Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JORGE MARTINS RIBEIRO | ||
| Descritores: | ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR PRINCÍPIO DA SUBSTANCIAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP202510131098/23.9T8PVZ.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – Na falta de acordo a causa de pedir não pode ser alterada na segunda instância, como resulta dos artigos 264.º e 265.º do C.P.C., pois de acordo com o n.º 1 do art.º 265.º do C.P.C., “[n]a falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação”. II – No nosso sistema jurídico vigora o princípio da substanciação, não o da individualização. III – Segundo o disposto no art.º 5.º, n.º 3, do C.P.C., o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de Direito; tal não pode ser confundido com um pretenso poder de julgar o litígio com base numa causa de pedir não invocada, dado que segundo o princípio do dispositivo tem de haver coincidência entre a causa de pedir (alegada) e a causa de julgar (fundamento da decisão). | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | APELAÇÃO N.º 1098/23.9T8PVZ.P1
SUMÁRIO, nos termos do art.º 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, C.P.C. ……………………………… ……………………………… ……………………………… - Acordam os Juízes na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo Relator: Jorge Martins Ribeiro; 1.ª Adjunta: Eugénia Cunha e 2.ª Adjunta: Teresa Sena Fonseca.
ACÓRDÃO I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de ação declarativa, com processo comum, é autor (A.) AA, titular do N.I.F..., residente na ..., ... ..., e são réus (RR.) A... SAD, titular do N.I.P.C. ..., com sede na Rua ..., ... ..., e BB, titular do N.I.F. ..., residente em Travessa ..., ..., ... Vila do Conde. - Procedemos agora a uma síntese do processado relevante para o objeto do presente recurso. 1) Aos 08/04/2025 foi proferida a sentença objeto deste recurso. - 1.1) O objeto do processo foi resumido pelo seguinte modo([1]): “AA instaurou acção declarativa de condenação sob o processo comum contra A... SAD, alegando, em síntese e no essencial, que, no final de 2018, BB, actuando na qualidade de «presidente do réu», propôs-lhe investir no negócio de venda de jogadores de futebol profissional que integravam «o plantel do Clube do Réu». Tal negócio consistia em disponibilizar uma verba financeira ao réu que serviria de investimento na actividade corrente relacionada com a manutenção em vigor dos contratos de futebol profissional do plantel, quinhoando mais tarde nos lucros da «venda de jogadores» que constituíam o plantel de futebol profissional. Mais alegou que BB lhe afiançou que o referido plantel era constituído por promissores jogadores que, a breve trecho seriam vendidos e que lhe proporcionariam uma rentabilidade fixa do seu investimento no valor de € 200.000,00. Razão pela qual aceitou então associar-se à actividade económica desenvolvida pelo réu, tendo para tal, em 19 de Dezembro de 2018, celebrado um acordo, por escrito, «com o Réu, representado pelo seu Presidente BB», mediante o qual se obrigou a entregar € 40.000,00, sendo que, como contrapartida desse investimento, o R. pagaria a quantia de € 200.000,00, assim que ocorresse a «venda dos direitos desportivos e económicos de qualquer jogador da equipa sénior, registados na Federação Portuguesa de Futebol com inscrição de atleta profissional», nos termos que resultam do documento nº 1 junto com a petição inicial. O autor alegou ainda que, conforme acordado, no seguimento das instruções recebidas, em 28/12/2018, transferiu € 40.000,00 «para a conta do Réu». Mais alegou que «o R. vendeu direitos económicos e desportivos de jogadores do plantel ao longo de várias épocas desde a data do acordo em apreço, nomeadamente, desde 19/12/2018», mas nunca lhe pagou nada, apesar de interpelado para o efeito através de carta registada com A.R. que lhe enviou em 29/08/2022. O autor alegou ainda que o referido acordo constitui um contrato de associação em participação, que encontra assento legal no artigo 21º do Decreto-Lei nº 231/81 de 28 de Julho, tendo como elemento essencial a participação nos lucros, tal como foi a vontade das partes no acordo em questão. Sendo evidente que as partes, através do acordo junto como documento nº 1, quiseram que o autor se associasse à actividade económica e lucrativa desenvolvida pelo Réu relacionada com o negócio de venda de jogadores de futebol profissional que integravam o plantel do Clube do Réu, tendo sido entregues os mencionados € 40.000,00 a titulo de investimento e tendo as partes envolvidas no negócio acordado igualmente que quinhoava nos lucros do negócio – e apenas nestes – auferindo uma participação desses lucros, que as partes acordaram fixar em € 200.000,00. De harmonia com o alegado, formulou o seguinte pedido: «Termos em que deve a presente acção ser julgada procedente por provada, e, em consequência, ser o réu condenado a pagar ao autor a quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros) acrescida dos juros vencidos contados à taxa legal, desde a interpelação que o autor dirigiu ao réu em 28/08/2022, e que se fixam em € 13.374,25 (treze mil trezentos e setenta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos), e dos demais juros vincendos que se vencerem até integral pagamento daquele valor de capital». * A ré A... SAD contestou invocando a ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade e ainda ser parte ilegítima, no essencial, atendendo a que, à data do acordo em causa, ainda não havia sido constituída a SAD, sendo que aquilo que existia era a SDUQ, da qual o clube era o único sócio, sem que o seu presidente (BB), pessoa que subscreveu o acordo, tivesse poderes suficientes para vincular tal sociedade, atentos os estatutos. Acrescentando ainda que BB actuou por si e no seu próprio interesse, não na qualidade de legal representante do A... SAD, bem como que o acordo foi uma forma de legitimar uma transferência (um empréstimo) para a conta pessoal daquele, que estava insolvente, nunca tendo dado entrada nas contas da sociedade. A ré sustentou ainda que a assinatura de BB não a obrigou no referido acordo porquanto tal acto não integra o objecto do contrato social e aquele não estava mandatado para tal e os seus poderes de gerência não lhe conferiam poderes para este acto, o que era do conhecimento do autor. Mais alegou que a cláusula de onde resulta, na perspectiva do autor, que um alegado investimento de € 40.000,00 daria um lucro de 500%, pela venda dos direitos económicos e desportivos de qualquer jogador ainda que tivesse sido vendido a € 1,00, sempre seria uma cláusula leonina nula. A ré negou ainda ter sido interpelada nos termos alegados pelo autor. * O autor requereu a intervenção principal provocada de BB, sustentando que os factos alegados pela ré na sua contestação constituem dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida. Tal intervenção foi deferida, tendo BB sido citado na qualidade de réu. O interveniente/réu apresentou contestação alegando, em síntese, que no período compreendido entre 4 de Outubro de 2018 e 24 de Junho de 2021 foi Presidente do A1... e da A..., SAD, sendo suficiente a sua assinatura para vincular esta última. Tendo nessa qualidade e por dificuldades de tesouraria do Réu, «adiantado» e pago do seu bolso inúmeras despesas que eram devidas por aquela associação desportiva, o que ainda vai acontecendo, no montante global de € 107.099,78. Por outro lado, invocou a nulidade do acordo, nos termos do artigo 280º do Código Civil, por indeterminabilidade do seu objecto, na medida em que o prometido lucro acordado é indeterminável e uma promessa impossível de alcançar, «pelo que apenas a restituição do capital mutuado seria possível pelo enriquecimento sem causa», sendo o Clube o responsável, apesar da eventual dívida estar prescrita, nos termos do disposto no artigo 482º do Código Civil. O réu alegou ainda que a ré sociedade litiga com evidente má-fé, pois deduz pedidos cuja falta de fundamento não pode desconhecer e alega situações que bem sabe serem falsas (ser o chamado o devedor do autor), fazendo uso do processo como um meio de tentar extorquir-lhe valores a que bem sabe não ter direito. Termos em que requereu a condenação da ré como litigante de má fé em multa e indemnização que fixou em € 20.000,00. Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, entre o mais, julgando improcedentes as excepções dilatórias de ineptidão e ilegitimidade invocadas pela ré. Foi ainda proferido o despacho a que alude o artigo 596º do Código de Processo Civil, identificando o objecto do litígio e enunciando os temas da prova. Teve lugar a audiência final com cumprimento dos trâmites legais”. - 1.2) As questões decidendas foram enunciadas nos seguintes termos: “Na presente acção cumpre decidir se o autor tem direito ao pagamento das quantias por si peticionadas, com os fundamentos por si invocados, bem como, na afirmativa, decidir qual dos réus será responsável pelo seu pagamento. O que passará também por decidir se o contrato é nulo por indeterminabilidade do seu objecto nos termos invocados pelo réu BB. Cabendo ainda decidir se a ré A... SAD deverá ser condenada como litigante de má fé em multa e indemnização ao réu BB”. - 1.3) O dispositivo da decisão é do seguinte teor: “Pelo exposto, nos termos e com os fundamentos acima consignados, julgo a presente acção totalmente improcedente e em consequência absolvo os réus A... SAD e BB dos pedidos formulados pelo autor AA, condenando este último no pagamento integral das custas da acção. Registe e notifique”([2]). - 2) No dia 20/05/2025 foi interposto, pelo A., o presente recurso apenas quanto à matéria de Direito, tendo sido formuladas as seguintes conclusões([3]): (…) - 3) Não foram apresentadas contra-alegações. - 4) Aos 09/07/2025 foi proferido despacho a admitir, corretamente, o requerimento de interposição de recurso, como sendo de apelação, com subida nos autos e efeito devolutivo, nos termos dos artigos 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 1, al. a) e 647.º, n.º 1, todos do C.P.C. - O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (como expresso nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663, n.º 2, in fine, do C.P.C.). Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação. A questão (e não meras razões ou argumentos) a decidir é se o Direito foi bem aplicado aos factos, designadamente se foi acertada a decisão de considerar que as partes não outorgaram um contrato de associação em participação nos termos do Decreto-Lei 231/81, de 28/07.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos Na sentença recorrida([4]) foi proferida a seguinte decisão da matéria de facto([5]):
Factos provados: 1) Em 24/05/2013 foi registada na Conservatória de Registo Comercial a constituição da sociedade A..., SDUQ, LDA., tendo o seguinte objecto social: Participação nas competições profissionais de futebol, a promoção e organização com a prática desportiva profissionalizada na modalidade de futebol. 2) Tal sociedade foi constituída com um capital social de € 50.000,00, realizado através de uma única quota nesse valor, sendo dela titular o A..., obrigando-se pela intervenção do seu gerente. 3) A referida sociedade foi declarada insolvente em 15/12/2015, pese embora tenha ali sido atribuída a administração à própria devedora. 4) Por inscrição averbada pela apresentação de 06/07/2017, tal sociedade passou a obrigar-se pela intervenção conjunta de dois dos seus gerentes. 5) Por inscrição averbada pela apresentação de 04/10/2018, tal sociedade passou a obrigar-se pela intervenção de um gerente, tendo sido nessa mesma data averbada a nomeação de BB como seu gerente, por deliberação de 04/09/2018. 6) O processo de insolvência foi declarado encerrado, em 09/08/2019, com a homologação de um plano de insolvência 7) Pela apresentação de 24/06/2021, foi averbada a alteração do pacto social, com a transformação da sociedade em sociedade anónima, com alteração da firma para A..., SAD. 8) Por documento datado de 19/12/2018, denominado “ACORDO”, BB, ali declarando assumir a sua qualidade de “gestor do A..., SDUQ, LDA.” e AA declararam celebrar um acordo regido pela cláusulas que resultam do documento nº 1 junto com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 9) No referido documento ficaram consignadas as seguintes cláusulas: 10) O réu BB referiu ao autor que a mencionada quantia de € 40.000,00 seria para fazer face às dificuldades de tesouraria da ré e pagamentos desta e afiançou-lhe que o plantel da equipa sénior era constituído por jogadores promissores. 11) Por transferência bancária realizada em 19/12/2018, o autor transferiu a quantia de € 40.000,00 para uma conta titulada pelo réu BB, que este lhe indicou, nos termos que resultam do documento nº 2 junto com a petição inicial e que aqui se dá por reproduzido. 12) Após 19/12/2018, a ré sociedade vendeu pelo menos os direitos desportivos e económicos de um jogador da equipa sénior, registado na Federação Portuguesa de Futebol. 13) Não obstante isso, a ré sociedade não pagou ao autor a referida quantia de € 200.00,00. 14) O autor AA e o réu BB, na data do acordo, eram amigos. 15) A cláusula 5ª do título constitutivo da A..., SDUQ, LDA. tem a seguinte redacção: 16) A cláusula 66ª dos estatutos do A... tem a seguinte redacção: Com relevância para a boa decisão da causa não se provou o seguinte: a) A ré A... SAD vendeu os jogadores identificados no artigo 17º da petição inicial, sem prejuízo do que se provou em 12) b) O autor tem apenas o equivalente ao 9º ano de escolaridade. c) O réu BB propôs ao autor investir no negócio de venda de jogadores de futebol profissional que integravam o plantel do clube da ré, passando tal negócio em disponibilizar uma verba financeira à ré sociedade BB que serviria de investimento na actividade corrente relacionada com a manutenção em vigor dos contratos de futebol profissional do plantel, quinhoando mais tarde o autor nos lucros da “venda de jogadores” que constituíam o plantel de futebol profissional. d) Na sequência da referida proposta, o Autor aceitou então associar-se à actividade económica desenvolvida pela ré SDUQ e o acordo referido em 8) foi alcançado no âmbito da proposta de investimento referida em c), sem prejuízo do que se provou. e) O autor e o réu BB declararam acordar que o autor quinhoava nos lucros do negócio – e apenas nestes – auferindo uma participação desses lucros, que as partes acordaram fixar em € 200.000,00. f) O autor, em 29/08/2022, remeteu à ré sociedade a carta registada com o teor que consta do documento nº 3 junto com a petição inicial. g) O documento referido em 8) mais não é do que uma forma de legitimar uma transferência para a conta pessoal de BB, que estava insolvente, tendo a sua insolvência sido declarada dolosa. h) Em virtude da sua experiência empresarial, e da sua relação de amizade, o autor sabia que o réu BB só poderia assinar, obrigando a sociedade A..., SDUQ, Lda. num “contrato” ou “acordo” com o objecto referido em 8), se tivesse poderes para tal, ou se a sua actuação fosse ratificada à posteriori.
O Direito
Começamos por duas breves notas. Constatámos que a sentença recorrida é escorreita, em termos de lógica jurídica, dela constando todas as referências normativas que se impunham e que as citações foram feitas com ponderação quantitativa e com justificada pertinência no conteúdo. A segunda é que o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém, nos termos do art.º 6.º do Código Civil, referência que fazemos pelo facto de o recorrente apelar a que só tem o nono ano de escolaridade… Seremos tão sucintos quanto possível. O recorrente insurge-se quanto ao processo decisório da primeira instância, persistindo no ensejo que se qualifique o contrato como de associação em participação ou, na pior das hipóteses, como um contrato atípico. Como é evidente, na falta de acordo a causa de pedir não pode ser alterada na segunda instância, como resulta dos artigos 264.º e 265.º do C.P.C., pois de acordo com o n.º 1 do art.º 265.º do C.P.C., “[n]a falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação”. Ora, é patente que o A. invocou factos integrantes do que considerou ser a sua causa de pedir enquanto contrato de associação em participação, nunca tendo, em momento oportuno, pretendido alterar a causa de pedir ou aludido a um qualquer contrato atípico. A propósito, passamos a citar parte da petição inicial: “23. O acordo celebrado entre Autor e Réu, vindo de alegar, constitui um contrato de associação em participação, que encontra assento legal no art.º 21º do D.L. 231/81 de 28 de Julho. 24. Segundo o qual, a associação de uma pessoa a uma atividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda, rege-se por este diploma legal, bem como pela convenção entre as partes. 25. Sendo que, e nos termos do n.º 2 do mesmo art.º 21º, o elemento essencial deste contrato é a participação nos lucros, tal como foi a vontade das partes no acordo em questão”. O Decreto-Lei n.º 231/81, de 28/07, estabelece o regime jurídico dos contratos de consórcio e de associação em participação, constando o do primeiro dos artigos 1.º a 20.º e o segundo do 21.º até final. Segundo o art.º 21.º, n.º 1 e n.º 2, “1 – [a] associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda, regular-se-á pelo disposto nos artigos seguintes. 2 - É elemento essencial do contrato a participação nos lucros; a participação nas perdas pode ser dispensada”([6]). Lendo-se o contrato, tão-pouco vemos, uma única vez, a palavra lucro. Aliás, afigura-se-nos pertinente citar até alguns artigos da petição inicial, tendo em conta a causa de pedir, no entendimento do A., e o que sobre ela o tribunal a quo decidiu: “7. Em suma, o negócio consistia em disponibilizar uma verba financeira ao Réu – que na altura se debatia com dificuldades de tesouraria, inclusive para pagar salários, obrigações fiscais e perante a Segurança Social – que serviria de investimento na actividade corrente relacionada com a manutenção em vigor dos contratos de futebol profissional do plantel, 8. Quinhoando, mais tarde nos lucros da «venda de jogadores» que constituíam o plantel de futebol profissional, 10. e que proporcionariam ao Autor uma rentabilidade fixa do seu investimento no valor de € 200.000,00 (duzentos mil euros). [10.] e que proporcionariam ao Autor uma rentabilidade fixa do seu investimento no valor de € 200.000,00 (duzentos mil euros). [14.] O referido acordo previa que, como contrapartida do investimento do Autor, o R. pagaria àquele a quantia de 200.000,00 € (Duzentos mil euros), assim que ocorresse a “venda dos direitos desportivos e económicos de qualquer jogador da equipa sénior, registados na Federação Portuguesa de Futebol com inscrição de atleta profissional”([7]). Independentemente de, como alega o recorrente, ser verdade que não se trata de um contrato sujeito a forma especial, nos termos do art.º 23.º, n.º 1, do mencionado Decreto-Lei([8]), o que decorre do que transcrevemos é que não se verificam os elementos objetivos do tipo contratual. Dito de outra forma: na causa de pedir existe uma única referência a “lucro” ao passo que todas as demais dizem respeito à “disponibilização” de uma verba “com rentabilidade fixa”… – Aliás, do contrato junto aos autos([9]) e causa de pedir não consta uma única vez a palavra “lucro” ou a referência a um critério da sua determinabilidade, dado que a remuneração seria fixa, 200000 Euros, dependendo tal da condição de ocorrer haver a venda de um jogador. Ainda relativamente à remuneração fixa estipulada no acordo, importa que atentemos no disposto no art.º 25.º, números 1 a 3, do mesmo Decreto-Lei: “1 – [o] montante e a exigibilidade da participação do associado nos lucros ou nas perdas são determinados pelas regras constantes dos números seguintes, salvo se regime diferente resultar de convenção expressa ou das circunstâncias do contrato. 2 - Estando convencionado apenas o critério de determinação da participação do associado nos lucros ou nas perdas, aplicar-se-á o mesmo critério à determinação da participação do associado nas perdas ou nos lucros. 3 - Não podendo a participação ser determinada conforme o disposto no número anterior, mas estando contratualmente avaliadas as contribuições do associante e do associado, a participação do associado nos lucros e nas perdas será proporcional ao valor da sua contribuição; faltando aquela avaliação, a participação do associado será de metade dos lucros ou metade das perdas, mas o interessado poderá requerer judicialmente uma redução que se considere equitativa, atendendo às circunstâncias do caso”. Nas suas alegações, o recorrente apela também ao fator risco para que se qualifique o contrato como de associação em participação. Ora, ressalvando o devido respeito por diferente entendimento, tal critério ou argumento também não merece a nossa anuência, porquanto é um facto notório a mobilidade dos jogadores profissionais de futebol, facto que pode ser valorado, nos termos do art.º 412.º do C.P.C. A tal propósito, observe-se que na sua petição inicial o A. apresenta uma lista de 5 páginas e 4 linhas relativas às transferências verificadas (de que tinha conhecimento à data da interposição da ação). Decorre do exposto que concordamos com a subsunção jurídica efetuada pelo tribunal a quo: tratou-se de um contrato de mútuo, com remuneração fixa sob condição, nulo por vício de forma, porquanto desde a redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 165/95, de 13/07([10]), que o contrato de mútuo carece de escritura pública, sendo o limite do montante variável ao longo dos anos, mas em 2018 era já o de 25000 Euros. A propósito de o disposto no art.º 5.º, n.º 3, do C.P.C., sobre a liberdade de o tribunal indagar, interpretar e aplicar as regras de Direito, citamos o ponto III do sumário de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido aos 16/05/2023, no processo n.º 2184/20.2T8VRL.G1.S1, “[o] tribunal poderá qualificar de modo diferente os factos provados, mas estará impedido de julgar o litígio com base numa causa de pedir não invocada - o princípio do dispositivo determina que haja coincidência entre a causa de pedir e a causa de julgar”([11]). Como observado na fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 381/18.0T8ABT.E1.S1, aos 15/09/2022, “[a] causa de pedir é, assim, constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material alegada. Nesse sentido a causa de pedir não se basta com a mera alegação de factos naturalísticos (factos ‘brutos’), mas antes esses factos devem ser alegados por referência a um quadro jurídico-normativo (factos ‘institucionais’) em função do efeito jurídico pretendido. Não estando o tribunal vinculado às qualificações jurídicas efectuadas pelas partes, incumbindo-lhe antes proceder às qualificações jurídicas que tiver por corretas de modo a esgotar as possíveis qualificações dos factos alegados em função do efeito prático-jurídico pretendido, não basta uma mera qualificação jurídica dos factos alegados diferente da pretendida pelas partes para se concluir por causa de pedir diferente. Importa, no entanto, moderar essa liberdade de qualificação no sentido de não permitir uma convolação qualificativa tão ampla que conduza a um modo de tutela de conteúdo essencialmente diferente do visado pelo autor, extravasando o limite da condenação prescrito no art.º 609.º, n.º 1, do CPC e atentando mesmo contra os princípios do dispositivo e do contraditório, em função dos quais as partes pautaram a configuração do litígio e a discussão da causa (Cf. acórdão do STJ de 18SET2018, proc. 21852/15.4T8PRT.S1)”([12]). É também pertinente citarmos o sumário do acórdão proferido no mesmo tribunal, no processo n.º 188/20.4T8ADV.E1.S1, também aos 15/09/2022, “I. Ao propor uma ação, o demandante formula uma pretensão fundada, por imposição de uma substanciação, numa causa de pedir que exerce a função individualizadora do pedido formulado, assim conformando o objeto do processo. II. Essa causa de pedir é constituída pelos factos principais constitutivos da situação jurídica que o demandante pretende fazer valer como justificativa da pretensão deduzida, sendo a qualificação jurídica desses factos periférica à causa de pedir. III. Este objeto inicial do processo, definido pelo pedido e respetiva causa de pedir, só pode vir a ser modificado, ampliado ou reduzido por iniciativa das partes ou do tribunal, nos termos e modos previstos e definidos na lei processual. IV. Não o tendo sido e não se encontrando o tribunal perante situações que permitem o conhecimento oficioso de determinadas questões, o tribunal só pode ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, ou seja só pode decidir sobre o mérito do pedido formulado, apreciando a causa de pedir que o individualiza, estando-lhe vedada a apreciação de qualquer outra causa de pedir que não tenha resultado das regras que permitem a modificação ou ampliação da causa de pedir original”([13]). Assim sendo, tem todo o sentido o considerando tecido na sentença recorrida, citando jurisprudência pertinente do Supremo Tribunal de Justiça, sobre o facto de no nosso ordenamento jurídico ter sido acolhida não a teoria da individualização, mas sim a da substanciação. Pelo exposto, o recurso será julgado improcedente. Tendo em conta a improcedência do recurso, as custas serão pelo recorrente, nos termos do art.º 527.º do C.P.C.
III – DECISÃO
Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo A. e confirmamos a decisão proferida. Custas na primeira instância e da apelação pelo A., nos termos do art.º 527.º, n.º 1, e n.º 2, do C.P.C. - - Jorge Martins RibeiroEste acórdão é assinado eletronicamente pelos respetivos: Eugénia Cunha Teresa Fonseca ________________ [1] Do original constam itálico (suprimido pelo nosso) e aspas inglesas, agora substituídas por francesas. [2] Certamente por lapso, do dispositivo não ficou a constar a absolvição da R. como litigante de má-fé, como pedido – isto apesar de da fundamentação constar, de pp. 20-22, a decisão. [3] Sublinhado e negrito no original. [4] Cujo teor integral damos por reproduzido. [5] Aspas, itálico e maiúsculas no original. [6] Itálico nosso. [7] Interpolação e itálico nosso. [8] Cujo teor deixamos em nota: “1 – [o] contrato de associação em participação não está sujeito a forma especial, à excepção da que for exigida pela natureza dos bens com que o associado contribuir”. [9] Doc. n.º 1 junto com a petição inicial. [10] Transcrevemos em nota o § do preâmbulo e a redação então conferida ao art.º 1143.º do C.C.: “2. Aproveitando o ensejo, entendeu-se ser de proceder à actualização dos valores a partir dos quais os contratos de mútuo e de renda vitalícia carecem de celebração por escritura pública, alterando a redacção dos correspondentes preceitos do Código Civil. 1143 - O contrato de mútuo de valor superior a 3000000$00 só é válido se for celebrado por escritura pública e o de valor superior a 200000$00 se o for por documento assinado pelo mutuário” – isto é, à data, o montante (usando a taxa de conversão de 1 Euro = 200,482 Escudos), em Euros, era o de 14963,93. Atualmente o montante referido na norma é o de 25000 Euros. [11] Relatado por Maria José Mouro. O acórdão está acessível em: https://juris.stj.pt/2184%2F20.2T8VRL.G1.S1/CbXW-G0Xgkmhm1liMlbXPTrfvQo?search=XK4ReTKFyQPNxVSJ-zQ [12] Relatado por Rijo Ferreira. O acórdão está acessível em: https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2022:381.18.0T8ABT.E1.S1.9B?search=XK4ReTKFyQPNxVSJ-zQ [13] Relatado por João Cura Mariano. O acórdão está acessível em: https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2022:188.20.4T8ADV.E1.S1.8D?search=XK4ReTKFyQPNxVSJ-zQ |