Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MENDES COELHO | ||
Descritores: | APRESENTAÇÃO DE QUEIXA NO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM INDEMNIZAÇÃO POR PERDA DE CHANCE INCUMPRIMENTO DA EMPRESA DE CORREIO DECLARAÇÃO DE INADMISSIBILIDADE DA QUEIXA MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP202407109348/22.2T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Estando em causa ação de indemnização por perda de chance, decorrente da frustração de apreciação de queixa pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ocasionada por incumprimento contratual da empresa de correios no seu envio, e considerando que, com aquela indemnização, se repara a possibilidade de um resultado, para que se possa concluir por esse possível resultado é necessária a alegação do conteúdo intrínseco daquela queixa em termos de factualidade nela referida e sua articulação com o direito que se tem por pertinente, de modo a que dela decorresse a possibilidade consistente e séria de um resultado a favor do autor na apreciação de tal queixa e de que, por causa dele, não teriam ocorrido os prejuízos pretendidos indemnizar. II – Como decorre dos nºs 1, 2 e 3 do art. 35º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a declaração de inadmissibilidade proferida pelo referido Tribunal europeu em juiz singular é um juízo sobre a petição/queixa apresentada que pressupõe a apreciação, ainda que liminar, do seu conteúdo. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 9348/22.2T8PRT.P1 (Comarca do Porto – Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 1)
Relator: António Mendes Coelho 1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida 2º Adjunto: Manuel Fernandes
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
AA propôs ação declarativa comum contra “A..., S.A.”, pedindo que seja a ré condenada “no pagamento ao Demandante de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais causados”. Alegou para tal o seguinte: - cumpriu pena no Estabelecimento Prisional ... na sequência de condenação em processo crime, encontrando-se em liberdade condicional até ../../2024; - por considerar a condenação injusta decidiu recorrer às instâncias internacionais para reapreciação de “determinados pressupostos da sua condenação”; - mandatou para o efeito advogada para submeter a causa à apreciação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), tendo esta elaborado e remetido o respetivo requerimento no prazo de 6 meses, preenchendo o formulário daquele tribunal, que junta como doc. 3; - tal requerimento foi enviado sob correio registado, tendo sido entregue para envio à ré, em local e data que indica, o que fez em 19 de Fevereiro de 2018; - em 26.11.2018, por não ter sido devolvido ao AR, reclamou junto da ré; - em janeiro de 2019 a ré enviou um vale postal no valor de 53,36€, referindo terem ocorrido anomalias na prestação do serviço, não tendo o autor depositado o referido vale; - por contacto informal com os serviços do TEDH, o autor foi informado de que a correspondência por si remetida nunca chegou ao destino; - a ré incumpriu o contrato de prestação de serviços contratado pelo autor, dando causa a danos patrimoniais e não patrimoniais; - o autor remeteu nova correspondência para o TEDH, suportando o respetivo custo; - como consequência do incumprimento pela ré, o TEDH não apreciou a queixa por ser intempestiva; - do incumprimento por parte da ré advieram os seguintes danos: 27,28€ referentes aos custos suportados com a correspondência; 4.920,00€ de honorários da advogada; 232 deslocações familiares ao estabelecimento prisional, com um custo de 21.715,20€, bem como portagens no valor de 3.596,00€; danos não patrimoniais associados ao encerramento em EP durante mais de dois anos, privado dos contactos com a família, agravado pela greve dos guardas prisionais; penhora do ordenado “para pagamento da sanção acessória de devolução das quantias subsidiadas no montante global de 1.128.305,78€”; danos de agravamento do estado de saúde (visão e diabetes) no período de reclusão, computando o sofrimento e desgaste emocional em 50.000,00€; - desde que adquiriu conhecimento de que o seu requerimento não deu entrada no TEDH na altura devida, o Autor encontra-se severamente deprimido, sem ânimo, desmotivado, apático, tendo dificuldade para efetuar simples atos do seu quotidiano como dormir ou, até, socializar com os seus pares; - em síntese conclusiva refere que “como consequência directa da não recepção pelo TEDH da correspondência remetida a 19 de Fevereiro de 2018 a decisão do TEDH foi sentido de se escusar à apreciação da causa do Autor pelo motivo de esta não ter sido recebida de forma tempestiva, desvalorizando para o efeito o motivo (incumprimento por parte da Demandada, ao qual o Autor é alheio) da intempestividade, configurando, aqui, o dano não patrimonial sofrido pelo Autor a subtração do direito deste em recorrer àquele Tribunal, direito este que poderia, de forma concreta, conduzir à liberdade do mesmo”. Com a sua petição, o autor, sob o doc. nº10, juntou dois documentos; - uma notificação enviada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem à sua advogada constituída nos autos, com o seguinte conteúdo: “ECHR-LPor1.1.00R 10/10/2019
Queixa nº8776/19 AA c. Portugal
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, decidindo em formação de juiz singular, decidiu declarar inadmissível a queixa supramencionada.
Envio em anexo a decisão do Tribunal a esse respeito.
A presente decisão é definitiva e irrecorrível seja perante um Comité, a Secção ou o Tribunal Pleno. Não receberá mais correspondência do Tribunal no âmbito deste processo. Em conformidade com as diretivas do Tribunal, o processo será destruído no prazo de um ano a contar da data da decisão.
Esta decisão encontra-se redigida numa das línguas oficiais do Tribunal (Inglês ou Francês) e não poderá ser disponibilizada qualquer tradução da mesma numa outra língua.
O Secretariado do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”
- a decisão a que se alude naquela notificação, com o seguinte conteúdo:
“DÉCISION
AFFAIRE AA C. PORTUGAL (Requête nº8776/19) introduite le 19 février 2018
La Cour européenne des droits de l’homme, siégeant le 3 octobre 2019 em formation de juge unique conformemente aux articles 24 §2 e 27 de la Convention, a examine la requête susmentionnée telle qu’elle a été présentée. La Cour juge à la lumière de l’ensemble des éléments en sa possession, et por autant que les faits dénoncés relèvent de sa compétence, que ceux-ci ne révèlent aucune apparance de violation des droits et libertés garantis para la Convention ou ses Protocoles et que les critères de recevabilitè expos és aux articles 34 et 35 de la Convention n’ont pas été satisfaits. La Cour declare la requête irrcevable. (assinatura) BB Juge”
Na sequência de para tal ter sido solicitado pelo Tribunal por despacho de 19/10/2022, o autor, a 8/11/2022, veio apresentar tradução deste documento em língua francesa, cujo conteúdo é o seguinte: “Tribunal Europeu dos Direitos do Homem DECISÃO Processo AA C. Portugal Queixa nº 8776/19 Introduzida a 19 fevereiro de 2018 O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, reunido a 3 de Outubro de 2019 em tribunal singular de acordo com os artigos 24 § 2 e 27 da Convenção, examinou a queixa supramencionada nos termos apresentados. O Tribunal decide à luz de todos os elementos na sua posse, e na medida em que os factos denunciados são da sua competência, que os mesmos não revelam qualquer aparente violação do direitos e liberdades garantidos pela Convenção ou seus Protocolos e que os critérios de admissibilidade expostos nos artigos 34 e 35 da Convenção não foram preenchidos. (reunidos). O Tribunal declara o pedido inadmissível. BB Juíz”
A Ré deduziu contestação. Nela invocou a prescrição do direito de indemnização a que o autor se arroga, por decurso do prazo de 3 anos previsto no art. 498º nº1 do C. Civil. Depois impugnou os factos alegados pelo autor no sentido da pretensão indemnizatória por este deduzida, alegando, designadamente: que o autor, através da sua mandatária, enviou uma correspondência registada em Fevereiro de 2018, que só cuidou de confirmar a sua entrega em 18 de Novembro de 2018, ou seja, cerca de nove meses após o envio, o que denota uma conduta pouco diligente face à alegada importância do seu conteúdo; que o autor alega que o TEDH não apreciou o recurso que diz ter interposto por o mesmo ter sido considerado intempestivo, sem que tenha apresentado qualquer suporte documental inequívoco nesse sentido; que, no uso da diligência de um homem médio, aquando do alegado segundo recurso o autor podia, e devia, ter feito prova junto do TEDH do envio da primeira correspondência registada, com a alegação de que a mesma não terá chegado ao destino, salvaguardando, deste modo, o prazo de interposição do recurso em causa. Alegou ainda que, em 2019, o autor instaurou uma ação judicial contra a ré com os mesmos fundamentos dos presentes autos, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo Local Cível de Coimbra, Juiz 3, com o nº4600/19.7T8CBR e que findou com a deserção da instância por falta de impulso processual do autor, conforme sentença já transitada em julgado. Finalizou a defender que da factualidade alegada pelo autor e da prova documental junta aos autos não resulta estarem reunidos os requisitos da responsabilidade civil e, por via dela, da sua obrigação de indemnizar o autor. Foi proferido despacho a ordenar a notificação do autor para, querendo, responder às exceções alegadas pela ré. O autor veio responder, defendendo que ocorreu a interrupção da prescrição alegada pela ré por via da ação anterior (nº4600/19.7T8CBR) que, com a mesma causa de pedir e pedido formulados nos presentes autos, intentou a 1 de Agosto de 2019 contra a ré e na qual foi decidida a deserção da instância por sentença datada de 18/10/2021 e a si notificada a 21/10/2021, conforme documentos que juntou.
Depois de a 8/11/2012 o autor ter vindo juntar tradução do documento em língua francesa por si junto enquanto integrante do doc. nº10 com a petição inicial, a 1/12/2022 foi pela Sra. Juíza do processo proferido o seguinte despacho:
“A acção instaurada, fundada no instituto da responsabilidade contratual, tem por suporte essencial uma alegada perda de chance, isto é, entende o autor que, caso a ré houvesse cumprido as suas obrigações contratuais, entregando a correspondência remetida ao TEDH, a queixa apreciada seria atendida e o autor não sofreria os danos alegados, tendo, por responsabilidade da ré, o recurso ao TEDH sido rejeitado por ser intempestivo. Porém, não só não alega o autor, de forma concretizada, as circunstâncias que conduziriam ao resultado obstaculizado pela ré - não há concretização da relação causal entre a omissão da ré e um concreto resultado -, como não documenta o pressuposto essencial da acção: a rejeição da queixa submetida ao TEDH por não verificação dos requisitos formais da sua apreciação / tempestividade (art.º 19º da petição inicial). Desconhece-se, por não ser alegado, de que modo a petição apresentada perante o TEDH, a ser provida, evitaria os danos alegados nos artigos 23º a 30º da petição inicial. O autor comprova, como resulta do documento que antecede, que o TEDH declarou o pedido inadmissível por os factos denunciados não revelarem qualquer aparente violação dos direitos e liberdades garantidos pela Convenção ou seus Protocolos, mais referindo aquele alto tribunal que os critérios de admissibilidade expostos nos artigos 34º e 35º da Convenção não foram preenchidos, sendo que nenhum destes artigos alude ao prazo de submissão das petições à apreciação do Tribunal. Dado que os factos alegados, nos termos conclusivos em que encontram expostos, não suportam a solução jurídica propugnada – com excepção do dano alegado no art.º 22º -, designadamente à luz dos restritos poderes do TEDH (art.º 41º da Convenção), importa, em sede de pré-saneamento, convidar o autor a concretizar o alegado na sua petição inicial. Deste modo, ao abrigo do disposto no art.º 590, nº2, al. b) e nº4 do Código de Processo Civil, notifique o autor para, no prazo de 10 dias, - vir comprovar por documento a alegada rejeição da petição por parte do TEDH por ser intempestiva, uma vez que tal facto, alegado no art.º 19º, não admite outro meio de prova (o documento junto não comprova o facto alegado); - vir apresentar articulado que, aperfeiçoando o alegado nos artigos 18º e 21º da petição inicial, concretize de que modo a omissão de entrega da correspondência foi causa directa dos danos alegados nos artigos 23º a 30º, implicando tal concretização a alegação do resultado que, na perspectiva do autor, seria consequência da admissão da petição apresentada junto do TEDH, bem como a concretização da probabilidade consistente e séria de vir a ser alcançado esse mesmo resultado, desde já se consignando que tal alegação constitui pressuposto de viabilidade do mérito de parte substancial do pedido. Notifique a ré do teor do presente despacho. Caso seja atendido o convite dirigido ao autor, terá a ré direito ao contraditório. nos termos previstos pelo art.º 590º, nº5 do Código de Processo Civil. Dada a essencialidade do documento que corrobora a rejeição da petição pelo TEDH por intempestividade, o prosseguimento dos autos ficará dependente da sua apresentação.”
O autor e a ré foram notificados de tal despacho a 2/12/2022. Depois, a 15/12/2022, o autor veio pedir prorrogação do prazo concedido por mais 10 dias, alegando o seguinte: “1. A dificuldade de obtenção da prova documental solicitada; 2. A obediência ao princípio da economia processual, a fim de se aproveitar tal concessão de prorrogação para poder apresentar o aperfeiçoamento do articulado.”
Por despacho de 19/12/2022, foi deferida aquela prorrogação de prazo.
Por requerimento de 13/1/2023, o autor veio requerer nova prorrogação de prazo, agora por mais 20 dias, alegando para tal: “1. Ainda não recepcionou resposta ao ofício que enviou para o Tribunal Europeu; 2. Estando, assim, comprometido o cumprimento do prazo estabelecido pelo Tribunal 3. Irá solicitar pedido de resposta com carácter de urgência, pelo que 20 dias deve ser o suficiente para o envio e resposta de pedido de resposta urgente.”
Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho, proferido a 17/1/2023:
“Requerimento de 13.01.2023. Conforme se referiu no despacho de 01.12, o elemento documental cuja junção foi omitida, constitui suporte essencial da acção proposta, destinando-se a comprovar um facto que não admite outro meio de prova, pelo que deveria ter sido anexado à petição inicial (art.º 423º, nº1 do Código de Processo Civil). O autor foi convidado a aperfeiçoar o articulado inicial, tendo requerido, em 15.12, a prorrogação do prazo, alegando dificuldades na obtenção do documento, o que veio a ser deferido por despacho de 19.12, estendendo-se a prorrogação ao aperfeiçoamento. Vem o autor requerer nova prorrogação, alegando idêntico fundamento. Porém, particularmente no que respeita ao articulado aperfeiçoado, o requerido carece de fundamento legal e constituiria um benefício injustificado para o autor, que, inclusivamente, propõe pela segunda vez acção contra o réu com vista à obtenção de idêntico efeito jurídico. Deste modo, por carecer de fundamento legal, indefiro a requerida prorrogação do prazo de aperfeiçoamento do articulado inicial.
No que respeita ao documento, dada a sua essencialidade para apreciação da procedibilidade da acção, os autos aguardarão a sua junção, sem prejuízo do disposto no art.º 281º, nº1 do Código de Processo Civil, conforme já referido na parte final do despacho de 01.12. Notifique.”
Por requerimento de 6/7/2023, o autor veio dar conta da impossibilidade de junção aos autos da documentação referida nos despachos de 1/12/2022 e 17/1/2023 e requerer o prosseguimento dos autos. Foi designada audiência prévia para as finalidades previstas no art.º 591.º, nº1, alíneas a) e b) do CPC, a qual teve lugar a 2/10/2023.
Na sequência de tal audiência prévia, foi proferido despacho saneador seguido de sentença na qual se considerou que, por se estar perante responsabilidade contratual, o prazo de prescrição aplicável é o do art. 309º do C. Civil (20 anos) e não o de 3 anos invocado pela ré, e em que se decidiu, “por manifesta improcedência da ação”, absolver a ré do pedido.
De tal sentença veio o autor interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“A. A sentença, assenta o facto de o Autor “optou por fazer, o autor não respondeu ao convite do tribunal,” de aperfeiçoamento. B. O Autor não optou por não responder ao convite. Este, em requerimento, solicitou, uma vez mais que este prazo concedido fosse prorrogado, pois em nada iria fazer com que o processo fosse objecto de delonga, por via de tal requerimento de prorrogação de prazo, porquanto se encontrava a aguardar a obtenção de prova documental. C. Foi, assim, por parte do Autor respeitado o Princípio da Celeridade e de prática de actos inúteis. D. A Meritíssima Juiz a quo não concedeu nova prorrogação de prazo, ainda que requerida, cfr. despacho de fls., isto quer significar que o Autor, ao invés do afirmado na sentença, não optou por não responder ao convite de aperfeiçoamento, pois era sua intenção fazê-lo. E. Violou-se, assim, o Princípio da Cooperação, ao ser recusada a prorrogação de prazo requerida - artigo 7.º do Código de Processo Civil. F. Ainda que este tivesse optado por não responder, certo é que toda a alegação se encontrava na documentação anexa à petição inicial. G. Ao aperfeiçoar o Autor iria dar como reproduzido toda a extensa alegação que fez aquando da submissão da acção ao TEDH, esta que se encontra nos autos, documento n.º 3 junto com a petição inicial. H. É facto notório que esta não foi submetida dentro do prazo legal de 6 meses para o efeito. I. Logo cai por terra a teoria que não houvesse alegação, caindo também por terra a questão da prova, pois esta poderia sempre ser produzida em Audiência de discussão e Julgamento. J. "Dito de uma outra forma, nas palavras de Nuno Santos Rocha[5], apenas “quando, de acordo com a normalidade das regras do ónus da prova, não se consiga estabelecer o nexo causal entre um facto ilícito e um dano, mas se constata que, não fora a ocorrência do primeiro, o segundo teria uma probabilidade maior de não se produzir, a teoria da “perda de chance“ permite considerar que o comportamento censurável do agente privou a vítima de determinadas possibilidades de não sofrer aquele prejuízo, e que por isso essa perda poderá ser indemnizada. K. … a figura da “perda de chance” terá de ser considerada como uma nova espécie de dano reparável, desde que sejam, obviamente, preenchidos todos os pressupostos necessários ao nascimento de uma obrigação de indemnizar”. L. Na perda de chance repara-se a possibilidade de um resultado e não o próprio resultado." M. Ao decidir da forma em crise ficou vedada a possibilidade de prova dos fundamentos essenciais de procedência da acção, já que, desconhecendo-se qual o conteúdo da petição dirigida ao TEDH, a pretensão deduzida, os fundamentos que suportariam a probabilidade séria de uma decisão favorável e as consequências dessa decisão na condenação penal sofrida, não é viável atingir a conclusão de que o alegadamente contido na correspondência extraviada tinha qualquer probabilidade de sucesso." N. No acórdão citado pela Meritíssima Juiz a quo, este de uniformização de jurisprudência, o que se encontra em causa é o ónus da prova, O. A acção expõe na integra o conteúdo dos fundamentos da acção que se pretendia submeter ao TEDH, pois esta se encontra totalmente documentada nos autos.
Deve, assim, ser revogada a sentença proferida, prosseguindo os autos os demais termos.”
Não foram apresentadas contra-alegações. Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.
Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes as questões a tratar: a) – da violação do princípio da cooperação por parte do tribunal; b) – do prosseguimento ou não da ação.
** II – Fundamentação
Os dados a ter em conta são os referidos no relatório que antecede. Vamos à primeira questão enunciada. Está nela em causa o despacho proferido pela Sra. Juíza a 17/1/2023 que acima se referiu, que indeferiu uma segunda prorrogação de prazo peticionada pelo autor para aperfeiçoamento da petição inicial nos termos referenciados no despacho de 1/12/2022. Aquele despacho de 17/1/2023 integra decisão interlocutória de que não cabe recurso autónomo e, porque questionado no recurso ora interposto da decisão final proferida nos autos, há aqui que conhecer de tal decisão interlocutória (art. 644º nº3 do CPC). Defende o recorrente que ocorre violação do princípio da cooperação, previsto no art. 7º do CPC. Mas, desde já se adianta, não se lhe pode reconhecer razão. Vejamos. No despacho de convite ao aperfeiçoamento de 1/12/2022, que se presume notificado a 5/12/2022 (art. 248º nº1 do CPC, tendo em conta a sua notificação elaborada nos autos a 2/12/2022), a Sra. Juíza concedeu ao autor o prazo de 10 dias para apresentar a petição inicial corrigida e igual prazo para apresentar o documento que ali aludiu (comprovativo da rejeição da petição por parte do TEDH por intempestividade). No último dia de tal prazo, a 15/12/2022, o autor pediu a prorrogação por mais 10 dias do prazo para apresentação do documento (por “dificuldade de obtenção” dessa prova documental, como justificou) e também para apresentar o articulado corrigido, invocando quanto a este a “obediência ao princípio da economia processual, a fim de se aproveitar tal concessão de prorrogação para poder apresentar o aperfeiçoamento do articulado”. Por despacho de 19/12/2022, foi deferida tal prorrogação. Decorrido tal prazo, a 13/1/2023, o autor veio requerer nova prorrogação de prazo, agora por mais 20 dias, alegando para tal, e apenas com respeito ao documento que lhe foi solicitado, a ainda não obtenção de resposta do TEDH. E foi então sobre tal requerimento que recaiu o despacho de 17/1/2023, que, quanto ao aperfeiçoamento da petição inicial, indeferiu esta segunda prorrogação de prazo, e, quanto ao documento, considerada a sua essencialidade para a procedibilidade da ação, determinou que os autos aguardassem a sua junção. Como se pode ver, fazendo as contas, ao autor foram concedidos, ao todo, 20 dias para apresentar o articulado aperfeiçoado (sem contar com os dias decorridos entre 22/12/2022 e 3/1/2023, corridos em férias judiciais de Natal), sendo que a segunda prorrogação que o mesmo pediu, de 20 dias, apenas a fundamentou em relação à junção do documento que lhe foi solicitado. Ora, tendo-lhe já sido concedidos 20 dias para apresentar o articulado corrigido – prazo mais do que suficiente para tal – e não estando o novo pedido de prorrogação sequer fundamentado com qualquer justificação plausível para se prorrogar de novo o prazo para aquela apresentação (vide art. 7º nº4 do CPC), faz todo o sentido o despacho de 17/1/2023. Aliás, diga-se, face à clareza do conteúdo do despacho de convite ao aperfeiçoamento e ao prazo global concedido para a apresentação do articulado corrigido, cooperação com o autor é que não faltou… Assim improcede esta questão recursória.
Passemos à segunda questão enunciada. O autor fundamenta o pedido de indemnização formulado na ação no incumprimento da ré em fazer chegar ao TEDH queixa que para ali enviou, sob correio registado, no dia 19/2/2018, e que terá levado à não apreciação de tal queixa por tal instituição, frustrando assim o seu direito de apreciação da mesma e que, segundo defende, poderia conduzir à sua liberdade (art. 34º da p.i.), pois, segundo alegou, cumpriu pena de prisão no Estabelecimento Prisional ... e encontrava-se em liberdade condicional (arts. 1º da p.i.). Na sentença recorrida, na sequência de não apresentação de petição inicial corrigida nos termos do despacho de 1/12/2022, decidiu-se pela absolvição da ré do pedido com fundamento na manifesta improcedência da ação. Concluiu-se por tal manifesta improcedência por via da seguinte argumentação, que se transcreve: - “Conforme foi referido no despacho de 01.12.2022, tendo embora a ação por base essencial o alegado incumprimento por parte da ré das obrigações emergentes do contrato de prestação de serviços celebrado com o autor, as consequências que o autor pretende atuar extravasam os meros prejuízos diretamente decorrentes desse incumprimento (custo do serviço e eventuais despesas associadas à repetição do envio da correspondência), assentando nos abrangentes prejuízos que o autor entende ter sofrido por não ter sido apreciado o requerimento que essa mesma correspondência continha. Porém, tal como se referia no despacho que dirigiu o convite ao aperfeiçoamento, o autor não concretizou a relação causal entre a omissão da ré e o concreto resultado em que suporta os prejuízos, que passaria, necessariamente, pela alegação dos fundamentos do requerimento dirigido ao TEDH e de factos que suportassem a probabilidade séria de este vir a ser atendido e, por via disso, poder o autor ser desonerado da condenação em pena de prisão e indemnização (sanção acessória) que alicerçam o seu pedido de indemnização. Essa foi a razão pela qual o tribunal convidou o autor a apresentar articulado que, aperfeiçoando o alegado nos artigos 18º e 21º da petição inicial, concretizasse de que modo a omissão de entrega da correspondência foi causa direta dos danos alegados nos artigos 23º a 30º, implicando tal concretização a alegação do resultado que, na perspetiva do autor, seria consequência da admissão da petição apresentada junto do TEDH, bem como a concretização da probabilidade de vir a ser alcançado esse mesmo resultado. Impunha-se, para assegurar o êxito da ação, que o autor alegasse e provasse que existia uma probabilidade consistente e séria de ganho de causa, ou seja, que a apreciação pelo TEDH da queixa por si apresentada tinha uma elevada probabilidade de ser decidida a seu favor e que dessa decisão adviria a libertação do autor. Para tal, seria necessário que alegasse factos a partir dos quais este tribunal, a quem se imporia fazer um julgamento dentro do julgamento, pudesse concluir que o TEDH, perante os fundamentos aduzidos pelo autor, tomaria uma determinada decisão, que, por sua vez, teria a virtualidade de suportar a revisão da decisão condenatória Porém, convidado a concretizar a alegação conclusiva que, nessa parte, optou por fazer, o autor não respondeu ao convite do tribunal, não obstante ter requerido, e lhe ter sido deferida, uma prorrogação de prazo para esse efeito. Nessa medida, ficou vedada a possibilidade de prova dos fundamentos essenciais de procedência da ação, já que, desconhecendo-se qual o conteúdo da petição dirigida ao TEDH, a pretensão deduzida, os fundamentos que suportariam a probabilidade séria de uma decisão favorável e as consequências dessa decisão na condenação penal sofrida, não é viável atingir a conclusão de que o requerimento alegadamente contido na correspondência extraviada tinha uma qualquer probabilidade de sucesso. Do mesmo modo, tendo associado os danos não patrimoniais ao facto de não ter sido alcançado o resultado visado pelo requerimento em questão ou na ausência do resultado favorável pretendido, o autor condicionou a apreciação da existência de fundamento para a reparação de tais danos, inviabilizando a definição de um nexo causal entre a omissão e o dano. Em síntese, a prova da violação pela ré da obrigação emergente do contrato de prestação de serviço não é passível, por si só, de firmar a conclusão de que o autor, caso tal violação não tivesse ocorrido, teria obtido todos os benefícios que adviriam da decisão favorável por parte do TEDH, partindo o autor do princípio, que assume como assente, de que o requerimento teria um desfecho favorável, omitindo a alegação de factos essenciais da causa de pedir. A perda de oportunidade de ver apreciado o requerimento por alegada intempestividade (facto que não tem qualquer suporte documental, sequer indiciário) – que traduz a já referida perda de chance – não é, por si só, fonte de um direito ou constatação de evidência quanto à existência de um dano indemnizável. Antes constitui um dos pressupostos de apreciação do mesmo. Após prova da existência de violação ilícita e culposa pela ré dos seus deveres contratuais, teria o autor que provar que, caso aquela oportunidade não tivesse sido perdida, teria sido obtido um determinado proveito/benefício, sendo esta probabilidade séria (necessariamente suportada em factos alegados na ação), que ao autor incumbiria provar, pressuposto essencial de procedência da ação proposta.”; (…) - “Ou seja, ainda que provando que ficou impedido de ver apreciado o seu direito por decorrência do incumprimento contratual da ré, essa impossibilidade de ver apreciado o direito não acarreta, por si só, qualquer responsabilidade do prestador de serviço que se possa definir à luz do instituto da perda de chance. O que importa aqui apurar é se essa impossibilidade, a ser imputável à ré e caso não tivesse ocorrido, redundaria numa probabilidade séria de o autor ver alterada a decisão condenatória e obter a restituição à liberdade, com prova dos fundamentos que terá aduzido e subsequente decisão favorável do TEDH, sendo que esta, já por si, é uma decisão com efeitos limitados.”; (…) - “tanto ao nível dos factos alegados, como dos danos sofridos, o autor situou a ação no campo autónomo da figura da perda de chance, que implica, conforme se referiu no início, a prova, não apenas da violação das obrigações contratuais, mas da probabilidade consistente e séria de, caso a ré houvesse cumprido a obrigação contratual, o autor vir a obter o reconhecimento da sua pretensão, que reclama o sempre difícil exercício hipotético de antecipação do que teria sucedido caso a correspondência tivesse chegado atempadamente ao destino. Em conclusão, não sendo alegados os factos essenciais necessários para que, após julgamento e prova, o tribunal possa concluir pelo reconhecimento do direito invocado, teremos desde já que concluir pela manifesta improcedência da ação, com consequente absolvição da ré do pedido.”.
Como se vê do recurso, o recorrente, verdadeiramente, não questiona o raciocínio de manifesta improcedência pelo qual se concluiu na sentença recorrida, pois não aduz qualquer argumentação que a contradiga. Por outro lado, e de forma até contraditória com a violação do direito de cooperação que nele invoca quanto ao não deferimento de segunda prorrogação de prazo para apresentar petição inicial corrigida (objeto de análise na primeira questão enunciada), vem agora defender que, afinal, nem é necessário o aperfeiçoamento da petição inicial, pois “ao aperfeiçoar (…) iria dar como reproduzido toda a extensa alegação que fez aquando da submissão da acção ao TEDH, esta que se encontra nos autos” e que “a acção expõe na integra o conteúdo dos fundamentos da acção que se pretendia submeter ao TEDH, pois esta se encontra totalmente documentada nos autos” (conclusões G e O). Quanto a esta argumentação que se acaba de referir, é desde logo de a fazer improceder pelo seguinte: os factos principais da causa, como se prevê no art. 5º nº1 do CPC, devem ser alegados nos articulados da ação[1], pois é com o que nestas peças processuais se diz que se conformam os fundamentos fácticos da ação e da defesa; os documentos que se juntam aos autos, atinentes à factualidade em discussão, são elementos probatórios do alegado (servem para a sua prova ou não prova) mas não são, por si só, alegação de matéria fáctica. Como tal, ainda que se mostre junta aos autos a peça/queixa que acabou, ainda que mais tarde, por ser enviada para o TEDH, essa peça mais não integra do que um documento e não a supressão de qualquer lacuna de factos essenciais não alegados. A factualidade omissa na petição inicial, referida no despacho de convite ao aperfeiçoamento, integra, como se analisa na sentença recorrida nos termos que supra se transcreveram, factualidade essencial à pretensão indemnizatória formulada pelo autor na ação, pois está em causa a concretização da relação causal entre a omissão da ré e o concreto resultado em que suporta os prejuízos que alegou e que passaria, necessariamente, pela alegação dos fundamentos integrantes do requerimento dirigido ao TEDH – factos e argumentos jurídicos – que permitissem formular um juízo avaliativo do tribunal em relação ao mérito da pretensão formulada junto daquela instância no sentido de que a mesma lograria procedência e que por via de tal procedência não se produziriam os prejuízos de que pretende indemnização. Considerando que na indemnização pela chamada perda de chance se repara a possibilidade de um resultado, como o próprio autor refere sob a conclusão L do recurso, no caso vertente, para que se pudesse concluir em tal sentido, repetimos com outras palavras, seria necessária, além da alegação da frustração da apreciação da queixa pelo TEDH por via do incumprimento contratual da ré, a alegação do conteúdo intrínseco de tal queixa em termos da factualidade ali referida e sua articulação com o direito que se tivesse por pertinente em termos tais que daí decorresse a possibilidade consistente e séria de um resultado a seu favor da apreciação de tal queixa e de que, por causa dele, não teriam ocorrido os prejuízos pretendidos indemnizar. Neste sentido, lembra-se aqui o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº2/2022 (DR 1ª série de 22.01.2022), também referido na sentença recorrida, que estabeleceu jurisprudência no sentido de que “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”, e faz-se notar ao recorrente, face ao que afirma sob a conclusão N do recurso, que o ónus da prova ali aludido pressupõe o ónus de alegação a cargo da parte (art. 5º nº1 do CPC). Não estando alegada a referida factualidade, há que, como se decidiu, concluir pela manifesta improcedência da ação.
De qualquer modo, não podemos deixar de o referir, há ainda um outro motivo para a manifesta improcedência da ação. Como alegou na petição inicial, o autor, tendo-se frustrado o envio da queixa ao TEDH pelos A... em 19/2/2018, veio a enviá-la de novo mais tarde, através de outra empresa (art. 17º da daquela peça). Não se sabe os termos em que o fez, designadamente se fez saber junto daquela instituição que tinha ocorrido o extravio do seu envio a 19/2/2018, pois o autor sobre isso nada alega. No entanto, foi junta pelo próprio autor com a petição inicial sob o documento nº10, cujo conteúdo se transcreveu na integra no relatório desta peça, a decisão do TEDH subsequente a esse novo envio da queixa e, como do seu texto se vê, tal queixa, quanto à sua entrada naquele tribunal, está reportada à data de 19/2/2018, a mesma do envio inicial e que se terá frustrado. Portanto, afinal, a queixa foi considerada como entrada (“introduzida”, diz-se ali) a 19/2/2018 e, diz-se ali também, que aquele Tribunal Europeu, “em tribunal singular de acordo com os artigos 24 § 2 e 27 da Convenção, examinou a queixa supramencionada nos termos apresentados” (sublinhado nosso), do que decorre que, ao contrário do afirmado pelo autor, a queixa acabou por ser analisada por aquele tribunal e por referência à sua entrada naquela data. Por outro lado, como decorre do teor da decisão, tal queixa não foi indeferida por intempestiva (nada ali se diz sequer em tal sentido) e aquele tribunal decidiu “à luz de todos os elementos na sua posse, e na medida em que os factos denunciados são da sua competência, que os mesmos não revelam qualquer aparente violação do direitos e liberdades garantidos pela Convenção ou seus Protocolos e que os critérios de admissibilidade expostos nos artigos 34 e 35 da Convenção não foram preenchidos” e, nessa sequência, “declara o pedido inadmissível” (negrito e sublinhado nosso). Note-se que as “Condições de admissibilidade” estão previstas nos nºs 1 e 2 do art. 35º da Convenção (Convenção Europeia dos Direitos do Homem), as mesmas, como se vê de tais preceitos, não contendem minimamente com a tempestividade da petição/queixa [diz-se ali: “1. O Tribunal só pode ser solicitado a conhecer de um assunto depois de esgotadas todas as vias de recurso internas, em conformidade com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos e num prazo de seis meses a contar da data da decisão interna definitiva. 2. O Tribunal não conhecerá de qualquer petição individual formulada em aplicação do disposto no artigo 34° se tal petição: a) For anónima; b) For, no essencial, idêntica a uma petição anteriormente examinada pelo Tribunal ou já submetida a outra instância internacional de inquérito ou de decisão e não contiver factos novos.] e prevê-se sob o nº3 daquele mesmo art. 35º que o Tribunal declarará a inadmissibilidade de qualquer petição individual formulada – como aconteceu no caso – “sempre que considerar que: a) A petição é incompatível com o disposto na Convenção ou nos seus Protocolos, é manifestamente mal fundada ou tem carácter abusivo; ou b) O autor da petição não sofreu qualquer prejuízo significativo, salvo se o respeito pelos direitos do homem garantidos na Convenção e nos respectivos Protocolos exigir uma apreciação da petição quanto ao fundo e contanto que não se rejeite, por esse motivo, qualquer questão que não tenha sido devidamente apreciada por um tribunal interno.”. Como de tais precitos decorre, a declaração de inadmissibilidade proferida pelo referido Tribunal europeu em juiz singular é um juízo sobre a petição/queixa apresentada pelo autor que pressupõe a apreciação, ainda que liminar, do seu conteúdo [é o que decorre do regime previsto no art. 27º da Convenção, onde se refere: “1. Qualquer juiz singular pode declarar a inadmissibilidade ou mandar arquivar qualquer petição formulada nos termos do artigo 34° se essa decisão puder ser tomada sem posterior apreciação. 2. A decisão é definitiva. 3. Se o juiz singular não declarar a inadmissibilidade ou não mandar arquivar uma petição, o juiz em causa transmite-a a um comité ou a uma secção para fins de posterior apreciação.”]. Assim, a alegação do autor no sentido de que, por causa da frustração do envio pelos serviços de correio da ré a 19/2/2018, a sua queixa/petição não veio a ser apreciada “por não verificação dos requisitos formais para a sua apreciação (tempestividade)” (artigo 19º da petição inicial), não corresponde ao que efetivamente aconteceu, pois, como se viu, tal queixa/petição, ainda que enviada de novo mais tarde, até foi considerada como entrada no tribunal naquela mesma data de 19/2/2018, não foi objeto de qualquer indeferimento por intempestividade e ocorreu inclusivamente a apreciação do seu conteúdo nos termos sobreditos. E daí que, também por esta via, ocorra a manifesta improcedência da ação. Aliás, queremos crer que o autor, ainda que através da sua mandatária, não tenha sabido alcançar bem o significado da decisão de declaração de inadmissibilidade do TEDH que acima se referiu, pois a assim não ser haveria clara litigância de má fé da sua parte… (art. 542º nº2 a) e b) do CPC).
Por tudo quanto se expôs, há que julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.
As custas do recurso ficam a cargo do recorrente, que nele decaiu (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário concedido. * Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC): …………………………………… …………………………………… …………………………………… ** III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
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Porto, 10/7/2024 Mendes Coelho Fernanda Almeida Manuel Domingos Fernandes ______________________ [1] Vide José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 1º, 4ª edição, Almedina, anotação 2 ao art. 5º, pág. 36. |