Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
281/22.9T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: COMPRA E VENDA DEFEITUOSA
AÇÃO DE ANULAÇÃO DO CONTRATO
PRAZO DE CADUCIDADE
Nº do Documento: RP20250311281/22.9T8VFR.P1
Data do Acordão: 03/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Traduzindo-se o defeito, num vício que desvaloriza a coisa vendida ou que a impede de realizar o fim a que é destinada, ou não apresentando a coisa as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização das respetivas finalidades, admite a lei a favor do comprador uma série de direitos.
II - Conforme os casos, esses direitos são o direito à anulação do contrato por erro, à reparação da coisa, à substituição da coisa, à redução do preço e à indemnização. Tais direitos que a lei admite a favor do comprador de coisa defeituosa assentam em fontes jurídicas diversas, mas têm subjacente sempre a mesma circunstância ou pressuposto: a venda de uma coisa defeituosa.
III - O artigo 917.º do Código Civil que fixa um prazo de caducidade para a ação de anulação, deve ser interpretado em ordem a abranger todas as ações emergentes de cumprimento defeituoso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 281/22.9T8VFR.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo Central Cível de ... - ...



Juíza Desembargadora Relatora:
Alexandra Pelayo
Juízes Desembargadores Adjuntos:
Pinto dos Santos
Anabela Andrade Miranda




SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:
I-RELATÓRIO:
A..., LDª, com sede no Lugar ..., ..., ..., ..., intentou acção declarativa, com processo comum, contra B..., S.A., com sede na Rua ..., ..., ... ..., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a importância de € 47.904,94 (quarenta e sete mil novecentos e quatro euros e noventa e quatro cêntimos, acrescida dos juros de mora vencidos, na importância de € 2.673,49 (dois mil seiscentos e setenta e três euros e quarenta e nove cêntimos), bem como nos vincendos, calculados à taxa que em cada momento estiver em vigor para créditos de empresas comerciais, com custas e demais consequências legais.
Para tanto e em suma, alegou a existência de vícios de defeitos numa máquina industrial vendida pela R., que impediram o seu normal funcionamento, impedindo-a de realizar o fim a que seria destinada, sendo que as sucessivas paralisações da máquina, enquanto era reparada pela ré, impediram a Autora de a utilizar na sua atividade industrial, causando-lhe prejuízos vários, de que pretende ser indemnizada.
Regularmente citada, veio a Ré apresentar contestação e reconvenção, tendo invocado a exceção perentória de caducidade, pedindo a sua absolvição do pedido.
Mais se defendeu por impugnação, pedindo que a ação seja julgada improcedente, absolvendo a R. do pedido.
Deduziu Reconvenção contra a Ré, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de €16.559,00, a titulo de indemnização por conta das reparações levadas a cabo pela R. na sequência dos reportes de avarias invocados pela A., por entender que a A. é responsável por indemnizar a R. de todos os prejuízos decorrentes da assistência prestada para eliminar os defeitos denunciados, por ser de entendimento, em suma, que a causa das avarias verificadas é imputável à A. por utilização de combustível inadequado na máquina em litígio.
A R. pediu ainda a condenação da A. por litigância de má-fé e abuso de direito.
A A. respondeu às exceções e à reconvenção, concluindo pela improcedência daquelas, devendo concluir-se por não provada a reconvenção e consequente absolvição da A. do pedido reconvencional.
Na réplica a A. alega a caducidade e ainda que é contraditório a R. ter, por um lado invocado a caducidade do direito de acção pelo decurso do prazo previsto no Art. 917º do CC e por outro vir peticionar indemnização com base no incumprimento do mesmo contrato pela A.
No demais, conclui como na petição inicial.
A R. veio responder concluindo que inexiste qualquer contradição ou caducidade do direito que ela R. invoca, pois que se lhe aplica o prazo geral de prescrição previsto no Art. 309º do CC.
Foi proferido despacho saneador (onde foi admitida a reconvenção, fixado o valor da causa, atestada a regularidade da instância e efetuada a identificação do objeto do processo e a enunciação dos temas de prova), a que se seguiu a indicação das diligências instrutórias, tendo-se procedido ao agendamento da data para realização da Audiência de Julgamento.
Por fim, procedeu-se à realização da audiência final, e no final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Face a quanto antecede, julgo validamente excecionada e procedente a caducidade do direito, que se verifica, consequentemente se absolvendo a Ré do pedido.
Mais decido absolver a A. do pedido de litigância de má-fé e abuso de direito.
Custas pela A. e R., na proporção de 5/7 para a A. e 2/7 para a R. – artigo 527º do Código de Processo Civil.”
Inconformada a Autora A..., LDA, veio interpor o presente recurso de APELAÇÃO, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I - O presente recurso tem por objeto a sentença proferida pelo tribunal a quo que jugou validamente excecionada e procedente a caducidade do direito de ação e que, consequentemente absolveu a Ré do pedido, fundamentalmente pelo facto da ação de indemnização intentada ter sido interposta depois de decorrido o prazo de seis meses sobre a data da denúncia dos defeitos do equipamento vendido, previsto nos artigos 917º e 921º Código Civil.
II – No caso dos autos, a causa de pedir não é fundada na violação do contrato por vício da coisa vendida, que a desvalorize ou que impeça a realização do fim a que é destinada, mas antes o direito ao ressarcimento dos prejuízos causados em resultado da inoperância e privação do uso do equipamento e dos meios a ele associados durante o tempo em que foi submetido às reparações das avarias.
III - Embora estes danos tenham decorrido na sequência de avarias e, naturalmente, de defeito do equipamento, a ação proposta não tem como finalidade a reparação dos defeitos em si, mas, tão só, os danos que os extravasam.
IV – Ou seja, o que aqui se discute são danos que vão para além dos prejuízos inerentes ao próprio vício da coisa.
V – Assim, ao contrário do decidido, o prazo curto de caducidade previsto no artigo 917º do CC não se aplica, por interpretação extensiva, a todas as ações subsumíveis na previsão do artigo 913º, incluindo as ações de indemnização por danos ou prejuízos causados pelos vícios do equipamento vendido e que deles são apenas reflexo.
VI – E que, como se sumariou no recente Acórdão do STJ, de 30/4/2024, prolatado no Proc nº 3052/20.3T8STR.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt, “V. Os danos colaterais ou reflexos são provocados pela existência do defeito, mas não se circunscrevem ao mesmo, antes lhe acrescem, ou seja, estão ligados ao defeito por nexo de causalidade, mas não têm como finalidade a reparação do defeito em si.
VII – Donde resulta que todo o dano que extravase o próprio defeito, que não seja intrínseco ao vício da coisa, é indemnizável pelas regras da responsabilidade contratual e apenas sujeitos ao prazo da prescrição geral de 20 anos, previsto no artº309º, do CC.
VIII – Por isso, decidindo como decidiu, a sentença recorrida fez uma incorreta interpretação e aplicação do disposto no artº 917, do CC, impondo-se a sua revogação e substituição por Acórdão que julgue a ação procedente e improcedente a reconvenção, em função dos factos dados como provados e não provados, ao abrigo do disposto no artº 665, nº 2, do CPC, ou que reenvie o processo à primeira instância para que a ação seja julgada apreciando as questões de que não tomou conhecimento por terem ficado prejudicadas pela decisão quanto à caducidade da ação.
Termos em que, deve dar-se provimento ao recurso e, consequentemente, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por acórdão que julgue a ação procedente e improcedente a reconvenção, em função dos factos dados como provados e não provados, ou, assim se não entendendo, reenviando o processo à primeira instância para que a ação seja julgada apreciando as questões de que não tomou conhecimento por terem ficado prejudicadas pela decisão quanto à caducidade da ação, com o que se fará inteira Justiça.”
A Ré B..., S.A. veio juntar CONTRA-ALEGAÇÕES, pugnando pela improcedência do recurso e para o caso da sua procedência pediu a AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO, com reapreciação da prova produzida, concluindo neste termos:
“A. A Apelante veio interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal a quo a qual, ao considerar procedente a invocada exceção de caducidade do direito de ação da A., absolveu a R. do pedido, por entender que ao caso em apreço se aplica o prazo geral de prescrição.
B. Invoca para tal o direito a ser ressarcida pelos alegados danos decorrentes das avarias da máquina, considerando aplicável ao caso concreto “as normas que regem o incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda, designadamente no que respeita ao direito de reparação ou substituição da coisa, previsto no artigo 914.º do Código Civil”.
C. Ainda que estivéssemos perante uma situação de cumprimento defeituoso – no que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se admite – haveria que aplicar ao caso as normas constantes dos artigos 913.º e ss. do CC – premissa de resto aceite pela apelante.
D. Ora, no caso da compra e venda a matéria encontra-se regulada nos arts. 913.º e ss. Do CC – como aliás a Recorrente/Apelante reconhece, tendo o legislador consagrado para a execução defeituosa da compra e venda um regime especial que afasta o regime geral, remetendo apenas pontualmente para a respetiva aplicação.
E. No caso em apreço, o que está em causa é o âmbito de aplicação dos prazos constantes do art. 917.º do CC.
F. Apesar de a letra do art. 917.º se referir apenas à “ação de anulação”, o certo é que uma interpretação holística da norma, não atida à mera letra, impõe interpretação diversa, nomeadamente a interpretação acolhida pelo STJ no recente acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/2023, de 2.08.2023, no sentido da aplicação de tais prazos a todos os direitos do comprador emergentes do cumprimento defeituoso do contrato de compra venda.
G. A este respeito, veja-se ainda, por todos, na Doutrina Pedro Romano Martinez:“De facto, não se compreenderia que o legislador só tivesse estabelecido um prazo para a anulação do contrato, deixando os outros pedidos à prescrição geral de vinte anos (art. 309); por outro lado, tendo a lei estatuído que, em caso de garantia de bom funcionamento, todas as ações derivadas do cumprimento defeituoso caducam em seis meses, não se entenderia muito bem porque é que, na falta de tal garantia, parte dessas ações prescreveriam no prazo de vinte anos. (...) E se o art. 917º. não fosse aplicável, por interpretação extensiva, a todos os pedidos derivados da prestação, estava criado um caminho para iludir os prazos curtos” (Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e na Empreitada, p. 198).
H. Visando a definição de um prazo de caducidade curto para o exercício de todos os direitos do comprador, na compra e venda de coisa defeituosa, nos termos do supra referido acórdão de uniformização de jurisprudência os seguintes objetivos: “No caso da venda de coisa defeituosa, pretende-se, mais concretamente, evitar no interesse do vendedor, do comércio jurídico e da paz social a pendência por um período dilatado de um estado de incerteza sobre o destino do contrato ou cadeia negocial e as dificuldades de prova dos vícios anteriores ou contemporâneos à entrega da coisa. (…) Convir-se-á que nada disso se cumpriria adequadamente se o vendedor se pudesse ver confrontado ao fim de quinze ou vinte anos com o exercício de um direito à reparação, substituição ou indemnização, ainda que o comprador apenas na véspera tivesse descoberto o defeito.”.
I. Também Calvão da Silva defende que “em todas as ações de exercício de faculdades decorrentes da garantia, qualquer que seja a escolhida, vale a razão de ser do prazo breve (cfr., também, o n.º2 do artigo 436): evitar no interesse do vendedor, do comércio jurídico, com vendas sucessivas, e da correlativa paz social a pendência por período dilatado de um estado de incerteza sobre o destino do contrato ou cadeia negocial e as dificuldades de prova (e contraprova) dos vícios anteriores ou contemporâneos à entrega da coisa que acabaria por emergir se os prazos fossem longos, designadamente se fosse de aplicar o prazo geral da prescrição (artigo 309.º)…”(Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, 4.ª ed., p. 77).
J. No caso em apreço, tal argumento é particularmente pertinente, porquanto a máquina cujo alegado defeito se discute foi alienada pela Apelante a terceiro em março de 2019, i.e., há mais de 4 anos ou 2 anos antes da interposição da ação pela Apelante.
K. Verifica-se aqui um coartar evidente e indiscutível, se não mesmo uma impossibilidade por parte da ora Apelada de assegurar a produção de toda a prova necessária para defender os seus direitos, situação que, contrariando o espírito com que a Lei foi elaborada, apenas beneficiará a Apelante e a sua incúria, prejudicando não só a Apelada mas também o comércio jurídico e a paz social legal e doutrinariamente apregoadas.
L. O supra referido acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ7/2023, concluiu ainda que “… a atuação dos direitos, entre estes o direito à indemnização, que emergem do deficiente cumprimento da obrigação genérica está, tal como sucede com a obrigação específica, submetida ao prazo de caducidade do art. 917.º É a consequência lógica de se considerar que o fundamento desses direitos reside na violação do contrato e de se ter por aplicável tal norma a todas as pretensões emergentes da venda de coisas defeituosas.”.
M. Não se mostra compreensível ou se alcança o fundamento para a distinção efetuada entre o dano que se traduz na medida do custo da reparação da coisa defeituosa – ao qual se aplicaria o prazo de 6 meses – ou do dano resultante de outros custos provocados pelo defeito (danos colaterais) – ao qual se aplicaria o prazo de 20 anos.
N. Trata-se de uma distinção (que de resto não existe no regime geral do incumprimento), forçada, artificial, geradora de enorme incerteza e insegurança jurídicas, insegurança essa que se tem vindo a combater através de uma interpretação que promove um tratamento uniforme dos direitos emergentes do cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda.
O. Não tendo a jurisprudência do STJ (e bem) feito tal distinção, conforme se retira dos seguintes acórdãos: (i) Acórdão do STJ de 11.07.2023 (Jorge Dias, disponível em http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d747974544abd38e80 2589ea003041c5?OpenDocument ), (ii) Acórdão do STJ, de 16.03.2011 (João Bernardo, processo n.º 558/03.2TVPRT.P1.S1, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2dc7c6bc6079af868025 785a003e33e9?OpenDocument );
P. O Acórdão do STJ de 6.11.2007, com referência expressa à sujeição da acção correspondente ao direito à indemnização pelo interesse contratual positivo ao prazo do art.917.º (Azevedo Ramos, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ed88f08add639f558025 738b005394c2?OpenDocument)considera que “Mas, independentemente disso, o comprador pode escolher e exercer autonomamente a acção de responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo decorrente de cumprimento defeituoso ou inexato, presumidamente imputável ao devedor (arts 798, 799 e 801, nº1, do C.C.), sem fazer valer outros remédios, ou seja, sem pedir a resolução do contrato, a redução do preço, ou a reparação ou substituição da coisa (Calvão da Silva, obra citada, pág. 74) ; Ac. S.T.J. de 4-11-04, Proc. nº 04 B086, entre outros ). Só que esta acção, em que prejuízos indemnizáveis tenham origem no vício da coisa, não pode deixar de obedecer aos prazos curtos previstos especialmente para a venda de coisas defeituosas. Preceitua o art. 917 do C.C. que a acção de anulação por simples erro caduca findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no nº2, do art. 287 do C.C. Trata-se de um prazo de caducidade que impende sobre o comprador de coisa defeituosa, para o exercício dos direitos provenientes da venda da coisa com defeito.”.
Q. Em qualquer caso, a aplicação da distinção pretendida pela Apelante não tem qualquer sentido ou razão de ser no caso concreto, uma vez que os alegados danos, nos próprios termos em que são documentados e alegados pela Apelante, foram do seu conhecimento imediato e não vieram a ocorrer posteriormente.
R. É assim imperativo concluir nos termos em que o fez a Sentença ora recorrida, isto é, que a ação intentada pela A., ora Apelante, foi apresentada extemporaneamente, porque não intentada no prazo legal de 6 meses definido para o efeito, verificando-se a existência da exceção de caducidade invocada, com a consequente absolvição da R., ora Apelada do pedido.
S. Devendo em consequência manter-se a decisão recorrida nos exatos termos em que foi proferida e indeferido o recurso interposto pela Apelante.
T. Sem prejuízo do supra exposto, e admitindo - no que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se admite - a aplicação do prazo de caducidade ordinário ao caso, sempre se dirá que ao exercer o direito de ação à indemnização apenas em 2022, quase 4 (quatro) anos depois de ter tido conhecimento do alegado defeito da máquina e quase 3 (três) depois de ter alienado a Máquina a terceiro, agiu a Apelante em abuso de direito,
U. Devendo, nessa medida, não ser admitido o seu exercício e negado o pedido de indemnização apresentado, porquanto no caso concreto, a A. tinha perfeito e imediato conhecimento dos alegados danos que invoca, não existindo qualquer razão não só para não ter peticionado a substituição da máquina alegadamente defeituosa mas também para adquirir a máquina alegadamente com defeito, para depois a vender a terceiro e esperar quase 3 (três) anos para acionar judicialmente a ora Apelada relativamente a alegados danos associados ao equipamento em questão!
V. Nessa medida, ainda que se entenda ser aplicável ao caso concreto o prazo prescricional de 20 anos – no que, reitera-se, não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se admite – sempre deverá considerar-se que o exercício deste alegado direito pela A., no prazo em que foi exercido e face às circunstâncias do caso concreto, o foi em abuso de direito, não devendo em consequência tal exercício ser admitido e, consequentemente, deve ser negado o pedido de indemnização apresentado pela A., o que expressamente se requer.
W. Caso assim não se entenda, no que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se admite, e na eventualidade de ser julgado procedente o recurso da Apelante e se decida pela revogação da Sentença que absolveu a Apelada do pedido, vem esta, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 636.º do CPC requerer a ampliação do objeto do recurso, e a apreciação da impugnação da decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto não impugnados pelo recorrente, nos termos previstos no n.º 2 do referido artigo 636.º do CPC.

DA IMPUGANAÇÃO DA MATÈRIA DE FACTO
X. O Tribunal a quo faz na Sentença proferida uma errada e incompleta apreciação de partes da matéria de facto, a qual se reflete na decisão final no que aquela diz respeito, na medida em que os elementos probatórios juntos aos autos impunham decisão diferente a respeito tanto da factualidade dada como provada como da factualidade não provada.
Y. Em virtude da prova documental e testemunhal (devidamente evidenciada e transcrita no articulado) carreada nos autos não resulta provado que a A. tenha procedido à respetiva utilização do equipamento sempre com observância das instruções e recomendações de uso aplicáveis, ou que tenha também observado cuidadosamente o cumprimento do plano de manutenção do fabricante do equipamento e das recomendações da R., ou ainda que a R., nas suas diversas intervenções de reparação do equipamento nunca tenha manifestado qualquer observação ou reparo,
Z. Podendo ao invés concluir-se que a A. não utilizou sempre a máquina com observância das instruções e recomendações de uso aplicáveis ou respeitou o plano de manutenção da mesma que foi definido e recomendado pelo fabricante.
AA.Em consequência, deverá a decisão relativa aos factos constantes dos pontos 17.º, 18.º e 19.º do elenco dos factos provados ser revertida, passando tais pontos e os respetivos factos a constar da matéria de facto dada como NÃO PROVADA, o que expressamente se requer;
BB. Sendo certo e assumido por ambas as partes que as interpelações para intervenção no equipamento da A. à R. tinham sempre por base indícios idênticos não resultou provado nem se pode concluir que tais eventos causassem sempre o bloqueio dos sistemas e a paragem total do equipamento.
CC. A prova documental junta aos autos assim o revela - nomeadamente os docs. 7, 15, 16, 17, 18 juntos com a Petição Inicial nas quais a A. expressamente refere que a luz amarela já se encontra acesa, com tendência para acender a luz vermelha e parar.
DD. E a prova testemunhal (devidamente evidenciada e transcrita no articulado) carreada nos autos permitiu esclarecer que o mero facto de acender a luz amarela de aviso não implica nem implicou o bloqueio dos sistemas e a paragem total do equipamento, o qual tinha um tempo de trabalho posterior a tal aviso de cerca de três horas e meia antes de o equipamento parar e deixar efetivamente de trabalhar, isto se, como também se mostrou ser possível, o equipamento não efetuasse a regeneração do sistema por si próprio;
EE. Em consequência, deverá a decisão acerca dos factos constantes dos pontos 21.º, 22.º e 23.º do elenco dos factos provados ser revertida, passando tais pontos e os respetivos factos a constar da matéria de facto dada como NÃO PROVADA, o que expressamente se requer.
FF. Entendeu o Tribunal a quo dar como provado que a R. não procedeu à reparação da avaria, definitivamente, como foi pedido, e que a mesma se repetiu alguns dias após a intervenção técnica realizada pela R. nas suas instalações, continuando as avarias a ocorrer, tudo nos termos constantes dos pontos 29.º, 30.º, 58.º e 59.º do elenco dos Factos Provados.
GG. Por outro lado, no elenco dos Factos dados como não provados, nomeadamente nos pontos A), B), C) e D) considerou o Tribunal a quo que não ficou provado que era efetivamente a qualidade do gasóleo utilizado pela A. a causa das recorrentes avarias da máquina, que estiveram na origem de todas as comunicações efetuadas pela A. à R., considerando não ter ficado provado que as avarias reportadas pela A. não tinham origem em qualquer defeito de montagem ou fabrico de equipamento, mas antes resultavam da ação da A. ao empregar no equipamento o uso inadequado de gasóleo que não correspondia às recomendações do fabricante, nos termos do Manual de Utilização.
HH. Considerou ainda não ter ficado provado que tal facto – utilização pela A. de gasóleo inadequado no equipamento – apenas foi do conhecimento da R. posteriormente ao termo da garantia, e que, a causa das constantes paragens/avarias do equipamento teve origem na atuação da A. em desconformidade com as recomendações do fabricante no respetivo Manual de Utilização,
II. A documentação junta aos autos e os depoimentos prestados pelas testemunhas (devidamente evidenciados e transcritos no articulado) exigiam uma decisão relativamente a tais factos em sentido absolutamente contrário, nomeadamente dando-se como não provados os factos constantes dos pontos 29.º e 30.º do elenco dos factos provados, e dando-se como provados os factos constantes dos pontos A), B), C) e D) do elenco dos factos não provados, resultando ainda a necessidade de serem adicionados novos factos relevantes para uma boa decisão da causa.
JJ. Da prova junta aos autos é imperativo concluir que o equipamento em questão não tinha qualquer avaria, que os alertas de aviso de luz amarela (e eventualmente os posteriores avisos de luz vermelha) correspondiam a um evento, o que significa que se tratava de uma ação que poderia ser provocada pela operação do equipamento ou por alguma causa externa,
KK. E não por alguma avaria do sistema ou de qualquer componente do mesmo que impusesse uma intervenção ou eventual substituição daquele ou dos respetivos componentes.
LL. Resulta também da prova produzida em Tribunal que a R. não logrou produzir qualquer diagnóstico de avaria ou defeito na máquina vendida à A. não obstante todos os testes e diligências realizadas para o efeito, tendo nessa medida procedido em Fevereiro de 2019 à recolha de uma amostra de combustível da máquina em questão para que o fabricante pudesse proceder à respetiva análise;
MM. O resultado de tal análise revelou finalmente à ora R. uma explicação lógica para o sucedido e para os constantes eventos produzidos pela máquina, uma vez que permitiu observar um nível elevadíssimo de enxofre constante no gasóleo utilizado pela A. no equipamento em questão,
NN. Situação que, conjugada com a utilização que era feita do equipamento pela R. justificava a ocorrência dos eventos reclamados, na medida em que impedia a queima de partículas nos níveis pré-programados pelo equipamento (e segundo os termos legalmente exigíveis), o que consequentemente dava origem aos avisos/eventos emitidos pelo equipamento;
OO. Após a venda do equipamento pela A. a terceiro (em Março de 2019), nunca mais existiu qualquer reporte de eventos associados ao equipamento nos termos em que a A. recorrentemente se queixava, nem existe no histórico/registo da máquina qualquer facto que a tal se assemelhe,
PP. Razão pela qual não tem como não se concluir pela inexistência no equipamento em causa de qualquer defeito ou avaria que importasse uma reparação definitiva, mas antes por uma realidade – produção recorrente de eventos com os mesmos indícios - que ocorria apenas e em virtude da atuação da A., nomeadamente nos termos dos pontos A), B), C) e D) dos factos dados como não provados.
QQ. Resulta indiscutível da prova documental e testemunhal junta aos autos que apenas em final de fevereiro/início de março de 2019 é que a ora R. teve conhecimento do teor do relatório da análise ao combustível e que se encontra junto aos autos sob DOC.24 com a Contestação, não mais tendo registado, após 13.02.2019 qualquer outro pedido de assistência por parte da A..
RR. Em consequência, deverá (i) a decisão relativa aos factos constantes dos pontos 29.º, 30.º, 58.º e 59.º do elenco dos factos provados ser revertida, passando os tais pontos e os respetivos factos a constar da matéria de facto dada como NÃO PROVADA, e (ii) a decisão relativa aos factos constantes dos pontos A), B), C) e D) do elenco dos Factos não provados ser revertida, passando os tais pontos e respetivos factos a constar da matéria de facto dada como PROVADA, o que expressamente se requer, SS. Complementarmente ao pedido supra exposto, atentos os fundamentos supra invocados e a existência nos autos da prova documental e testemunhal supra referida, e face à ausência de menção expressa por parte do Tribunal a quo relativamente a tais factos, entende a R. que deverão ser adicionados ao elenco dos FACTOS PROVADOS os factos nos termos indicados em 1) a 9) infra, o que expressamente se requer:” 1) O equipamento vendido pela R. à A. e objeto de discussão nos autos não padecia de qualquer avaria, erro ou defeito que importasse a respetiva reparação definitiva; 2) A causa das recorrentes interpelações da A. à R. consubstanciava-se num evento, isto é, numa ação que poderia ser provocada pela operação do equipamento ou derivada de uma causa externa e não numa situação que revelasse uma qualquer avaria de uma componente ou do próprio sistema em si; 3) Os eventos reportados pela A. à R. manifestaram sempre os mesmos indícios; 4) A R., após ter efetuado todos os testes possíveis e diligências que estavam ao seu alcance na análise e possível diagnóstico do evento relatado nunca obteve um diagnóstico de erro, avaria ou defeito no equipamento em causa; 5) A A. utilizava no equipamento gasóleo com um elevado teor de enxofre, superior ao legalmente estipulado e em claro desrespeito pelas recomendações do fabricante constantes do Manual de Utilização do equipamento que lhe foi entregue e do qual tinha conhecimento; 6) A utilização pela A. de gasóleo com essas características, aliada ao modo de utilização/operação do equipamento pela A. justificava a ocorrência dos eventos reclamados, na medida em que recorrentemente impedia a queima de partículas nos níveis pré-programados pelo equipamento nos termos legalmente exigíveis, situação que consequentemente dava origem aos avisos/eventos emitidos pelo equipamento; 7) Apenas em finais de fevereiro/início de março de 2019 logrou a R. chegar a uma conclusão relativamente aos eventos em causa, na medida em que apenas nessa altura teve conhecimento do resultado do exame ao combustível, solicitado ao fabricante no início de fevereiro de 2019 e que revelou um elevado teor de enxofre no combustível utilizado pela A.;8) Após a venda do equipamento pela A. a terceiro (em março de 2019) e até à presente data, não mais o equipamento em causa reportou eventos idênticos aos reclamados pela A., ou algum defeito, tendo funcionado em pleno e com horas de utilização normais; 9)A R., na qualidade de representante oficial da marca Caterpillar em Portugal tem acesso ao registo histórico de erros, eventos ou quaisquer outras possíveis avarias associadas ao equipamento em questão e quaisquer intervenções a esse nível teriam sempre de ser sanadas com recurso a intervenção da R., o que não sucedeu.”
TT. É inegável que a A. não faz prova das alegadas paragens do equipamento e interrupção das frentes de trabalho onde o mesmo se encontrava a operar e a alegada inatividade dos meios complementares que alegadamente se encontravam mobilizados nessas frentes de trabalho, bem como da quantificação dos prejuízos daí alegadamente decorrentes;
UU. A documentação junta aos autos e os depoimentos das testemunhas (devidamente evidenciados e transcritos no articulado) relatam uma realidade distinta, permitindo concluir que a luz amarela de aviso/evento que acendia no equipamento e que motivou os contactos da A. à R., não impedia o equipamento de continuar a trabalhar pelo menos durante mais 3 horas e meia, resultando do teor da prova documental junta aos autos que A. tinha conhecimento e fazia uso desse tempo;
VV. Acresce que dos documentos juntos aos autos (Docs. 5, 6, 7 e 8 juntos com a PI em conjugação com os Docs. 3,4,5 e 6 juntos com a Contestação) permitem concluir que o tempo de resposta da R. se consubstanciava numa intervenção no equipamento no próprio dia do pedido da A. ou, no limite, no dia seguinte.
WW. Não foi feita qualquer prova pela A. não só quanto à efetiva inoperacionalidade do equipamento, e muito menos foi feita prova relativamente à presença/existência específica no local dos equipamentos complementares alegados pela A.,nos dias da comunicação de registos de avarias.
XX. Não tendo nenhuma das testemunhas arroladas pela A. confirmado de qualquer forma a presença dos alegados equipamentos complementares que estariam em obra nos dias em que foram solicitadas intervenções à R. no equipamento,
YY. Urge assim concluir que a decisão relativa aos factos constantes dos pontos 31.º, 32.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º, 50.º e 58.º do elenco dos factos provados deve ser revertida, passando os tais pontos e os respetivos factos a constar da matéria de facto dada como NÃO PROVADA, o que expressamente se requer.
ZZ. Complementarmente ao pedido supra exposto, atentos os fundamentos supra invocados e a existência nos autos da prova documental e testemunhal supra invocada, e face à ausência de menção expressa por parte do Tribunal a quo relativamente a tais factos, entende a R. que deverão ser adicionados ao elenco dos FACTOS PROVADOS os factos infra indicados constantes dos pontos 10) a 13) infra, o que expressamente se requer: “10) O sinal de aviso de luz amarela emitido pelo equipamento nos termos descritos nos autos não impedia a máquina de continuar a funcionar em plena potência, apenas tal ocorrendo quando se acendia a luz vermelha; 11) Entre a emissão inicial de aviso de luz amarela pelo equipamento e a emissão de luz vermelha a máquina trabalhava pelo menos 3 (três) horas e meia em plena potência; 12) A regeneração do equipamento efetuada pela R. podia ser realizada com a máquina a trabalhar, não implicando uma perda de tempo de trabalho pela A. ou a inoperacionalidade/paragem da máquina; 13)Sempre que era interpelada pela A. para intervir na máquina a R. deslocava-se ao local onde a mesma se encontrava no próprio dia ou no limite no dia seguinte;
AAA. Não corresponde à verdade que a A. tenha alugado um equipamento –nomeadamente uma escavadora Hitachi ZX170W – para, em substituição do equipamento vendido pela R., poder continuar os trabalhos que estava a desenvolver na empreitada de construção de uma unidade fabril na ..., no concelho ..., adjudicados pela empresa C..., S.A.,
BBB. Resultando também não corresponder à verdade que a A. tenha desmobilizado o equipamento de tal frente de trabalho, tendo-o transportado dali para fora.
CCC. Conforme resulta da prova documental e da prova testemunhal (devidamente evidenciada e transcrita no articulado) junta aos autos, o equipamento em questão nunca se encontrou na referida obra sita na ..., nem o alegado aluguer da escavadora giratória se realizou para substituir o equipamento vendido pela ora R.,
DDD. Até porque das faturas alegadamente emitidas pelo referido aluguer celebrado com a empresa D..., Lda., resulta que o aluguer indicado pela A. teve início em 22 de outubro de 2018, data em que o equipamento vendido e ora em discussão se encontrava na oficina da R.,e a A. tinha ao seu serviço – por disponibilização da R., sem qualquer custo adicional, atente-se – a máquina Caterpillar 320 Serie N...56, propriedade da R, que fazia o mesmo serviço.
EEE. A A. não faz prova de que as faturas emitidas pelo alegado aluguer tenham sido pagas, inexistindo nos autos qualquer documento que comprove tais pagamentos, não podendo, em resultado do exposto, nenhum dos custos alegados pela A. e constantes dos pontos 52.º a 57.º do elenco dos factos dados como provados ser tido em consideração para os efeitos pretendidos pela A..
FFF. Em consequência, a decisão relativa aos factos constantes dos pontos 51.º,52.º, 53.º, 54.º, 55.º, 56.º, 57.º e 105.º do elenco dos factos provados deve ser revertida, passando os tais pontos e os respetivos factos a constar da matéria de facto dada como NÃO PROVADA, o que expressamente se requer.
GGG. Contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, o certo é que a documentação junta aos autos e a prova testemunhal produzida a este respeito pela A. não conseguem contornar ou afastar a realidade que se verificou e que se encontra plasmada nos pontos 91.º, 92.º. e 93º do elenco dos factos dados como provados,
HHH. Ou seja, que em 6 de fevereiro de 2019 foi retirada do equipamento vendido pela R. à A. uma amostra de gasóleo que, remetida para análise junto do fabricante, revelou um elevado teor de enxofre no gasóleo utilizado na máquina, muito acima dos níveis exigidos e recomentados pelo fabricante, com consequências no equipamento em questão.
III. A A. não logrou fazer prova – face ao resultado do teste supra indicado – que o combustível que utilizou terá sido sempre todo de “qualidade” e respeitando as recomendações do fabricante, como afirma.
JJJ. Em consequência, a decisão relativa aos factos constantes dos pontos 64.º e 66.º do elenco dos factos provados deve ser revertida, passando os tais pontos e os respetivos factos a constar da matéria de facto dada como NÃO PROVADA, o que expressamente se requer.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso interposto pela Apelante e, em consequência, deve ser mantida a decisão recorrida, pois só assim se fará JUSTIÇA!
Na eventualidade, que não se concede, de ser julgado procedente o pedido do Apelante e de, consequentemente, se decidir em sentido contrário ao do Tribunal de 1.ª instância relativamente à matéria de direito, a ora Apelada requer, nos termos do disposto no art. 636º do CPC, a ampliação do objeto do recurso e a apreciação da impugnação à matéria de facto apresentada, a qual deve ser decidida nos termos peticionados pela R., o que expressamente se requer.”
Respondeu a APELANTE à Ampliação do Objeto do Recurso, pugnando pela sua improcedência, concluindo da seguinte forma:
“I - A decisão que foi proferida sobre a matéria de facto em crise nas alegações, tanto a dada como provada como a julgada não provada, respeitou os princípios da imediação, oralidade, concentração e livre apreciação da prova, encontrando-se devidamente fundamentada a decisão na respetiva motivação constante da sentença, incluindo a análise crítica dos meios de prova que lhe serviram de suporte, feita de acordo com as regras da experiência comum e do normal acontecer.
II – Por outro lado, como mais detalhadamente se deixou dito no corpo desta resposta à ampliação do âmbito do recurso, os depoimentos das testemunhas a que a Mtª Juiz deu credibilidade na motivação da decisão tomada, conjugados com os restantes meios de prova apreciados e valorizados segundos as regras da experiência comum, não podiam ditar decisão diferente da que foi dada pela Mtª Juiz a quo.
III – E dos excertos e passagens dos depoimentos selecionados pela Ré não se retira que os mesmos impõem decisão diferente.
IV - Aliás, a verdadeira discordância da Ré não consiste tanto em apontar os concretos erros de julgamento da matéria de facto impugnada – que os não há – mas antes em substituir, pela sua convicção sobre a apreciação dos meios de prova, a convicção do próprio julgador, selecionando pequenos extratos dos depoimentos em detrimento dos depoimentos globais, para tentar demonstrar que a ponderação da prova se fosse feita por si conduziria a resultados diferentes, descurando que o princípio da liberdade da apreciação da prova, como a testemunhal, é faculdade do Juiz e não da parte.
V – Por outro lado, não se verifica nenhuma contradição entre os factos dados como provados e entre estes e os elementos de prova vinculada existente nos autos.
VI- Assim, não existe qualquer fundamento para que seja modificada a decisão sobre a matéria de facto, devendo manter-se como provados os que constam dos pontos 17, 18, 19, 21, 22, 23, 29, 30, 31, 32, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 4, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 64, 66 e 105 dos factos provados, como não provados os constantes das alíneas A, B, C e D, não sendo aditados os factos mencionados a fls. 38 e 46 das alegações da Ré.
VII - Donde, por improcedência das conclusões da Ré, a ampliação do recurso deve improceder integralmente e a sentença confirmada nessa parte.
Termos em que, deve negar-se provimento à impugnação da matéria de facto, deduzida em ampliação do âmbito do recurso, confirmando-se, nessa parte, a douta decisão recorrida, assim se fazendo Justiça.”
Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre decidir.


II - OBJETO DO RECURSO:
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões do recurso, que, assim, definem e delimitam o objeto do mesmo.
A questão a dirimir, delimitada pelas conclusões do recurso é a de saber se a ação de indemnização com fundamento no cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda está ou não sujeita ao o prazo de caducidade estabelecido no artigo 917º do Código Civil.


III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Na sentença foram julgados provados os seguintes factos:
1º A Autora é uma sociedade comercial de responsabilidade limitada que se dedica ao exercício da atividade de construção civil e obras públicas.
2º Encontrando-se habilitada a exercer a atividade ao abrigo do alvará nº ...57, emitido pelo IMPIC - Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, válido por tempo indeterminado, que se junta ao diante e aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. Doc. 1 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
3º A Ré, por sua vez, é uma sociedade comercial, anónima, que tem por objeto o comércio por grosso de máquinas para a indústria extrativa, construção e engenharia civil (cfr. Doc. 2 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
4º A pedido da Autora, a Ré propôs-se fornecer-lhe uma máquina Escavadora de Rastos Caterpillar, modelo 323F LN, equipada com kit de martelo, balde STD e engate rápido hidráulico, em estado novo, adiante referenciada, abreviadamente, como equipamento.
5º Pelo preço acordado de 137.500,00€ (cento e trinta e sete mil e quinhentos euros), acrescido do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) à taxa legal.
6º As partes acordaram, igualmente, que o referido equipamento iria ser indicado à empresa “E...” para que esta o adquirisse e cedesse o seu uso à Autora, contra o pagamento por esta de uma retribuição mensal, durante o período a acordar entre a Autora e esta entidade, podendo, no final do tempo acordado, adquirir o referido equipamento.
7º Em concretização do assim acordado, em 22 de dezembro de 2017, foi estabelecido um acordo com a E..., SA – EFC, com sede na Via ..., ..., ... (...), ..., e sucursal em Portugal, no Edifício ..., sita na Rua ..., União de Freguesias ... e ..., concelho ..., ... ..., tendo por objeto a locação do referido equipamento.
8º Acordo esse que as partes denominaram “Contrato de Locação Financeira Mobiliária”, com o nº ...67, (cfr. Doc. 3 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
9º O prazo da locação foi fixado em 24 meses a contar da data da entrega do equipamento, conforme decorre da cláusula 2ª das Condições Particulares do referido contrato de locação.
10º Podendo a locatária, aqui Autora, no termo do contrato, adquirir o equipamento mediante o pagamento do montante correspondente ao valor residual aí previsto, renovar o contrato ou restituir o equipamento à locadora - cláusula 13ª das Condições Gerais do mesmo contrato.
11º A escolha do equipamento a locar e a do respetivo fornecedor foi feita diretamente pela Autora, aqui locatária, que acordou com a Ré as respetivas caraterísticas, o preço, o local e as condições de entrega.
12º De acordo com o previsto no nº 4 da cláusula 2ª das Condições Gerais do contrato de locação, as garantias do fornecedor relativas ao equipamento são prestadas diretamente à Locatária, exercendo esta, por sua exclusiva conta, os respetivos direitos.
13º Não assumindo a Locadora qualquer responsabilidade pela fabricação, funcionamento ou rendimento do equipamento, nos termos do nº 5 da mesma cláusula.
14º Em 08/01/2018, a Ré entregou o equipamento a que se tinha proposto – máquina Escavadora de Rastos Caterpillar, Modelo 323F LN - nas instalações da Autora, com o número de série ...04 (cfr. Doc. 1 e 2 junto com a contestação, para onde se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos).
15º Ato do qual se lavrou o “Auto de Receção do Equipamento”, em 8/1/2018, no qual a Autora declarou ter recebido o equipamento em nome e por conta da E..., SA – EFC, documento que se anexa adiante como parte integrante desta petição (cfr. Doc. 4 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
16º A partir daí, a Autora passou a afetar o equipamento aos fins a que está destinado, como sejam, trabalhos de escavação, aterros, desaterros e terraplanagens.
17º Utilizando-o sempre com observância das instruções e recomendações de uso aplicáveis.
18º Cuidado que observou também no cumprimento do plano de manutenção do fabricante do equipamento e das recomendações da Ré.
19º A R., nas suas múltiplas intervenções de reparação do equipamento, nunca manifestou qualquer observação ou reparo, por muito pequeno que fosse, neste domínio.
20º Desde a data de entrega da máquina até 1 de abril de 2018, o equipamento funcionou sempre normalmente, sem necessidade de qualquer intervenção extraordinária pontual que condicionasse o seu normal funcionamento.
21º A partir de 2 de abril de 2018, passados pouco mais de 3 meses da sua entrega, o equipamento começou a somar avarias, sempre com indícios idênticos, causando o bloqueio dos sistemas e a “paragem” total do equipamento.
22º Facto que determinou uma constante e sucessiva interrupção dos trabalhos que estava a desenvolver e a consequente paralisação de todos os meios, materiais e humanos, que lhe estavam associados.
23º De entre as avarias que determinaram a inoperância e paralisação do equipamento, destacam-se as que ocorreram no período compreendido entre 2 de abril de 2018 e 13 de fevereiro de 2019, precisamente as que tiveram lugar nos dias 2/4/2018, 13/4/2018, 19/7/2018, 24/9/2018, 28/9/2018, 2/10/2018, 9/10/2018, 10/10/2018, 12/10/2018, 30/10/2018, 6/11/2018, 9/1/2019, 15/1/2019, 18/1/2019, 23/1/2019, 28/1/2019, 1/2/2019, 5/2/2019, 11/2/2019 e 13/2/2019.
24º Todas estas avarias foram participadas imediatamente à Ré, com pedido de intervenção urgente, por correio eletrónico (cfr. Doc. 5 a 23, junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
25º Nesses pedidos a Autora informou a Ré, que se tratava da “avaria do costume”, que “a máquina está novamente com o mesmo problema”, “acende” a luz do motor, bloqueia e não trabalha.
26º A Ré foi também advertida que o equipamento se encontrava imobilizado, a fazer muita falta e a causar grandes prejuízos à Autora. (Cfr., entre outros, Doc. 6, 8, 9, 16, 17 e 18 juntos com a petição inicial, para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos).
27º E que devia resolver o problema com caráter de urgência, “em definitivo” e “de uma vez por todas.” (Cfr. Doc 6, 7, 9 e 10 juntos com a petição inicial, para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos).
28º Sempre que era interpelada nesse sentido, a Ré fez deslocar ao local, onde o equipamento se encontrava a operar, um técnico na tentativa de resolver o problema.
29º Não tendo a R. procedido à reparação da avaria, definitivamente, como foi pedido.
30º Repetindo-se a avaria (a mesma avaria) alguns dias após a intervenção técnica realizada pela Ré, (cfr. emails referidos no artigo 24º da petição).
31º Facto que implicou sucessivas paragens do equipamento, interrupções das frentes de trabalho onde o mesmo se encontrava a operar e a inatividade dos restantes meios que estavam mobilizados para essa frente de trabalho e que lhe estavam associados, entre os quais camiões, dumper e pessoal.
32º Com consequências para a Autora, quer no contexto de planeamento das frentes de trabalho, quer no cumprimento das suas obrigações perante os donos das obras, quer ainda em termos de prejuízos patrimoniais.
33º O que levou a Autora a proceder à resolução antecipada do Contrato de Locação celebrado com a E..., SA, referido no artigo 8º, de modo a poder transferir o equipamento para o seu património, vendê-lo depois a terceiros – (cfr. Doc. 24 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
34º Tendo para tanto a A.. concretizado a resolução do contrato de locação mediante o pagamento das rendas ainda não vencidas e do valor residual acordado, conforme consta da Fatura/Recibo emitida pela E..., SA, nº ...02, de 31/1/2019, do aviso de liquidação e do correspondente comprovativo de pagamento (cfr. Doc. 25, 26 e 27 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
35º A Autora vendeu depois o equipamento à empresa F..., Sociedade de Máquinas e Equipamentos, dando-o em pagamento por conta do preço de compra de uma nova Escavadora Hidráulica Rastos, marca Komatsu, modelo PC210-11, série ...92, equipado com balde e engate rápido, como consta da fatura emitida por esta empresa, nº FVM190051, de 21/3/2019, e da fatura nº FT/6/11, de 19/3/2019, do recibo nº 79, de 22/3/2019, e da nota de liquidação nº 935, da mesma data, emitidos pela Autora, assim como do comprovativo do pagamento da diferença pela Autora, feito por transferência bancária (cfr. Docs. 28 a 32 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
36º A A. reclamou prejuízos junto da Ré, pedindo o seu pagamento, por diversas vezes, designadamente através da carta nº 030.21-AP, de 22/3/2021, e da interpelação feita pelo seu advogado, por carta de 06.05.2021 (cfr. Doc.33 e 34 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
37º Que a Ré não satisfez.
38º Em resultado das dezanove avarias comunicadas à Ré, referidas no artigo 23º, o equipamento ficou inoperacional no dia da avaria e, pelo menos, no dia que era intervencionado, o que ocorria, por regra, no dia seguinte ou no segundo dia a contar do pedido.
39º Sendo que, por causa disso, a Autora sofreu um prejuízo correspondente ao custo de “equipamento à disposição”, por inoperância, durante, pelo menos, 2 dias por cada registo de avarias, considerando o dia da ocorrência e o da respetiva intervenção/reparação.
40º Por cada dia parado o equipamento causou um prejuízo de 114,58€/dia, tendo em conta o seu valor e o correspondente custo de amortização.
41º Ao que acresce o custo de inatividade do operador, no valor diário de €143,97,
42º A inoperância dos camiões e dumper de carga e do pessoal associados aos trabalhos que o equipamento estava a desenvolver causou também um prejuízo para a Autora.
43º De entre os dias em que o equipamento esteve parado por motivo de avaria, os meios complementares que participavam nos trabalhos – camiões de 3 eixos e dumper em serviço de carga e transporte e pessoal - foram também obrigados a parar, pelo menos nos seguintes nos dias: 13/4/2018, 4 camiões de 3 eixos e 1 dumper de 30 toneladas; 19/7/2018, 1 dumper de 30 toneladas; 2/10/2018, 3 camiões de 3 eixos e 1 dumper de 30 toneladas; 9/10/2018, 4 camiões de 3 eixos e 1 dumper de 30 toneladas; 30/10/2018, 4 camiões de 3 eixos e 1 dumper de 30 toneladas; 6/11/2018, 4 camiões de 3 eixos e 1 dumper de 30 toneladas; 9/1/2018, 4 camiões de 3 eixos e 1 dumper de 30 toneladas; 15/1/2019, 4 camiões de 3 eixos e 1 dumper de 30 toneladas; 18/1/2019, 3 camiões de 3 eixos e 1 dumper de 30 toneladas; 23/1/2019, 1 oficial técnico; 28/1/2019, 1 oficial técnico; e 1/2/2019, 1 oficial técnico (cfr. quadro de Doc. 35 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
44º Num total de uma paralisação de 30 dias de camião (considerando a soma do número de camiões e os dias em que estiveram afetos à obra) e 9 dias de dumper assim como 3 dias de um trabalhador, com a categoria de oficial, ocupado no acompanhamento técnico dos trabalhos.
45º O valor da (inoperância ) diária de um camião de 3 eixos, calculado com base nos preços correntes de mercado, é de €40,00/hora, valor que incluiu os encargos com o seu motorista.
46º Trabalhando um camião um prejuízo 8 horas diárias.
47º O mesmo ocorrendo com a inatividade do dumper de 30 toneladas, cuja paragem importa num prejuízo de €50,00/hora, valor que incluiu também os encargos com o respetivo operador.
48º Trabalhando o Dumper 8 horas diárias.
49º A Autora teve ainda que suportar os custos de 1 trabalhador, com a categoria de oficial, afeto ao acompanhamento técnico dos trabalhos, que não pôde exercer funções, pelo menos, naqueles 3 dias.
50º O que importou num prejuízo diário de € 136,68.
51º A Autora suportou custos com o aluguer de uma escavadora giratória para substituir o equipamento avariado e poder continuar os trabalhos que estava a desenvolver na empreitada de construção de uma unidade fabril na ..., no concelho ..., adjudicados pela empresa C..., SA.
52º Por causa das sucessivas avarias e da sua consequente inoperância e falta de fiabilidade, a Autora desmobilizou o equipamento desta frente de trabalho e transportou-o dalí para fora, através de um veículo porta máquina da Autora, operação que teve um custo de 180,00€, correspondente a 3 horas de serviço de transporte, ao preço de mercado de 60,00€/hora.
53º A Autora alugou uma máquina giratória, com caraterísticas idênticas, para substituir o equipamento e concluir os trabalhos que estava a desenvolver na empreitada acima referida.
54º O que fez, contratando o aluguer de uma máquina escavadora Hitachi ZX 170W, à empresa D..., Lda, NIPC ...93, com sede em ..., ... ....
55º A Autora assumiu o custo deste aluguer.
56º Custo esse que orçou em 24.050,00€, (cfr. cópias das faturas nº 470/2018, de 20/11/2018, no valor de 8.825,00€, 523/2018, de 20/12/2018, no valor de 9.680,00€ e 15/2019 de 18/1/2019, no valor de 5.545,00€, (Docs. 36 a 38 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
57º Ao que acresceu o custo do transporte entre o estaleiro da empresa locadora, em ..., até ao local da obra, em porta máquinas da Autora, no valor 240,00€ (4 horas de aluguer x 60,00€/hora).
58º A R. nunca solucionou a avaria definitivamente, o que obrigou a Autora a constantes paragens do equipamento, à paragem de outros equipamentos e trabalhadores a ele associados e à reorganização das frentes de trabalho em curso e já programadas para execução.
59º Mesmo depois de realizados testes e do equipamento ter sido intervencionado nas instalações da R., as avarias continuaram a ocorrer.
60º O Relatório junto pela R. como Doc. 24 só foi conhecido da A. com a sua apresentação em sede de contestação a estes autos.
61º Daquele Doc. 24 decorre, que a amostra e o tratamento da análise datam de 5 e 6 de fevereiro de 2019, respetivamente, e que a “Ação Necessária” é o seguinte: “NÍVEL DE ENXOFRE ESTÁ ACIMA DO INTERVALO DE DIESEL COM BAIXO TEOR DE ENXOFRE. OS NÍVEIS MAIS ALTOS DE ENXOFRE PODEM AUMENTAR O DESGASTE, AUMENTAR A FORMAÇÃO DE DEPÓSITO E DIMINUIR A VIDA DO ÓLEO DO MOTOR.NENHUMA CORROSÃO OU CONTAMINAÇÃO DETETADA. RECOMENDA-SE CONTINUAÇÃO DE AMOSTRAGEM PARA MONITORIZAR.”
62º De acordo com o Manual de Operações do fabricante (cfr. Doc. 25 junto com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por reproduzido), dali decorre, que o combustível diesel deve atender às “EN (Normas Européennes, Normas Europeias) 590”.
63º O abastecimento de combustível é feito à Autora, há mais de 10 anos, sempre pela empresa de G..., L.da, com sede na Rua ..., ..., ... ..., ....
64º Sem que, até ao momento, tenha havido qualquer litígio ou reclamação acerca da qualidade do combustível.
65º O abastecimento é realizado periodicamente, a granel, em instalações adequadas e autorizadas próprias da Autora, (cfr.
- Fatura nº FT 2017A1/18, de 11/1/2017, 19.000 litros – Doc. 1;
- Fatura nº FT 2017A1/281, de 13/4/2017, 8.000 litros – Doc. 2;
- Fatura nº FT 2017A1/513, de 21/7/2017, 15.000 litros – Doc. 3;
- Fatura nº FT 2017A1/1084, de 18/12/2017, 18.000 litros – Doc. 4;
- Fatura nº FT 2017A1/1202, de 31/12/2017, 19.000 litros – Doc. 5;
- Fatura nº FT 2018A1/521, de 29/3/2018, 18.000 litros – Doc. 6;
- Fatura nº FT 2018A1/860, de 18/6/2018, 19.000 litros – Doc. 7;
- Fatura nº FT 2018A1/973, de 17/72018, 18.000 litros – Doc. 8;
- Fatura nº FT 2018A1/1153, de 5/9/2018, 18.000 litros – Doc. 9;
- Fatura nº FT 2018A1/1541, de 24/10/2018, 19.000 litros – Doc. 10;
- Fatura nº FT 2018A1/2058, de 26/12/2018, 19.000 litros – Doc. 11;
- Fatura nº FT 2019A1/96, de 15/1/2019, 19.000 litros – Doc. 12;
- Fatura nº FT 2019A1/902, de 9/4/2019, 5.000 litros – Doc. 13;
- Fatura nº FT 2019A1/1695, de 11/7/2019, 32.005,00 litros – Doc. 14;
- Fatura nº FT 2019A1/2383, de 14/10/2019, 32.000 litros – Doc. 15;
- Fatura nº FT 2019A1/2884, de 18/12/2019, 32.000,00 litros – Doc. 16. juntas com a réplica, para as quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidas).
66º Foi sempre este o combustível que abasteceu, e que continua a abastecer, todos os veículos e equipamentos propriedade da Autora, incluindo o equipamento objeto da presente ação.
67º E é este também o combustível que abasteceu, e que continua a abastecer, todos os outros equipamentos que a Autora adquiriu posteriormente, dotados já de sistemas de controlo de emissões e de regeneração mais sofisticados ou, idênticos aos que se encontram instalados no equipamento em causa.
68º Resulta do título de garantia emitido pela ora R., que a garantia vigorava pelo período de 1 (um) ano, com validade até dia 08.01.2019 (Doc. 2 da contestação junto para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
69º Desde a primeira comunicação efetuada pela A. à R., datada de 2 de abril de 2018, é sempre feita referência a uma luz do motor que se acende, pelo que logo nessa primeira assistência (no próprio dia 02.04.2018) que foi efetuada ao equipamento –cfr. ficha de trabalho exterior, - a R., após verificação de avaria e funcionamento, constatou a indicação/existência de erro de emissões (cfr. DOC.3 junto com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido),
70º Após os testes ao sistema de regeneração de gases o erro desapareceu, ficando o equipamento operacional.
71º Na assistência levada a cabo pela R. na sequência da comunicação efetuada pela A. em 13 de abril de 2018 (realizada em 16 de abril de 2018) verificou-se novamente a indicação de erro de emissões, sendo que, mais uma vez, após os testes ao sistema de regeneração de gases o erro desapareceu e o equipamento voltou a estar operacional, (cfr. ficha de trabalho exterior, sob DOC.4, junto com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
72º O mesmo sucedendo com a assistência ao equipamento, levada a cabo pela ora R, na data de 20 de julho de 2018 (na sequência da comunicação da A. datada de 19 de julho de 2018), onde mais uma vez a indicação dada pelo equipamento era de erro nas emissões, tendo-se efetuado testes ao sistema de regeneração de gases, tendo o equipamento voltado a ficar operacional,
73º Desta feita com o acréscimo de ter sido substituído o injetor de Adblue ainda que apenas para precaver um eventual funcionamento errático, pois não tinha sido detetada qualquer anomalia no mesmo, (cfr. ficha de trabalho exterior, junta sob DOC.5, com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido ).
74º A R. deslocou-se ao local onde se encontrava o equipamento no dia 25 de setembro de 2018, em resultado da comunicação remetida pela A., datada de 24 de setembro de 2018, dando nota de que seria necessário resolver a anomalia que tinha aparecido novamente, relacionada com as emissões.
75º Mais uma vez, tendo a ora R. prestado a assistência solicitada, verificou-se a indicação de erro de emissões, tendo-se efetuado a mesma operação de regeneração supra indicada e tendo o equipamento voltado a ficar operacional, (tudo conforme resulta da ficha de trabalho exterior, junta sob DOC.6, com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
76º Na sequência dos reportes efetuados pela A. à R. datados do final de setembro de 2018 e início de outubro de 2018, e sem prejuízo da assistência prestada pela R. logo de seguida aos mesmos, a R., tendo em vista melhor perceber o que poderia originar a avaria em causa, acompanhou, através dos seus técnicos, o funcionamento do equipamento em obra pelo período de uma semana, tendo procedido à substituição de todos os componentes relacionados com a regeneração,(cfr. fichas de trabalho exterior, juntas sob DOCS. 7 a 10 com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
77º Sendo todos os testes acompanhados pelo departamento técnico da ora R., sob indicações do fabricante Caterpillar.
78º Em consequência de tal acompanhamento, e seguindo as indicações do fabricante, foi acordado entre a A. e a R. que o equipamento em questão seria objeto de intervenção em oficina, nomeadamente a nível de motor, razão pela qual a R. recolheu o referido equipamento em 16 de outubro de 2018 tendo, na mesma data, colocado à disposição da ora A., na obra de onde recolheu o equipamento vendido, e de modo a que a A. não ficasse prejudicada na sua produção, a máquina Caterpillar 320 Serie N...56, (conforme resulta dos DOCS. 11 a 14 com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
79º Na referida intervenção em oficina levada a cabo pela R., tendo-se procedido à desmontagem da parte superior do motor, à inspeção e reparação de tubos, cabeça de cilindros, arrefecedor de gases de escape e conjunto de filtro de partículas e finalmente tendo sido efetuados testes e ensaios ao equipamento, não foram detetadas quaisquer anomalias.
80º Em consequência, o equipamento foi entregue/devolvido à ora A. em 29 de outubro de 2018, tendo a R. feito retornar também nessa data a máquina Caterpillar 320 Serie NAZ02256 que, desde 16 de Outubro de 2018 se encontrava na obra que a A. estava a efetuar sita em ..., e tinha sido colocada à disposição da A. para colmatar a ausência do equipamento em reparação na oficina.
81º A R. nunca deixou de assistir a A. na sequência das denúncias de avaria que foram comunicadas, sempre em contacto com o fabricante e segundo as respetivas indicações.
82º Muitas vezes enviando ao local onde o equipamento se encontrava mais do que um técnico, não raras vezes ficando no local técnicos da R. a monitorizar o comportamento do equipamento em pleno funcionamento, no intuito de “descobrir” o problema que todos os testes realizados até então não tinham logrado descortinar.
83º Tendo a R. efetuado o relatório de RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS CONVERSÃO DE NOX BAIXA, realizado pelos técnicos da R. ao equipamento em questão, com base no Manual do fabricante Caterpillar (cfr. relatório que ora se sob DOC.15 com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido ).
84º E, na perspetiva de acompanhamento do referido equipamento, fez o teste DURAÇÃO: TEMPO ACUMULADO vs. VELOCIDADE DO MOTOR, realizado ao motor do referido equipamento em 09.10.2018, (teste sob DOC.16 com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
85º Após a referida intervenção em oficina a ora A. comunicou à R. nova avaria em 30 de outubro de 2018 (objeto de assistência por esta com data de 31 de outubro de 2018, (conforme ficha de trabalho exterior, junta sob DOC.17 com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
86º A R. manteve a monitorização/acompanhamento da máquina, de modo a perceber se existia algum componente de controlo eletrónico que sofresse alterações momentâneas que pudesse explicar a origem da avaria reportada.
87º Tendo a A. efetuado um reporte de avaria em 6 de novembro de 2018, objeto de intervenção pela ora R. no próprio dia, (conforme resulta da ficha de trabalho exterior, junta sob DOC.18 com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
88º Os reportes de avaria seguintes dizem todos respeito a datas posteriores a 8/1/2019 continuando a R. a prestar à A. a assistência solicitada, sem quaisquer custos para esta,(cfr. fichas de trabalho exterior, juntas sob DOCS.19 a 23 com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
89º Em resultado do acompanhamento que vinha efetuando da máquina em questão –sempre seguindo as instruções do fabricante Caterpillar – e não se conseguindo até à data apurar qual a origem do problema recorrentemente reportado pela A., a R. informou a A. que teria de retirar amostras do gasóleo presente na máquina, de modo a apurar a qualidade do mesmo, tendo em vista apurar se aí poderia residir o problema das avarias reportadas.
90º Tal possibilidade foi desde logo refutada pela A., com fundamento no facto de que os outros equipamentos que detinha não apresentavam qualquer anomalia, tendo a R. esclarecido que os novos sistemas de controlo de emissões (como o existente na máquina vendida pela R.) eram mais sensíveis a anomalias no combustível.
91ºEm 6 de fevereiro de 2019 retirada uma amostra do gasóleo presente na máquina em questão, amostra essa destinada a ser remetida para o fabricante Caterpillar, para que este, nos respetivos laboratórios sedeados em Málaga, efetuasse a competente análise ao combustível.
92º A amostra foi enviada ao fabricante Caterpillar.
93º Tendo o resultado revelado a existência de elevado teor de enxofre no gasóleo utilizado na máquina, acima dos níveis exigidos e recomendados pelo fabricante, com consequências a título de aumento do desgaste da máquina, no aumento da formação de depósitos e consequente encurtamento da vida do óleo do motor (cfr. Doc. 24, com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
94º Conforme se retira das comunicações remetidas pela A. à R., a avaria reportada fazia referência a uma luz amarela que acende e que posteriormente, passa a vermelha e implica a paragem do equipamento,
95º O erro/avaria recorrentemente indicado tinha relação com a emissão de gases, significando o aparecimento da referida luz amarela um aviso relativo a acumulação de partículas, revelando uma falha na colmatação do filtro de partículas que obrigava a uma regeneração do sistema, regeneração essa que, nas sucessivas intervenções da R. no equipamento, permitia ao equipamento voltar a estar operacional.
96º Apenas em última instância, e por indicação expressa do fabricante, a R. decidiu realizar testes ao combustível presente na máquina.
97º Resulta do Manual de Operação que foi entregue à A. (cfr. cópia junta sob DOC.25 com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido), nomeadamente na parte relativa às características de gasóleo e sistemas de funcionamento do Filtro de Partículas, recomendações/advertências.
98º No mês de fevereiro de 2019 e enquanto aguardava o resultado da análise ao combustível, a R. ainda prestou diversas assistências à A., após reportes desta (conforme resulta das fichas de trabalho exterior mencionadas).
99º Após a última assistência efetuada pela R. datada de 14 de fevereiro de 2019, não mais a A. reportou à R. o que quer que fosse, tendo cessado totalmente os contactos, sendo que apenas posteriormente a R. teve conhecimento de que a máquina em questão teria sido vendida a terceiro, já não se encontrando na posse da ora A. desde março de 2019.
100º À A., nomeadamente na pessoa do condutor-manobrador AA foram dadas, aquando da receção do equipamento, todas as instruções de operação, manutenção e segurança, (cfr do DOC.1 com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
101º A A. recebeu ainda posteriormente o Manual de Operação/Manutenção, o qual inclui um capítulo relativo aos alertas da máquina, nomeadamente às diferentes categorias de alertas, (cfr. cópia junta sob DOC.26, com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
102º A A. sabe que a luz amarela a que faz referência por diversas vezes nas suas comunicações é uma luz de aviso, mais especificamente, um aviso relativo à Processo: acumulação de partículas, revelando uma falha na colmatação do filtro de partículas que obrigava a uma regeneração do sistema.
103º O aviso de luz amarela não impedia completamente a máquina de continuar a funcionar.
104º O aluguer indicado pela A. teve início em 22 de outubro de 2018, data em que o equipamento vendido e ora em discussão se encontrava na oficina da R., e a A. tinha ao seu serviço – sem qualquer custo adicional, atente-se – a máquina Caterpillar 320 Serie N...56, propriedade da R.
105º A A. alugou uma escavadora giratória alegadamente para substituir o equipamento avariado, compreendendo o referido aluguer, segundo as faturas juntas aos autos, três períodos distintos: 22/10/2018 a 20/11/2018, 21/11/2018 a 21/12/2018 e 02/01/2019 a 18/01/2019,
106º No período entre 22/10/2018 e 20/11/2018, a A. reportou à R. avarias no equipamento vendido nos dias 30 de Outubro de 2018 e 6 de Novembro de 2018, avarias essas que foram objeto de intervenção pela R.
107º O mesmo acontecendo no período compreendido entre 02/01/2019 e 18/01/2019, no âmbito do qual reportou à ora R. avarias no equipamento vendido nos dias 9, 15 e 18 de janeiro de 2019, reportes esses que, foram objeto de intervenção da R. sem qualquer custo adicional para a A.
108º Através da referida garantia, a ora R. assumiu o compromisso de garantir à A. –legítima detentora do equipamento identificado no título – o bom estado e funcionamento do mesmo, nos termos e condições gerais que fazem parte integrante da garantia.
109º Nomeadamente, obrigou-se a ora R., “Durante a vigência presente garantia e quando o equipamento se avaria no seu uso normal, por deficiência de material ou de montagem, fará a B..., de acordo com as recomendações do fabricante, substituir por nova ou reparar, a peça ou peças avariadas.”
110º A garantia previa ainda que o custo das peças novas ou da reparação das existentes era (como foi) suportado pela R., tal como a mão de obra necessária para o efeito.
111º Todos os custos em que a R. incorreu com as reparações, mão de obra, deslocações e disponibilização de equipamento de substituição não foram cobrados à A.
E foram julgados não provados os seguintes factos:
A) Verificou-se assim que era efetivamente a qualidade do gasóleo utilizado pela A. a causa das recorrentes avarias da máquina, que estiveram na origem de todas as comunicações efetuadas pela A. à ora R. e evidenciadas na Petição Inicial que agora se contesta
B) As avarias reportadas pela A. à R. não tinham origem em qualquer defeito de montagem ou de fabrico do equipamento, mas antes resultavam da ação da A. ao empregar no equipamento o uso inadequado de gasóleo que não correspondia às recomendações do fabricante nos termos do respetivo Manual de Utilização.
C) Facto que, conforme se expôs, apenas posteriormente ao termo da garantia - e após inúmeras intervenções e testes ao equipamento - foi do conhecimento da ora R.
D) Sem prejuízo, resultando claro que a causa das constantes paragens/avarias do equipamento em questão teve origem na atuação da A. em desconformidade com as recomendações do fabricante no respetivo Manual de Utilização.

IV - DA EXCEÇÃO DA CADUCIDADE:
A autora intentou esta ação, pretendendo ser ressarcida dos danos que sofreu em consequência do equipamento defeituoso que a ré lhe vendeu, o qual, em consequência das sucessivas reparações a que teve de ser sujeito, obrigaram a sucessivas paralisações da sua atividade industrial, causando-lhe dessa forma diversos prejuízos de que pretende ser indemnizada.
Alegou que, mediante um contrato de financiamento (contrato de locação financeira) veio a adquirir à Ré uma máquina Escavadora de Rastos Caterpillar, modelo 323F LN, equipada com kit de martelo, balde STD e engate rápido hidráulico, em estado novo, destinada ao desenvolvimento da sua atividade industrial.
Os defeitos apresentados por este equipamento, impeditivos do seu normal funcionamento, sujeitaram-no a sucessivas reparações pela Ré, que nunca logrou resolver definitivamente os problemas, tendo ficado dessa forma a autora sujeita a uma constante e sucessiva interrupção dos trabalhos que estava a desenvolver, com a consequente paralisação de todos os meios, materiais e humanos, que lhe estavam associados, nomeadamente quer no cumprimento das suas obrigações perante os donos das obras, quer ainda em termos de prejuízos patrimoniais.
Viu-se obrigada a proceder à resolução antecipada do Contrato de Locação celebrado com a E..., SA, de modo a poder transferir o equipamento para o seu património, vendê-lo depois a terceiros e, desta maneira, poder livrar-se dele definitivamente.
Alegou ter suportado um conjunto de custos diretos e de subaproveitamento dos meios humanos e técnicos que estavam afetos à frente de obras onde se encontrava a operar o referido equipamento, tendo pois o direito de ser ressarcida dos prejuízos correspondentes, cujo valor (47.904,94€) ora reclama.
Tal como resulta da matéria provada, a autora aqui apelante logrou provar os factos constitutivos do direito invocado.
Acontece que, na sentença, entendeu-se que a autora não exerceu atempadamente o seu direito, julgando-se provada e procedente a exceção da caducidade que havia sido oportunamente invocada pela ré/apelada.
A Apelante discorda desta decisão, por entender que, o que está em causa nesta ação é o ressarcimento de “danos colaterais ou reflexos que são provocados pela existência do defeito, mas que não se circunscrevem ao mesmo, antes lhe acrescem, ou seja, estão ligados ao defeito por nexo de causalidade, mas não têm como finalidade a reparação do defeito em si.”
Daí que, por extravasarem tais danos colaterais o próprio defeito que não é intrínseco ao vício da coisa, apenas serão indemnizáveis pelas regras da responsabilidade contratual e como tal, estão apenas sujeitos ao prazo da prescrição geral de 20 anos, previsto no artº309º do CC.
Em abono da pretensão recursiva da apelante, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu recentemente em acórdão de 30 de abril de 2024[1], que, “os danos colaterais ou reflexos são provocados pela existência do defeito, mas não se circunscrevem ao mesmo, antes lhe acrescem, ou seja, estão ligados ao defeito por nexo de causalidade, mas não têm como finalidade a reparação do defeito em si. Tais danos poderão ocorrer já após esgotados os prazos curtos para a reparação dos defeitos, pelo que, se assemelham a quaisquer danos que resultem do incumprimento de uma obrigação, sendo-lhes aplicável o prazo geral da prescrição.”
Neste acórdão, o Supremo Tribunal de justiça, salienta o facto de tais danos colaterais poderem surgir já depois de esgotados os prazos curtos para a reparação dos defeitos.
Consta do respetivo sumário o seguinte: “III- Quando na causa de pedir está em causa o vício da coisa, o art. 917º do Código Civil deve ser objeto de interpretação extensiva, abrangendo as situações de redução do preço, reparação do defeito e de indemnização, para a obtenção de um tratamento jurídico uniforme de situações semelhantes, tendo em vista a unidade do sistema jurídico.
IV- Os danos colaterais ou reflexos são provocados pela existência do defeito, mas não se circunscrevem ao mesmo, antes lhe acrescem, ou seja, estão ligados ao defeito por nexo de causalidade, mas não têm como finalidade a reparação do defeito em si.
V- Tais danos poderão ocorrer já após esgotados os prazos curtos para a reparação dos defeitos, pelo que, se assemelham a quaisquer danos que resultem do incumprimento de uma obrigação, sendo-lhes aplicável o prazo geral da prescrição.”
No caso em apreço porém, resulta da matéria de facto provada de forma inequívoca que, os danos de que a apelante pretende ser ressarcida através da presente ação indemnizatória, não só ocorreram antes de esgotado o prazo de caducidade, como da sua ocorrência foi dada notícia à ré, logo com a denúncia dos defeitos feita à vendedora.
Com efeito, resulta da prova produzida os seguintes factos:
-De entre as avarias que determinaram a inoperância e paralisação do equipamento, destacam-se as que ocorreram no período compreendido entre 2 de abril de 2018 e 13 de fevereiro de 2019, precisamente as que tiveram lugar nos dias 2/4/2018, 13/4/2018, 19/7/2018, 24/9/2018, 28/9/2018, 2/10/2018, 9/10/2018, 10/10/2018, 12/10/2018, 30/10/2018, 6/11/2018, 9/1/2019, 15/1/2019, 18/1/2019, 23/1/2019, 28/1/2019, 1/2/2019, 5/2/2019, 11/2/2019 e 13/2/2019.
-Todas estas avarias foram participadas imediatamente à Ré, com pedido de intervenção urgente, por correio eletrónico (cfr. Doc. 5 a 23, junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
-A Ré foi também advertida que o equipamento se encontrava imobilizado, a fazer muita falta e a causar grandes prejuízos à Autora. (Cfr., entre outros, Doc. 6, 8, 9, 16, 17 e 18 juntos com a petição inicial, para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos).
-E que devia resolver o problema com caráter de urgência, “em definitivo” e “de uma vez por todas.” (Cfr. Doc 6, 7, 9 e 10 juntos com a petição inicial, para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos). (factos supra 23 a 27).
Da leitura daquelas comunicações, não há dúvida que a ora apelante, aquando da denúncia dos defeitos do equipamento, deu imediato conhecimento à apelada, que a paralisação da máquina por força dos defeitos, lhe estava a causar prejuízos, prejuízos esses que são os prejuízos que ora veio reclamar através desta ação intentada em 25.01.2022.
A questão que aqui se coloca é a de saber se, tratando-se de danos colaterais – resultantes da paralisação da máquina avariada – mas que são conhecidos da autora/apelante desde a sua ocorrência e que ademais foram objeto da denúncia dos defeitos àquela nessa altura, podem ser tratados de forma diferenciada no que concerne ao prazo de caducidade de 6 meses que a lei estabelece para o comprador de coisa defeituosa exercer os seus diretos, permitindo que o possa fazer no prazo ordinário e 20 anos.
De salientar igualmente que no caso em apreço, acresce o facto da autora/apelante já não se encontrar na posse do equipamento, por tê-lo vendido a um terceiro em março de 2019, tendo intentado esta ação decorridos quase três anos desta venda.
A nossa resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa.
Com efeito, entendemos que o enquadramento jurídico da situação em apreço deva ser feito, não no incumprimento defeituoso do contrato ao qual seja aplicável o regime geral previsto nos artigos 798º e 799º do Código Civil, mas sim e ainda no âmbito do regime especial da compra e venda de coisa defeituosa, regida pelos artigos 913º e seguintes do CC.
O cumprimento defeituoso de uma prestação ocorre sempre que a prestação realizada não corresponde ao acordado entre as partes, podendo a não-identidade resultar de um número de fatores, designadamente de defeito da coisa quando a prestação tem por objeto a entrega de algo.
O cumprimento defeituoso de uma prestação corresponde a uma forma, modalidade de não cumprimento da prestação, encontrando-se, pois, sujeito às regras constantes dos arts. 790º e ss.do CC.
Os arts. 790º e ss. contêm as regras gerais aplicáveis ao não cumprimento, existindo regras especiais para o não cumprimento quando este ocorra no âmbito da execução de determinados tipos contratuais, como é no caso da compra e venda.
O legislador consagrou para a execução defeituosa da compra e venda um regime especial que afasta o regime geral, remetendo apenas pontualmente para a respetiva aplicação.
Encontra-se pois sujeita a pretensão da Autora às regras especiais do contrato de compra e venda, e concretamente aquelas que regulam a compra e venda de coisa defeituosa, especialmente previstas nos artigos 913º do C.Civil.
Decorre do disposto no art. 913º do Código Civil que se a coisa objeto da venda sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, é reconhecido ao comprador o direito à anulação do contrato – art. 905º do Código Civil -, ou à redução do preço – art. 911º do Código Civil -, e ainda a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos – arts. 908º e 909º do mesmo diploma legal.
Como refere João Calvão da Silva,[2]A coisa entregue pelo vendedor pode estar afetada de vícios materiais ou vícios físicos, vale dizer, defeitos intrínsecos inerentes ao seu estado material, e não ser, portanto, conforme ao contrato, dada a não correspondência às caraterísticas acordadas ou legitimamente esperadas pelo comprador.”
Para que o comprador possa exercer os seus direitos é indispensável que previamente o comprador proceda à sua denúncia tempestiva do defeito, nos termos do art. 916.º do Código Civil, dentro dos seis meses após a entrega da coisa e até 30 dias após ser conhecido o defeito (nº s 1 e 2 do art. 916º do C.Civil).
Uma vez feita a denúncia do defeito, a lei, no artigo 917º do C.C. sujeita ainda o denunciante ao seguinte prazo de caducidade: “A ação de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no n.º 2 do artigo 287.º”
A caducidade tem por objetivo evitar o protelamento do exercício de certos direitos por lapsos de tempo dilatados, levando-os a que se extingam pelo decurso do prazo fixado.
Prevalecem assim na caducidade considerações de certeza e de ordem pública, no sentido de ser necessário que, ao fim de certo tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis, estando em causa prazos perentórios de exercício do direito.
A caducidade é a extinção do direito pelo seu não exercício durante certo tempo e o seu fundamento específico é a necessidade de certeza jurídica já que, como ensinava Manuel Andrade, “certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre com o transcurso do respetivo prazo”.[3]
A caducidade, cujo fundamento, de interesse público, é a necessidade de certeza jurídica, permite que a situação jurídica das partes fique definida após o decurso de certo prazo. [4]
O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe mas quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido (cfr. art. 331º n.º 2 do CC).
O facto da letra da lei fazer referência apenas à “ação de anulação” deixa, sem dúvida, espaço para a discussão de saber se devem ou não considerar-se aí incluídas todas as outras ações de que o comprador possa lançar mão para exercer os direitos emergentes do cumprimento defeituoso.
Pese embora não seja consensual, a doutrina e a jurisprudência[5] têm entendido que este prazo de caducidade não é aplicável apenas à ação de anulação, defendendo uma interpretação extensiva desta norma, no sentido que a mesma sujeita igualmente ao prazo de caducidade, não só o direito à anulação do contrato por erro, mas também os demais mencionados direitos do comprador, nomeadamente o direito à indemnização.
Pensamos ser este o melhor entendimento, por respeitar não só as finalidades da caducidade, ao estabelecer um prazo curto para o exercício dos direitos conferidos em consequência da venda de coisa defeituosa, como a unidade do sistema jurídico.
Os direitos que a lei admite a favor do comprador de coisa defeituosa assentam em fontes jurídicas diversas, mas têm subjacente sempre a mesma circunstância ou pressuposto: a venda de uma coisa defeituosa.
Tendo a caducidade por objetivo conferir certeza às situações jurídicas e solucionar com brevidade os conflitos, os prazos a ela respeitantes, incluindo os do direito de acção, são normalmente curtos.
Ora, no caso da venda de coisa defeituosa, pretende-se, mais no interesse do vendedor, evitar, em favor do comércio jurídico e da paz social, a pendência por um período dilatado de um estado de incerteza sobre o destino do contrato ou cadeia negocial e as dificuldades de prova dos vícios anteriores ou contemporâneos à entrega da coisa.
Da mesma forma pretende-se respeitar a unidade do sistema jurídico, sendo elucidativas as palavras de Pedro Romano Martinez[6], quendo afirma que: “De facto, não se compreenderia que o legislador só tivesse estabelecido um prazo para a anulação do contrato, deixando os outros pedidos à prescrição geral de vinte anos (art. 309); por outro lado, tendo a lei estatuído que, em caso de garantia de bom funcionamento, todas as ações derivadas do cumprimento defeituoso caducam em seis meses, não se entenderia muito bem porque é que, na falta de tal garantia, parte dessas ações prescreveriam no prazo de vinte anos. (...) E se o art. 917º. não fosse aplicável, por interpretação extensiva, a todos os pedidos derivados da prestação, estava criado um caminho para iludir os prazos curtos”.
Também Calvão da Silva[7] escreve: “Na verdade, seria incongruente não sujeitar todas as ações referidas à especificidade do prazo breve para agir que caracteriza a chamada garantia edilícia desde a sua origem, pois, de contrário permitir-se-ia ao comprador obter resultados (referidos aos vícios da coisa) equivalentes, iludindo os rígidos e abreviados termos de denúncia e caducidade. Ora, em todas as ações de exercício de faculdades decorrentes da garantia, qualquer que seja a escolhida, vale a razão de ser do prazo breve (cfr., também, o n.º2 do artigo 436): evitar no interesse do vendedor, do comércio jurídico, com vendas sucessivas, e da correlativa paz social a pendência por período dilatado de um estado de incerteza sobre o destino do contrato ou cadeia negocial e as dificuldades de prova (e contraprova) dos vícios anteriores ou contemporâneos à entrega da coisa que acabaria por emergir se os prazos fossem longos, designadamente se fosse de aplicar o prazo geral da prescrição (artigo 309.º)…”
O recente acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2023 de 2.08.2023,[8] que fixou jurisprudência no sentido, «A ação de indemnização fundada na venda de coisa indeterminada de certo género defeituosa está submetida ao prazo de caducidade previsto no artigo 917.º do Código Civil, a tanto não se opondo o disposto no artigo 918.º do mesmo Código», tem subjacente o entendimento que o sentido do art. 917º do C.Civil, não decorre da sua mera letra.
Desta forma, é nosso entendimento que o art. 917.º do Código Civil é passível de aplicação, por interpretação extensiva, a qualquer outra pretensão incluindo, portanto, a concreta pretensão indemnizatória que a Autora veio deduzir com base no interesse negativo - prejuízo que para ela não teria, não fora o defeito da coisa - fundada no cumprimento inadequado do contrato.
Conclui-se assim que, quando na causa de pedir está em causa o vício da coisa, o art. 917º do Código Civil deve ser objeto de interpretação extensiva, abrangendo as situações de redução do preço, reparação do defeito e de indemnização, tal como a ação em apreço, para a obtenção de um tratamento jurídico uniforme de situações semelhantes, tendo em vista a unidade do sistema jurídico.
Resta, pois confirmar, em consequência, a sentença recorrida, ficando prejudicada a apreciação das demais questões, nomeadamente a ampliação do objeto do recurso, que tem natureza subsidiária.




VI - DECISÃO:
Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso e em confirmar a sentença recorrida.








Porto, 11 de março de 2025.

Alexandra Pelayo
Pinto dos Santos
Anabela Miranda

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[1] Proferido no P 3052/20.3T8STR.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[2] In Compra e Venda de Coisa Defeituosas, Conformidade e segurança,  2ª edição, pg. 39.
[3] Teoria Geral da Relação Jurídica, vol II, pag. 464.
[4] Manuel de Andrade, mesmo loc.
[5] Neste sentido ver por todos os acórdãos do STJ de 16.3.2011 (proferido no P558/03.2TVPRT.P1.S1); de 6.11.2007, proferido no P07A3440, ou mais recentemente, de 16.1.2025, proferido no P 1854/23.8T8VNG.P1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[6] Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e na Empreitada, p. 198.
[7] In Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, 4.ª ed., 77
[8] Publicado no Diário da República n.º 149/2023, Série I de 2023-08-02.