Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
70/19.8T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ABÍLIO COSTA
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
CADUCIDADE DO DIREITO À ACÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP2021012570/19.8T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 01/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A caducidade do direito a embargar é de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 345.º do C.P.Civil.
II - Todavia tratando-se de embargos de terceiro preventivos, estes devem ser deduzidos após a diligência ser judicialmente ordenada e antes de ser realizada.
III - Age em manifesto abuso de direito, a embargante que, estando a iniciar-se a diligência de entrega do imóvel, viu esta ser suspensa a seu pedido e afim de proceder à remoção de bens que se encontravam no interior do imóvel, o que foi aceite pelo exequente, confiando este que a embargante, findo o prazo de suspensão ou antes entregaria o imóvel, vem posteriormente deduzir embargos de terceiro preventivos.
IV - Tais embargos são ainda extemporâneos, devendo ser liminarmente indeferidos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 70/19.8T8MAI-A.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Por apenso aos autos de execução para entrega de coisa certa, baseada em sentença, movida pelo B…, S.A., contra C…, LDA, veio D…, S.A., deduzir embargos de terceiro com função preventiva.
Alega, essencialmente, ter tomado conhecimento de que se encontra designada para o dia 6-5-2019 a diligência de entrega do imóvel onde se encontra instalado o estabelecimento comercial e industrial que possui e do qual é titular; imóvel aquele que lhe foi entregue e que utiliza na qualidade de comodatária.
Requer, assim, que seja de imediato ordenada a sustação da realização da entrega do edifício industrial que identifica, por forma a impedir que a sociedade embargante seja desapossada do seu estabelecimento comercial e industrial, como universalidade jurídica e económica autónoma; que seja ordenada a não realização da entrega do imóvel ao exequente enquanto estiver em funcionamento o estabelecimento comercial e industrial e todos os bens que o compõem (moveis, equipamentos máquinas industriais, matérias primas, mercadorias, produtos finais e demais bens e recheio) assim se mantendo o mesmo na posse da embargante; e que seja concedido à embargante o prazo mínimo de seis meses para a transferência do seu estabelecimento comercial e industrial para outro edifício, por forma a que, com respeito pelas exigências de cuidado e rigor na desmontagem das suas máquinas e com respeito pelos direitos laborais dos seus trabalhadores, com quem será necessário negociar a mudança do local de trabalho, a mesma proceda à desocupação do edifício industrial.
Os embargos foram indeferidos liminarmente por extemporâneos.
Escreveu-se na respectiva fundamentação:
“De acordo com o art. 342º, n.º1 do Código de Processo Civil, se a penhora ou qualquer acto judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.
No caso em apreço, constitui pretensão da embargante a de impedir a realização de uma diligência de entrega judicial de bem imóvel agendada para o dia de hoje, alegando que a realização da referida entrega impede o funcionamento do estabelecimento comercial/industrial da embargante, que funciona no interior do edifício, por efeito de contrato de comodato celebrado em Julho de 2016, que esteve na base de contrato-promessa de trespasse de estabelecimento que celebrou com a sociedade executada.
Alega ainda que é legítima possuidora e proprietária do estabelecimento comercial e de todos os bens e direitos que fazem parte do mesmo, sendo os seus direitos irremediavelmente afectados pela concretização da diligência de entrega judicial.
Dispõe o art. 344º, n.º2 do Código de Processo Civil que o embargante deduz a sua pretensão mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa.
Independentemente da gravidade das consequências que possam estar associadas à concretização da diligência de entrega ou dos prejuízos irreparáveis que possam decorrer da sua efectiva realização, não podem existir dúvidas a respeito da data em que a embargante teve conhecimento da diligência, sendo que, ainda que actuando de forma preventiva, a disposição do aludido preceito legal tem inteira aplicação.
A embargante teve pleno conhecimento da diligência que alega ser ofensiva do seu direito de propriedade e posse sobre o estabelecimento comercial em Fevereiro de 2019, não sendo compatível com as regras da boa-fé entender que uma diligência agendada para o dia de hoje por expresso pedido da própria embargante não fosse considerado como um acto de que a mesma teve conhecimento no próprio dia em que foi agendado.
Se a desocupação do imóvel requer mais tempo do que aquele que foi originalmente acordado, incumbiria à embargante diligenciar junto da exequente para, por acordo, obter o pretendido prolongamento.
Já não poderá, todavia, estender o prazo de instauração deste incidente, que, à luz das circunstâncias do caso concreto, tendo natureza preventiva, terá que ser contabilizado desde a data em que a embargante teve conhecimento da potencial ofensa ao seu direito, isto é, desde 21.02.2019, data em que celebrou com a exequente um acordo que conduziu ao adiamento da diligência para o dia de hoje, sendo de crer que, ao celebrar tal acordo, tinha o propósito de o cumprir. É incontornável que desde essa ocasião tinha conhecimento da potencial ofensa ao seu direito.
Impõe-se, assim, concluir, que a embargante ultrapassou o prazo legal de que dispunha para dedução do incidente de embargos de terceiro”.
Inconformada, a requerente interpôs recurso.
Conclui:
- O prazo de caducidade resultante do disposto no art. 344º nº 2 do CPC não tem natureza constitutiva do direito do Embargante;
- A matéria em causa respeitante à tempestividade, ou intempestividade da instauração do processo de embargos de terceiro com fins e efeitos preventivos, não é disciplinada por proveitos cuja imperatividade os torna inderrogáveis, não se encontrando, consequentemente, excluída da disponibilidade das partes;
- Por isso, sendo certo que a matéria em causa nos presentes Embargos, não é disciplinada por preceitos cuja imperatividade os torna inderrogáveis, não se encontrando, consequentemente, excluída da disponibilidade das partes, é
obvio que o “alegado”, pelo tribunal, decurso do prazo para a instauração dos Embargos de Terceiro é matéria que não é de conhecimento oficioso;
- Até ao momento, no processo, o Banco Embargado não teve qualquer intervenção e, por isso, também não invocou o decurso de qualquer prazo de caducidade, pelo que, não podia essa questão ser objecto do conhecimento oficioso do tribunal;
- O tribunal ao pronunciar-se sobre matéria que não é do conhecimento oficioso e que não foi invocada pelo Embargado, como efectivamente até ao momento não foi, acabou por se embrenhar e por tomar conhecimento sobre questão que, até ao momento, não lhe foi colocada, incorrendo na nulidade prevista no art. 615º n.º1 do C.P.Civil;
- Nulidade esta da Sentença, que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos – aplicação conjugada das supra citadas normas e do art. 615º nº1 al. d) e nº 4 do CPC - e cuja procedência deverá conduzir à revogação da Sentença proferida;
- Antes de prosseguir importa desde já deixar aclarado que nº 2 do art. 344º do CPC, não tem aplicação quando o que está em causa é uma acção de embargos de terceiro com função preventiva;
- Quando se trata de embargos de terceiro com função preventiva o prazo é regulado pela norma expressa que se mostra escrita no art. 350º do CPC;
- Tanto basta, dada a existência desta norma expressa para este caso concreto – “in claris non fit interpretativo” – art. 9º nº 3 do CC – para afastar de forma indubitável aquela pretensão do tribunal de aplicar por forma analógica ao disposto no art. 350º o que está previsto, para outras e bem diferentes situações, no art. 344º nº2 do CPC;
- Mesmo que assim não fosse, também importaria atender que o disposto no art. 344º nº 2 estipula que o prazo de 30 dias se conta, a partir da data em que a diligencia foi efectuada e a posse do embargante afectada;
- Resulta também daqui absolutamente manifesto erro do tribunal “a quo”, seja na determinação da norma aplicável, seja na qualificação jurídica dos factos – art. 616º nº 1 e 2 al. a) do CPC;
- Por isso, também aqui se reclama a reforma da Sentença proferida nos termos do conjugadamente disposto nas supracitadas normas legais e deste art. 616º nº 3 do CPC;
- A Embargante/Apelante tomou conhecimento que se encontrava designado para o dia 06/05/2019 a diligencia de entrega de imóvel, onde se encontra a funcionar o estabelecimento comercial e industrial de que a mesma é titular, no âmbito da Execução para a entrega de coisa certa que sob o n.º 70/19.8T8MAI corre seus termos neste Juízo de Execução e na qual figura como Exequente, o Banco B…, S.A. e como Executada, a sociedade “C…, Lda” – agora massa falida;
- Já há mais de um ano, vem a Apelante negociando com o Banco Exequente a compra desse mesmo edifício, por forma a que no mesmo possa permanecer em funcionamento o respectivo estabelecimento comercial e industrial, protegendo e defendendo os seus legítimos e sérios interesses, sobre essa mesma universalidade jurídica, que a lei protege, enquanto conglomerado de direitos e obrigações autónomas –equipamentos industriais, organização económica, postos de trabalho das dezenas de trabalhadores que aíexercem as funções no dia a dia, clientela, fornecedores, e até o Estado enquanto interessado e titular do direito á cobrança de impostos e a Segurança Social, enquanto entidade interessada na defesa dos postos de trabalho e subsequente defesa de trabalhadores e das contribuições que a actividade laboral dos mesmos proporciona para o equilíbrio e sustentabilidade do sistema previdencial e social ;
- Sem prejuízo, quer das informações prestadas e documentalmente comprovadas, quer das negociações que se encontravam em curso, o Banco exequente persistiu com a diligencia da entrega daquele Edifício na data assinalada de 6/5/2019;
- A imediata, tal como incondicional, entrega do edifício ao Exequente, com mudança de fechaduras, expulsão dos trabalhadores que ali estão a laborar, o corte do fornecimento de energia à normal laboração das maquinas, destruição ou desmontagem apressada das mesmas, impedimento de acesso e utilização das matérias primas e mercadorias que ali se encontram depositadas ou prontas para serem expedidas para os clientes, causaria (e causa) gravíssimos e até irremediáveis prejuízos à Embargante;
- Motivo pelo qual, quando já “in extremis” percebeu que o Banco não desistiria da entrega do edifício, mesmo que as negociações para a compra não estivessem concluídas, não lhe restou outra alternativa que não fosse a de lançar mão de Embargos de Terceiro com função preventiva para impedir o definitivo encerramento do estabelecimento industrial e toda a sua organização económica e social;
- Um dos derradeiros objetivos (pedidos) da Apelante, na defesa da sua posse, prendeu-se com a obtenção de um prazo mínimo – 6 meses -, para conseguir encontrar e contratualizar a aquisição de um outro edifício industrial, bem como, para conseguir contratar técnicos especializados na desmontagem dos equipamentos – particularmente as maquinas de bordar, bem como, para transferir todos esses equipamentos, moveis e demais recheio para novas instalações industriais;
- Sem prejuízo do então alegado e documentalmente demonstrado na P.I. de Embargos de Terceiros com função preventiva, a MM. ª Juiz do Tribunal “a quo” decidiu indeferir liminarmente os mesmos, pois entendeu que o “conhecimento” que a Apelante teve da potencial (futura) ofensa em 21.02.2019, obrigava-a a deduzir os Embargos no prazo de 30 dias contados dessa ameaça, sob pena de caducidade da acção, aplicando então o disposto no 344º n.º2 “ex vi” do art. 350º n.º1 do C.P.Civil, conforme da Sentença recorrida que se encontra a fls. _ dos autos – ref. n.º 403775294 - tudo melhor se alcança;
- Na verdade, em 21 de Fevereiro de 2019, o Banco exequente havia diligenciado a entrega do Edifício onde se encontra instalado o estabelecimento industrial da Embargante, mas tal entrega não foi concretizada;
- Nessa data, o Banco Embargado, percebendo que no edifício estava em pleno funcionamento o estabelecimento industrial da Embargante, aceitou conferir prazo para a concretização da entrega do mesmo;
- Situação essa que, sem necessidade do recurso ao tribunal, levou a que a referida diligencia não fosse realizada, conforme do Auto de Diligência datado de 21/2/2019 que se encontra a fls. _ dos autos principais tudo melhor se alcança;
- Daí que, a MM. ª Juiz do Tribunal “a quo” ao indeferir liminarmente os Embargos de terceiro com função preventiva, com fundamento na aplicação do art.344º nº 2 do C.P.C, faz a aplicação de uma norma que não tem a ver com a questão concreta proposta na acção, que não é uma acção de embargos de terceiro com função repressiva ou reconstitutiva, mas sim embargos de terceiro com função preventiva – regulamentada no art. 350º nº 1 e 2 do CPC;
- Pelo que, a douta sentença recorrida não só não fez a adequada e justa ponderação dos factos de acordo com os elementos fornecidos pelo processo, como não fez a boa aplicação do direito competente à concreta questão colocada nos autos;
- Os embargos de deduzidos pela Apelante são preventivos, conforme lhe permite o estatuído pelo art. 350º do CPC, - têm um regime excepcional e diferente ao do regime dos embargos de função repressiva;
- É maioritária e, pensa-se que unanime, a leitura jurisprudencial que considera inaplicável o prazo definido na 1.ª parte do n.º 2 do art. 344.º do Código de Processo Civil aos embargos de terceiro com função preventiva – “vide gratiae” neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo: 06B014, Relator: Juiz Conselheiro SALVADOR DA COSTA, data: 09-02-2006, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo: 01279/15, Relator: Juiz Conselheiro FRANCISCO ROTHES, data: 26-10-2016, a Decisão singular do Tribunal da Relação de Lisboa, processo: 5225/2008-8, Juiz Desembargador SALAZAR CASANOVA, data: 14-06-2008 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo: 1129/09.5TBVRL-H. G1, Relator: Juiz Desembargador JORGE TEIXEIRA, data: 24-09-2015, todos in www.dgsi.pt.
- Para tal conclusão apontam com nitidez a própria natureza da intervenção processual – enquanto nos embargos repressivos se reage contra diligência já materializada, nos preventivos visa-se «evitar o esbulho» tendo «por fundamento o justo receio» - in ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, vol. I, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1982, pág. 436) – e o conteúdo da circunstância despoletadora da reacção;
- No caso “sub judice”, mesmo considerando-se que a Embargante teve conhecimento da potencial ofensa do seu direito em 21.02.2019, a diligência de entrega do imóvel ao Exequente foi ordenada, tentada, mas não concretizada ou seja, não logrou ser plenamente realizada;
- O referido prazo de caducidade – previsto no artigo 344.º, do CPC para os embargos de natureza preventiva – pressupõe a efectiva realização da diligência ofensiva da posse ou de outro direito incompatível com essa realização ou com o seu âmbito, ou seja, que é seu pressuposto tratar-se de embargos de terceiro de função repressiva, não existindo prazo para a dedução de embargos de terceiro de função preventiva, os quais podem ser sempre deduzidos entre a data do despacho que ordena a diligência e a sua efectiva realização;
- Pelo que, repete-se, a MMª Juiz do Tribunal “a quo”, ao julgar intempestivos os presentes Embargos de Terceiro, fez uma errada interpretação do art.350.º n.º 1 do CPC e do n.º 2 do art. 344 do mesmo diploma legal;
- No caso concreto dos autos resulta da P.I. de Embargos e até da Sentença recorrida que a Embargante/Apelante invocou a qualidade de comodatária do imóvel para a dedução dos embargos, pelo que, duvidas não subsistem, que estava (e está) em causa uma eventual ofensa de um direito incompatível com a ordenada diligência de entrega do imóvel;
- Pretender-se aplicar aos embargos de carácter preventivo o prazo estabelecido no artigo 344º do CPC, fazendo decorrer os trinta dias desde a data em que foi ordenada a diligência é manifestamente inaceitável;
- Pelo que, os embargos de terceiro preventivos deduzidos pela Apelante, eram então e continuam aliás agora a ser, perfeitamente tempestivos, não ocorrendo qualquer caducidade do direito potestativo que a Embargante/Apelante tinha na altura, e continua aliás a ter agora, de deduzir, como deduziu, tais embargos de terceiro, não sendo tal direito potestativo minimamente beliscado pelo facto da mesma embargante já ter conhecimento, desde Fevereiro de 2019, que a entrega judicial em questão havia sido ordenada, pois que tal conhecimento é, para a dedução dos embargos de terceiro preventivos em causa, ter sido, ou não, tempestiva, completamente irrelevante;
- Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida, violou e, ou, interpretou erradamente, em primeira linha, o conjugadamente disposto nos 303º, 333º nº 2 do CC, e arts. 350º, 615º nº 1 al. d) do C.P.Civil e, ou, art. 616º nº 1 e 2 al. a) e nº 3 do CPC, em segunda linha o conjugadamente disposto nessas mesmas normas legais e ainda nos arts. 9º nº 3 e 11º do CC e art. 350º nº 1 do CPC.
Notificados os embargados, o exequente Banco B…, S.A. apresentou contra-alegações nas quais, para além de suscitar a questão do abuso de direito, conclui pela improcedência do recurso.
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Questão a decidir:
- tempestividade dos embargos.
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A matéria a considerar já resulta do relatório. Importando considerar ainda, por relevante, o teor do auto de diligência de entrega, de 21-2-2019, referido na decisão recorrida:
“…
Pelo representante da sociedade D…, Ex.mo Sr. E…, foi pedido um prazo não inferior a sessenta dias, improrrogável, para roceder à remoção total de todos os bens móveis, nomeadamente, mobiliário, equipamentos, máquinas, matérias primas, produtos acabados e outros de sua pertença, que se encontram no interior do imóvel propriedade do Banco B…, S.A., objecto de entrega.
Mais referiu que, com a remoção de todos os equipamentos, máquinas e demais bens, a que inequivocamente e sem qualquer reserva se obriga, de todos os bens, cuidará de reparar de imediato e no referido prazo, quaisquer danos que venha a causar ao imóvel objecto de entrega, por causa da remoção.
Atento o pedido efectuado pelo representante legal da sociedade D…, S.A., Ex.mo Sr. E…, e as obrigações por si acima assumidas, o exequente e proprietário do imóvel objecto da entrega para hoje designada, na pessoa do seu ilustre Mandatário Dr. F…, declarou que não se opõem à suspensão da diligência pelo prazo pretendido e, para os referidos fins, designando-se, contudo, desde já nova data, 06 de Maio de 2019, pelas 10:30 horas, para a efectiva entrega do imóvel.

Considerando o referido e o acima acordado, suspende-se a diligência do referido imóvel a que se referem os presentes autos, designando-se desde já o dia 06 de Maio de 2019, pelas 10:30 horas, para a sua efectiva entrega ao aqui exequente Banco B…, S.A., conforme ordenado”
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Invoca a recorrente a nulidade da sentença.
Alega ter sido apreciada na decisão recorrida a questão da caducidade dos embargos, a qual, todavia, não foi suscitada, nem é de conhecimento oficioso. Pelo que conheceu de questão não colocada. O que é fundamento de nulidade da sentença – art.615º, nº1, al. d), do CPC.
A sentença é nula quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – art.615º, nº1, al. d), do CPC.
Ora, colocando-se tal questão – art.345º, nº1, do CPC – saber se o tribunal pode conhecer oficiosamente, ou não, da mesma, tem a ver com o mérito da causa. Não constituindo fundamento de nulidade da sentença.
Não se verifica, assim, a apontada nulidade.
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Suscita a recorrente, como acaba de se referir, a questão do conhecimento oficioso da caducidade dos embargos.
Nos termos do disposto no art.345º do CPC: “Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante”.
Cabe, assim, ao tribunal, e em primeiro lugar, conhecer da tempestividade dos embargos, caso disponha de elementos para tal.
Como escreve SALVADOR DA COSTA in Os Incidentes da Instância, 217:
“No regime actual, por força do disposto no art.354º, a petição de embargos de terceiro deve ser liminarmente indeferida se não for apresentada em tempo, pelo que a excepção de caducidade do direito de acção é de conhecimento oficioso se os factos respectivos resultarem da petição inicial, configurando-se, assim, neste procedimento, mais uma excepção à regra constante do nº2 do artigo 333º do Código Civil”.
E mais à frente:
“Aberta conclusão ao juiz no apenso de embargos, ele deve logo formular um juízo sobre a tempestividade da apresentação da petição, no confronto com a data da diligência judicial em causa e com o disposto no nº2 do artigo 353º ou no nº1 do artigo 359º.
Com efeito, nesta situação particular, como acima já se referiu, ao contrário da regra que resulta do nº2 do artigo 333º do Código Civil, a caducidade do direito de embargar é de conhecimento oficioso”.
No mesmo sentido cfr. os ac.s da Relação do Porto de 13-12-2004 e da Relação de Lisboa de 12-2-2015, in www.dgsi.pt.
Ora, tendo o Tribunal recorrido apreciado a questão da caducidade com base nos elementos de que já dispunha, nada obstava ao seu conhecimento, como decorre claramente do disposto no art.345º do CPC: “Se apresentada em tempo…”.
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Os embargos de terceiro devem ser deduzidos nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efectuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa – art.344º, nº2, do CPC.
Tratando-se de embargos de terceiro com função preventiva, devem ser deduzidos após a diligência ser ordenada e até antes de ser realizada – art.350º, nº1, do CPC.
Com escreve SALVADOR DA COSTA, ob. cit., 231:
“A lei não prevê prazo fixo para a dedução deste tipo de embargos, mas tão só dois limites processuais, ou seja, a data do despacho judicial determinante da diligência ofensiva da posse ou de outro direito incompatível com a sua realização ou âmbito, e a data da sua efectivação”.
No caso, estamos perante embargos de terceiro com função preventiva. Pelo que, não estando ainda realizada a diligência aquando da sua dedução, os mesmos, em princípio, seriam tempestivos.
E dizemos “em princípio seriam” porque a questão, e atentos os elementos constantes ds autos, terá de ser analisada também à luz do instituto do abuso de direito.
Nos termos do disposto no art.334º do C.Civil: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Ou seja, não obstante formalmente determinado direito integre a esfera jurídica de alguém, o seu exercício, em determinadas circunstâncias concretas, pode ofender clamorosamente o nosso sentido de justiça – cfr. P. LIMA e A.VARELA in C.C. Anotado, I, 299.
Ora, voltando-nos para o caso em apreço, resulta do auto de diligência de entrega supra referido que, estando a iniciar-se a mesma em 21-2-2019 – altura em que nada havia sido requerido pela embargante – aquela foi suspensa a pedido da embargante a fim de proceder à remoção dos bens que se encontravam no interior do imóvel; o que, atentas as razões invocadas, e confiando que a embargante, findo o prazo de 60 dias, ou antes, até, procederia à entrega do imóvel, foi aceite pelo exequente; no entanto, em 6-5-2019 a embargante, em vez de proceder à entrega consoante se havia comprometido, apresentou embargos preventivos, o que, caso a diligência de 21-2-2019 não tivesse sido suspensa, não poderia ter feito.
Ou seja, em vez de honrar o compromisso assumido, a embargante aproveitou a suspensão da diligência para impedir a sua realização, requerendo uma medida que, não fosse a atitude compreensiva do proprietário do imóvel em 21-2-2019, seria extemporânea.
Esta conduta da embargante é claramente abusiva, pois ofende, de forma intolerável, o sentido ético-jurídico das pessoas. Integrando-se na modalidade do venire contra factum proprium – cfr. MENEZES CORDEIRO in Tratado de Direito Civil Português, I, 275.
Na verdade, a postura adoptada pela embargante em 21-2-2019 gerou no proprietário do imóvel a confiança de que, na nova data estipulada, ou até antes, o imóvel seria entregue; confiança que merece tutela; assim sendo, não pode, agora, a embargante contrariar aquela postura, deduzindo embargos, até porque, naquela data, já não o podia fazer.
E esta conclusão não é alterada pelas eventuais negociações com o proprietário do imóvel, ou pelo facto de, eventualmente, a embargante carecer de mais tempo para a desocupação: qualquer alteração do acordado terá de ser consensual.
Assim sendo, terá de se considerar ilegítimo o exercício do direito por parte da embargante: é extemporâneo, tal como era aquando da diligência de 21-2-2019.
E sendo extemporâneos, devem ser indeferidos liminarmente, consoante decisão recorrida - embora não integre o objecto deste recurso diga-se, ainda, estarmos perante embargos inadmissíveis, atenta a qualidade de comodatário da embargante, consoante ac. do STJ de 30-3-2017, in CJ, XXV, I, 145.
Pelo que o recurso não merece provimento.
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Acorda-se, em face do exposto, em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
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Porto, 25 de janeiro de 2021
Abílio Costa
Augusto de Carvalho
José Eusébio Almeida