação da assembleia extraordinária e, portanto, o direito caducado… renasce. Não pode ter sido este o pensamento do legislador» [4].
Quanto a esta objecção poderá argumentar-se que no caso da assembleia extraordinária confirmar a deliberação, a posterior acção de anulação não tem por objecto a deliberação inicial, mas sim a deliberação tomada na assembleia extraordinária [5].
3. Pelas razões que ficaram referidas afigura-se que a melhor interpretação é a primeira, não só pelas razões pragmáticas e jurídicas expostas, mas também pelo facto de ser esta a única interpretação que permitirá respeitar o sentido do texto.
Com efeito, afigura-se que a expressão «…sobre a data da deliberação» pode ser substituída por «a partir da data da deliberação».
Por conseguinte, se no n.º 4 do artigo 1433.º se determina que o direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 60 dias «…sobre a data da deliberação», só há um modo de cumprir esta norma, e o mesmo consiste em contar o prazo de 60 dias a partir da «data da deliberação» e não a partir de outra qualquer data.
Contar o prazo a partir de outra data que não a «data da deliberação», como, por exemplo, a partir da data da recepção da comunicação mencionada no n.º 6 do artigo 1432.º do mesmo código, constituiria uma desaplicação da norma do n.º 4 do artigo 1433.º.
O facto de se sustentar que o prazo para propor a acção de anulação se conta a partir da data da deliberação não implica que se entenda dispensável a comunicação da deliberação aos condóminos ausentes, pois tal notificação é exigida pelo n.º 2 do artigo 1433.º do Código Civil.
Sustenta-se apenas que o prazo não se conta de tal notificação, mas sim da data da deliberação.
Cumpre pelo exposto manter a decisão sob recurso.
IV. Decisão.
Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
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Porto, 23 de Fevereiro de 2015
Alberto Ruço.
Correia Pinto.
Ana Paula Amorim.
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[1] Os artigos a seguir citados no texto sem indicação de origem pertencem ao Código Civil.
[2] Neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3-10-2002 (Araújo Barros), no processo referido pelo n.º 02B1816; de 23-2-2010 (Helder Roque), no processo referido pelo n.º 16/07.1TBAMD; de 11-01-2000, no processo referido pelo n.º 99A1089 (Silva Paixão); acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27 de Setembro de 2012 (Amaral Ferreira), no processo n.º 2414/09.1TBPVZ; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3 de Julho de 2012 (Henrique Araújo), no processo n.º 1168/10.3TBPNF-A e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Março de 2013 (Eduardo Azevedo) no processo n.º 783/11.2TJLSB-A.
[3] Neste sentido Sandra Passinhas: «O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contado sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação, contado da deliberação para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes» - A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, reimpressão da 2.ª edição. Coimbra: Almedina, 2004, pág. 249.
[4] Idem: pág. 249, nota 626.
[5] Neste sentido, ver o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-3-2005 (Ferreira Girão), no processo referido pelo n.º 05B018, in www.dgsi.pt