Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PEDRO VAZ PATO | ||
Descritores: | CRIME DE CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO DESCONTO DE INJUNÇÃO PENA ACESSÓRIA DE INIBIÇÃO DE CONDUZIR PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP20150422177/13.5PFPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/22/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | PARCIAL PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - Deve proceder-se ao desconto, na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, da injunção equivalente cumprida no âmbito da suspensão provisória do processo. II - Deve proceder-se ao desconto, na pena de multa, de acordo com os critérios decorrentes dos artigos 48º, nº 2, e 58º, nº 3, do Código Penal, da prestação de trabalho a favor da comunidade cumprida como injunção no âmbito da suspensão provisória do processo. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Pr.177/13.5PFPRT.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – B… veio interpor recurso da douta sentença do 3º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto que o condenou, pela, prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1, e 69º, nºs 1, a), e 2, do Código Penal, na pena de sessenta dias de multa, à taxa diária de cinco euros, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de três meses. São as seguintes as conclusões da motivação do recurso: «I - Em 06 de Junho de 2014 foi o aqui Recorrente julgado em processo abreviado e condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de sessenta dias de multa à taxa diária de cinco euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos. II – Na douta sentença apenas foi descontado um dia à pena de multa por ter havido detenção do arguido; III – Mas no mesmo processo já havia sido aplicada uma medida de suspensão com imposições complementares, designadamente 60 dias de proibição de condução, 60 horas de prestação de trabalho comunitário e frequência de uma formação em prevenção rodoviária; IV – Das quais o aqui Recorrente cumpriu 60 dias de proibição de condução, várias horas de trabalho comunitário e frequentou uma sessão “Álcool e comportamento rodoviário”; V – Ficaram apenas a faltar cumprir algumas horas mas o cumprimento estava a ser acompanhado pelas técnicas que lhe prestavam o acompanhamento e não lhe foi disponibilizado qualquer documento que comprove o número exato de horas já prestadas; VI – O aqui Recorrente não compareceu em julgamento porque não recebeu a notificação para se apresentar em julgamento, suspeitando de extravio da notificação, motivo pelo qual a decisão foi proferida sem as informações agora oferecidas em sua defesa. VII - No entanto, contesta a medida da pena e a ausência de desconto das medidas já cumpridas na pena aplicada, quanto ao tempo de inibição de condução já cumprido, ao tempo de formação recebido e ao tempo de trabalho comunitário já prestado e Requer a omissão do presente processo sempre que for pedida a informação do registo criminal para efeitos de candidatura a concursos académicos e profissionais. VIII – Dispõem os artigos 80º e seguintes do Código Penal que a detenção, prisão preventiva, obrigação de permanência na residência, bem como qualquer pena ou medida pena cumprida no mesmo processo pelos mesmos factos, deve ser descontada na pena aplicada. IX – Dispõe o nosso entendimento que, à pena aplicada, devem ser descontados mais 60 dias à pena de proibição de condução e as horas de prestação de trabalho comunitário prestadas e as horas de frequência da sessão “Álcool e comportamento rodoviário”. O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso, invocando a diferente natureza das injunção aplicadas no âmbito de uma suspensão provisória do processo, por um lado, e das penas, por outro, alegando não ter aplicação quanto a essas injunções o desconto a que se reporta o artigo 80º do Código Penal. O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, alegando que o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência, uma vez que nele se suscita uma questão nova, não apreciada na sentença recorrida, e reiterando, quanto ao mérito do recurso, a posição assumida pelo Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir. II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso e o parecer emitido pelo Ministério Público junto desta instância, as seguintes: - saber se o recurso deve ser rejeitado por manifesta improcedência, uma vez que nele se suscitam questões novas, não apreciadas na sentença recorrida; - saber se as penas em que o arguido foi condenado são merecedoras de reparo, face aos critérios legais; - saber se deve proceder-se ao desconto, nessas penas, das injunções que o arguido e recorrente cumpriu no âmbito da suspensão provisória do processo que lhe foi aplicada, mas que veio a ser posteriormente revogada: a proibição de condução de veículos com motor (esta no que se refere à pena acessória), as horas de trabalho comunitário que prestou e as horas da sessão “Álcool e comportamento rodoviário” que frequentou (estas no que se refere à pena principal de multa): - saber se deve ser ordenada a não transcrição da condenação em apreço nos certificados de registo criminal para fins não judiciais. III – É de considerar que: No âmbito do presente processo foi determinada a suspensão provisória do processo pelo período de oito meses, mediante as injunções de prestação de sessenta horas de trabalho a favor da comunidade em entidade a designar pela D.G.R.S. – Direção Geral de Reinserção Social, nos termos e condições a definir por esta e sob a respetiva orientação; de participação nas várias componentes da atividade estruturada por esta D.G.R.S. designada “Taxa.zero”; e da entrega da carta de condução, ficando a mesma nos autos pelo período de dois meses, durante o qual não poderia o arguido conduzir qualquer veículo a motor (ver fls. 34 a 36). Essa carta de condução foi entregue e esteve junta aos autos durante os referidos dois meses (ver fls. 40 e 42). O arguido prestou cinco horas de trabalho comunitário, nos termos indicados (ver fls. 52). O arguido não compareceu a uma sessão da ação “Álcool e comportamento rodoviário” e não compareceu a três entrevistas marcadas pela D.G.R.S. no âmbito da suspensão provisória do processo, não tendo justificado qualquer dessas faltas (ver fls. 43 e 49). Por não cumprimento das injunções em causa, foi revogada a suspensão provisória do processo e este prosseguiu com a acusação (ver fls. 48). Nada constava do certificado de registo criminal do arguido em 14 de maio de 2014 (ver fls. 81). O arguido faltou ao julgamento e não justificou a sua falta (ver fls. 93) O arguido foi condenado, pela prática, em 21 de março de 2013, por factos integradores de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez (TAS registada de 1,33 g/l, a que corresponde, após dedução do EMA, o valor apurado de 1,22 g/l), p. e p. pelos artigos 282º, nº 1, e 69º, nº 1, a) e nº 2, do Código Penal, na pena de sessenta dias de multa, à taxa diária de cinco euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três meses (ver fls. 94 e sentença proferida oralmente e gravada no C.D. junto aos autos.) Na sentença recorrida foi determinado o desconto de um dia de multa, devido à detenção do arguido, nos termos do artigo 80º, nº 2, do Código Penal (ver fls. 94). IV 1. – Cumpre decidir. Vem o Ministério Público junto desta instância alegar, no seu douto parecer, que o recurso deve ser rejeitado, por manifesta improcedência, nos termos dos artigos 417º, nº 6, b), e 420º, nº 1, a), do Código de Processo Penal, uma vez que nele se suscita uma questão nova (o desconto nas penas de multa e proibição de conduzir em que o arguido foi condenado das injunções por ela já cumpridas no âmbito da suspensão provisória do processo), não suscitada junto do Tribunal de primeira instância, sendo que, como é jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, não é função do recurso a apreciação de questões novas, mas antes a reapreciação em instância superior de questões já apreciadas em instância inferior. Deve, porém, considerar-se que a questão não foi apreciada pela sentença recorrida, mas deveria tê-lo sido, independentemente de o arguido a suscitar (da mesma maneira que foi apreciada a questão do desconto na pena de multa, nos termos do artigo 80º, nº 1, do Código Penal, do dia de detenção sofrido pelo arguido). Deveremos, assim, considerar que estamos perante uma omissão de pronúncia (artigo 379º. nº 1, c), do Código de Processo Penal), que nesta sede deve ser suprida (nº 2 do mesmo artigo). Não deve, pois, ser este o motivo para a rejeição do recurso. IV 2. – Vem o arguido e recorrente alegar que deve proceder-se ao desconto, nas penas em que foi condenado, das injunções que cumpriu no âmbito da suspensão provisória do processo que lhe foi aplicada, mas que veio a ser posteriormente revogada: a proibição de condução de veículos com motor (esta no que se refere à pena acessória), as horas de trabalho comunitário que prestou e as horas da sessão “Álcool e comportamento rodoviário” que frequentou (estas no que se refere à pena principal de multa). Entende, pois, que também será aplicável a estes situações o desconto previsto no artigo 80º, nº 2, do Código Penal (relativo aos períodos de detenção, prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação), que levou a que na sentença recorrida fosse descontado na pena de multa o dia de detenção que sofreu. Vejamos. Esta questão tem sido objeto de controvérsia na jurisprudência. Para uma corrente jurisprudencial (ver, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 6 de março de 2012, proc. nº 289/09.2SILSB.L1-5, relatado por Alda Casimiro, e da Relação do Porto de 28 de maio de 2014, proc. nº 427/11.2PDPRT.P1, relatado por Vítor Morgado, ambos in www.dgsi.pt, e o acórdão da Relação de Lisboa de 27 de junho de 2012, in C.J., 2012, III, pg. 109) não há que proceder ao desconto, tendo em conta a diferente natureza e o diferente regime das injunções no âmbito da suspensão provisória do processo, por um lado, e das penas, por outro: a injunção é um instrumento processual que visa a composição e pacificação social e a pena tem fins de prevenção geral e especial; o cumprimento da injunção decorre de um acordo obtido com o arguido, ao contrário do que sucede com as penas, impostas independentemente da vontade deste; o despacho que determina a revogação da suspensão provisória do processo e o seu prosseguimento com a acusação não implica o julgamento sobre o mérito da questão; o incumprimento dessas injunções tem como consequência esse prosseguimento do processo, enquanto o incumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados faz incorrer o arguido na prática de um crime; durante o cumprimento da injunção de entrega da carta de condução, o arguido poderia, em qualquer momento, pedir a sua imediata devolução, sem que o Ministério Público pudesse opor-se a tal requerimento, o que não pode suceder durante o cumprimento da proibição de conduzir decretada sem o consentimento do visado. Invoca esta corrente o disposto no artigo 282º, nº 4, do Código de Processo Penal: em caso de revogação da suspensão provisória do processo com o prosseguimento deste, «as prestações feitas não podem ser repetidas». Entende, porém, outra corrente jurisprudencial - a que aderimos - que a todos essas considerações se sobrepõe um critério de justiça material, que atenda à equivalência de ambas as prestações numa perspetiva não apenas conceitual, mas prática, substantiva e funcional. A injunção e a pena em causa decorrem da prática do mesmo crime. Tratando-se de uma proibição de condução de veículos motorizados, afetam de igual modo os direitos de circulação rodoviária do arguido. Apesar da sua diferente natureza conceitual, têm funções de prevenção especial e geral equivalentes. A ausência do desconto em causa levaria a sancionar duplamente a mesma conduta (mesmo que não se considere, rigorosamente, que estarmos perante uma violação do princípio ne bis in idem). Invoca esta corrente, no que se refere à voluntariedade da injunção, por contraposição às penas, a redação do nº 3 do artigo 281º do Código de Processo Penal decorrente da Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro: «…tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor». Daqui decorre a obrigatoriedade desta injunção. Quando à regra decorrente do nº 4 do artigo 282º do Código de Processo Penal acima referida, entende esta corrente que o conceito de “repetição” tem o sentido que lhe é dado no direito civil e, por isso, dela decorre que não será possível reaver o que foi satisfeito (indemnizações já pagas ou contributos para instituições já entregues), mas não que prestações de facto (positivas ou negativas) já efetuadas tenham de ser efetuadas outra vez. Em resposta à invocação da diferente natureza das injunções e das penas, invoca esta corrente jurisprudencial que a inquestionavelmente diferente natureza da detenção e das medidas de coação privativas da liberdade, por um lado, e das penas, por outro lado, não impede que o cumprimento daquelas seja descontado nestas, nos termos do artigo 80º, nºs 1 e 2, do Código Penal. E é assim, porque, apesar dessa diferença, há uma substancial equivalência entre elas. Substancial equivalência que também se verifica entre as injunções e as penas. Neste sentido, podem ver-se, entre outros, os acórdãos desta Relação de 19 de novembro de 2014, proc. nº 24/13.8GTBGC.P1, relatado por Lígia Figueiredo; da Relação de Évora de 11 de julho de 2013, proc. nº 108/11.7PTSTP.E1, relatado por Sénio Alves; da Relação de Guimarães de 6 de junho de 2014, proc. nº 98/12.7GAVNC.G1, relatado por Ana Teixeira, e de 22 de setembro de 2014, proc. nº 7/13.8PTBRG.G1, relatado por António Condesso; e da Relação de Coimbra de 10 de dezembro de 2014, proc. nº 23/13.0GCPBL.C1, relatado por Maria José Nogueira; todos in www.dgsi.pt. Nestes acórdãos o desconto em apreço dizia respeito à proibição de condução de veículos motorizados. Por identidade de razão, deve proceder-se ao desconto na pena de multa, e tendo em conta o critério estabelecido nos artigos 48º, nº 2, e 58º, nº 3, do Código Penal, das horas de prestação de trabalho a favor da comunidade também prestadas no âmbito da suspensão provisória do processo. No caso em apreço, uma vez que o arguido prestou cinco horas de trabalho a favor da comunidade, deverá proceder-se ao desconto de cinco dias de multa. Já quanto à injunção da frequência da ação de formação aludida, não há qualquer base legal de equivalência com a pena de multa, não sendo de efetuar qualquer desconto na pena em que o arguido foi condenado. Deve, pois, ser dado provimento parcial ao recurso quanto a este aspeto. IV 3. – Vem o arguido e recorrente afirmar, na motivação do recurso, que «contesta a medida da pena». Nada mais diz, porém, para fundamentar tal afirmação. Assim sendo, cumpre-nos dizer, apenas, que, atendendo às molduras abstratas da pena principal (artigos 47º, nº 1, e 292º, nº 1, do Código Penal) e da pena acessória (artigo 69º, nº 1, do mesmo diploma), aos critérios decorrentes do artigo 71º também do mesmo diploma, à taxa de alcoolemia em causa, ao facto de o arguido não ter antecedentes criminais e ao seu comportamento processual (não cumpriu as injunções que lhe foram aplicadas no âmbito da suspensão provisória do processo e faltou ao julgamento sem justificar essa falta), a medida das penas de multa e de proibição de condução de veículos motorizados (esta situada no mínimo legal) em que o arguido e recorrente foi condenado não são merecedoras de reparo. Assim, deve ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto. IV 4. – Vem o arguido e recorrente alegar que deverá ser determinada a não transcrição da sua condenação nos certificados de registo criminal para fins não judiciais. Uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais e foi condenado em pena de multa, essa não transcrição decorre já do disposto nos artigos 11º e 12, nº 2, e), da Lei nº 57/98, de 18 de Agosto. Por isso, não é necessário que isso consta da sentença recorrida. Se assim não fosse, ao arguido cabia requerer essa não transcrição junto do Tribunal da primeira instância, que poderia decidir por despacho posterior à sentença, nos termos do artigo 17º, nº 1, da referida Lei, não podendo esta questão ser suscitada em sede de recurso sem antes ter sido apreciada nesse Tribunal de primeira instância (assim, o acórdão da Relação de Coimbra de 21 de março de 2102, proc. nº 1145/11.7PBLRA.C1, relatado por Jorge Jacob, in www.dgsi.pt). Deve, pois, ser negado provimento ao recurso também quanto a este aspeto. Não há lugar a custas (artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal) V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido, determinado que se proceda ao desconto de dois meses na pena de proibição de condução de veículos motorizados em que este foi condenado e ao desconto de cinco dias (além do desconto de um dia que já resulta da douta sentença recorrida) na pena de multa em que o mesmo foi condenado, mantendo-se, no restante, a douta sentença recorrida. Notifique Porto, 22/04/2015 (processado em computador e revisto pelo signatário) Pedro Vaz Pato Eduarda Lobo |