Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2209/21.4T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
FACTOS CONCLUSIVOS
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
APLICAÇÃO MBWAY
Nº do Documento: RP202401222209/21.4T8MTS.P1
Data do Acordão: 01/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO PARCIAL
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O Tribunal da Relação goza no âmbito da reapreciação da matéria de facto dos mesmos poderes e está sujeito às mesmas regras de direito probatório que se aplicam ao juiz em 1ª instância, competindo-lhe proceder à análise autónoma, conjunta e crítica dos meios probatórios convocados pelo recorrente ou outros que os autos disponibilizem, introduzindo, nesse contexto, as alterações que se lhe mostrem devidas.
II - Na vigência do Código de Processo Civil anterior, mas igualmente após 01/09/2013, ocasião em que passou a vigorar a Lei 41/2003, de 26 de Junho (NCPC) a matéria de facto à qual há que aplicar o direito tem de cingir-se a verdadeiros factos e não a questões de direito ou a meros juízos conclusivos, razão pela qual a revogação do artigo 646, n.º 4 do anterior CPC, não significa que o princípio nele estabelecido haja sido alterado devendo, assim, eliminar-se da fundamentação factual os pontos que neles se contenham meras conclusões.
III - Os recursos são meios de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre, visando, assim, um reestudo das questões já vistas e resolvidas pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões novas.
IV - Para efeitos do preenchimento da factie species do artigo 2.º al. uu) do D. Lei DL 91/2018, de 12/11 no “serviço de iniciação do pagamento” definido como “um serviço de pagamento que consiste em iniciar uma ordem de pagamento a pedido do utilizador de serviços de pagamento relativamente a uma conta de pagamento por si titulada noutro prestador de serviços de pagamento” cabe a aplicação MB WAY através da criação do cartão virtual MBnet.
V - Não se verificando qualquer das exceções estatuídas nas als. a) a c) do nº 2 do artigo 805.º do CCivil e não tendo havido interpelação extrajudicial a mora do devedor apenas ocorre com a citação para ação de cumprimento (nº 1 do mesmo inciso).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2209/21.4T8MTS.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível de Matosinhos-J3
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Dr. António Mendes Coelho
2º Adjunto Des. Dr. Carlos Gil
5ª Secção
Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO

AA, residente na Avenida ..., n.º ..., 2.º esquerdo, ..., ..., Matosinhos veio intentar contra Banco 1..., S.A., com sede na Rua ..., Lisboa, a presente ação declarativa de condenação, na forma de processo comum.
Alega que, sem que para tal tivesse dado ordem ou autorização, a ré transferiu € 3.000,00, da sua conta de depósito a prazo para a sua conta de depósitos à ordem e que permitiu o pagamento a entidade terceira da quantia de 4.999,50 €, debitada nessa mesma conta de depósitos à ordem.
Pretende, assim, que a ré reponha tal valor, acrescido de juros desde a data em que lhe deu conhecimento de que não havia dado tais ordens ou autorizações.
E que a indemnize na quantia de € 800,00, pelos danos não patrimoniais que a situação lhe acarretou.
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Devidamente citada veio a Ré contestar alegando que a autora terá fornecido a terceiro as suas credenciais de acesso ao homebanking e, com toda a certeza, foi vítima de smishing (acedendo a link, enviado por SMS, que permitiu o download de malware, que viabilizou o conhecimento de tais dados confidenciais).
Mais alega que a transferência de valor entre as duas contas, foi objeto da autenticação necessária.
E que a compra efetuada está fora da sua esfera de influência, sendo da responsabilidade da entidade que gere a app MBWay.
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Teve lugar a audiência de discussão e julgamento de acordo com o formalismo legal.
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A final foi proferida decisão do seguinte teor:
1) Condena-se a ré a repor o valor de 3.000,00 € (três mil euros) na Conta Poupança ..., n.º ... que a autora detém junto da ré.
2) Condena-se a ré a repor o valor de 1.999,50 € (mil, novecentos e noventa e nove euros e cinquenta cêntimos) na Conta à Ordem n.º ..., que a autora detém junto da ré.
3) Condena-se a ré a pagar à autora, a título de indemnização por danos morais, a quantia de €250,00 (duzentos e cinquenta euros).
4) Condena-se a ré no pagamento à autora de juros moratórios, à taxa de juro civil, sobre o capital de € 4.999,50, desde 12-01-2021 e até cumprimento do disposto em 1) e 2).
5) Absolve-se a ré do mais peticionado.
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Não se conformando com o assim decidido veio a Ré interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões:
(…)
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Devidamente notificada contra-alegou a Autora concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. arts. cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, nsº 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
b)- decidir em conformidade em função do julgamento da impugnação da matéria de facto e mesmo não se alterando esta, se a sua subsunção jurídica se encontra, ou não, corretamente feita.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que o tribunal recorrido deu como provada:
1. A autora é a 1.ª titular da conta à ordem, com o número ... (IBAN ..., ...), domiciliada junto ao balcão da ... da ré, sendo titular do cartão de débito n.º ....
2. A autora é também titular de uma conta “Poupança ...” (conta de depósito a prazo)–constituída em 08-10-2018 com o número ...– junto da ré, no montante de 3.000,00€ (três mil euros), com vencimento em 08-10-2021.
3. No dia 07-01-2021, às 14:47 horas, a autora recebeu, no seu telemóvel, uma mensagem enviada do número ... com o seguinte teor: “MB WAY–O seu PIN foi desativado. Para sua segurança, aceda ...”.
4. Às 14:49 horas, a autora recebeu a seguinte mensagem do número “MB WAY”: “Insira o código ... para ativar o MB WAY no seu telemóvel. Este código é pessoal e intransmissível. Não o divulgue a ninguém.”.
5. No dia 11-01-2021, a autora, ao consultar o cartão de débito n.º ..., da sua conta à ordem, verificou que no dia 07-01-2021 foi transferida da sua conta de depósito a prazo para a sua conta à ordem a quantia de 3.000,00€ (três mil euros) e, posteriormente, feita uma “compra” na plataforma ...–no valor de 4.999,50 € (quatro mil, novecentos e noventa e nove euros e cinquenta cêntimos).
6. A transferência da conta de depósito a prazo da autora para a sua conta à ordem, no valor de 3.000,00 € (três mil euros), correspondia à totalidade do depósito.
7. Esta operação bancária–transferência do depósito a prazo n.º ... para a conta à ordem da autora–não teve origem em qualquer ordem ou autorização dada pela autora, à ré.
8. Em momento algum a autora ordenou/autorizou a ré a proceder ao resgate antecipado deste depósito a prazo, desconhecendo a origem e autor(es) da referida ordem.
9. A transferência no valor de 4.999,50 € (quatro mil, novecentos e noventa e nove euros e cinquenta cêntimos), com data de movimento de 10-01-2021, mas com “data de valor” de 07-01-2021 não teve origem em qualquer ordem ou autorização dada, pela autora, à ré.
10. Em resultado das operações descritas em 5 a 9, a autora viu o saldo das suas contas bancárias, junto da ré, subtraído em 4.999,50€ (quatro mil, novecentos e noventa e nove euros e cinquenta cêntimos).
11. Em dia não posterior a 11-01-2021, a autora deslocou-se ao balcão da ré, em ... onde estão domiciliadas as suas contas (conta à ordem e conta de depósito a prazo), dando conhecimento à ré do sucedido.
12. Informando o funcionário da ré de que não tinha ordenado/autorizado qualquer das operações–mobilização do valor da conta de depósito a prazo para a conta à ordem e compra na plataforma ....
13. A autora, com o desaparecimento do dinheiro, obtido à custa de muito trabalho, sentiu uma enorme tristeza e angústia.
14. O serviço Banco 1... é um serviço, prestado pelo banco, através do qual os clientes bancários têm a possibilidade de aceder a informações sobre produtos e serviços da Banco 1..., realizar operações sobre todas as contas que detêm, realizar operações de compra e venda, subscrição ou resgate de produtos financeiros ou serviços disponibilizados pela Banco 1... aos seus clientes.
15. Para utilização do qual foi atribuído à autora, códigos de acesso e credenciais de utilização.
16. Os códigos de acesso e credenciais de utilização fornecidos aos clientes que aderem ao serviço Banco 1..., são pessoais e intransmissíveis.
17. E com um número de identificação Banco 1..., atribuído ao cliente no momento da adesão e um código PIN, atribuído e entregue ao cliente no momento da adesão, PIN esse que o cliente altera, obrigatoriamente, aquando do seu primeiro acesso ao serviço (permitindo estas duas credenciais–apenas–a realização de operações e consultas que não comportem alterações de património).
18. Às referidas credenciais de autenticação acresce, ainda, o SMS Code, que se trata de um mecanismo que reflete a chamada “autenticação forte”.
19. A autenticação forte implica que a Banco 1... solicite ao utilizador, pelo menos dois elementos pertencentes às seguintes categorias: conhecimento (por exemplo, PIN ou palavra-passe), posse (por exemplo, one-time password, telemóvel ou cartão de pagamento) e inerência (por exemplo, impressão digital).
20. A autora aderiu ao SMS Code em 10 de setembro de 2019, através do seu número de telefone registado e certificado-....
21. A partir do momento da adesão ao referido serviço de homebanking, os clientes autorizam a Banco 1... a realizar as operações ordenadas através daquele meio eletrónico (conforme cláusula 2.3. e 3.4. do contrato que, sob o n.º 3 é junto com a contestação e que aqui se dão por reproduzidas).
22. O Serviço Banco 1... é controlado pela Banco 1..., no que respeita aos acessos feitos com as legítimas credenciais dos clientes.
23. A operação efetuada através do Banco 1..., pela qual se transferiu capital de um depósito a prazo titulado pela autora para uma conta de depósitos à ordem da autora não é considerada pelo banco operação que comporte saída de património da esfera do cliente, pelo que não despoletou tal operação, qualquer mecanismo de autenticação forte, para tanto bastando: o número de identificação Banco 1..., e o código PIN.
24. Nos termos do ponto 26.4.1. do clausulado do Contrato de Abertura de Conta de Depósito e de Comercialização de Produtos e Serviços Pessoas Singulares que a autora subscreveu “Para adesão ao serviço de pagamentos MBNet, o Titular associa o seu cartão a uma identificação e a um código secreto para uso exclusivo do Titular, que lhe permite efetuar, de forma segura, transações em ambientes abertos (Internet, WAP, Televisão Interativa, etc.).
25. Mais constando do ponto 26.4.2. do mesmo contrato, que “A partir da data em que tenha aderido ao serviço de pagamentos MBNet, o Titular torna-se responsável pela confidencialidade do código secreto, o qual é pessoal e intransmissível”.
26. Como consta da FIN–Ficha de Informação Normalizada entregue à autora aquando da subscrição da conta de depósitos a prazo com a referência ... “Podem ser efetuados levantamentos a qualquer momento, total ou parcialmente, com penalização dos juros relativos o período semestral em curso, se ocorrerem fora das datas de vencimento semestral de juros”.
27. A App MBWay é a solução multibanco que permite fazer compras online e em lojas físicas, gerar cartões virtuais MB NET, enviar, pedir dinheiro e dividir a conta e ainda utilizar e levantar dinheiro através de smartphone, numa app própria ou nos canais do banco.
28. A Banco 1... é um dos bancos aderentes à aplicação MB WAY.
29. O MB WAY é um serviço multibanco que não é gerido pela ré.
30. Na data de 06 de dezembro de 2018, o cartão débito com o n.º ..., titulado pela autora junto da Banco 1... foi associado ao serviço MB WAY.
31. O cartão MB NET é criado através da aplicação MB WAY, em nada sendo os bancos, cujo cartão de débito está associado ao MB WAY, questionados quanto à criação desse cartão MB NET.
32. Em 07 de janeiro de 2021, foi registada, no MB WAY, a criação de um cartão de débito provisório MBNET com o n.º ..., com o plafond máximo de € 10.000,00, cartão esse associado ao cartão de débito real n.º ... (este atribuído pela Banco 1...), com cuja utilização se efetuou o pagamento referido em 5.
33. Para a criação de Cartão MB NET, através do aplicativo MB WAY, foi necessária a autenticação forte, respeitante à autora, nesse aplicativo.
34. Os movimentos irregulares, indicados pela autora, foram todos efetuados, com exceção da mobilização do depósito a prazo para a conta à ordem titulada pela autora, através do aplicativo MB WAY.
35. À data em que foram detetados, os mesmos já estavam consumados.
36. Sendo impossível à Banco 1... impedir a concretização de pagamentos já ordenados e efetuados através de um cartão virtual criado através do aplicativo MB WAY.
37. Tendo, contudo, a Banco 1..., procedido à tentativa de recuperação do valor pago à ..., sem sucesso.
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Factos não provados
Não se provou que:
38. Tendo vivido durante meses atormentada, dormindo e alimentando-se mal.
39. Contrariamente às instruções generalizadamente difundidas, quer pela SIBS– entidade que gere o MB WAY, quer pelos bancos, designadamente a Banco 1... terá sido seguido (ou seja, ativamente carregado) pela autora o link (ligação/hiperligação) que recebeu no seu telemóvel.
40. O que permitiu que se tivesse instalado um malware no telefone, de tecnologia Android, da autora.
41. Malware esse que permitiu, aos piratas informáticos que remeteram a mensagem a partir do número ..., aceder a todas as informações armazenadas no dispositivo Android da autora.
42. Designadamente aos dados de acesso confidenciais, atribuídos à autora, ao Banco 1....
43. Dados esses com os quais os piratas informáticos acederam, assim, ao homebanking, Banco 1..., titulado pela autora junto da Banco 1....
44. Dados que, por não constituírem autenticação forte, foram obtidos pelos piratas informáticos quando a autora, ativamente, decidiu carregar no link constante da mensagem SMS que recebeu, abrindo, assim, a porta e permitindo aos agentes maliciosos o controlo do seu dispositivo móvel.
45. Sendo notório que a mensagem recebida não fora enviada pelo aplicativo MB WAY, como bem sabe a autora.
46. Os movimentos em causa foram efetuados pelo detentor do cartão matriz, ou foram efetuados por terceiro(s), a quem aquele forneceu os seus dados de acesso ao serviço.
47. Não tendo os computadores da Banco 1... sido alvo de qualquer ataque informático.
48. Nem objeto de qualquer quebra de segurança informática.
49. Não tendo o sítio institucional da Banco 1..., em algum momento, sido alvo de intrusão, ou qualquer outra violação.
50. Os acessos que permitiram as alegadas transferências fraudulentas não resultaram do aproveitamento de qualquer falha de segurança no sistema informático da Banco 1....
51. A aplicação MB WAY em nada é controlada ou auditada pela Banco 1... nem é fornecido por ela.
52. O que consta do art. 24º da contestação.
53. Para utilização serviço Banco 1… foi atribuído a um cartão matriz.
54. O mais que consta do art. 33º da contestação.
55. O código Pin Banco 1... introduz-se em teclado virtual, escolhido de forma aleatória, aparecendo os números sempre em local distinto, não permitindo a identificação do código.
56. Para efetuar a adesão ao serviço MB WAY, através da Banco 1..., foi obrigatória a utilização da chamada “autenticação forte”, tendo, para tanto, sido necessário ter a autora: a. efetuado o download do programa MB WAY (para o sistema operativo Android, que é o equipamento móvel que a autora possui), b. selecionado a opção “Aderir ao MB WAY”, inserido os dados do cartão de débito n.º ... (da Banco 1...), que associou ao serviço MB WAY, bem como a validade do mesmo cartão, criado e inserido o pin MB WAY, com 6 dígitos-só do conhecimento da autora, e. inserido o n.º de telemóvel “...” como associado ao serviço, n.º esse registado e certificado na base de dados da Banco 1..., recebido uma SMS, no número de telemóvel que forneceu e que foi registado e certificado pela Banco 1... (...), com o código de ativação do Serviço MBWAY.
57. Tendo sido, assim, necessário: i. ter a autora utilizado o aplicativo MB WAY e selecionado a opção “Criar Cartão MB NET”, ii. ter inserido os dados do cartão de débito n.º ..., que associou ao serviço MB WAY, e a validade do mesmo cartão, iii. ter definido o valor máximo do cartão e a respetiva validade, iv. ter inserido um pin MB WAY, com 6 dígitos, só do conhecimento da própria, v. ainda em 07 de janeiro de 2021, ter registado a criação do cartão de débito provisório.

III. O DIREITO
Como supra se referiu a primeira questão no recurso vem colocada prende-se com:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
Como resulta do corpo alegatório e das respetivas conclusões recursivas a apelante impugna, quer a resenha dos factos provados quer o elenco dos factos não provados.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[1]
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPCivil).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[2]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[3]
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à Ré apelante, neste segmento recursivo da impugnação da matéria de facto, nos termos por ela pretendidos.
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O ponto 27. dos factos provados tem a seguinte redação:
A App MBWay é a solução multibanco que permite fazer compras online e em lojas físicas, gerar cartões virtuais MB NET, enviar, pedir dinheiro e dividir a conta e ainda utilizar e levantar dinheiro através de smartphone, numa app própria ou nos canais do banco”.
Pretende a apelante que o citado ponto seja expurgada da expressão “ou nos canais do banco”.
Para o efeito convoca a apelante o depoimento das testemunhas BB, CC e DD.
Como se evidencia da motivação da decisão da matéria de facto o tribunal recorrido deu como provado o referido ponto factual, afirmando tratar-se de um facto notório (cfr. artigo 412.º do CPCivil).
E assim é, efetivamente.
Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos.
Pois bem, o cidadão comum, uma pessoa regularmente informada, com acesso à informação a que a generalidade das pessoas acede, conhece o conceito do MBWay e sabe quais as suas múltiplas funcionalidades.[4]
Aliás, é a própria apelante que no artigo 9º da sua contestação transcreve, retirado da internet, o conteúdo do citado ponto factual e com a mesmíssima redação.
Ora, com o referido sistema é possível utilizar o multibanco mesmo que não seja portador do respetivo cartão, bastando para o efeito, pressionar a tecla verde do multibanco e na aplicação MB WAY escolher com que cartão quer aceder, fazendo a leitura do QR Code com a câmara do telemóvel para iniciar a sessão, ou seja, nesta situação estão-se a utilizar os canais do banco.
Mas ainda que assim não fosse não se divisa como, através dos depoimentos das indicadas testemunhas, se podia eliminar a expressão em causa do referido ponto factual.
Na verdade, em momento algum do seu depoimento as identificadas testemunhas se referem à questão em concreto. O que referem, isso sim, é que O MBWAY não é uma plataforma do Banco.
Todavia não sendo tal circunstância questionada, isso não implica, como já se deu nota, que não se aceda ao multibanco através da referida aplicação, utilizando, como é evidente os canais do banco.
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Diante do exposto deve, assim, o citado ponto permanecer nos factos provados com a mesma redação.
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Pretende depois a apelante que os pontos 39. a 44. da resenha dos factos provados deviam transitar para os factos provados, eliminando-se ainda do ponto 44. a expressão “dados que por não constituírem autenticação forte
Estes pontos têm, respetivamente a seguinte redação:
“39. Contrariamente às instruções generalizadamente difundidas, quer pela SIBS–entidade que gere o MB WAY, quer pelos bancos, designadamente a Banco 1... terá sido seguido (ou seja, ativamente carregado) pela autora o link (ligação/hiperligação) que recebeu no seu telemóvel.
40. O que permitiu que se tivesse instalado um malware no telefone, de tecnologia Android, da autora.
41. Malware esse que permitiu, aos piratas informáticos que remeteram a mensagem a partir do número ..., aceder a todas as informações armazenadas no dispositivo Android da autora.
42. Designadamente aos dados de acesso confidenciais, atribuídos à autora, ao Banco 1....
43. Dados esses com os quais os piratas informáticos acederam, assim, ao homebanking, Banco 1..., titulado pela autora junto da Banco 1....
44. Dados que, por não constituírem autenticação forte, foram obtidos pelos piratas informáticos quando a autora, ativamente, decidiu carregar no link constante da mensagem SMS que recebeu, abrindo, assim, a porta e permitindo aos agentes maliciosos o controlo do seu dispositivo móvel”.
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Para a pretendida alteração a apelante socorre-se dos depoimentos das testemunhas EE, FF e CC.
A testemunha FF-minutos 03 28 a 04 31-funcionária da apelante e a quem a apelada reportou o sucedido, não confirmou que esta lhe tivesse transmitido ter acedido ao link em causa.
Aliás, esta testemunha referiu que a apelada subscreveu o doc. nº 6 junto com a contestação, documento esse elaborado a pedido da apelante e no qual não consta qualquer alusão ao facto controverso, de ter sido, ou não, ativado um link-minutos 7 42 a 9 05-tendo até ficado na dúvida (a testemunha em causa), quando lhe foi feita a instância em audiência, se era um link ou mensagem a pedir os códigos que terá aparecido no telemóvel da apelada.
Por sua vez as testemunhas EE e CC, além de não terem tido conhecimento direto dos citados factos, os seus depoimentos são vagos e genéricos, não passando de meras suposições de que a apelada terá carregado no link (ligação/hiperligação) que recebeu no seu telemóvel, referindo que só dessa forma os piratas informáticos tiveram acesso às suas contas.
Ora, a partir de meras suposições e dúvidas não se pode, de forma conscienciosa, e para além de toda a dúvida razoável, dar como provados os citados pontos factuais.
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Como assim, devem os mesmos continuar no elenco dos factos não provados.
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O ponto 46. Dos factos não provados tem a seguinte redação:
“Os movimentos em causa foram efetuados pelo detentor do cartão matriz, ou foram efetuados por terceiro(s), a quem aquele forneceu os seus dados de acesso ao serviço”.
Alega a apelante que este ponto deve igualmente transitar para os factos provados por decorrência de serem dados como provados os pontos 39. a 44 da resenha dos factos não provados.
Acontece que, como supra se decidiu, os pontos 39. a 44. devem permanecer nos factos não provados e, por lógica implicância, deverá o mesmo suceder com o ponto 46.
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Impugna depois a apelante os pontos 47. a 51. dos factos não provados, alegando que tais pontos devem ser dados como provados.
Os pontos em causa têm a seguinte redação:
“47. Não tendo os computadores da Banco 1... sido alvo de qualquer ataque informático.
48. Nem objeto de qualquer quebra de segurança informática.
49. Não tendo o sítio institucional da Banco 1..., em algum momento, sido alvo de intrusão, ou qualquer outra violação.
50. Os acessos que permitiram as alegadas transferências fraudulentas não resultaram do aproveitamento de qualquer falha de segurança no sistema informático da Banco 1....
51. A aplicação MB WAY em nada é controlada ou auditada, pela Banco 1..., não é sendo fornecido pela Banco 1...”.
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Na motivação da decisão da matéria de facto e sob este conspecto o tribunal recorrido discorreu do seguinte modo:
“Quanto aos factos 47 a 50 o que a testemunha BB referiu foi a inexistência de registos de ataques ou incidentes de cibersegurança no site da autora.
Ora o facto de não ter havido reporte (ou deteção) dos mesmos, não quer dizer que não se tenham verificado.
Acresce que nem sequer foi trazido ao conhecimento do tribunal o tipo de controle feito, os relatórios apresentados, ou qualquer outro elemento que lhe permitisse aferir da adequação do mesmo.
Assim, não conseguiu o tribunal formar sobre esta factualidade convicção segura o suficiente para a dar como provada.
Quanto ao facto 51 tal não foi expressamente referido por nenhuma testemunha. E não se concebe que a ré prescinda de tal controle e supervisão, quando se trata de um dos serviços que no contrato que celebra com os seus clientes se compromete a fornecer-lhes, nos termos que constam da cláusula 29 do contrato de abertura de conta de depósito e de comercialização de produtos e serviços “pessoas singulares”.
Para contrariar esta fundamentação a apelante convoca os depoimentos das testemunhas BB, CC e DD.
A testemunha BB o que afirma no seu depoimento é que não há registo que a apelada tivesse sofrido ataques ou incidentes de cibersegurança no seu site, ou mesmo phishing[5] no dizer da testemunha, todavia, daí não se segue, como afirma o tribunal recorrido, que não tenham existido.
Para além disso, quer o citado depoimento quer os das testemunhas CC e DD limitam-se a descrever um tutorial genérico sobre os procedimentos de segurança adotados pela apelante quanto ao acesso e movimentação das contas dos seus clientes.
Repare-se, todavia, que quer a testemunha CC quer a testemunha GG nada referem se, em concreto, houve ou não incidentes no seu sistema de cibersegurança da apelante, não deixando de se assinalar que a movimentação do depósito a prazo para a conta à ordem da apelada no valor de € 3.000,00 se tratou de transação efetuada no site da apelante (como confirmou a testemunha CC), sem que para o efeito se tenha exigido uma autenticação forte (cfr. ponto 23. dos factos provados).
Acresce que o ponto 50. por encerrar uma conclusão nunca poderia transitar para os factos provados nem, aliás, devia constar do elenco dos factos não provados.
Importa não esquecer que o artigo 607.º, nº 4 do CPCivil[6] dispõe que na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
No âmbito do anterior regime do Código de Processo Civil, o artigo 646.º, nº 4 do CPCivil, previa, ainda, que: têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes”.
Esta norma não transitou para o atual diploma, o que não significa que na elaboração da sentença o juiz deva atender às conclusões ou meras afirmações de direito.
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No que se refere ao ponto 51. o que as indicadas testemunhas referem é apenas que a MB WAY não é produto, plataforma da apelante, mas sim da SIBS.
Ora, isso não invalida, que a apelante não tenha um controle sobre tal aplicação quando, como bem refere o tribunal recorrido, se trata de um dos serviços que no contrato que celebra com os seus clientes se compromete a fornecer-lhes, nos termos que constam da cláusula 29 do contrato de abertura de conta de depósito e de comercialização de produtos e serviços “pessoas singulares”.
E por assim ser, também não se verifica a alegada contradição que a apelante alega existir entre este ponto e o ponto 29. da resenha dos factos provados.[7]
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Impugnando o ponto 54. dos factos não provados pretende a apelante que ele devia constar do elenco dos factos provados com redação referente ao que consta das alíneas a) e b) do artigo 33º da sua contestação ancorada no depoimento das testemunhas EE e DD.
O tribunal recorrido quanto à não prova do citado facto refere que nenhuma prova se fez sobre o mesmo.
Ora, não obstante as testemunhas supras referidas no seu depoimento se tenham referido, de forma genérica, a essa matéria para os clientes em geral, não particularizam o caso concreto.
Para além disso, o ponto em questão, mesmo a considerar-se provado na forma alegada, não tem qualquer relevo do ponto de vista da solução jurídica a dar ao pleito, pois que, dele não se retira qualquer elemento preponderante em termos de sobrestar à condenação da apelante.
Ora, atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão, em homenagem à proibição da prática no processo de atos inúteis (artigo 130.º do CPCivil).
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E as mesmas considerações valem, mutatis mutandis, em relação aos pontos 56. e 57. dos factos não provados.
Efetivamente, os mencionados pontos limitam-se a descrever o procedimento que a Autora fez para aderir ao serviço de MB WAY, ou seja, também eles se revelam inócuos da solução jurídica a dar a thema decidendum da ação.
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Como assim, temos de convir, salva outra e melhor opinião, que as discordâncias que a apelante convoca para que se imponha uma decisão diversa sobre a impugnação da matéria de facto em causa, não são de molde a sustentar a tese que vem por ela expendida, pese embora se respeite a opinião em contrário veiculada nesta sede de recurso, havendo que afirmar ter a Mmª juiz captado bem a verdade que lhe foi trazida ao processo, com as dificuldades que isso normalmente tem.
Numa apreciação distante, objetiva e desinteressada esta é a única conclusão lícita a retirar, refletindo a fundamentação dos factos os meios probatórios trazidos aos autos que não podiam conduzir a conclusão diversa, que sempre teria de ser alicerçada em certezas e sem margem para quaisquer dúvidas.
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Improcedem, desta forma, as conclusões A) a N) formuladas pela apelante.
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Permanecendo inalterada a fundamentação factual, a segunda questão que agora se coloca é:
b)- saber se ainda assim a sua subsunção jurídica se encontra, ou não, corretamente feita.
Defende a apelante que ao caso não é de aplicar o D. Lei 91/2018, de 12/11, porquanto nele não se prevê a criação de um cartão virtual com base num cartão “real”, no conceito de operação de pagamento [cfr. artigo 2.ª ii) do DL 91/2008], ou de “serviço de iniciação do pagamento” [artigo 2.º uu) do mesmo diploma].
Como se evidencia da decisão recorrida aí se entendeu que sendo o “serviço de iniciação do pagamento” definido como “um serviço de pagamento que consiste em iniciar uma ordem de pagamento a pedido do utilizador de serviços de pagamento relativamente a uma conta de pagamento por si titulada noutro prestador de serviços de pagamento” [art. 2º/uu) do citado D. Lei] nele caberia a aplicação MB WAY, acabando por concluir pela responsabilização da apelante, sendo para o efeito indiferente o facto de ser esta aplicação um serviço multibanco que não é gerido por esta e ainda a circunstância de a mesma não ter sido questionada quanto à criação do cartão MBnet, pois que ela aderiu a tal serviço, aceitando-o como serviço de iniciação do pagamento.
Que dizer?
Repare-se que o tribunal recorrido apenas sopesou a circunstância de no “Serviço de iniciação do pagamento” definido como “um serviço de pagamento que consiste em iniciar uma ordem de pagamento a pedido do utilizador de serviços de pagamento relativamente a uma conta de pagamento por si titulada noutro prestador de serviços de pagamento” se inserir a aplicação MBway.
Acontece que, a apelante ao defender que ao caso não é de aplicar o D. Lei 91/2018, de 12/11, porquanto nele não se prevê a criação de um cartão virtual com base num cartão “real”, no conceito de operação de pagamento [cfr. artigo 2.ª ii) do DL 91/2008], ou de “serviço de iniciação do pagamento” [artigo 2.º uu) do mesmo diploma] vem colocar uma questão nova que não foi objeto de análise pelo tribunal recorrido e cujo conhecimento está vedado a este tribunal.
Na verdade, perscrutando a contestação apresentada, nela não é colocada tal questão, tanto mais, como daí se retira, a apelante envereda pela aplicação ao caso sub judice do citado diploma (cfr. artigos 101º da referida peça processual).
O que a apelante aí defende para se eximir à responsabilidade que lhe é assacada, aceitando embora a aplicação ao caso concreto do mencionado diploma (DL 91/2008) é que a Autora ao carregar no link contido na SMS que recebeu, ao arrepio das orientações generalizadas, permitiu o acesso ao s dados contidos no seu telemóvel, dando azo a que terceiro(s) acedesse(m) ao sistema da Banco 1...–de forma legitimamente validada com os dados fornecidos pela autora- e procedessem à mobilização do depósito a prazo-tendo, dessa forma, sido imprudente, negligente e descuidada, factualidade que como julgado não se provou.
Acontece que, como supra se consignou, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”-artigo 608.º, nº 2 do CPCivil.
A problemática prende-se com a delimitação do objeto do recurso, ou seja, com os poderes do Tribunal da Relação na apreciação dos recursos de apelação.
Conforme sinteticamente refere Castro Mendes[8], em relação ao objeto do recurso, duas soluções são possíveis.
Primeira: entender-se que o “Objeto do recurso é a questão sobre que incidiu a decisão recorrida.”
Segunda: defender-se que o “Objeto do recurso é a decisão recorrida, que se vai ver se foi aquela que “ex lege” devia ser proferida.”
A primeira hipótese remete para um sistema de reexame, que permite ao tribunal superior a reapreciação da questão decidenda pelo tribunal a quo, isto é, permite um novo julgamento, eventualmente com recurso a factos novos e novas provas; enquanto o segundo caracteriza um sistema de revisão ou de reponderação, o qual apenas possibilita o controlo da sentença recorrida, ou seja, apenas permite aferir se a decisão é justa ou injusta, considerando os dados fácticos e a lei aplicável, tal como o juiz da 1.ª instância possuía no momento em que proferiu a decisão.
Apesar de não existirem sistemas absolutamente “puros”, ou seja, que apenas apliquem um ou outro sistema “tout court”, a doutrina e a jurisprudência portuguesa têm entendido que “O direito português segue o modelo do recuso de revisão ou ponderação. Daí o tribunal ad quem produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo tribunal a quo, baseados nos factos alegados e nas provas produzidas perante este.”[9]
Por via disso, repetidamente os tribunais superiores têm afirmado que os recursos são meios de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre, visando, assim, um reestudo das questões já vistas e resolvidas pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões novas.
Por esse motivo, se entende que não é lícito invocar em sede de recurso questões que as partes não tenham suscitado perante o tribunal recorrido.
Esta regra decorre, designadamente, dos artigos 627.º, n.º 1, 635.º, n.º 3 e 665.º, n.º 2 e 5 do CPCivil, apenas excecionada quando a lei expressamente determine o contrário[10] ou nas situações em que a matéria é de conhecimento oficioso.[11]
A questão reside, pois, em saber o que se entende por questões de facto ou direito já submetidas à apreciação do tribunal recorrido.
É comum mencionar-se a este respeito que “questões” não são argumentos, raciocínios jurídicos ou juízos de valor expostos na defesa das teses controvertidas em litígio, reservando-se tal menção apenas para os fundamentos fáctico-jurídicos em que as partes assentaram as suas pretensões, ou seja, para as questões que na perspetiva substantiva apresentam pontos de facto e direito relevantes para a solução do litígio.
Em relação à parte ativa, atender-se-á à causa de pedir e pedido e em relação à parte passiva, às exceções deduzidas.
É este, aliás, o raciocínio que subjaz à nulidade a que alude o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPCivil quando prescreve a obrigatoriedade do juiz se pronunciar sobre as questões colocadas à sua apreciação.
Tentando, agora, aplicar estes considerandos ao caso presente verifica-se que o recorrente na contestação que apresentou não invocou a mencionada questão, tendente a excluir a aplicação, ao caso em apreço, do D. Lei 91/2018, de 12/11.
Estamos, assim, perante argumentação nova que nunca tinha sido defendida pelo apelante, o que coloca o tribunal ad quem perante um novo julgamento, na medida em que este, na reponderação que iria fazer da decisão proferida, não se encontra em situação idêntica àquela em que se encontrou o juiz da 1.ª instância, sendo certo que se trata de questão que não é de conhecimento oficioso.
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Mas ainda que assim não fosse, então a operação da criação de um cartão virtual com base num cartão “real” não é um ato preparatório da operação (iniciação) de pagamento cuja facti species do artigo 2.º al. uu) abrange?
E a App MBWay não é a solução multibanco que permite gerar cartões virtuais MB NET, a partir de um cartão bancário de débito, crédito ou pré-pago, para a realização de compras não presenciais em comerciantes que aceitem as marcas MasterCard ou Visa?
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Improcedem, assim, as conclusões O) a U) formuladas pela apelante.
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Analisemos agora a questão dos juros moratórios.
Na decisão recorrida condenou-se a Ré apelante a pagar à autora os juros moratórios, à taxa de juro civil, sobre o capital de €4.999,50, desde 12/01/2021 e até cumprimento do disposto em 1) e 2).
Contra o assim decidido insurge-se a apelante, alegando que são apenas devidos juros moratórios a contar da citação.
E, sob este conspecto, cremos assistir razão à apelante.
Efetivamente na data de 12/01/2021 a Autora apelada levou apenas ao conhecimento da apelante que, em resultado das operações descritas em 5 a 9, viu o saldo das suas contas bancárias subtraído em 4.999,50€, informando o funcionário da mesma que não tinha ordenado/autorizado qualquer das operações–mobilização do valor da conta de depósito a prazo para a conta à ordem e compra na plataforma ... (cfr. pontos 10. a 12. dos factos provados).
Ora, essa informação dada à Ré apelante nos moldes referidos não constitui, a nosso ver, qualquer interpelação por parte da Autora para a Ré proceder à reposição do saldo da conta bancária.
Desta forma, não se verificando, no caso em apreço, qualquer das exceções a que se referem as alíneas a) a c) do nº 2 do artigo 805.º do CCivil, torna-se evidente que a mora da Ré apelante apenas ocorreu com a citação para a ação (cfr. nº 1 do artigo 805.º do mesmo diploma legal).
Nas suas contra-alegações vem a Autora apelada invocar o preceituado no artigo 114.º, nº 10 do já citado D. Lei 91/2018, cujo teor é o seguinte:
“Sempre que o ordenante não seja imediatamente reembolsado pelo prestador de serviços de pagamento, e não tenham sido detetados motivos razoáveis que constituam fundamento válido de suspeita de fraude, ou essa suspeita não tenha sido comunicada, por escrito, à autoridade judiciária nos termos da lei penal e de processo penal, são devidos ao ordenante juros moratórios, contados dia a dia desde a data em que o utilizador de serviços de pagamento tenha negado que autorizou a operação de pagamento executada, até à data do reembolso efetivo da mesma, calculados à taxa legal, fixada nos termos do Código Civil, acrescida de 10 pontos percentuais, sem prejuízo do direito à indemnização suplementar a que haja lugar”.
Acontece que a facti species da invocada norma não tem qualquer respaldo no quadro factual que nos autos se mostra assente nem foi esta a sanção pedida.
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Procedem, assim as conclusões V) a X) formuladas pela apelante e, em parte, o respetivo recurso.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, por provada e, consequentemente, revogando-se a decisão recorrida condena-se a ré no pagamento à autora de juros moratórios, à taxa de juro civil, sobre o capital de € 4.999,50, desde a data da citação para ação e até cumprimento do disposto em 1) e 2) da parte dispositiva.
No mais mantém-se a decisão recorrida.
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Custas na proporção do decaimento por apelante e apelada (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).
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Porto, 22 de janeiro de 24.
Manuel Domingos Fernandes
Mendes Coelho
Carlos Gil
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[1] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
[2] Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Como diz expressivamente Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol III, pág. 261 são "factos notórios apenas aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação".
[5] “Phishing” prática associada à circunstância de as vítimas receberem um email ou uma mensagem de texto que imita (ou "forja") uma pessoa ou organização em que elas confiam, como um colega, o banco ou uma entidade governamental. Quando a vítima abre o email ou o texto, encontra uma mensagem assustadora que visa sobrepor-se ao seu bom senso e assustá-la. A mensagem exige que a vítima consulte um dado website e tome medidas imediatas ou arrisque uma qualquer consequência. Se os utilizadores acederem e clicarem no link, são enviados para a imitação de um website fidedigno. A partir daqui, é-lhes pedido que iniciem sessão com as suas credenciais de nome de utilizador e palavra-passe, informação de registo que é passada para o atacante, que a usa para muitos fins, entre eles, o de esvaziar contas bancárias.
[6] No que diz respeito aos factos conclusivos cumpre observar que na elaboração do acórdão deve observar-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º CPCivil aplicáveis ex vi artigo 663.º, nº 2 do mesmo diploma legal.
[7] Este ponto tem a seguinte redação: “O MB WAY é um serviço multibanco que não é gerido pela ré”.
[8] Castro Mendes, Direito Processual Civil, Recursos, AAFDL, 1980, pág. 24. Veja-se, também, Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, AAFDL, 1982, pág. 172 e Lebre de Freitas/Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º. Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2008, pág. 7-8.
[9] Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2008, 8.ª edição, pág. 147.
[10] Veja-se, assim, o disposto no artigo 665.º, n.º 2 do CPC que permite a supressão de um grau de jurisdição, desde que verificados os pressupostos ali mencionados.
[11] Conforme se alude expressamente na parte final do n.º 2 do artigo 608.º do CPC.