Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
22881/22.7YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: INJUNÇÃO
OPOSIÇÃO
ANULABILIDADE DO CONTRATO
Nº do Documento: RP2024011122881/22.7YIPRT.P1
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O princípio da autorresponsabilização das partes impede que se possa considerar relevante para efeitos de anulação de um contrato o convencimento, sem sustentação fáctica e jurídica, por parte de um contratante sobre uma garantia dada por um terceiro relativamente a facto a praticar pela pessoa que irá contratar com aquele.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 22881/22.7YIPRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 1

Relator: Francisca da Mota Vieira
Adjuntos: António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos
Paulo Duarte Mesquita Teixeira




Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Porto:

I - Relatório:

1. “A..., S.L.U.”, com sede na Avenida ..., ..., Sevilha, Espanha, deduziu requerimento de injunção contra “B..., Unipessoal Lda.”, com sede na Rua ... – ..., concelho de Santa Maria da Feira, pedindo a condenação desta a pagar-lhe o capital de €32.610,71, acrescido dos juros de mora vencidos no valor de €743,50, bem como no pagamento de juros vincendos desde a citação até ao efectivo e integral pagamento, calculados à taxa de juro comercial aplicável, e de €40,00 a título de outras quantias.
Alegou para tanto, em súmula, que no exercício da sua actividade forneceu à Requerida energia eléctrica nos termos constantes das facturas indicadas, cujo pagamento se encontra por liquidar.
Reclama, ainda, o montante de €40,00, a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio.

2. Notificada do requerimento de injunção, a Requerida deduziu oposição, invocando a anulabilidade do contrato, nos termos do disposto no art. 247.º e 251.º do Código Civil, alegando que apenas celebrou com a Requerida o contrato de fornecimento de energia eléctrica porque lhe havia sido garantido pelo representante/trabalhador da Autora, Sr. AA, um preço inferior ao contrato que tinha vigente, originando uma poupança de €400,00/mês face ao valor que se encontrava a pagar.
Nestes termos, concluiu pela improcedência da acção.

3. Transmutada, por via da oposição deduzida, nos termos do art. 16.º, n.º 1 do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 de 1.09, em acção comum, veio a Autora, na sequência da notificação que lhe foi endereçada, responder à invocada excepção peremptória, alegando, em súmula, que o referido AA não tem qualquer relação laboral com aquela, nem tem poderes de representação na mesma. Por outro lado, os serviços foram facturados nos termos constantes do contrato de fornecimento de electricidade, onde consta, de forma legível, a modalidade de «Preços Inexados».

4. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, no qual se julgou a regularidade da instância, fixou-se o objecto do litígio e definiram-se os temas da prova.


5. Realizou-se audiência final, com observância do formalismo legal, conforme consta da respectiva acta e foi proferida sentença que julgou a ação procedente e condenou a ré a pagar à autora a a quantia global de € 33.394,21 (trinta e três mil, trezentos e noventa e quatro euros e vinte e um cêntimos), acrescidos dos juros de mora, calculados à taxa de juro comercial que vigorar ao longo de cada semestre, vencidos e vincendos sobre o capital de € 32.610,71, a partir da data da entrada do requerimento de injunção (10-03-2022) até efectivo e integral pagamento.

6. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação cujas conclusões se reproduzem:
1. O presente recurso tem por objeto duas questões:
a) Face á fundamentação de facto da sentença recorrida e por obediência aos princípios da repartição do ónus da prova impunha-se a improcedência do pedido;
b) Face á fundamentação de facto da sentença recorrida deveria ter sido julgada procedente a exceção de erro-vício alegada pela aqui recorrente.
2. Na presente ação, autora/recorrida, vendedora de energia elétrica, peticiona a condenação da ré no pagamento das quantias referentes a duas faturas.
3. Ora, salvo devido respeito, que é muito, a recorrente considera que a aqui autora não produziu em Juízo qualquer prova quanto ao preço estabelecido nas faturaspeticionadas.
4. É sabido que as faturas são meros documentos contabilísticos e que não existe qualquer regra específica no direito comercial que liberte o vendedor/prestador do serviço do ónus probatório dos factos constitutivos do seu direito.
5. O mesmo é dizer que o vendedor/prestador de serviço fica obrigado a provar que a encomenda foi realizada, conferida e aceite pelo comprador. Ou seja, o vendedor tem que provar que os bens entregues se encontram nas condições contratualmente fixadas entre as partes, designadamente quanto às características e ao preço.
6. Face à matéria vertida nos pontos 6, 7 e 8 do quadro factual da sentença recorrida, resulta provado que o preço contratado pelas partes era um preço indexado.
7. Na tarifa indexada, o preço é indexado à cotação do mercado diário da energia, sendo que o cliente paga, a cada hora, o preço real da energia, ou seja, o preço é determinado diretamente pela variação dos preços da produção de energia elétrica.
8. Ora, in casu, a autora/recorrida para fazer prova dos valores peticionados, teria necessariamente, que demonstrar a cotação dos preços da energia reportados à data das faturas.
9. De facto, se o preço contratado é um preço indexado e se a autora/recorrida está a peticionar para determinado período preços de energia que triplicaram face aos meses anteriores, a ré/recorrente tem o direito de saber se o preço debitado nas faturas em causa corresponde efetivamente ao preço da eletricidade no mercado OMIE (no mercado grossista).
10. Tal prova faz parte integrante do direito ao preço peticionado pela autora/recorrida.
11. Certo é que, nenhuma referência é feita na fundamentação fática da sentença recorrida quanto ao preço concreto que é peticionado pela autora/recorrida, limitando-se a mesma a referir que o preço contratado era um preço indexado pass trhough, bastando-se com isso para julgar provados os valores peticionados na ação.
12. O Tribunal recorrido tendo por base que se tratava de um preço indexado, limitou-se a presumir, sem qualquer base probatória, que o preço das faturas estava correto.
Por outro lado,
13. A ré/recorrente considera que, in casu, se verifica uma situação de erro-vício, já que, só celebrou o contrato de fornecimento de energia elétrica com a autora em face daquilo que lhe foi transmitido pelo Sr. AA, o qual lhe garantiu um preço inferior ao que tinha vigente.
14. Com efeito, dos factos 1, 2, 4 a 7, 9, 10, 11 e 12 assentes na douta sentença recorrida resulta, sem margem para dúvidas, que no momento em que assinou o contrato com a autora, a ré estava convencida, face á declaração assinada pelo agente comercial AA, de que a sua despesa em eletricidade não iria aumentar e que até teria uma redução de €400,00.
15. A recorrente confiou na palavra escrita do agente comercial da autora e, sustentada na confiança que tal declaração lhe incutiu, aderiu ao contrato de fornecimento de energia elétrica que lhe foi apresentado pela recorrida, na pessoa do aludido agente.
16. O Tribunal recorrido considerou, todavia, que tal agente – o Sr. AA – era um comercial e não tinha poderes de representação da recorrente, pelo que não a podia vincular.
17. Com todo respeito, com tal conclusão não pode coincidir a recorrente, já que, os factos provados demonstram que o Sr. AA era um agente comercial da recorrida, que se comportava como tal e que negociava, em nome daquela e no seu interesse, os contratos de fornecimento de energia elétrica.
18. Aliás, quer na fase pré negocial quer na fase de concretização efetiva do negócio,a recorrente nunca contactou com outra pessoa que não fosse o aludido AA.
19. Desta forma, no presente caso, verifica-se, pelo menos, uma situação de procuração tácita - o representante manifesta tacitamente, através de comportamentos concludentes, a sua vontade de conferir os poderes ao representado. A procuração tácita é uma verdadeira declaração negocial e pressupõe, assim, uma consciência da declaração por parte do representado.
20. Assim, o negócio celebrado entre o aludido AA e a recorrente não poderá deixar de produzir os seus efeitos na esfera jurídica da aqui recorrida (como, aliás e com toda a clarividência sucedeu efetivamente, já que foi esta quem emitiu as faturas referentes ao fornecimento e agora peticiona os preços relativos ao aludido contrato).
21. Ora, na fase pré negocial à realização do contrato de fornecimento, o aludido AA garantiu à recorrente, por escrito, que esta passaria a ter uma redução mensal no custo da eletricidade de €400,00.
22. A recorrente quando contratou com a autora/recorrida fê-lo, pois, convencida de que o aludido contrato lhe permitiria reduzir o custo da eletricidade (cfr. pontos 11 e 12 da fundamentação de facto da sentença recorrida).
23. Não há dúvida, pois, que a vontade de contratar da autora estava assente na aludida premissa e que se não existisse essa garantia de redução de custo a recorrente não teria contratado.
24. Por outro lado, também não restam duvidas que a recorrida não podia ignorar da essencialidade para a autora dessa questão referente ao preço, já que, de outra forma não se compreende a razão de ser da declaração assinada e entregue pelo seu agente comercial.
25. Destarte, face à fundamentação de facto da sentença recorrida, a recorrente considera que se encontram preenchidos os pressupostos legais do erro sobre os motivos determinantes da vontade e que, em conformidade, deveria ter sido julgado anulado o negócio jurídico celebrado entre a partes, tal qual é alegado pela ré e previsto nos arts. 247 e 251 do CC.
26. Argumenta o Meritíssimo Juiz a quo que:
«Em todo o caso, importa sublinhar que tendo os serviços prestados sido efetivamente prestados o alegado vício gerador da pretensa anulabilidade nunca seria passível de eximir a Ré do pagamento dos valores devidos pelo fornecimento de energia que lhe foi concedido».
27. Neste passo acompanhamos a sentença recorrida quando afirma que, por força do princípio da retroatividade inerente ao regime da anulabilidade, a recorrente sempre teria que pagar o valor da energia fornecida durante a vigência do contrato. Todavia, esta é uma consequência da declaração da anulabilidade em si mesma e, como tal, terá que ser relegada para fase posterior, mormente para sede de liquidação de sentença.
28. Aliás, se a recorrida garantiu uma redução do custo da energia em €400,00, os valores a apurar terão que ter por referência esse desconto reportado ao montante da fatura de julho de 2021 (por ter sido esta que serviu de base à declaração emitida pelo agente comercial) – cfr. pontos 10 e 11 da fundamentação de facto da sentença recorrida.
29. Pelo exposto e sempre com o devido respeito, que é muito, a recorrente considera que a sentença recorrida não está de acordo com os princípios e regras de direito, já que viola o disposto nos artigos 247, 251, 258 e 342 do Código Civil.
Termina pedindo a procedência do recurso.
7. Não foram apresentadas contra-alegações.
8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

As questões suscitadas nas conclusões recursórias traduzem-se, de acordo com a argumentação da recorrente, nas seguintes:
a. Apurar e decidir em face da fundamentação de facto da sentença recorrida e por obediência aos princípios da repartição do ónus da prova se se impõe a improcedência do pedido;
b. Apurar em face da fundamentação de facto da sentença recorrida se se impõe julgar procedente o erro-vício invocado pela aqui recorrente.


III.FUNDAMENTAÇÃO.
3.1. Fundamentação de facto.
Da instrução, julgamento e discussão da causa resultaram como provados os seguintes factos com relevância para a decisão da mesma:
1. A Autora, sob a designação de «C...», e a Ré, celebraram um contrato de fornecimento de eletricidade, em 22 de Março de 2021, respeitante ao CPE PT000...29, situado na Rua ..., ... ..., Oliveira de Azeméis.
2. No âmbito de referenciado contrato de fornecimento de eletricidade, foi contratada uma potência de 175,02 kW, de nível de tensão MT, e com contagem Tetra-Horário e ciclo horário semanal com feriados.
3. O referenciado contrato era composto pelas condições gerais, condições particulares e pelas condições económicas, as quais foram explicadas à sociedade Ré, bem como assinadas e rubricadas pela mesma.
4. As condições económicas respeitam a preços indexados, que variam de acordo com as condições do mercado de eletricidade.
5. A Ré optou por um preço indexado “Pass Through”, isto é, por um preço indexado às variações do valor do mercado da eletricidade.
6. No exercício da respectiva actividade, a Autora, "A..., S.L.U.", celebrou, em 13/07/2021, com a Ré, “B..., UNIPESSOAL LDA.”, um contrato de fornecimento de energia eléctrica, mediante o pagamento de “preço indexado pass through”.
7. A Ré comprometeu-se a efectuar o pagamento das facturas que viessem a ser emitidas, nas respectivas datas de vencimento, de acordo com as condições económicas escolhidas, designadamente pelo “preço indexado pass through”.
8. No âmbito do referido contrato, a Autora forneceu à Ré os bens e prestou os serviços identificados nas facturas:
- FACODF21/...29, emitida a 21/10/2021, vencida em 04/11/2021, no valor de € 21.556,79; e
- FACODF21/...93, emitida a 11/11/2021, vencida em 25/11/2021, no valor de € 11.053,92.
9. Dias antes da outorga do contrato aludido em 6. o Sr. AA fez uma apresentação comercial da Autora à Ré.
10. Tendo comparado facturas da “C...”, do mês de Julho de 2021, com o preço oferecido pela Autora, conclui que os preços desta eram mais baratos, traduzindo uma poupança de €400/mês.
11. O aludido AA assinou um documento denominado por «Declaração», com o seguinte teor:
«Ao dia treze de Julho de dois mil e vinte e um, eu, AA, declara que a emprese B... e D... terá uma redução mensal de 400,00 (comparando faturas da A... e da C... deste mesmo mês) na factura de electricidade».
12. Convencida de que o contrato de fornecimento apresentado pela Autora comportava, em termos de preço, a aludida vantagem mensal de 400,00 relativamente ao contrato que se encontrava em vigor àquela data, a Ré aderiu ao contrato de fornecimento de electricidade que lhe foi apresentado pela requerente.
13. O sobredito AA é um comercial, sem poderes de representação, nem ligação de contrato de trabalho com a Autora.
14. Em 26 de Outubro de 2021, a ré enviou à autora uma carta registada, cujo teor consta como documento n.º 9 da contestação, na qual declara, além do mais, proceder à rescisão do contrato por incumprimento contratual desta.
15. Recebida a aludida comunicação, a Autora enviou à Ré a factura n.º ...93, descrita em 8, no valor de € 11.053,92.
Factos não provados
Não resultaram provados com relevância para a boa decisão da causa os seguintes factos:
a) - O único conteúdo do contrato aludido em 6. que foi asseverado à Ré consistiu no preço, garantidamente inferior ao contrato que tinha vigente, que originaria uma poupança de €400/mês face ao valor que mensalmente se encontrava a pagar.
b) - Após o recebimento da primeira factura referente ao contrato de fornecimento de electricidade celebrado com a Autora, a Ré deu conta que, contrariamente ao que lhe tinha sido assegurado, o valor mensal a liquidar não tinha sofrido qualquer decréscimo.
c) - Nos meses subsequentes ao da assinatura do contrato com a Autora, o custo mensal da Ré em electricidade aumentou.
d) - As facturas emitidas e apresentadas a pagamento pela Autora eram superiores relativamente ao valor mensal suportado pela Ré até ao momento em que negociou com aquela.

3.2. Fundamentação de Direito
3.2.1.
Analisada a peça recursória resulta que a sociedade-recorrente não impugna a decisão sobre a questão de facto vertida na sentença recorrida e que as questões suscitadas nas conclusões recursórias traduzem-se de acordo com a argumentação da recorrente nas seguintes:
a. Apurar e decidir em face da fundamentação de facto da sentença recorrida e por obediência aos princípios da repartição do ónus da prova se se impõe a improcedência do pedido;
b. Apurar em face da fundamentação de facto da sentença recorrida se se impõe julgar procedente o erro-vício invocado pela aqui recorrente.
3.2.1.1.
Vejamos.
a. Das conclusões recursórias nº2 a nº 12 retira-se que a recorrente alega que a autora, aqui recorrida, não produziu em Juízo qualquer prova quanto ao preço estabelecido nas duas faturas peticionadas, porquanto, “sendo a autora-vendedora de energia elétrica , tendo autora e ré acordado no fornecimento por aquela à ré de energia elétrica a um preço indexado à cotação do mercado diário da energia, pagando o cliente, a cada hora, o preço real da energia, ou seja, o preço é determinado diretamente pela variação dos preços da produção de energia elétrica, cabia à autora para fazer prova dos valores peticionados, alegar e provar a cotação dos preços da energia reportados à data das faturas."
Quid iuris?
Antes de nos debruçarmos sobre a primeira questão suscitada pela recorrente impõe-se antes de mais assinalar que a ré não impugnou na contestação o preço que lhe foi debitado nas duas facturas em apreço, isto é, não questionou a bondade do preço da energia eléctrica que está facturado nas duas facturas juntas, não impugnou estes dois documentos, resultando da contestação que a ré aceita que foi a autora que lhe forneceu energia elétrica nos períodos a que se reportam as duas facturas e não alegou que os valores facturados nas duas facturas não tinham correspondência com a cotação dos preços da energia reportados à data das faturas.
Como ficou referido no relatório introdutório a ré-apelante, na oposição invocando a anulabilidade do contrato, nos termos do disposto no art. 247.º e 251.º do Código Civil, alegou que apenas celebrou com a Requerida o contrato de fornecimento de energia eléctrica porque lhe havia sido garantido pelo representante/trabalhador da Autora, Sr. AA, um preço inferior ao contrato que tinha vigente, originando uma poupança de €400,00/mês face ao valor que se encontrava a pagar.
Assim, alegou:
“Nos termos da lei, a autora ficou obrigada aos termos contratuais estabelecidos entre a ré e o aludido AA, seu representante e, como tal obrigada a fornecer àquela eletricidade a um custo mensal reportado ao consumo usual da mesma a um preço inferior ao que aquela vinha a pagar até à data em que celebraram o contrato.
A autora não cumpriu o contrato nos termos acordados.
As faturas em causa não correspondem aos termos contratuais estabelecidos entre a autora e a ré e, como tal, não lhe podem ser exigíveis.
A ré só celebrou o contrato de fornecimento de eletricidade em causa com a autora, porquanto estava segura daquilo que lhe foi transmitido pelo Sr. AA, ou seja, de que iria poupar no custo mensal da energia elétrica.
Não fosse essa condição, essencial para a ré e sobejamente conhecida pela autora”

Pelo que, concluímos que a questão ora colocada nas conclusões recursórias - que os valores facturados nas duas facturas não tinham correspondência com a cotação dos preços da energia reportados à data das faturas. - é uma questão nova introduzida pela primeira vez nos autos com a peça recursória.
Como se sabe os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas. Só não será assim quando a própria lei estabeleça uma exceção a essa regra, ou quando esteja em causa matéria de conhecimento oficioso.
Quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, que não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova.
Em consequência, porque a questão em apreço, apenas foi suscitada em sede recursiva, traduz questão nova esta Relação não tomará conhecimento da mesma, o que se decide.
Sem condescender, sempre diremos.
Como é reconhecido na sentença sob censura, “da análise da factualidade provada resulta que a Autora prestou à Ré serviços de fornecimento de energia eléctrica, os quais assumem a natureza de um serviço público essencial (cfr. art. 1.º, n.º 2, al. b), do regime legal previsto na Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, com as alterações que lhe foram introduzidas pelas Leis 12/2008, de 26 de Fevereiro e 24/2008, de 2 de Junho). ( …)
Em suma estamos diante de um contrato atípico, de natureza comercial (cfr. art.ºs 405.º, n.º 1, do Código Civil, 2º, 3º e 13º, nº 2, do Código Comercial), do qual resultou para a Autora a obrigação principal de fornecimento à Ré da energia eléctrica que esta consumisse, e para a última a obrigação principal de pagamento à primeira do preço respectivo.
Revertendo tais considerações à factualidade assente nos presentes autos constata-se que a Autora, no âmbito da sua actividade comercial, prestou serviços à Ré de fornecimento de energia eléctrica e nesse contexto emitiu as facturas acima descritas, as quais tendo-lhe sido apresentadas para pagamento não foram liquidadas, sendo certo que cabia à Ré demonstrar que efectuou o pagamento das facturas, porquanto se trata de um facto extintivo do direito do Autor (cfr. art. 342.º, n.º 2, do Código Civil).
Com efeito, a Ré não contesta os serviços prestados, tendo efectuado o consumo da energia eléctrica que lhe foi fornecida pela Autora. Questiona, contudo, o valor do preço cobrado, invocando a anulabilidade do contrato, por erro sobre os motivos determinantes da vontade, nos termos do disposto nos artigos 247.º e 251.º ambos do Código Civil.”
Ora, de acordo com as regras do ónus da prova estabelecidas no artº. 342º, nºs 1 e 2 do Código Civil, e como é jurisprudência e doutrina assentes, em situações contratuais como esta, compete à Autora alegar e provar a existência do contrato e o seu incumprimento por parte da Ré (factos constitutivos do direito alegado), cabendo à Ré devedora o ónus de provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela Autora.
Pelo que, também por esta via, no caso, não tendo a ré-recorrente impugnado a alegação feita na petição no sentido da autora ter prestado os serviços-fornecimentos a que se referem as duas facturas em apreço, não pode, agora, apenas em sede recursiva, suscitar questões relativamente aos fornecimentos a que referem as referidas facturas, sob pena de violação do princípio de concentração de defesa e da consequente preclusão dos meios de defesa, conforme art 573º, nº1, CPC.
Assim, está vedado à ré-recorrente, suscitar pela primeira vez nos autos através da peça recursória em apreço, questões relativas à alegada correspondência ou falta dela entre o preço facturado e a cotação dos preços da energia reportados à data das faturas.

b.A 2ª questão suscitada pela recorrente traduz-se em apurar, em face da fundamentação de facto da sentença recorrida, se se impõe julgar procedente o erro-vício invocado pela aqui recorrente, conforme pretende a recorrente.
Os argumentos da recorrente estão vertidos nas conclusões recursórias nºs 13 a 29.
E a factualidade julgada provada e que releva é a seguinte:
“1. A Autora, sob a designação de «C...», e a Ré, celebraram um contrato de fornecimento de eletricidade, em 22 de Março de 2021, respeitante ao CPE PT000...29, situado na Rua ..., ... ..., Oliveira de Azeméis.
2. No âmbito de referenciado contrato de fornecimento de eletricidade, foi contratada uma potência de 175,02 kW, de nível de tensão MT, e com contagem Tetra-Horário e ciclo horário semanal com feriados.
3. O referenciado contrato era composto pelas condições gerais, condições particulares e pelas condições económicas, as quais foram explicadas à sociedade Ré, bem como assinadas e rubricadas pela mesma.
4. As condições económicas respeitam a preços indexados, que variam de acordo com as condições do mercado de eletricidade.
5. A Ré optou por um preço indexado “Pass Through”, isto é, por um preço indexado às variações do valor do mercado da eletricidade.
6. No exercício da respectiva actividade, a Autora, "A..., S.L.U.", celebrou, em 13/07/2021, com a Ré, “B..., UNIPESSOAL LDA.”, um contrato de fornecimento de energia eléctrica, mediante o pagamento de “preço indexado pass through”.
7. A Ré comprometeu-se a efectuar o pagamento das facturas que viessem a ser emitidas, nas respectivas datas de vencimento, de acordo com as condições económicas escolhidas, designadamente pelo “preço indexado pass through”.
8. No âmbito do referido contrato, a Autora forneceu à Ré os bens e prestou os serviços identificados nas facturas:
- FACODF21/...29, emitida a 21/10/2021, vencida em 04/11/2021, no valor de € 21.556,79; e
- FACODF21/...93, emitida a 11/11/2021, vencida em 25/11/2021, no valor de € 11.053,92.
9. Dias antes da outorga do contrato aludido em 6. o Sr. AA fez uma apresentação comercial da Autora à Ré.
10. Tendo comparado facturas da “C...”, do mês de Julho de 2021, com o preço oferecido pela Autora, conclui que os preços desta eram mais baratos, traduzindo uma poupança de €400/mês.
11. O aludido AA assinou um documento denominado por «Declaração», com o seguinte teor:
«Ao dia treze de Julho de dois mil e vinte e um, eu, AA, declara que a emprese B... e D... terá uma redução mensal de 400,00 (comparando faturas da A... e da C... deste mesmo mês) na factura de electricidade».
12. Convencida de que o contrato de fornecimento apresentado pela Autora comportava, em termos de preço, a aludida vantagem mensal de 400,00 relativamente ao contrato que se encontrava em vigor àquela data, a Ré aderiu ao contrato de fornecimento de electricidade que lhe foi apresentado pela requerente.
13. O sobredito AA é um comercial, sem poderes de representação, nem ligação de contrato de trabalho com a Autora.
14. Em 26 de Outubro de 2021, a ré enviou à autora uma carta registada, cujo teor consta como documento n.º 9 da contestação, na qual declara, além do mais, proceder à rescisão do contrato por incumprimento contratual desta.
15. Recebida a aludida comunicação, a Autora enviou à Ré a factura n.º ...93, descrita em 8, no valor de € 11.053,92.”

Assim, a questão jurídica colocada neste segmento recursória consiste em dilucidar se o contrato- em apreço é anulável por erro na formação da vontade.
«O negócio jurídico, como acto de autonomia privada e acção que gera e põe em vigor uma regulação interprivada, com o inerente carácter criador de direito, supõe e exige da parte dos seus autores liberdade e discernimento. Contudo, na impossibilidade destes serem absolutos e ilimitados, a ordem jurídica contenta-se com a liberdade e discernimento normais, isto é, que são próprios das pessoas comuns ou da normalidade das pessoas e, nessa medida, para celebrar negócios jurídicos não é preciso ser dotado de excepcional inteligência ou ter formação superior. Basta ter o discernimento suficiente para se compreender o que se está a fazer e a liberdade suficiente para se poder optar entre celebrar, ou não, o negócio.»[1]
A este propósito, diz João de Castro Mendes ([2]) «a ordem jurídica exige que a vontade se haja formado de um modo julgado normal e são, ou seja, livre, esclarecida e ponderada. Ao esclarecimento opõe-se o erro, um dos principais vícios na formação da vontade, a par do medo ou coacção moral e da incapacidade acidental”.
«A vontade negocial pode estar viciada na sua formação, no processo de volição e de decisão, por deficiência de esclarecimento ou de liberdade……e a parte cuja vontade tenha sido perturbada pode, se assim o desejar, libertar-se do negócio viciado, procedendo à sua anulação».
Ainda sobre a exigência do necessário esclarecimento, Heinrich Ewald Horster refere[3] que «o negócio jurídico apenas pode desempenhar as suas funções quando a vontade, que se manifesta através da declaração negocial, se formou de uma maneira esclarecida, assente em bases correctas, e livre, sem deformações provindas de influências exteriores. Se a vontade não se formou esclarecida e livremente, ela está viciada. Na sequência do vício, que fere a vontade, também a declaração negocial em que esta se manifesta fica viciada».
O vício da vontade negocial que se traduza ou envolva uma deficiência de discernimento do seu autor constitui, assim, erro que corresponde à ignorância ou falsa representação de uma realidade (a ignorância do que se ignora)[4] que poderia ter intervindo ou interveio entre os motivos da declaração negocial.
O erro situa-se, assim, na formação do negócio jurídico, portanto em momento logicamente anterior a este. E deve notar-se que «só existe erro quando falta um elemento ou a representação mental está em desacordo com um elemento da realidade existente no momento da formação do negócio jurídico.
Se o caso consiste na falsa representação duma realidade futura, que não chega a verificar-se este caso é chamado inexactamente error in futurum, mas não é de erro é de uma outra figura jurídica, a chamada pressuposição, e que poderá determinar a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias (art.ºs 437º a 439º do Cód. Civil)»[5]

De salientar, desde já, que nem todo o erro é considerado juridicamente relevante e origina a anulação do negócio realizado.
As necessidades de segurança e estabilidade do tráfico jurídico exigem que a relevância do erro como fundamento da anulação do negócio dependa de determinados pressupostos, ou seja, é necessário que «concorram certos requisitos»[6], sendo que, relativamente ao seu regime de relevância, «cada ordem jurídica está perante um dilema: se não atende ao erro, vale um resultado que o errante não quis, ficando assim violado o seu direito à autodeterminação a realizar por meio do negócio jurídico; se atende ao erro, fica desiludida a expectativa da outra parte que confiou naquilo que entendeu e é perturbada a segurança do comércio jurídico»[7]

Para a solução desse dilema e na falta de uma solução geral tida por correcta, cada ordem jurídica opta, de acordo com a mentalidade dos seus destinatários e dentro do seu sistema, por estabelecer os critérios de relevância do erro[8] que considera ajustados e que o Cód. Civil condensa nos art.ºs 247º a 252º, interessando, para o caso em apreço, o erro vício na formação da vontade, também chamado, por vezes, erro-vício, ou erro-motivo, para o distinguir do erro na declaração, figura de divergência entre a vontade real e a vontade declarada, prevista no art.º 247º do Cód. Civil e a que se chama correspondentemente erro obstativo ou erro-obstáculo.
Este recai apenas sobre o elemento externo da declaração e afecta o comportamento declarativo, isto é, a exteriorização da declaração, produzindo uma divergência entre a vontade, que não está viciada ou deformada, e o que é declarado. Trata-se, portanto, de um erro no processo de formulação ou de manifestação da vontade, enquanto o erro-vício, que, frise-se, é o que está suscitado no caso vertente, incide só sobre a própria vontade (elemento interno) e não gera qualquer divergência entre esta e a declaração, que se apresenta em perfeita conformidade ou consonância com aquela. A vontade é que se encontra mal formada ou viciada na sua formação por erro, logo mal esclarecida, mas coincide com a declaração exteriorizada[9]

Manuel A. Domingues de Andrade[10] caracteriza-o, nos moldes seguintes: “[o] erro-vício consiste na ignorância (falta de representação exacta) ou numa falsa ideia (representação inexacta), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu”.

Procedendo ao enquadramento legal da questão, dispõe o art.º 251.º do Cód. Civil que «o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira …..ao objecto do negócio, torna este anulável, nos termos do art.º 247.º, que, por seu turno, exige para a respectiva relevância anulatória dois requisitos ou pressupostos: a essencialidade[11] e a cognoscibilidade.
Resulta destes normativos que o negócio jurídico só é anulável por erro sobre o objecto se esse erro for tal que sem ele a parte não teria celebrado o negócio, ou não o teria celebrado com aquele conteúdo. É esse o sentido da essencialidade a que se refere o art.º 247º do Cód. Civil e, concluindo-se que a parte teria celebrado o negócio do mesmo modo, ainda que não tivesse incorrido em erro, não haverá já fundamento para o anular.
Ainda que necessária a essencialidade não é, todavia, suficiente para fazer desencadear o efeito anulatório. Para além da essencialidade é também necessário que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
A parte que errou tem, pois, para obter a anulação do negócio «o ónus de demonstrar este duplo requisito: que se não tivesse ocorrido o erro, não o teria celebrado ou não o teria celebrado desse modo, e que a outra parte sabia ou não devia desconhecer que assim era». De outro, se o negócio jurídico pudesse ser anulado por erro sobre uma qualquer qualidade do objecto, que fosse essencial para a parte que errou, mas cuja essencialidade fosse surpreendente ou imprevisível, a contraparte no negócio ficaria injusta e excessivamente desprotegida e daí que o art.º 247º do Cód. Civil imponha à parte que invoca o erro o ónus de alegar e demonstrar que, nas circunstâncias do negócio, a outra parte conhecia, ou não devia ignorar, que o quid sobre o qual o erro incidiu era para ela essencial» [12]

Em suma, a relevância do erro sobre o objecto do negócio jurídico ou as suas qualidades depende, nos termos dos artigos 247.º e 251.º do Código Civil, da reunião dos seguintes requisitos:
1º - Que a vontade declarada esteja viciada por erro sobre o objecto do negócio ou as suas qualidades e, por isso, seja divergente da vontade que o declarante teria tido sem tal erro.
2º - Que, para o declarante, seja essencial o elemento sobre o qual incidiu o erro, de tal forma que não teria celebrado o negócio jurídico se se tivesse apercebido do erro.
3º - Que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro para o declarante.

.Revertendo as considerações feitas ao caso em apreço, resulta que na contestação a Ré sustentou que só celebrou o contrato de fornecimento em causa com a Autora em face daquilo que lhe foi transmitido pelo Sr. AA, representante da Autora, o qual lhe garantiu um preço inferior ao contrato que tinha vigente, preço esse que originaria uma poupança de € 400/mês face ao valor que mensalmente se encontrava a pagar.
Reproduzem-se aqui os artigos da contestação que relevam:
“4. O aludido representante/funcionário da autora garantiu à ré que os seus preços eram mais baratos e que, esta aderindo ao seu fornecimento, iria conseguir poupar nunca menos de €400,00/mês.
22. A ré só celebrou o contrato de fornecimento de eletricidade em causa com a autora, porquanto estava segura daquilo que lhe foi transmitido pelo Sr. AA;
23. Ou seja, de que iria poupar no custo mensal da energia elétrica.
24.Não fosse essa condição, essencial para a ré e sobejamente conhecida pela autora, tanto que foi reduzida a escrito, aquela não teria celebrado o contrato em causa.”

No entanto, como refere o tribunal recorrido, “tal alegação não logrou a adesão dos factos provados, concretamente que lhe tenha sido dada essa garantia, nem resultou demonstrado que o Sr. AA estivesse munido de poderes para vincular a sociedade, aqui Autora, a esse respeito.”
Dos factos provados resulta apenas resulta apurado que dias antes da outorga do contrato datado de 13/07/2021 – a que se reportam as facturas aqui peticionadas - o Sr. AA fez uma apresentação comercial da Autora à Ré, tendo comparado facturas da “C...”, do mês de Julho de 2021, com o preço oferecido pela Autora, e daí concluiu que os preços desta eram mais baratos, traduzindo uma poupança de €400/mês (cfr. item 9 e 10 dos factos provados).
E nesse exacto contexto, o aludido AA, que não representa a autora, assinou um documento denominado por «Declaração», com o seguinte teor: «Ao dia treze de Julho de dois mil e vinte e um, eu, AA, declara que a emprese B... e D... terá uma redução mensal de 400,00 (comparando faturas da A... e da C... deste mesmo mês) na factura de electricidade» (cfr. item 11).
Ora, interpretando essa declaração, nos termos de um declaratário normal (cfr. art. 236.º do Código Civil), resulta para nós, acolhendo a interpretação feita pelo tribunal recorrido, apenas que a comparação se circunscreveu a um período temporal específico, concretamente Julho de 2021, e incidiu sobre o valor das facturas da A... e da C..., tendo por referência os preços indexados às variações do valor de mercado da electricidade, que haviam sido contratualizados, não tendo, portanto, a abrangência que a Ré pretende aduzir, nomeadamente com o preço anteriormente praticado pela primitiva comercializadora de energia “EDP”.
Não se ignora que as sociedades, como qualquer outra pessoa colectiva, necessitam de órgãos que formem e exteriorizem a sua vontade, podendo igualmente vincular-se perante terceiros por meio de representantes voluntários, seja através mandatários ou procuradores nomeados para determinados actos ou categorias de actos, sem permissão estatutária ou como sucede com os trabalhadores assalariados dentro do âmbito das suas competências nos termos do art. 115.º, n.º 3, do Código do Trabalho.
Todavia, não resulta dos factos apurados que o referido Sr. AA tenha actuado na qualidade de representante da autora-apelada, pois não se encontrava munido de poderes de representação, servindo apenas como medianeiro na conclusão do contrato, o qual, como resulta da respectiva análise, foi assinado por outrem mandatado pela Autora, limitando-se aquele a fazer uma apresentação comercial da Autora junto de potenciais clientes, sem qualquer capacidade de decisão na determinação das condições contratuais e no preço, as quais se encontravam previamente estipuladas pela sociedade.
No caso em concreto o referido Sr. AA não actuou em qualquer dessas qualidades, tendo a própria declaração por si emitida – cujo sentido não é convergente com a interpretação que dela pretende extrair a Ré – sido efectuada à revelia da sociedade, numa folha avulsa de papel não timbrado, não tendo, por isso, o seu conteúdo qualquer eficácia vinculativa para com a sociedade aqui Autora (cfr. art. 268.º, n.º 1, do Código Civil).
Por conseguinte, o facto provado vertido no item 12 dos factos provados (12. Convencida de que o contrato de fornecimento apresentado pela Autora comportava, em termos de preço, a aludida vantagem mensal de 400,00 relativamente ao contrato que se encontrava em vigor àquela data, a Ré aderiu ao contrato de fornecimento de electricidade que lhe foi apresentado pela requerente.) não releva como fundamento para a anulabilidade do contrato em apreço, porquanto, independentemente da alegada essencialidade desse facto para a celebração do contrato, facto é que, não está provado que a autora-apelada conhecia, ou não devia ignorar, que o quid sobre o qual o erro incidiu era para ela essencial.
É que, como resultou provado no item 13º dos factos provados (13. O sobredito AA é um comercial, sem poderes de representação, nem ligação de contrato de trabalho com a Autora) a declaração feita pelo sr AA não vincula a autora-apelada, não sendo imputável a qualquer actuação ou omissão de qualquer representante legal ou voluntário da autora-apelada o facto provado vertido no item 13 .
De resto, o princípio da autorresponsabilização das partes impede que se possa considerar relevante para efeitos de anulação de um contrato o convencimento, sem sustentação fáctica e jurídica, por parte de um contratante sobre uma garantia dada por um terceiro relativamente a facto a praticar pela pessoa que irá contratar com aquele.
No mínimo, trata-se de um comportamento negligente da ré-apelante durante o período que antecedeu a celebrou do contrato celebrado entre autora e ré.
Assim, sem necessidade de mais considerações, concluímos pela improcedência do recurso de apelação e a confirmação da sentença recorrida.

Sumário
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IV. DELIBERAÇÃO:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela apelante.
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Porto, 11.01.2024
Francisca da Mota Vieira.
António Paulo Vasconcelos
Paulo Duarte Mesquita Teixeira
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[1] Pedro Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 2010, 6ª edição, págs. 658/659
[2] Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, AAFDL, 1995, pág. 106
[3] A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 6ª reimpressão, Almedina, pág. 567.
[4] Cfr, a este propósito, J. Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, 6ª edição, 1977, pág. 84, e José de Oliveira Ascensão, Direito Civil Teoria Geral, Volume II, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 135.
[5] Cfr, neste sentido e citando Windscheid, João de Castro Mendes, obra citada, págs. 108/109, e Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 387.
[6] João de Castro Mendes, obra citada, pág. 109,
[7] Cfr. Heinrich Ewald Horster, obra citada, págs. 568/569.
[8] Cfr. Heinrich Ewald Horster, obra citada, pág. 569, citando, a este propósito, Flume II, e João de Castro Mendes, obra citada, pág. 138, onde realça o afastamento na nossa lei das legislações alemã e francesa, que não atribuem «qualquer relevância ao erro sobre qualquer motivo».
[9] Cfr, neste sentido, Carlos Alberto da Mota Pinto, obra citada, pág. 386, Heinrich Ewald Horster, obra citada, págs. 569/570, Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, Código Civil anotado, Volume I, 1967, págs. 159 e 162, Pedro Pais de Vasconcelos, obra citada, pág. 659, e José de Oliveira Ascensão, obra citada, pág. 136.
[10] Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 9ª reimpressão, Coimbra, 2003, pág. 233.
[11] Alguma doutrina designa este requisito de relevância do erro como causalidade (error causam dans) – João de Castro Mendes, obra citada, págs. 109, 121 e 134, Luís A. Carvalho Fernandes, obra citada, págs. 151/154, e José de Oliveira Ascensão, obra citada, pág. 144.
[12] Cfr, neste sentido, Pedro Pais de Vasconcelos, obra citada, págs. 660 e 661.