Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ANA OLÍVIA LOUREIRO | ||
| Descritores: | EMBARGOS DE TERCEIRO PERÍCIA DE AVALIAÇÃO DE IMÓVEIS PENHORADOS | ||
| Nº do Documento: | RP20250929739/21.7T8LOU-B.P1 | ||
| Data do Acordão: | 09/29/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA PARCIAL | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A realização de perícia para avaliação de imóveis penhorados é justificada no âmbito de incidente de atribuição de valor a embargos de terceiro destinados à oposição à penhora efetuada sobre tais imóveis. II - A “experiência comum” do julgador não basta para a fixação do valor dos imóveis que corresponde ao interesse económico do embargante que se opõe à sua penhora. III - A perícia pedida pelo requerente do incidente de atribuição de valor à causa não deve ser indeferida com o argumento de que encarece os autos ou atrasa o seu processamento, quando tribunal não dispõe dos conhecimentos especiais e técnicos necessários a avaliar um imóvel e claramente não há intuito dilatório por parte de quem a requereu. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo número 739/21.7T8LOU-B.P2, Juízo de Execução de Lousada, Juiz 2
Recorrente: AA Recorrida: A..., SA
Relatora: Ana Olívia Loureiro Primeira adjunta: Teresa Maria Sena Fonseca Segundo adjunto: António Mendes Coelho
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório: 1. Em 21-09-2021 A..., SA moveu embargos de terceiro contra AA, por apenso a execução que o mesmo movera contra BB para cobrança de 267.385,96 €, alegando que foram pelo exequente nomeados à penhora dois prédios rústicos que o mesmo sabe serem da embargante, bens esses que foram penhorados muito embora se encontre inscrita a sua propriedade a favor desta na Conservatória do Registo Predial. Alegou que o exequente já intentara ação contra a embargante e o seu legal representante, em junho de 2020, com vista à desconsideração da personalidade jurídica da mesma, que foi julgada improcedente, tendo o ali autor sido condenando como litigante de má-fé, sentença essa já confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, pendente de recurso de revista. Atribuiu ao incidente o valor de 29.800 €. 2. Foram liminarmente indeferidos os embargos por despacho de 23-09-2021, por não terem ainda sido penhorados quaisquer imóveis, pelo que se entendeu que o embargado apenas se podia ter oposto a tal penhora mediante dedução de embargos preventivos ou quando viesse a ser notificado nos termos do previsto no artigo 119.º do Código do Registo Predial, devendo declarar então que os mesmos lhe pertenciam, caso em que as partes seriam remetidas para os meios comuns. 3. Desse despacho recorreu a embargante, tendo sido admitido o recurso para subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e sido ordenada a citação dos embargados para os termos da causa e do recurso, por despacho de 29-10-2021. 4. O embargado/exequente apresentou contestação em 10-11-2021 alegando que a embargante está conluiada com o executado para ocultar o seu património pessoal, sendo a sociedade embargante pertença exclusiva do executado, que a gere em nome de terceiros. Deduziu reconvenção, pedindo a intervenção principal provocada de CC, BB, DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ como associados do embargante/reconvindo e pedindo: - que fosse declarada nula e de nenhum efeito a escritura pública de constituição da sociedade B..., SA, ora denominada A..., SA, celebrada em 7 de outubro de 2022, por ter sido simulada com o intuito de ocultar o património do executado, com o consequente cancelamento da respetiva matrícula; - a condenação solidária dos reconvindos no pagamento da quantia 211.385,96 € acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, sendo os primeiros no valor de 60.000€; - a condenação dos reconvindos a verem declarado que o executado é o único possuidor e legítimo proprietário das 50.000 ações da embargante; - que se declarassem nulas as compras e vendas das ações da embargante efetuadas por CC, FF, II e DD, por simuladas; - que de se declarasse que a reconvinda DD não é a legítima dona e possuidora das 50.000 ações da embargante; - que se julgassem nulas e ineficazes todas assembleias gerais realizadas pela embargante; - que se julgassem nulas e de nenhum efeito as vendas das ações da embargante; - que se julgassem nulas e ineficazes atas e listas de presenças dos acionistas nas assembleias gerais da embargante; - que se declarasse que os prédios rústicos indicados à penhora pertencem e sempre pertenceram ao executado. Subsidiariamente pediram ainda que se desconsiderasse a personalidade jurídica da embargante, condenando-se a mesma a pagar ao embargante 21.385,96 € acrescida de juros vencidos e vincendos. No mesmo articulado foi suscitado incidente de verificação do valor da causa pugnando o embargado pela fixação aos embargos do valor de pelo menos 300.000€, e requerendo a realização de perícia para avaliar os dois imóveis penhorados. 5. Em 10-12-2021 a embargante juntou aos autos uma sumária resposta à contestação pugnado pelo indeferimento da intervenção provocada e pela inadmissibilidade da reconvenção sem prejuízo de, caso viesse a ser revogado o despacho recorrido, defender que poderia ainda vir a pronunciar-se sobre a reconvenção. Excecionou, ainda, a litispendência entre a pretensão exercida em reconvenção e a ação pendente sob o número …. 6. Por despacho de 16-12-2021, que também é objeto de recurso, que pende em separado, foi decidido que a embargante se pronunciaria sobre a contestação/reconvenção após a apreciação do recurso interposto e caso, face ao mesmo, os autos viessem a prosseguir. 7. Em 14-11-2022 foi proferido acórdão que julgou procedente o recurso referido em 3 e se ordenou que o Tribunal a quo que “após realização das diligências que entenda por necessárias com vista a apurar se existe ou não probabilidade séria da existência do direito invocado, profira decisão nos termos do artigo 345º do Código de Processo Civil”. 8. Foi proferido despacho liminar em 21-01-2023, que recebeu os embargos e ordenou a citação das partes primitivas e a suspensão da execução quanto à venda dos dois imóveis penhorados. 9. Em 15-02-2023 o embargado deu por reproduzida a contestação já antes junta aos autos a que aditou a alegação de que também por força de retificação de confrontações requeridas pelo executado junto da Autoridade Tributária, se deve concluir que os dois imóveis penhorados deste. 10. Em 26-02-2023 a embargante replicou pugnando pela inadmissibilidade da reconvenção e excecionando a litispendência decorrente da propositura pelo embargado do processo, que corria termos com o número …, onde o mesmo deduz pedidos idênticos aos formulados na reconvenção e, ainda, da propositura da ação a correr termos sob o número ... onde já foi conhecida, pela sua procedência a exceção de litispendência. Impugnou os factos alegados em sustentação da reconvenção. Alegou que o embargado litiga de má-fé, pedindo a sua condenação em multa e indemnização não inferior a 5 000€. 11. Por despacho de 12-04-2023 foi pedida informação sobre o processo que corre termos sob o número …, tendo sido obtida resposta no sentido de que os mesmos estariam pendentes de recurso no Tribunal da Relação do Porto. 12. Em 06-07-2023 foi proferido despacho a anunciar a pretensão do Tribunal a quo de conhecer o mérito dos embargos, dispensando a audiência prévia, e facultando contraditório às partes sobre ambas as possibilidades. 13. O exequente/embargado opôs-se à prolação de decisão de mérito e, a 23-10-2023, veio insistir pela decisão do incidente sobre o valor da causa, reiterando a pretensão de que fosse ordenada a perícia que requerera para instruir tal incidente. 14. Por para tal ter sido notificada pelo Tribunal em cumprimento de despacho de 14-12-2023, a embargante opôs-se por requerimento de 08-01-2024 ao incidente de valor, sustentando a manutenção do por si atribuído aos embargos. 15. Em 11-01-2024 o embargado respondeu a tal pronúncia e sustentou que a resposta da embargada era intempestiva, bem como requereu novos meios de prova para instruir o incidente de valor, pedindo então a junção de documentos pela parte contrária, arrolando testemunhas e juntando, posteriormente e em suporte de papel, fotografias. 16. A embargante opôs-se a esta forma de junção de documentos, em suporte físico, pedindo o seu desentranhamento. 17. O embargado, em 23-01-2024 veio alegar que as fotografias juntas em suporte de papel correspondiam às antes juntas via citius, mas a cores, como atempadamente protestara que faria. Mais alegou que a embargante celebrou, entretanto, promessa de venda de um dos imóveis penhorados, requerendo a produção de prova testemunhal sobre tal alegação. Juntou documento que titula contrato de arrendamento a um terceiro de um dos imóveis penhorados, com opção de compra. 18. Em 02-02-2024 o embargado veio alegar que os embargos de executado foram intentados antes da propositura de ação que pende sob o número .... Tal ação foi proposta na sequência de despacho proferido na ação executiva que remeteu as partes para os meios comuns quanto à discussão da propriedade dos imóveis então ali indicados à penhora, despacho esse que antecedeu o acórdão do Tribunal da Relação do Porto que revogou o indeferimento liminar dos embargos e ordenou o seu prosseguimento. Pediu, em consequência, a apensação daquela ação a estes autos, por forma a evitar contradição de julgados e duplicação de julgamentos. Junto aos autos cópia da petição inicial daquela ação e ainda digitalização de parte de um Código de Processo Civil anotado. 19. Em 05-02-2024 o embargado juntou aos autos acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9 de outubro de 2023 proferido no processo ... pelo qual se decidiu que os mesmos prosseguiriam apenas para conhecimento dos pedidos ali formulados sob as alíneas E) e H)[1]. 20. Por despacho de 26-04-2024 foi ordenado que se oficiasse aos autos … pendente no J1 do Juízo Central Cível de Penafiel e no Pr. n.º ..., que corre termos pelo J3 do Juízo Central Cível de Penafiel pedindo acesso eletrónico aos mesmos. 21. Em 28-06-2024 foi proferido despacho que: decidiu o incidente de verificação do valor da causa, fixando-o em 29.800 €, valor indicado pela embargante no requerimento inicial; indeferiu o incidente de intervenção de terceiros; julgou inadmissível a reconvenção; indeferiu a apensação do processo que corre termos sob o número ...; bem como ordenou a suspensão dos termos dos embargos de terceiro por pendência de causa prejudicial (o referido processo …) tendo-se entendido que o vier a ser decidido naqueles autos terá efeito de caso julgado, determinando a procedência ou improcedência dos embargos.
II - O recurso: É deste despacho que recorre o embargante pedindo a sua revogação. Para tanto, alega o que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões de recurso: Quanto ao incidente de valor da causa: “a) O douto despacho que conheceu do incidente de valor, DEVE ser REVOGADO e substituído por douto ACÓRDÃO, que ordene a produção da prova OFERECIDA pelo EXEQUENTE/EMBARGADO, já que pertinente e controvertida, para a boa decisão do incidente. b) O douto despacho recorrido, está INSUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO, em sede de matéria de facto, sendo que esta é CONTROVERTIDA e PERTINENTE, para a boa decisão do incidente, pelo que carece de produção de prova SUPLEMENTAR, máxime, a indicada pelo exequente/embargado. c) Violou o douto despacho recorrido, nesta parte, por erro de subsunção, o disposto nos artigos 154 e 615 ambos do C. P. CIVIL”. Quanto à rejeição da reconvenção e da intervenção de terceiros: a) Verificam-se, in casu, todos os pressupostos formais e substanciais para a ADMISSIBILIDADE DA RECONVENÇÂO, deduzida pelo exequente/embargado. b) Se o exequente/embargado não tivesse deduzido RECONVENÇÃO, teria PRECLUDIDO o seu direito de AÇÂO a invocar os mesmos factos noutra ação, caso a pendente obtivesse ganho de causa. c) A reconvenção, é, in casu, legalmente admissível, nos termos das disposições conjugadas dos artigos, 348 n. 2; por remissão do artigo 349; 266; 564, alínea C); 573 e 583, todos do C.P. CIVIL. d) Uma vez admitida a reconvenção, para que esta produza o seu efeito útil normal e regule de vez a relação material controvertida, tal como configurada pelo EXEQUENTE/EMBARGADO, como sua consequência lógica e necessária, DEVE ser ADMITIDO o INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA dos CHAMADOS A INTERVIR, como associados da EMBARGANTE e RÉUS/RECONVINDOS (artigos 316 e 318 do C.P. CIVIL). e) Acresce que a EMBARGANTE não contestou, TEMPESTIVAMENTE, máxime, NÃO REPLICOU, havendo recurso pendente quanto a tal matéria, já ADMITIDO, pelo que nada obsta à ADMISSÃO DA RECONVENÇÃO. f) Violou o douto despacho recorrido, nesta parte, por erro de subsunção, os normativos suprarreferidos. Quanto ao indeferimento da apensação do processo ...: a) In casu, justificava-se, à data do requerido pelo exequente/embargado, ou seja, 2 de fevereiro de 2024, atento o preenchimento dos respetivos pressupostos factuais e jurídicos, a APENSAÇÃO, a estes autos, de EMBARGOS DE TERCEIRO, dos pendentes pelo Juízo Central Cível de Penafiel-Juiz 3, com o n. ..., atentos os pedidos e causas de pedir invocadas nos dois processos a fim de evitar duplicação de esforços e os presentes autos serem mais ANTIGOS. b) Só com a respetiva APENSAÇÃO ficava salvaguardada a AUTONOMIA JURÍDICA das duas ações para julgamento CONJUNTO de todos os pedidos. c) Violou, por erro de subsunção, o douto despacho recorrido, nesta parte, o disposto no artigo 267 do C.P. CIVIL”. Quanto à suspensão da instância: “a) Apenas o pedido formulado na alínea E) da ação n. ..., é comum com o pedido reconvencional formulado na alínea L) destes autos de embargos de terceiro, pelo que SÓ quanto a este existe PREJUDICIALIDADE. b) A presente ação de embargos de terceiro é mais ANTIGA, pelo que era esta que DEVIA prosseguir seus regulares temos, APENSANDO-SE-LHE, a dita ação n...., para julgamento CONJUNTO, sem prejuízo da sua AUTONOMIA JURÍDICA e evitando-se uma duplicação de esforços e eventual contradição de julgados. c) Os presentes embargos de terceiro, DEVEM prosseguir seus regulares termos, máxime, para conhecimento do pedido PRINCIPAL formulado pela EMBARGANTE e pedidos RECONVENCIONAIS formulados pelo EXEQUENTE/EMBARGADO, sem prejuízo do efeito útil do recurso já interposto, dada a sua manifesta PREJUDICIALIDADE para a boa decisão da causa. d) A procedência ou improcedência do pedido PREJUDICIAL, formulado no processo n. ..., não tem o conteúdo e alcance sufragado no douto despacho recorrido. e) O que o TRIBUNAL A QUO, devia ter feito era ordenar a APENSAÇÂO a estes autos e embargos de terceiro dos pendentes pelo Juízo Central Cível de Penafiel, juiz 3, da comarca de Porto Este, com o n. ..., por serem mais recentes e APENAS um dos pedidos ser coincidente. f) Não faz, pois, sentido, in casu, ordenar a SUSPENSÃO TOTAL DA INSTÂNCIA, nestes autos, por PREJUDICIALIDADE, dado esta NÃO se verificar com a AMPLITUDE permitida e exigida por lei. g) A ação n. ..., foi proposta posteriormente à presente ação de EMBARGOS DE TERCEIRO e daí que a SUSPENSÃO desta, por PREJUDICIALIDADE, é, legalmente, inadmissível. h) Violou o douto despacho recorrido, por erro de subsunção o disposto no artigo 272 do C.P. CIVIL, dado não se verificarem os respetivos pressupostos factuais e jurídicos.” * O recurso foi admitido por despacho de 21-10-2023 para subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo. Em 12-03-2025 o embargado/recorrente juntou aos autos relatório pericial realizado no processo que corre termos sob o número ..., de que afirma que foi notificado a 11 de março de 2011, pelo qual, no âmbito de incidente de valor, foram avaliados os imóveis penhorados na execução de que os embargos são incidente da seguinte forma: - prédio rústico inscrito sob o artigo ...-R -184.680 €; - prédio rústico inscrito sob o artigo ...-R – 303.750 €. Pediu novamente a condenação do recorrido como litigante de má-fé. Em 04-04-2025 foi proferido despacho a admitir a junção de tal documento aos autos. * Não foram apresentadas contra-alegações. * III – Questões a resolver: Em face das conclusões do recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, são as seguintes as questões a resolver: 1- Se deve ser ordenada a produção de prova requerida pelo recorrente para instruir o incidente de verificação do valor da causa; 2- Se deve ser admitida a reconvenção; 3- Se deve ser ordenada a apensação aos embargos de terceiro dos autos que correm temos sob o número .... 4- Se deve ser revogada a decisão de suspensão da instância por pendência de causa prejudicial. IV – Fundamentação: Além dos que resultam do histórico processual sumariamente enumerado no relatório, não há outros factos relevantes para a decisão.
1. Da atribuição de valor à causa. Dispõe o número 1 do artigo 296.º do Código de Processo Civil que “A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”. Ora, tendo em conta a causa de pedir e pedidos efetuados, a utilidade económica imediata do pedido é o benefício ou o valor financeiro direto que a parte espera obter com a propositura da ação, neste caso, com a dedução dos embargos de terceiro. Como é manifesto, por via deles a embargante procura evitar a penhora de dois imóveis, que diz serem seus, protegendo assim o seu direito de propriedade e a sua posse sobre os mesmos. Os embargos de terceiro constituem incidente de oposição pelo qual se permite a quem não seja parte na causa fazer valer direitos incompatíveis com a penhora ou outro ato de apreensão ou entrega de bens. Nos termos do artigo 304.º, número 1 do Código de Processo Civil, “O valor dos incidentes é o da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso do da causa, porque neste caso o valor é determinado em conformidade com os artigos anteriores.”. Nos termos do disposto no número 1 do artigo 307.º, se a parte que deduzir o incidente não indicar o respetivo valor, entende-se que aceita o valor dado à causa. No caso, o valor da execução de que os presentes embargos constituem incidente é de 267 385, 96 € como decorre da liquidação da quantia exequenda feita no requerimento executivo e do disposto no artigo 9º, número do Regulamento das Custas processuais, uma vez que ainda não se concluiu a liquidação dos bens penhorados. Mas a embargante indicou valor diverso no requerimento inicial dos embargos de terceiro. Ora, nesse caso, prevê o artigo 307.º que a parte contrária possa impugnar o valor atribuído ao incidente, seguindo-se, então, os termos dos artigos 306.º, 308.º e 309.º. Destes decorre que pode haver aceitação do réu/demandado/requerido do valor dado à causa pelo demandante/autor/requerente, mas que cabe ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo desse dever de indicação que cabe às partes, sendo o momento adequado a tal conhecimento o despacho saneador ou, não existindo este, na sentença. Prevê o artigo 308.º que quando as partes não tenham chegado a acordo ou o juiz não o aceite, a determinação do valor da causa se faz “em face dos elementos do processo ou, sendo estes insuficientes, mediante as diligências indispensáveis, que as partes requererem ou o juiz ordenar”. O artigo 309.º prevê mesmo expressamente a possibilidade de ser feito arbitramento por perito único a nomear pelo juiz para a fixação do valor da causa. Ora, no caso, o embargado opôs-se ao valor dado ao incidente pela embargante no requerimento inicial. Muito embora não conste tal argumento das conclusões de recurso e não seja tal questão, por essa razão, objeto do mesmo (cfr. artigos 635.º, números 4 e 5 e 639.º, número 1 do Código de Processo Civil), não deixaremos de afirmar que não assiste razão ao recorrente quando, nas suas alegações, sustenta que o facto de o embargante não ter respondido tempestivamente ao incidente de valor (sendo que a questão da tempestividade é objeto de recurso que subiu em separado e ainda não foi decidido), determina a produção de efeitos cominatórios quanto ao valor da causa, já que a lei é clara em afirmar que ainda que haja acordo expresso das partes quanto ao valor da causa o juiz pode não aceitar tal acordo (cfr. artigo 308.º, do Código de Processo Civil). De todo o modo o recorrente acaba por defender, não obstante tal alegação, que deveria ter sido produzida a prova por ele requerida, por estar controvertido o valor os imóveis penhorados objeto dos embargos. Ora, nessa parte há que reconhecer inteira razão ao apelante. Salvo o devido respeito incorre-se em erro, no despacho recorrido, quando ali se afirma que é à parte que compete estipular o valor da ação quando a lei apenas lhes atribuiu a obrigação de o indicar ou impugnar, cabendo ao juiz a sua fixação (nos termos dos artigos 305.º e 306.º do Código de Processo Civil) Depois, afirmando que o valor apresentado pelas partes “é muito díspar” o Tribunal a quo declarou que o valor atribuído pela embargante se “afigura razoável” pois os valores patrimoniais dos imóveis penhorados que resulta da sua inscrição matricial são de 17, 97 € e 199, 52 €. Não descortinamos em que medida os valores patrimoniais referidos fundam a afirmação de que é razoável fixar o valor indicado pela embargante, de 29 800 €, que é muito díspar daqueles. Segue-se a afirmação de que o embargado não juntou “documento válido que comprove” a aptidão construtiva dos imóveis que diz justificar o valor por si indicado, de 300 000 €, nem explica como chega a tal valor. Conclui-se que esse montante é “desproporcional”. Contudo, desconhece-se em que elementos de facto o Tribunal a quo sustenta essa conclusão de desproporcionalidade, tanto mais que admite expressamente que os valores patrimoniais dos imóveis são normalmente inferiores aos de mercado. Esta fundamentação além de parca e conclusiva, estriba-se, salvo o devido respeito, numa afirmação errada: a de que o embargado não fundamentou a alegação de que os prédios em questão têm aptidão construtiva. Ora o mesmo alegou expressamente que tal aptidão decorria do Plano Diretor Municipal, da sua área e localização e das benfeitorias neles implantadas e articulou, ainda, que a forte procura do mercado local (que descreve no artigo 93 da contestação) e o valor da renda mensal paga pelos seus arrendatários levam a crer que o valor dos imóveis em questão seja de, pelo menos, 300.000 € (artigo 94 da contestação). O embargado fundamentou, assim, em várias alegações de facto a sua pretensão e não se compreende a afirmação pelo Tribunal a quo de que o mesmo não juntou documento válido que comprove a alegada aptidão construtiva. Não sabemos se o Tribunal a quo entende que era ónus do embargado juntar aos autos o Plano Diretor Municipal que o requerente refere, caso em que sempre podia ordenar a sua junção à luz do poder/dever decorrente do artigo 411.º do Código de Processo Civil. Sempre se dirá, todavia, que o Plano Diretor Municipal é um documento jurídico administrativo, de natureza legal, passível de consulta pública por qualquer entidade. Cumpre ainda dar nota de que o embargado - requerente do incidente de atribuição de valor à causa -, pediu produção de prova destinada a instruir o mesmo, nomeadamente a junção pela contraparte de contrato de arrendamento de um dos imóveis e a nomeação de perito para avaliar os seus valores de mercado. Mais tarde juntou fotografias e cópia de um contrato de arrendamento com opção de compra relativo a um dos imóveis e pediu a inquirição de testemunhas para prova da sua celebração. O Tribunal a quo apenas se pronunciou sobre um destes requerimentos de prova, rejeitando a realização da perícia, nada dizendo quanto aos demais. Ora, na dúvida sobre o real valor dos imóveis e em face da discordância das partes, tal perícia, expressamente prevista no artigo 309.º do Código de Processo Civil, é o meio idóneo a instruir tal questão de facto, já que se trata de matéria que está subtraída ao conhecimento do julgador, nos termos do artigo 388.º do Código Civil. É manifesto que o Tribunal a quo não tem conhecimentos que lhe permitam concluir qual o valor real dos imóveis penhorados, o que se adivinha pela fórmula adotada para afirmar aquele que se fixou: “atendendo ao valor patrimonial e às regras da experiência”. Nem os valores patrimoniais dos imóveis apontam para o valor fixado ao incidente, que deles difere substancialmente, nem as regras da experiência são de molde a fundar a atribuição de um concreto valor a dois imóveis. Não se trata de matéria suscetível de apreensão pelo senso/experiência comum, exigindo o concreto conhecimento dos imóveis, das suas aptidões e do mercado imobiliário no local. Ora o valor patrimonial, que o Tribunal a quo desconhece, é exatamente o que o embargado quer provar por via da perícia. Na parte final do despacho é afirmado, de forma contraditória, que “atendendo ao valor patrimonial e às regras da experiência e por se nos afigurar desrazoável e irracional o valor proposto pela embargante, fixo à causa do valor por esta atribuído no valor de € 29800,00”. Pensamos que padece de manifesto lapso a referência ao embargante, querendo antes referir-se o embargado. E está por fundamentar a afirmação de que o valor por ele proposto é irrazoável. O Tribunal a quo não tem como saber, sem produzir prova, se o valor indicado por qualquer das partes (nomeadamente o oferecido pela embargante que fixou) é fundando ou “irrazoável” desde logo porque nenhum deles resulta da inscrição matricial dos imóveis. Tampouco se compreende, salvo o devido respeito, a afirmação de que a prova pericial requerida não é necessária porque encareceria os autos e se tornaria dilatória. O custo da realização das perícias em nada se relaciona com a sua necessidade ou desnecessidade, devendo elas ser ordenadas sempre que se destinem a instruir factos para cujo apuramento o tribunal não disponha de conhecimentos especiais exigidos, como previsto no já referido artigo 388.º do Código Civil. É o caso de avaliação de imóveis. Também não há qualquer razão para acreditar que o intuito do embargado é dilatório ao pedir esse meio de prova, já que a execução está sustada quanto aos bens imóveis penhorados, não podendo prosseguir para venda, sendo ele o mais interessado no rápido prosseguimento da mesma. Por tudo o exposto, deve revogar-se o despacho que decidiu o incidente de valor rejeitando a realização da prova pericial, que deve ser substituído por outro que se pronuncie expressamente sobre os meios de prova requeridos com vista à fixação do valor da causa[2]. * Já quanto à efetiva realização da perícia, e não obstante se ter já afirmado a sua essencialidade, cumpre ponderar o seguinte: Com a junção[3] de um documento posterior à interposição do recurso - que o Tribunal a quo admitiu e que consiste em relatório pericial de avaliação dos imóveis penhorados objeto dos embargos -, o embargado defendeu que o mesmo era essencial à decisão do recurso. Tal relatório pericial foi elaborado em perícia realizada em ação de processo comum que corre entre as mesmas partes ali tendo sido ordenada pelo Tribunal. Sem embargo de se encontrar devidamente admitida a sua junção dada a sua comprovada superveniência e à luz dos artigos 651.º, número 1 e 425.º, número 1 do Código de Processo Civil, o relatório pericial junto não releva, como entende o recorrente, para a decisão deste recurso já que o mesmo versa sobre decisão que o não levou em conta e que, no que aqui releva convocar, indeferiu a realização de perícia com o mesmo objeto daquela em que se produziu tal relatório. Ou seja, não cabe a este Tribunal pronunciar-se em sede de recurso sobre prova que não foi produzida perante o Tribunal a quo, mas apenas sobre o teor da decisão recorrida em face do objeto do recurso que é, neste ponto, o de saber se deveria ter sido produzida a prova requerida pelo recorrente. A junção desse meio de prova deverá, pois, ser apreciada pelo Tribunal a quo em cumprimento do ordenado neste acórdão. Para tanto, e no cumprimento da ordenada realização de prova pericial, poderá o Tribunal a quo considerar desnecessária a sua produção, nos termos do disposto no artigo 421.º do Código de Processo Civil, para o que deverá ouvir as partes as partes e pronunciando-se depois sobre o eventual valor extraprocessual dessa prova, nos termos previstos em tal preceito. * Dispõe o número 3 do artigo 296.º do Código de Processo Civil que “Para efeito de custas judiciais, o valor da causa é fixado segundo as regras previstas no presente diploma e no Regulamento das Custas Judiciais”. O artigo 11.º do Regulamento das Custas Processuais estatui que “A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela i, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo”. Ora, a eventual procedência do incidente de valor terá reflexos tributários e poderá importar a obrigação de pagamento de taxa de justiça em valor superior ao já pago, nos termos do previsto nos artigos 11.º e 14.º, números 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais, sendo que omissão do seu pagamento pode determinar a aplicação das sanções previstas nos artigos 558.º, número 1 f), 570.º do Código de Processo Civil. De facto, seguindo-se o entendimento de que tais preceitos são aplicáveis ao não pagamento do reforço da taxa de justiça[4], caso não ocorra tal pagamento tornar-se-á inútil o conhecimento do demais objeto do recurso. Em face dessa possibilidade, fica prejudicado o conhecimento das demais questões a resolver, que podem vir a ser supervenientemente inúteis, e que apenas terão apreciadas se os autos vierem a prosseguir após decisão do incidente de valor. * Face à sua autonomia tributária prevista no artigo 1º, número 2 do Regulamento das Custas Processuais, as custas do recurso são a cargo do recorrente uma vez que a recorrida não apresentou contra-alegações nem deu causa à decisão recorrida na parte em que o recurso veio a proceder. Assim, a mesma não decaiu em qualquer pretensão tendo sido por isso o recorrente a tirar proveito do recurso – cfr. artigo 527º do Código de Processo Civil
V – Decisão: Nestes termos, julga-se parcialmente procedente o recurso, revogando-se a decisão relativa ao incidente de atribuição do valor à causa, que deve ser substituída por outra que se pronuncie sobre os meios de prova que foram requeridos pelo embargado para além da prova pericial e que ordene a realização desta ou a dispense em face do valor extraprocessual a atribuir eventualmente ao relatório pericial junto aos autos a 12-03-2025. No mais, julga-se por ora prejudicado o conhecimento do objeto do recurso. Custas pelo recorrente. |