Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA PAULA AMORIM | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR CADUCIDADE DA PROVIDÊNCIA PRAZO PARA INSTAURAR A ACÇÃO PRINCIPAL | ||
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Nº do Documento: | RP202206089566/20.8T8PRT-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/08/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Instaurada providência cautelar em momento prévio à ação, constitui condição de eficácia da decisão que decretou a providência, que a ação principal seja proposta, sob pena de ser declarada a caducidade da providência. II - Nos termos do art. 373º/1 a) CPC o prazo para instaurar a ação é de 30 dias e tem como termo inicial a notificação ao requerente do trânsito em julgado da decisão que ordenou a providência. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | ProvdCaut-Caducidade-9566/20.8T8PRT-B.P1 * SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):* ……………………………… ……………………………… ……………………………… --- Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)I. Relatório No presente procedimento cautelar não especificado, em que figuram como: - Requerente: S..., LDA., pessoa coletiva com o número único de identificação ..., com sede na Rua ..., ..., ... Porto; e - Requeridos: 1. MASSA INSOLVENTE DE B..., S.A., representada pelo Senhor Administrador da Insolvência, Exmo. Senhor Dr. AA, com domicílio profissional na Rua ..., ..., ... Porto; 2. CONDOMÍNIO DO PRÉDIO ...,, com sede na Rua ..., ... Porto; 3. G..., S.A., sociedade com sede na Rua ..., ..., ... Porto, pessoa coletiva com o número único de identificação ... e com capital social de € 500.000,00 veio a requerente requerer um conjunto de providências para efeito de acautelar o seu direito, sem prévia audição da parte contrária. - Proferiu-se despacho que deferiu a dispensa de audição prévia dos requeridos e designou-se data para produção de prova.- Produzida a prova, por despacho de 30 de junho de 2020 foi decretada a providência e ordenada a notificação e citação dos requeridos, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 366º e 372º, ambos do Código de Processo Civil.- As requeridas vieram deduzir oposição e após produção de prova, em 01 de outubro de 2020 proferiu-se decisão que reduziu a providência inicialmente decretada.- Interposto recurso da decisão pela requerente, em 26 de abril de 2021 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto que confirmou a decisão, ainda que com diferentes fundamentos.- O acórdão foi notificado às partes em 26 de abril de 2021.- Em requerimento apresentado em 02 de março de 2022, a requerida G... – veio requerer que fosse decretada a caducidade da providência cautelar com a consequente extinção das medidas dela resultantes e remetido à Requerida G... o montante de 1.071,00 para a conta com o IBAN já indicado nos autos (referência 39777078) e que lhe é devido a título de custas de parte.Alegou para o efeito que nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 373º do Código de Processo Civil, a providência caduca “Se o requerente não propuser a ação da qual a providência depende dentro de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado”. A providência foi decretada – sem audição das Requeridas - por decisão proferida a 30 de junho de 2020 e a Requerida foi citada no dia 3 de julho seguinte para deduzir oposição, o que veio a fazer e foi objeto de decisão - no sentido de redução da providência - notificada às partes a 1 de outubro de 2020. Na sequência desta decisão a Requerente S... deduziu recurso de apelação, que foi admitido por despacho de 6 de janeiro de 2021, com efeito meramente devolutivo. No dia 26 de abril de 2021 o Tribunal da Relação do Porto, proferiu Acórdão, julgando improcedente a apelação deduzida pela Requerente. Mais alegou que há muito que a decisão transitou em julgado, mas até ao momento a Requerente da providência não veio demonstrar ter proposto a ação definitiva, nem a Requerida recebeu qualquer citação nesse sentido. Alegou, ainda, que consultado o processo, não se localiza ter sido efetuada a notificação à Requerente como especificadamente está previsto na identificada alínea a) do nº 1 do artigo 373º do CPC (muito embora a Requerente tenha sido notificada quer da decisão quanto à oposição quer do Acórdão relativo ao seu recurso). Por esse motivo, e porque a caducidade do procedimento resulta imediata e objetivamente dos autos veio requerer que fosse decretada essa caducidade com a consequente extinção das medidas dela resultantes. Em sede de custas de parte, alegou que sendo indeferida a reclamação da requerida, assiste à requerida o direito ao reembolso das quantias indicadas. - Em 03 de março de 2022 a requerente S... veio apresentar resposta alegando para o efeito que resulta do disposto no artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do CPC, que o prazo de 30 dias para propositura da ação principal da qual a providência cautelar depende é contado “da data em que lhe [ao requerente] tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a [providência cautelar] haja ordenado”.A Requerente S... não foi, até à presente data, notificada do trânsito em julgado da Sentença do Tribunal de 1.ª Instância proferida em 1 de Outubro de 2020, nem, tão pouco, do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 26 de Abril de 2021, o que significa, que o prazo de caducidade de 30 dias previsto no artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do CPC, ainda não teve início. Para o efeito, e contrariamente ao que a Requerida G... parece querer alegar, é absolutamente irrelevante que a Requerente S... tenha sido notificada da Sentença do Tribunal de 1.ª Instância proferida em 1 de Outubro de 2020 e do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 26 de Abril de 2021, porque, como decorre da norma do artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do CPC, o início do prazo de caducidade da providência cautelar não ocorre com a notificação da decisão que ordena (ou confirma) a providência cautelar, nem com o decurso do prazo de trânsito em julgado dessa mesma decisão. A lei fez depender o início do prazo de caducidade de uma notificação posterior, que só é remetida ao requerente da medida cautelar após o decurso do prazo de trânsito de julgado, o que, como vimos, ainda não teve lugar nestes autos. Conclui que a providência cautelar decretada por Sentença do Tribunal de 1.ª Instância proferida em 1 de Outubro de 2020 (sobre a qual incidiu um recurso que foi interposto pela Requerente S..., o qual foi julgado improcedente por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de Abril de 2021) ainda não caducou. Alegou, ainda, que mesmo que se entendesse que o prazo de caducidade se iniciou com a notificação à Requerente S... do Despacho de 15 de Fevereiro de 2022, com a ref. Citius 433473884 (naturalmente, sem conceder, porquanto a notificação deste Despacho à Requerente S... não corresponde à notificação prevista no artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do CPC), a verdade é que o prazo de caducidade de 30 dias estabelecido naquela norma ainda está em curso. Termina por pedir o indeferimento do requerido, determinando-se que o início do prazo de caducidade da providência cautelar decretada nestes autos apenas tenha início após notificação à Requerente do respetivo trânsito em julgado, nos termos previstos no artigo 373.º, n.º1, alínea a), do CPC. - Proferiu-se despacho com a decisão e fundamentos que se transcrevem:“Requerimento de G... SA (sob a ref. 41491810), solicitando se declare a caducidade do procedimento cautelar por falta de interposição da ação a que se destinaria, e resposta de S... Lda. (sob a ref. 41494955), pugnando pelo indeferimento do requerimento, por não ter ainda recebido a notificação a que se refere o art. 373 nº 1 al. a) do Código de Processo Civil. No caso dos presentes autos, o procedimento cautelar não é um processo autónomo, sendo dependência de ação a propor. Faltando-lhe autonomia, impõe a lei que o requerente do procedimento cautelar seja lesto, interpondo a competente ação “principal” no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da decisão final que decretou a medida cautelar. Contrapõe a requerente do procedimento cautelar (S... Lda.), que a medida cautelar ainda não caducou, por não lhe ter ainda sido feita a notificação a que se refere o art. 373 nº 1 al. a) do Código de Processo Civil, aguardando tal notificação (manifestamente, extrai-se do seu articulado, que a ação principal ainda não deu entrada em juízo). Vejamos se lhe assiste razão. É o seguinte, o teor do referido art. 373 nº 1 do Código de Processo Civil, sob a epígrafe de “caducidade da providência”: “1- Sem prejuízo do disposto no art. 369.º, o procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca: a) se o requerente não propuser a ação da qual a providência depende dentro de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado; b) se, proposta a ação, o processo estiver parado mais de 30 dias, por negligência do requerente; c) se a ação vier a ser julgada improcedente, por decisão transitada em julgado; d) se o réu for absolvido da instância e o requerente não propuser nova ação em tempo de aproveitar os efeitos da proposição da anterior; e) se o direito que o requerente pretende acautelar se tiver extinguido.” Está em causa, como vimos, o prazo de 30 dias para propor a ação principal, contados desde o trânsito em julgado da decisão que decretou uma medida cautelar, invocando a G... SA que tal prazo se mostra decorrido e contrapondo a S... Lda. que não decorreu, por não ter sido ainda notificada do trânsito em julgado da decisão final. Impõe-se, assim, extrair o sentido útil da norma contida naquela al. a), apurando se tal notificação é necessária e imposta por lei, mesmo quando haja sido deduzida oposição ou quando, como no caso presente, foi interposto recurso para o tribunal imediatamente superior. Adiantamos desde já que, em nossa opinião, tal notificação não tem aplicação ao presente caso. Na verdade, interpretando o sentido útil da norma em causa, afigura-se-nos que tal notificação só se torna necessária (e encontra o seu sentido útil) em caso de ser ordenada medida cautelar sem contraditório prévio do(s) requerido(s) e desde que não tenha sido oferecida oposição (transitando assim em julgado a providência). Decretada a medida cautelar sem contraditório prévio (como foi no caso dos autos) e cumprido o disposto no art. 366 nº 6 do Código de Processo Civil (notificação do requerido), não sendo deduzida oposição, faz todo o sentido a notificação a que se refere o art. 373 nº 1 al. a) do Código de Processo Civil. Com efeito, como é regra geral no Código de Processo Civil (tanto no processo comum como nos processos especiais), a citação/notificação é oficiosa, não sendo os autores/requerentes notificados da data em que foi efetuada a citação, nem, tão-pouco, que decorreu o prazo para contestar e/ou deduzir oposição. Aliás, por regra, não são as partes notificadas do trânsito em julgado de decisões judiciais. A exceção a tal regra, é precisamente a aqui em causa. Tal regra especial encontra o seu fundamento e sentido útil, precisamente na necessidade de alertar o requerente de que não foi deduzida oposição à medida cautelar decretada sem contraditório prévio e que, por conseguinte, se inicia o prazo de 30 dias para propor a ação principal. Não se efetuando tal notificação, poderia o procedimento cautelar ficar indefinidamente pendente, a aguardar que o requerente acedesse a consulta do processo, para que se iniciasse o prazo de 30 dias para propor a ação principal. Tal é, repetimos, em nosso entendimento, o sentido útil da notificação a que se refere o art. 373 nº 1 al. a). Sendo deduzida oposição após medida decretada sem contraditório prévio, realizada audiência final, proferida decisão final, interposto recurso da mesma e sendo proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, que foi notificado às partes, deixa de fazer sentido útil aquela notificação, pois que sendo todas as partes notificadas da decisão final, sabem também quando transitou em julgado. Tanto mais quando, como no presente caso, foram esgotadas as vias de recurso (art. 370 do Código de Processo Civil). Ora, como vemos do processado (Apenso A), o Tribunal da Relação do Porto proferiu acórdão em 26.04.2021, que foi notificado às partes com data de registo dos correios nessa mesma data de 26.04.2021. Pelo que, assim sendo, há muito transitou em julgado tal decisão, bem como decorreu o prazo de 30 dias para propor a ação principal. Não tendo sido intentada a ação principal, como admite a S... Lda. na sua resposta (confissão tácita, cremos poder afirmá-lo), tem de se concluir que caducou a medida cautelar imposta neste procedimento cautelar. * Pelo exposto, deferindo ao requerido e ao abrigo do disposto no art. 373 nº 1 al. a) do Código de Processo Civil, declaro extinto o procedimento cautelar e caducada a providência decretada”. - A requerente veio interpor recurso do despacho. - Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:……………………………… ……………………………… ……………………………… Termina por pedir que se julgue procedente o recurso interposto pela Requerente, ora Recorrente com a consequente revogação do despacho recorrido, substituindo-se por outro que determine que o início do prazo de caducidade da providência cautelar decretada nestes autos apenas tenha início após notificação à Requerente do respetivo trânsito em julgado, nos termos previstos no artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do CPC, pelo que, não tendo decorrido aquele prazo, as medidas cautelares proferidas nestes autos não se mostram caducadas. - Não foi apresentada resposta ao recurso.- O recurso foi admitido como recurso de apelação.- Dispensaram-se os vistos legais.- Cumpre apreciar e decidir.- II. Fundamentação1. Delimitação do objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC. As questões a decidir: - admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso; - saber se caducou a providência, apesar do requerente não ter sido notificado da data do trânsito em julgado da decisão que ordenou a providência, nos termos e para os efeitos do art. 373º/1 a) CPC; - inconstitucionalidade do art. 373º/1 a) CPC com a interpretação defendida no despacho recorrido, por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2 e 20.º da Constituição da República Portuguesa, que consagram os princípios da proporcionalidade e do acesso à justiça. - 2. Os factosCom relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância: - O Tribunal da Relação do Porto proferiu acórdão em 26.04.2021, que foi notificado às partes com data de registo dos correios nessa mesma data de 26.04.2021. - O douto acórdão manteve a decisão proferida em 1ª instância que reduziu o âmbito da providência; - Até 07 de março de 2022 ainda não tinha sido intentada a ação principal. - 3. O direito- Admissão dos documentos com as alegações de recurso- A apelante nas alegações de recurso veio requerer a junção de um documento – cópia da petição, assinada eletronicamente em 22 de março de 2022, com a Ref .41722304 (programa Citius) (doc. nº 1). Em regra os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, como decorre do art. 423º/1 CPC. A parte pode ainda juntar documentos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final ficando neste caso sujeito ao pagamento de multa, como se prevê no art. 423º/2 CPC. Contudo, a lei, no art. 523º/2 CPC, concede a faculdade de ser requerida a junção dos documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas a parte será condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. Este regime previsto no nosso sistema jurídico desde o Código de Processo Civil de 1939, assenta os seus fundamentos nos princípios da economia processual e da boa-fé processual. Pretende-se que por motivos de ordem e disciplina processual, que quem afirma um facto ofereça desde logo, se puder, a prova documental das suas afirmações, habilitando a parte contrária a tomar posição sobre os factos de forma informada[2]. A possibilidade de apresentar os documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância decorre do princípio de que o juiz deve julgar segundo a verdade. Daqui resulta que não apresentando a parte o documento com o articulado, como era seu ónus, não fica impedida de o fazer em momento posterior, até ao encerramento da discussão em 1ª instância. Como se prevê no art. 425º CPC depois do encerramento da discussão, em sede de recurso só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento. Como observava ALBERTO DOS REIS: “[c]oncilia-se assim o princípio de disciplina processual que postula o oferecimento imediato de documentos, com o princípio de justiça segundo o qual a decisão deve ser a expressão, tão perfeita e completa quanto possível, da verdade dos factos que interessam ao litígio”[3]. A junção de documentos em sede de recurso está contudo subordinada ao critério estabelecido no art. 651º CPC, no qual se determina que: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”. Dispõe o art.425ºCPC: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”. Decorre deste regime que em sede de recurso, nas alegações, as partes podem juntar documentos, quando: - a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento – superveniência objetiva (fundada na data do facto a provar ou do documento comprovante) ou subjetiva (baseada no desconhecimento da existência do documento, na indisponibilidade dele por parte do interessado ou na necessidade de alegação e prova do facto); - se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando esta se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo[4]. No caso em análise a apelante não indica o motivo pelo qual requereu a junção do documento com as alegações de recurso, sendo certo que se reporta a ato processual que terá sido praticado em data posterior àquela em que foi proferido o despacho recorrido. Admite-se, pois, que não tenha sido possível a junção do documento até ao encerramento da discussão em 1ª instância. Analisado o documento em confronto com os fundamentos dos articulados e com teor da decisão proferida em 1ª instância, resulta que no despacho recorrido o juiz do tribunal “a quo“ não veio invocar novos e diferentes argumentos. A junção de documentos em sede de alegações face ao julgamento em 1ª instância, funda-se no imprevisto da decisão proferida, quer por razões de direito quer por razões de prova[5]. No caso presente a decisão proferida não se funda em normas jurídicas com cuja aplicação a parte não contava, nem a junção da peça processual, como meio de prova pode contribuir para apurar factos diferentes daqueles que se mostram provados, com relevância na decisão final e que não foram atendidos por omissão de prova documental. Conclui-se, assim, que atento o critério previsto no art. 651º/1 CPC carece de fundamento legal e não se mostra pertinente a requerida junção do documento, motivo pelo qual se determina o seu desentranhamento e devolução ao apresentante. O incidente será tributado com custas a cargo da apelante, fixando-se a taxa de justiça em € 60,00 (sessenta euro) – art. 543º/1 CPC e art. 27º/1/3 RCJ. - - Da caducidade do procedimento cautelar -Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 21, a apelante insurge-se contra a decisão que declarou a caducidade da providência, por entender que decorreu o prazo de 30 dias a contar do trânsito da decisão que decretou a providência, sem que se mostre comprovada a instauração da ação, não se justificando notificar a requerente do trânsito em julgado da decisão porque tal notificação apenas se justifica quando não é deduzida oposição. Entende a apelante que de acordo com a previsão do art. 373º/1 a) CPC o prazo para instaurar a ação definitiva se inicia com a notificação do trânsito em julgado da decisão que decretou a providência, ato que não foi praticado nos autos e por isso, não se pode declarar a caducidade da providência. A questão a apreciar consiste em determinar se o prazo para instaurar a ação principal se inicia com a notificação à requerente do trânsito em julgado da decisão que decretou a providência. A decisão proferida em sede de providência cautelar tem pela sua natureza caráter instrumental e provisório, salvo nas situações de inversão do contencioso (art. 364º e 371º CPC). A decisão no procedimento cautelar apenas resolve transitoriamente a questão, pois a decisão definitiva será tomada na ação principal. O caráter sumário da prova que carateriza o procedimento cautelar para acautelar o risco e perigo de lesão do direito, não justifica que se atribua caráter definitivo à decisão. Para que o efeito da providência se mantenha, quando o procedimento foi instaurado em momento prévio à ação, constitui condição essencial que a ação principal seja proposta, sob pena de ser declarada a caducidade da providência. Como referia o Professor ALBERTO DOS REIS a lei concede ao requerente um “benefício provisório, mas impõe-lhe um ónus: o de, dentro de prazo curto, propor a ação destinada à apreciação jurisdicional definitiva da relação litigiosa”[6]. O regime da caducidade das providências cautelares previsto no artº 373º do CPC, tem como objetivo evitar que o requerido fique sujeito, por tempo excessivo ou indeterminado, aos efeitos de uma decisão de natureza cautelar e provisória, a qual assenta num juízo sumário e urgente. Contudo, a definição do prazo e o termo inicial, têm sofrido várias alterações. Subjacente à respetiva determinação está a necessidade de secretismo da providência ou de evitar que o requerente tenha a necessidade de instaurar a ação principal sem ter conhecimento da decisão no procedimento cautelar e obviar a que se inicie o prazo enquanto houver a possibilidade de fazer cair a providência mediante oposição[7]. No Código de Processo Civil de 1939 fixou-se em 10 dias o prazo para propor a ação, a contar do trânsito da decisão que decretou a providência. No Código de Processo Civil de 1961 estabeleceu-se o prazo de 30 dias a contar da data em que o requerente foi notificado da providência. Nas alterações introduzidas ao Código de Processo Civil de 1961, com o DL 180/96 de 25 de setembro, o art.389º/1/a) /2 CPC passou a ter nova redação, prevendo: “1. O procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca: a) Se o requerente não propuser a ação da qual a providência depende dentro de 30 dias, contados da data em que lhe tiver sido notificada a decisão que a tenha ordenado, sem prejuízo do disposto no nº2; […] 2.Se o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, o prazo para a propositura da ação de que aquela depende é de 10 dias, contados da notificação ao requerente de que foi efetuada ao requerido a notificação prevista no nº 6 do art. 385.[…]”. As alterações introduzidas no CPC de 1961, com a Lei 41/2013 de 26 de junho, estabeleceram nova alteração na matéria, passando o art. 373º CPC a prever sob a epígrafe” Caducidade da Providência”: “1.Sem prejuízo do disposto no art. 369º, o procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca: a) Se o requerente não propuser a ação da qual a providência depende dentro de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado;[…]”[8]. O preceito eliminou o nº2 do anterior artigo 389º CPC, passou a prever um mesmo prazo tenha ou não ocorrido citação prévia do requerido, de 30 dias, com termo inicial na notificação do trânsito em julgado da decisão que haja ordenado a providência. Na base está a ideia do prazo de caducidade “não começar a correr antes de esgotada a possibilidade de a providência cair ( por via de recurso ou oposição)”[9]. Neste regime o prazo não se inicia, como ocorria ao abrigo do art. 389º CPC de 1961, na data da notificação feita da decisão que ordenou a providência, ou na data da notificação ao requerente da notificação feita ao requerido. Atualmente o prazo para o requerente propor a ação principal passou a contar-se da data em que ao requerente tenha sido notificado o trânsito em julgado da decisão que haja ordenado a providência. Refere o Professor LEBRE DE FREITAS:”[e]ste trânsito em julgado, nos casos de contraditório subsequente ao decretamento da providência, ocorre necessariamente em momento posterior à notificação ao requerido a que alude o art. 366º/6, pois só a partir desta se pode consolidar a providência” e conclui o mesmo AUTOR ”[o] trânsito em julgado a que a alínea a) do nº1 alude significa a insusceptibilidade de recurso ordinário da decisão que decretou a providência ou de oposição a ela”[10]. Nas situações em que foi dispensado o prévio contraditório, o prazo para instaurar a ação definitiva só começa a correr depois de esgotado o prazo concedido ao requerido para deduzir oposição ou interpor recurso da decisão já decretada, sendo o requerente notificado do trânsito em julgado da decisão. Se o requerido veio deduzir oposição ou interpor recurso, o prazo apenas se inicia com a notificação do trânsito em julgado da decisão que se pronunciou sobre a oposição ou sobre o recurso. Apenas quando se mostra consolidada a providência se justifica a notificação do requerente, pois não faz sentido notificar o requerente se a providência vem a ser revogada, pois nessa altura não se mostra necessário acautelar a eficácia da providência, com a instauração da ação definitiva. A interpretação restritiva do regime previsto no art. 373º/1 a) CPC defendida no despacho recorrido não tem sustentação na letra da lei, sendo de presumir que o legislador soube exprimir-se em termos adequados (art. 9º/3 CC). É de considerar que esteve presente no pensamento legislativo a natureza do procedimento, o facto de poder existir a dispensa do prévio contraditório e da possibilidade de se proferirem duas decisões, até distintas, sobre a concreta providência até se considerar consolidada a decisão e a necessidade de garantir eficácia à decisão provisória mediante instauração da ação definitiva. Por outro lado, não se pode considerar que no caso concreto, a notificação da requerente do trânsito em julgado da decisão que decretou a providência (no caso restringindo o seu objeto) constitui um ato inútil. Apenas seria um ato inútil se apesar de não ter sido notificada do trânsito em julgado da decisão, viesse dar conhecimento os autos da instauração da ação, o que não aconteceu. Acresce ao exposto que a decisão pode não transitar com a mera notificação da decisão final, mesmo esgotando as vias de recurso ordinário, pois há que contar com a possibilidade de reforma da decisão e até o recurso para o Tribunal Constitucional. Refira-se, ainda, que a decisão que decrete a providência depois de exercido o contraditório não se torna eficaz apenas com o trânsito em julgado, pois o seu caráter provisório impõe a instauração da ação definitiva e apenas a instauração desta ação garante a eficácia da providência e a tutela efetiva do direito. Por esse motivo não se justifica fazer uma distinção quanto ao termo inicial do prazo de caducidade, consoante seja ou não deduzida oposição, porque o prazo só se inicia quando exista uma decisão consolidada e apenas o tribunal onde se encontra pendente o processo está em condição de prestar tal informação. A fixação de um prazo para a instauração da ação - 30 dias - com um termo inicial certo – notificação ao requerente do trânsito em julgado da decisão que ordenou a providência – constitui a opção do legislador que melhor acautela a eficácia da decisão provisória e a tutela do direito. Conclui-se que não estando comprovado nos autos a notificação à requerente do trânsito em julgado da decisão que a ordenou, nos termos e para os efeitos do art. 373º/1 a) CPC, não se pode determinar a caducidade da providência, porque o prazo ainda não se iniciou. A jurisprudência citada pela apelante não faz uma abordagem direta de questão de idêntica natureza àquela que aqui se aprecia, pelo que, não releva para fundamentar a decisão. Procedem as conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 20, com a consequente revogação da decisão recorrida. - - Da Inconstitucionalidade da interpretação do art. 373º/1 a) CPC -Nas conclusões de recurso, sob os pontos 22 a 24, suscita a apelante a inconstitucionalidade da interpretação do art. 373º/1 a) CPC tal como foi defendida no despacho recorrido. Com a resposta à anterior questão considera-se prejudicada a apreciação da inconstitucionalidade do preceito (art. 608º/2 CPC). - Nos termos do art. 527º CPC as custas da apelação e do incidente em 1ª instância, são suportadas pela apelada-requerida G... SA.- III. Decisão:Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e revogar o despacho e nessa conformidade indeferir a declaração de caducidade da providência e determinar a notificação à requerente da data do trânsito em julgado da decisão que ordenou a providência, nos termos e para os efeitos do art. 373º/1 a) CPC, caso a ação principal não se mostre já instaurada. - Custas da apelação e do incidente em 1ª instância a cargo da requerida G... SA.- Desentranhe e devolva o documento junto com as alegações de recurso.Custas a cargo da apelante, fixando-se a taxa de justiça em € 60,00 (sessenta euro) – art. 543º/1 CPC e art. 27º/1/3 RCJ. * Porto, 08 de junho de 2022(processei e revi – art. 131º/6 CPC) Assinado de forma digital por Ana Paula AmorimManuel Domingos Fernandes Miguel Baldaia de Morais ______________ [1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990. [2] Cfr. ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pag. 6. [3] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pag. 11. [4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, julho 2013, pag.184-185. ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil,2ª edição, Revista e Atualizada, Coimbra, Coimbra Editora,Limitada, 1985, pag. 532. [5] AMÂNCIO FERREIRA Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, pag. 215. [6] ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição reimpressão, Coimbra Editora, Lda, Coimbra, 1982, pag. 629 [7] Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, Vol.II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, junho 2017, pag. 64-66 [8] Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, pag. 64-66 [9] JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, pag. 66 [10] JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, pag. 66 |