Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
868/24.5T9MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO M. MENEZES
Descritores: CÍRCULOS DE CONFIANÇA
CONFIDÊNCIAS
IMPUTAÇÃO DE FACTOS
CRIME DE DIFAMAÇÃO
Nº do Documento: RP20251029868/24.5T9MTS.P1
Data do Acordão: 10/29/2025
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO RECURSO DA ARGUIDA
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A imputação de factos, ou a expressão de juízos de valor, porventura lesivos da honra de terceiros, quando feitos em confidência em círculos de confiança e/ou proximidade, não constituem crime de difamação.
II - Tal decorre da necessidade de assegurar à pessoa, no respeito pela sua eminente dignidade, espaços onde possa desenvolver livremente a sua personalidade (artigos 1.º e 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), sem ter de se preocupar com as expectativas comportamentais da comunidade ou com a possibilidade de sofrer sanções estatais.

(Sumário da responsabilidade do Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º: 868/24.5T9MTS.P1
Origem: Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos (Juiz 2)
Recorrente: AA
Referência do documento: 19900635
I
1. O presente recurso vem interposto de decisão instrutória proferida no Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos (Juiz 2) que, após a competente instrução – requerida pelo assistente no tocante aos factos pelos quais o Ministério Público decidiu não deduzir acusação pública contra a arguida e ora recorrente, e por esta no tocante aos factos por que foi, findo o inquérito, acusada –, concluiu pela pronúncia da arguida nos termos da acusação particular contra ela formulada nos autos quanto ao crime de difamação, e pela sua não pronúncia quanto ao crime de denúncia caluniosa. No presente recurso só está em causa o segmento da decisão em que se pronuncia a recorrente pelo crime de difamação.
2. Este é, na parte aqui relevante, o texto da decisão recorrida:
«O Tribunal é competente em razão da matéria e do território.
O M. Público e o assistente têm legitimidade para acusar.
A defesa da arguida AA suscitou, no respectivo requerimento de abertura de instrução, a ilegitimidade do assistente BB em contra ela deduzir acusação particular pelo crime de difamação, sustentando que essa acusação visa apenas contornar o despacho de arquivamento pelo crime de denúncia caluniosa que participou.
Vejamos.
O aqui assistente, logo na denúncia/queixa crime que apresentou contra a aqui arguida (ref.ª 38203801, de 20.II), imputa-lhe a comissão dos crimes acima referidos, de denúncia caluniosa e de difamação, por factos diversos num e noutro caso.
Não é, assim, exacto que a acusação particular em apreço tenha sido deduzida apenas como reacção ao despacho de arquivamento pela denúncia caluniosa.
Por outro lado, tutelando bens jurídicos diversos, não estava vedado ao assistente apresentar acusação particular pelo crime de difamação apenas e só depois do despacho de arquivamento, tanto mais que o momento processual próprio para o efeito ocorre sempre depois do despacho de acusação pública ou de arquivamento do inquérito, sem acusação; ponto é que esse crime tenha sido – como foi – objecto do inquérito que precedeu o despacho final de arquivamento.
De igual modo, a alegada extinção do direito de queixa não ocorre, uma vez que, conforme supra se referiu, logo na queixa o assistente descreveu a factualidade (diferente daquela que consubstanciava o alegado crime de denúncia caluniosa) correspondente a esse crime de difamação.
Improcede, pois, a invalidade apontada.
Igualmente no requerimento de abertura de instrução em apreço, a defesa da arguida sustenta que a referida acusação particular pelo crime de difamação não satisfaz os requisitos vertidos no art.º 283.º, n.º 3, al.s b) e c) do C. Pr. Penal, ou seja, que dela não consta a factualidade relevante para que seja possível imputar à arguida o crime de difamação.
Percorrendo a acusação particular em causa (ref.ª 39729542, de 27.VII) verifica-se que o assistente refere a divulgação pela arguida junto de terceiros, em como ele a teria violado, assim provocando reacções adversas de terceiros em direcção a ele assistente (art.ºs 6.º a 14.º dessa acusação), descrevendo nos art.ºs 25.º e 26.º dessa acusação particular os elementos subjectivos do crime, com referência ao momento intelectual (conhecimento do carácter ilícito da conduta) e ao momento volitivo (vontade de realização do tipo objectivo de ilícito); igualmente nessa acusação particular, o assistente verteu as disposições legais pertinentes (art.ºs 18.º e 19.º da acusação).
Não se vislumbra, assim, qualquer invalidade naquela acusação particular, pelo que não se pode acolher a pretensão da defesa da arguida no arquivamento dos autos pelos motivos invocados no seu requerimento de abertura de instrução.
Não existem outras nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais que importe conhecer.
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Foi requerida a abertura da instrução pelo assistente BB (ref.ª 39786376, de 2.VIII), relativamente ao despacho de arquivamento, sem acusação, pelo M. Público (ref.ª 460961706, de 11.VI), por entender que resultam do inquérito indícios suficientes em como a arguida AA praticou o crime de denúncia caluniosa. Pretende assim a pronúncia dela por tal crime, tendo arrolado testemunhas.
Igualmente foi requerida a instrução pela defesa da arguida AA (ref.ª 40732602, de 18.XI), relativamente à acusação particular contra si formulada pelo assistente BB (ref.ª 39729542, de 25.VII), não acompanhada pelo M. Público (ref.ª 464720424, de 21.X), pela alegada prática de um crime de difamação agravada; fundamento do seu requerimento de abertura de instrução é a alegação (para além das invalidades supra referidas e decididas) em como não resultam dos autos indícios suficientes em como cometeu o referido crime. Concluiu assim a defesa da requerente pela sua não pronúncia, com o consequente arquivamento dos autos, tendo igualmente requerido a inquirição de testemunhas.
*
Aberta a instrução, realizou-se apenas o debate instrutório, em que o M. Público concluiu no sentido de se dever ser lavrado despacho de não pronúncia da arguida relativamente ao crime de denúncia caluniosa; o assistente concluiu pela pronúncia da arguida, quer pelo crime de denúncia caluniosa, como de difamação agravada; a defesa da arguida concluiu como no seu requerimento de abertura da instrução, pela sua não pronúncia.
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O art. 286.º, n.º 1 do C. Pr. Penal proclama que “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.
Ou seja, a actividade do juiz de instrução criminal, nesta fase processual, circunscreve-se - apenas e só - a verificar (a comprovar) se o despacho de arquivamento proferido pelo M. Público relativamente ao crime de denúncia caluniosa é congruente com a falta de indícios da sua prática e se a acusação particular deduzida contra a arguida pelo assistente assenta em indícios tais que permitem concluir que, efectuado o julgamento, o desfecho mais provável será a condenação da arguida.
Não pretende assim a lei que a instrução constitua um efectivo suplemento de investigação relativamente ao inquérito, não visando esta fase processual facultativa o alargamento do âmbito da investigação realizada em sede de inquérito.
Ora, nos termos do art.º 308.º, n.º 1 do C. Pr. Penal, “Se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aa arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia a arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia “.
Por seu turno, e agora de acordo com o art.º 283º do C. Pr. Penal, “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de aa arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.”.
Conforme se refere no acordão de 02.JUN.15 da Relação de Évora (pr. 1083/13.9GDSTB) “A jurisprudência tem considerado, de modo que se nos afigura maioritário, que “indícios suficientes” correspondem à persuasão ou à convicção de que, mediante o debate amplo da prova em julgamento, se poderão provar em juízo os elementos constitutivos da infracção – cfr. entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 25-06-1988, no B.M.J. nº 378, pág. 787, do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-1992, no processo nº 427747, cit. em “Código de Processo Penal Anotado”, Simas Santos e Leal Henriques, vol. II, 2ª ed., e do Tribunal da Relação de Évora de 22-06-1993, no B.M.J. nº 428, pág. 706.
Isto é, os indícios suficientes correspondem a um conjunto de factos que, relacionados e conjugados entre si, conduzam à convicção de culpabilidade do arguido e de lhe vir a ser aplicada uma pena.

E por isso é que, quer a doutrina, quer a jurisprudência, vêm entendendo aquela «possibilidade razoável» de condenação é uma possibilidade mais positiva que negativa; «o juiz só deve pronunciar a arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é provável que a arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido» ou os indícios são os suficientes quando haja «uma alta probabilidade de futura condenação da arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.”.
Por seu turno, o ac. da Rel. de Guimarães, por acórdão de 06.FEV.17 (pr. 224/15.6GBGMR.G1) sustenta que “…para que surja uma decisão de pronúncia a lei não exige a prova no sentido da certeza-convicção da existência do crime; antes se basta com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência, tanto mais que a prova recolhida na fase instrutória não constitui pressuposto da decisão de mérito final.
Trata-se de uma mera decisão processual relativa ao prosseguimento do processo até à fase do julgamento.
Todavia, como a simples sujeição de alguém a julgamento não é um acto em si mesmo neutro, acarretando sempre, além dos incómodos e independentemente de a decisão final ser de absolvição, consequências, quer do ponto de vista moral, quer do ponto de vista jurídico, entendeu o legislador que tal só deveria ocorrer quando existissem indícios suficientes da prática pela arguido do crime que lhe é imputado.
Assim sendo, para fundar uma decisão de pronúncia não é necessária uma certeza da infracção, mas serem bastantes os factos indiciários, por forma a, que, da sua lógica conjugação e relacionação se conclua pela culpabilidade da arguido, formando-se um juízo de probabilidade da ocorrência dos factos que lhe são imputados e bem assim da sua integração jurídico-criminal.
Os indícios são, pois, suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido ou, pelo menos, quando se verifique uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.”.
A Rel. do Porto, por ac. de 22.ABR.15 (pr. 466/13.3PAGDM.P1) sustenta que
I – Quando a lei afirma a possibilidade razoável de aa arguido vir a ser aplicada uma pena [art. 283.º, n.º 2, ex vi do art. 308.º, n.º 2, do CPP] “possibilidade razoável” não quer dizer “possibilidade mediana” ou “possibilidade mínima”.
II – O juízo de probabilidade revelador dos indícios suficientes da verificação do crime e de quem é o seu agente não se contenta com um juízo de probabilidade mediano; antes pressupõe e exige uma verdadeira convicção de probabilidade dessa condenação.”, sendo que, por ac. de 25.NOV.15 (pr. 306/11.3GDOAZ.P2) estatuiu que “Os indícios são suficientes quando há uma alta probabilidade de futura condenação da arguido, ou pelo menos, quando se verifique uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.”.
Já em 10.SET.08, a Rel. de Coimbra (pr. 195/07.2GBCNT.C1) havia analisado tal conceito, afirmando que “I - Indícios suficientes são os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado; são vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que alguém determinado é o responsável, de forma que, logicamente relacionados e conjugados formem um todo persuasivo da culpabilidade; enfim, os indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito (e na instrução), os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação da arguido pelo crime que lhe é imputado.
II – A suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos probatórios e de convicção constantes do inquérito (e da instrução) que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento; mas se logo a este nível do juízo no plano dos factos se não puder antever a probabilidade de futura condenação, os indícios não são suficientes, não havendo prova bastante para a acusação (ou para a pronúncia).
III - O juízo sobre a suficiência dos indícios, feito com base na avaliação dos factos, na interpretação das suas intrínsecas correlações e na ponderação sobre a consistência das provas, contém sempre, contudo, necessariamente, uma margem (inescapável) de discricionariedade.
IV - Não se exigindo o juízo de certeza que a condenação impõe - a certeza processual para além de toda a dúvida razoável -, é mister, no entanto, que os factos revelados no inquérito ou na instrução apontem, se mantidos e contraditoriamente comprovados em audiência, para uma probabilidade sustentada de condenação.”.
Ou seja: o juiz de instrução criminal analisa a prova indiciária recolhida no inquérito e na instrução e emite um juízo sobre a suficiência desses indícios, procurando responder à seguinte questão: em julgamento, se a prova produzida tiver o mesmo sentido e alcance daquelas que teve no inquérito, o que é mais provável: a condenação do arguido ou a sua absolvição?
A Relação de Lisboa, por acordão de 21.MAI.15 (pr. 2/13.7GFPRT.L1-9) afirmou que, “…A jurisprudência tem considerado, nos tempos mais recentes, esta probabilidade razoável de, em julgamento, ser aplicada aa arguido uma pena ou medida de segurança, como uma “probabilidade elevada” ou “particularmente qualificada”, isto é, não se contenta com a mera hipótese de tal poder acontecer, mas, exige, antes, uma hipótese séria de tal poder vir a acontecer, em obediência ao princípio in dubio pro reo, aplicável a todas as fases do processo e da presunção de inocência.”, entendimento que a Rel. de Évora corroborou, por acordão de 16.FEV.16 (pr. 408/13.1TABJA.E1): “Verificam-se indícios suficientes para pronunciar a arguido quando haja uma lata probabilidade de futura condenação do mesmo, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição”.
Se a resposta for positiva, deve pronunciar a arguido; caso contrário deverá lavrar despacho de não pronúncia: “…fundando-se o conceito de indícios suficientes na possibilidade razoável de condenação ou de aplicação de uma pena ou medida de segurança, deve considerar-se existirem os mesmos, para efeitos de prolação do despacho de pronúncia quando:
- os elementos de prova, relacionados e conjugados entre si fizerem pressentir a culpabilidade do agente e produzirem a convicção pessoal de condenação posterior;
- se conclua, com probabilidade razoável, que esses elementos se manterão em julgamento;
ou,
- quando se pressinta que da ampla discussão em audiência de julgamento, para além dos elementos disponíveis, outros advirão no sentido de condenação futura.
Para a pronúncia não é necessário uma certeza da existência da infracção, bastando uma grande probabilidade de futura condenação da arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.
Deve assim o Juiz de Instrução compulsar os autos e ponderar toda a prova produzida, fazendo um juízo de probabilidade sobre a condenação da arguido e, em consonância com esse juízo, remeter ou não a causa para a fase de julgamento.”, diz-se no ac. da Rel. de Coimbra, de 08.JUL.15 (pr. 204/14.9PCCBR.C1).
*
Percorrendo os autos, constata-se que, relativamente ao crime de denúncia caluniosa, o M. Público arquivou o inquérito, sem acusação, por entender que “…os únicos indícios existentes resultam apenas e tão só das declarações do ofendido, não sendo corroboradas por qualquer outro meio de prova, o que é claramente insuficiente.”.
Mais se referiu nesse despacho que “…dos elementos colhidos no presente inquérito não se consegue alcançar a existência de qualquer intenção criminosa por parte da arguida, nomeadamente um dos requisitos do ilícito em causa, ou seja, a consciência da falsidade da imputação ao ora aqui ofendido.
A arguida limitou-se a relatar os factos como, na sua óptica, aconteceram.”.
Não pode deixar de convergir-se com o M. Público neste particular.
Com efeito, a versão dos factos trazida aos autos pelo assistente e pela arguida não coincidem, afirmando aquele ter sido consensual a prática dos actos sexuais entre ambos e sustentando a arguida que foi forçada pelo arguido a praticá-los.
Na ausência de outra prova, mormente testemunhal, que - ainda que indirectamente – pudesse corroborar a existência de consentimento por banda da arguida para aquela actividade íntima e que, assim, autorizasse concluir ser inverídica a sua afirmação em como foi violada pelo assistente, não é possível concluir pela maior e mais provável condenação dela se fosse sujeita a julgamento pelo crime de denúncia caluniosa.
Na verdade, e novamente apelando ao despacho de arquivamento, “…a existência de um despacho de arquivamento por si só não constitui elemento de prova que nos permita afirmar que aqueles factos efectivamente não existiram, apenas ficou determinado naquele inquérito que não foram recolhidos indícios suficientes da prática do crime, o que é substancialmente diferente.”.
Ora, o crime de denúncia caluniosa, “…para além de proteger directamente a realização da Justiça, visando o Estado garantir a credibilidade e a seriedade do procedimento criminal, disciplinar ou contra-ordenacional com vista à realização da justiça, protege também a liberdade de determinação, a honra e consideração do visado.
II - São elementos típicos de tal crime: o acto de denunciar ou lançar suspeita por qualquer meio a pessoa visada, determinada ou determinável; a imputação de factos idóneos a provocarem o procedimento criminal, disciplinar ou contra-ordenacional, ao destinatário da acção pela autoridade que tem o poder do procedimento (denúncia a uma autoridade ou publicamente de modo a ser daquela conhecido), e o dolo qualificado por consciência da falsidade da imputação e intenção de que contra a pessoa visada se instaure procedimento.” – diz-se no acórdão da Relação do Porto, de 01.OUT.14, pr. 4720/2013.
Importa então dilucidar a seguinte questão fundamental: a aqui arguida AA, ao fazer aquela queixa contra o aqui assistente BB tinha consciência da inveracidade das imputações que nela foram vertidas, desse modo pretendendo que contra ele fosse instaurado procedimento criminal?
Na resposta a essa pergunta importa ter bem presente que intenções ou propósitos são fenómenos do foro psicológico que ou são verbalizados pelo próprio ou, não o sendo, apenas se podem inferir da sua actuação exterior, por acção ou por omissão.
No caso vertente, não existe notícia nos autos que aquela arguida haja manifestado por palavras que tinha consciência que o que denunciou não correspondesse à verdade.
Aliás, no inq. ..., em que o aqui assistente foi arguido pelos factos denunciados pela aqui arguida, o despacho de arquivamento quanto ao aí denunciado crime de violação assentou não na certeza em como o aqui assistente não o tenha praticado, mas porque não foi possível afastar a dúvida razoável se o ali arguido tivesse cometido aquela violação…
Ou seja, não se recorta de forma robusta, convincente e segura que a arguida, através da denúncia que apresentou contra o assistente, soubesse serem inverídicos os factos que ali relatou e que o tenha feito com o fito de o assistente ser objecto de procedimento criminal.
Em derradeira análise, e ponderando a globalidade dos indícios constantes dos presentes autos, sempre restaria dívida razoável se a actuação da arguida é susceptível de integrar a previsão do art.ºs 365.º, n.º 1 do C. Penal.
Assim sendo, e num juízo de prognose quanto ao desfecho do julgamento a que a arguida seria submetida, recorta-se como mais distante a sua condenação que a sua absolvição pelo crime de denúncia caluniosa.
Por isso, deve confirmar-se o despacho de arquivamento do M. Público, relativamente ao crime de denúncia caluniosa imputado pelo assistente à arguida.
Na decorrência do que se vem de referir, apenas se encontra suficientemente indiciado que:
1 - Em 10-02-2023, entre as 22h00 e 23h30h, o Assistente e a Arguida encontraram-se em casa de CC, juntamente com DD, para um convívio íntimo.
2 – A casa era pequena, e enquanto CC estava num quarto com DD, o Assistente e a Arguida estavam no quarto ao lado, de onde a testemunha CC disse que, em outra ocasião, era possível ouvir o ressonar do seu pai.
3 – O Assistente e a Arguida praticaram sexo oral, sexo vaginal e sexo anal.
4 – As testemunhas que estavam ao quarto ao lado não ouviram qualquer som ou palavra que pudesse levar a crer que a Arguida não consentia a prática da relação sexual.
5 – Quando foi embora da casa de CC, o Assistente despediu-se da Arguida com um beijo na boca.
6 – Após a investigação o Ministério Público entendeu que o depoimento da Arguida, naquela altura como denunciante, apresentou vários pontos que suscitaram relevantes dúvidas e foi consideravelmente diferente dos demais sujeitos.
7 – O Ministério Público entendeu, ainda, que segundo resultou da própria versão apresentada pela ora Arguida, esta assumiu actos concludentes com a vontade de prosseguir em direcção à relação sexual.
8 - Da perícia realizada não resultaram lesões agudas na vagina ou no interior do ânus, o que seria verosímil de suceder, porquanto se tratam de actos sexuais que exigem determinada preparação no concerne à lubrificação da cavidade, sob pena dali resultarem lesões e dores para ambos os intervenientes.
9 – A testemunha CC, declarou que, em uma discoteca, a Arguida ficou interessada no Assistente, no entanto, uma vez no decorrer da noite viu o Assistente com outra rapariga, e a Arguida terá ido ao encontro daquela e desferiu-lhe um estalo na cara.
10 – Nas declarações prestadas pela ora Arguida, a mesma afirmou que “o BB deveria ser castigado por aquilo que lhe fez…”.
Pelo contrário, não se indicia suficientemente que:
A – No dia seguinte aos factos, a Arguida encontrou o Assistente em uma discoteca com outra rapariga, e somente após isso decidiu denunciar o ora Assistente pela prática de um crime de violação, previsto e punido pelo artigo 164º, nº 1 do Código Penal.
B - Assim, a Arguida denunciou falsamente o Assistente por um crime que não ocorreu, com o único objetivo de prejudica-lo e castigá-lo por não ter levado a sério uma relação amorosa com a mesma, após terem praticado relações sexuais.
C - A Arguida agiu livre e conscientemente, com intuito de ver instaurado procedimento criminal contra o Assistente, bem sabendo que a sua conduta era e é proibida e punida pela lei, tendo perfeita consciência da ilicitude da mesma.
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A defesa da arguida AA também apresentou requerimento de abertura de instrução, agora contra a acusação particular contra si deduzida pelo assistente BB, pela alegada prática de um crime de difamação agravada.
Para além das questões processuais supra referidas, sustenta igualmente não terem sido recolhidos em inquérito indícios suficientes em como cometeu tal crime, preconizando por isso a sua não pronúncia.
Todavia, percorrendo o inquérito, verifica-se a existência de prova indiciária, testemunhal e documental, que permite afirmar ter a arguida referido perante terceiros que o aqui assistente a violou: é o caso das testemunhas EE (fl.s 109/110), FF (fl.s 112), GG (fl.s 113) e HH (fl.s 133/134) e dos documentos de fl.s 193 v.º/195, para além das declarações do próprio assistente.
O M. Público, singelamente, referiu apenas que “Notifique o assistente nos termos e para os efeitos do art. 285º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal com a indicação de que não foram recolhidos indícios suficientes dos factos denunciados susceptíveis, em abstracto, de integrar a prática do crime de difamação.” (ref.ª 460961706, de 11.VI) e “O Ministério Público, ao abrigo do n.º 3 do art. 285º n.º 3 (ad contrario) do Código de Processo Penal, não deduz acusação pelos factos que são imputados pela assistente a fls. 147 a 151 à arguida.” (ref.ª 464720424, de 21.X).
Procedendo, no entanto, ao juízo de prognose próprio da decisão instrutória, ponderando a maior ou menor probabilidade de condenação da arguida caso a prova que respaldou a acusação particular em apreço tenha, em julgamento, o mesmo sentido, conteúdo e alcance que teve em inquérito, é lícito concluir que a condenação da arguida pelo crime de difamação que o assistente lhe imputa se afigura como sendo o desfecho mais provável desse julgamento.
Na verdade, mesmo que a arguida estivesse convencida da veracidade dos factos que relatou a terceiros, a asserção em como fora violada pelo assistente, constituindo facto atentatório da honra e consideração dele, não a isenta da responsabilidade criminal prevista no art.º 180.º do C. Penal.
Importa ter presente que o referido preceito legal não exige que sejam inverídicas, falsas ou desconformes à realidade os factos que são propalados perante terceiros; satisfaz-se somente em que o que é relatado ou comentado perante terceiros atinja a honra ou consideração do visado. Se os factos propalados forem falsos e quem os divulgar disso souber, o crime é agravado, nos termos do art.º 183.º, n.º 1, al. b) do C. Penal.
Por outro lado, mesmo que a arguida estivesse convencida da veracidade do que relatou ou comentou com outras pessoas quanto à conduta do arguido, a sua responsabilidade criminal não fica afastada ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 180.º do C. Penal: não foi para prosseguir interesses legítimos que o fez (al. a) do referido preceito legal), contrariamente ao que sucedeu quando formalizou a denúncia contra o assistente e que deu origem ao referido inq. .... Aliás, neste último caso (apresentação de denúncia contra o aqui assistente pela alagada violação), a conduta da arguida sempre estava coberta pela exclusão da ilicitude prevista no art.º 31.º, n.º 2, al. b) do C. Penal.
Não é, porém, a situação vertida na acusação particular impugnada: a arguida, já depois de formalizada a queixa contra o assistente, disse ou comentou com terceiros, que aquele a havia violado, imputação desonrosa (insiste-se: mesmo que seja ou fosse verdadeira) que atingiu a honra do assistente.
Por isso, e agora em divergência com o M. Público e com a defesa da arguida, esta será pronunciada pelo crime de difamação que o assistente lhe imputa.
Apenas é digno de nota que a difamação em questão não é agravada nos termos do art.º 183.º, n.º 1, al. b) do C. Penal, pois, como se referiu, não é seguro afirmar-se - como se procurou demonstrar - que os factos imputados pela arguida ao assistente sejam inverídicos.
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Assim, pelo exposto, uma vez que esta fase da instrução é ainda meramente indiciária, de comprovação judicial de indícios, e por efectivamente esses indícios se afigurarem insuficientes, nos termos do art.º 308.º, n.º 1, 1.ª parte, do C. Pr. Penal NÃO SE PRONUNCIA a arguida AA, pelos factos e imputação jurídica constante da parte final do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente BB.
Pelo contrário, por do inquérito resultarem indícios suficientes, PRONUNCIA-SE a arguida AA pelos factos constantes da acusação particular com a ref.ª 39729542, de 25.VII (que se dá aqui por reproduzida) e que consubstanciam a prática de um crime de difamação, previsto e punido pelo art.º 180.º do C. Penal.
* * * * * * *»
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Prova: a de fl.s 185 v.º.
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A arguida aguardará os ulteriores termos processuais na situação coactiva em que se encontra (termo de identidade e residência).
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Custas a fixar a final, devendo ter-se em conta, em caso de condenação, a fase de instrução: art.º 513.º, n.º 1 a 3, do C. Pr. Penal e art.º 8.º, n.º 9 do RCP e tabela III anexa ao mesmo.».


3. É o seguinte o teor da acusação nestes autos deduzida pelo assistente contra a arguida e ora recorrente (para o qual remete o despacho de pronúncia recorrido):
«(…) indicia, suficientemente os autos que.
1º O Assistente foi constituído Arguido no processo nº ..., que correu no DIAP – 1ª Secção de Matosinhos, sendo investigado pela prática de um crime de violação, previsto e punido pelo artigo 164º, nº 1 do Código Penal.
2º Após a investigação, o inquérito foi arquivado, tendo o Digno Procurador da República concluído que “uma eventual acusação deduzida pelo Ministério Público (…) estaria destinada à absolvição do arguido…”, conforme o Despacho de arquivamento que junta ao diante (Doc. 01).
3º Ficou, então, comprovado nos autos do referido inquérito, que a versão relatada pela suposta ofendida, ora Arguida, e que foi replicada por sua progenitora, mostraram-se desajustadas da realidade dos factos, relativamente às demais versões apresentadas pelas testemunhas presenciais, que estavam no local.
4º Destarte, antes do referido inquérito ser arquivado, a Arguida divulgou para terceiros as informações do processo que corria em segredo de justiça, causando imenso constrangimento, vergonha e agonia ao ora Assistente, durante os longos meses de investigação.
5º Como se não bastasse a Arguida ter apresentado uma falsa denúncia às autoridades, ainda difamou o ora Assistente para terceiros, imputando a ele factos ofensivos da honra e consideração, revestindo a sua atuação de natureza dolosa e reiterada.
6º O Assistente tomou ciência de tais factos através de EE, que presenciou a Arguida afirmar em alta voz, para todos que estavam em sua volta em uma discoteca no Porto, que o BB seria um violador, e que deviam tomar cuidado com ele.
7º Além disso, HH também teve conhecimento dos factos constantes no processo, que corria em sigilo, através da própria Arguida.
8º Mesmo após o arquivamento do referido inquérito, a Arguida continuou a difamar o Assistente, sendo que houveram ocasiões em que o mesmo foi interpelado e insultado por amigos da Arguida, por, supostamente, ser um violador.
9º Através de mensagens enviadas ao Assistente, via chat do Instagram, II, amigo da Arguida AA (cujo documento junta ao diante – Doc. 02), disse-lhe que precisava conversar o assistente, afirmando o seguinte:
“É que precisava falar contigo sobre uma merdas que andas te a fazer e eu não gostei nada” (…) “Aliás muita gente não gostou” (…) “Tenho que falar contigo sobre o andas a fazer às raparigas”.
10º Ainda, disse ao Assistente que: “já tens 12 queixas por aquilo que ouvi dizer”, e que o assunto seria “sobre uma suposta violação”, tendo ameaçado o Assistente de que um dia desses iria encontrá-lo pessoalmente.
11º Este rapaz (II) foi apenas uma das inúmeras pessoas que ficaram a saber dos factos sigilosos do inquérito por parte da Arguida, o que comprova a prática do crime de difamação.
12º Infelizmente as ameaças não ficaram apenas nas trocas de mensagens, afinal no dia 09 de maio do corrente ano, durante a festa da queima das fitas, que ocorreu no queimódromo em Matosinhos, o Assistente foi interpelado pela arguida e uma amiga de nome JJ, que o insultaram e o acusaram da suposta violação.
13º Em decorrência disso, o ora Assistente, foi ameaçado e agredido fisicamente por seis (06) amigos da arguida, cfr. consta no Auto de Notícia de junta ao diante e que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais (Doc. 03).
14º No momento em que o Assistente foi agredido pelos amigos da Arguida, estava presente DD, que testemunhou de forma presencial os insultos referente à suposta violação, por parte da Arguida e seus amigos, portanto será arrolado como testemunha da difamação praticada pela arguida.
15º Por conseguinte, além das ofensas à sua personalidade, o Assistente sofreu danos resultantes de agressões físicas.
16º Para um jovem que na altura contava com 19 anos, ser investigado por um crime sexual que não praticou, e ainda ter a situação divulgada perante terceiros, inclusive no seu círculo de amizades e conhecidos, gerou um dano psicológico imensurável ao Assistente.
17º A conduta praticada pela Arguida é indiscutível que são ofensivas da honra e consideração do Assistente, por adequados a colocar em causa o bom nome e consideração do mesmo, perante todos que souberam da investigação sigilosa, e acreditaram na falsa violação.
18º Estabelece o Artigo 180° nº 1 do Código Penal que:
“Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.”
19º Mais dispõe o Artigo 183° do Código Penal que:
“1- Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.°, 181.° e 182°:
(…)
b)- Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação; as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.”
20º Ora, sobre o crime de difamação, é sabido que o valor protegido é a honra e consideração que são devidos a qualquer pessoa, corolário lógico do princípio constitucional consagrado no art.º 26°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa, de que a todos é reconhecido o direito ao bom nome e reputação.
21º Ensina Rabindranath Capelo de Sousa, in “O Direito Geral de Personalidade", Coimbra, 1995, que "a honra, em sentido amplo, inclui também o bom nome e a reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos pelo indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político. Engloba ainda o simples decoro, como projecção dos valores comportamentais do indivíduo no que se prende ao trato social. E envolve, finalmente, o crédito pessoal, como projecção social das aptidões e capacidades económicas desenvolvidas por cada homem".
22º Para que o elemento subjectivo do crime de difamação seja preenchido não é exigível o dolo específico bastando o dolo genérico em qualquer das suas formas, directo necessário ou eventual.
23º Diante dos factos, resta claro que a Arguida praticou o crime disposto no artigo 180º do Código Penal, ao imputar e formular sobre o Assistente, fatos ofensivos e desonrosos, perante terceiros, que, posteriormente, veio a repercutir em ofensas à sua integridade física.
24º Portanto, feriu-se liberdade do Assistente de não suportar tais condutas, que agrediram e denegriram a sua honra e consideração na esfera de um crime sexual.
25º A Arguida agiu deliberadamente, com a intenção concretizada de humilhar o Assistente, e assim logrou êxito.
26º Agiu a Arguida de forma consciente, livre e voluntária, bem sabendo que a sua conduta eram proibida e punida por lei.
27º Portanto, restou consumada a prática do crime de Difamação Agravada p. e p. pelo art.º 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, ao imputar factos ofensivos da honra ou consideração do Assistente, que a Arguida conhecia a falsidade da imputação.
[...]».
Registe.
Remeta oportunamente os autos para o Juízo Local Criminal de Matosinhos»

4. A recorrente verbera a esta decisão (reproduzem-se as «conclusões» com que termina o seu arrazoado):
«A) Vem o presente recurso interposto da decisão Instrutória na parte em que proferiu despacho de pronuncia pelos factos constantes da acusação particular, não acompanhada pelo Ministério Publico, imputando à arguida a prática de um crime de difamação;
B) Para o efeito a decisão recorrida entende, em suma, que não ocorre qualquer invalidade da acusação particular e que se verifica existência de prova testemunhal e documental indiciária para afirmar que arguida referiu perante terceiros que o assistente a violou;
C) Sempre com o devido respeito, que é muito, afigura-se, que a decisão recorrida, ao decidir como decidiu, não fez uma correta apreciação dos elementos de prova existentes nos autos, como não fez uma correta interpretação e aplicação dos preceitos legais atinentes;
D) Desde logo, verifica-se que quer a acusação particular apresentada pelo assistente quer o despacho de pronuncia em que imputa a arguida a pratica do crime de difamação, são omissos em relação ao tempo e lugar em que entende que foram praticados os alegados factos, não cumprindo, assim, o que se encontra determinado no artº 283º, nº 3 do CPP, o que torna os mesmos nulos, nulidade esta insanável e de conhecimento oficioso, pelo que, logo por aqui, deve ser revogado a decisão recorrida e substituída por outro que reconheça os vícios suscitados;
E) Acresce que, consultados os autos verifica-se a inexistência de elementos de prova que sustentem, ainda que de forma indiciária, a prática do crime de difamação de que a arguida vem pronunciada;
F) Com efeito, e mesmo analisando a prova indicada no despacho de pronuncia, verifica-se que a prova testemunhal referida EE, FF, GG e HH, não suportam o que se encontra imputado a arguida, sendo que os documentos igualmente invocados, para além de poderem ser nulos, desconhece a sua autoria e fidedignidade, sendo que, também não tem a virtualidade de suportar pratica do crime de difamação, sendo que as declarações do assistente, para além de não corresponderem a verdade, também por si só não é suficiente para suportar a acusação a arguida;
G) Mas mesmo que assim não se entendesse, ou seja mesmo que se entendesse que a arguida teria transmitido a terceiros o que se encontra imputado na acusação particular e no despacho de pronuncia, o certo é que não se encontram preenchidos os elementos tipificadores do crime de difamação pp no artº 180º do CP, uma vez que se trata de um relato verdadeiro, com ausência de dolo e no exercício de um legitimo direito;
H) Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida, nem interpretou e aplicou corretamente as normas legais atinentes nomeadamente, art.ºs 180º, nº 1, 2, al. a) e b) do Código Penal e artºs 118º, nº 1, 119º, 120, nº 3, al. c), 122º, nº 1, 283º, nº 3, 285, nº 3, 307º,, nº 1 e 308º, nº 1 e 2, estes do Código de Processo Penal.»


5. Em resposta, concluiu o Ministério Público junto da 1.ª instância que não se verifica a nulidade (alegada pela recorrente) da acusação particular e do despacho de pronúncia e, bem assim, que não se verificam indícios suficientes da prática, pela ora recorrente, dos factos que lhe são imputados nesse despacho.
6. O Ministério Público junto deste Tribunal aderiu às alegações do Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância, acompanhando, consequentemente, a solução aí esgrimida.
7. A este «Parecer» respondeu o assistente nos autos, pugnando pelo não provimento do presente recurso; a recorrente apresentou também resposta, reiterando a posição que assumiu na motivação do seu recurso.
8. Cumpridos os legais trâmites importa decidir.
II
9. O presente recurso merece provimento.
10. 1. A acusação particular deduzida nos autos, bem como o despacho de pronúncia recorrido que para a mesma remete, não são de considerar inválidos em virtude da omissão da indicação exata do tempo e lugar dos factos neles descritos.
11. a) Decorre do preceituado nos artigos 283.º, n.º 3, e 308.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, bem como dos princípios acusatório e da vinculação temática, e é entendimento uniforme da jurisprudência, que as imputações genéricas, sem indicação precisa do tempo, lugar e circunstancialismo em que os alegados factos terão ocorrido poderão inviabilizar um efetivo direito de defesa, e eventualmente acarretar mesmo a invalidade da acusação ou da pronúncia, se as imputações que destas constarem forem, todas elas, redigidas dessa forma genérica.
12. No entanto, é também entendimento uniforme da jurisprudência (ver, por exemplo, o acórdão desta Relação de 11/09/2024, tirado no processo n.º 1214/20.2PIPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt) que, pelas naturais dificuldades em situar no tempo condutas passadas e recorrentes, alguma imprecisão a esse respeito poderá ser admissível (embora se não chegar ao ponto de tornar impossível qualquer defesa); exigir uma identificação precisa do dia e hora da ocorrência dos factos que integram uma prática repetida pode ser uma exigência quase impossível e desse modo poderá ser inviabilizada qualquer condenação pela prática destes crimes; nestes casos, há outras formas de contextualização dos factos que permitem identificá-los sem essa precisa identificação temporal (há uma identificação temporal menos precisa, uma localização espacial, a referência a determinado episódio) e, assim, assegurar os direitos de defesa do arguido; com essa contextualização, este pode saber a que acontecimento concreto se refere a acusação ou a pronúncia e defender-se a respeito da sua eventual ocorrência.
13. b) Partindo destes pressupostos, poderemos dizer que da acusação particular para que remete o despacho de pronúncia recorrido constam algumas imputações genéricas, sem exata concretização espácio-temporal ou de outro tipo (designadamente a identificação dos interlocutores a que terão sido dirigidas as imputações falsas que integrariam o crime de difamação em apreço, o que em crimes desta natureza pode ser difícil de concretizar de forma inequívoca).
14. Ainda assim, elas não podem deixar de ser (também) entendidas por referência aos factos que, embora porventura de forma pouco rigorosa, são referidos na acusação em apreço.
15. É o que sucede quanto às imputações genéricas que constam dos artigos 4.º e 5.º (ainda compreensíveis por referência aos artigos 6.º e 7.º) e 8.º e 11.º (por referência aos artigos 9.º e 10.º, ainda que os factos que nestes são descritos sejam irrelevantes para a decisão do presente feito, porquanto não integram o objeto do processo), que obviamente não inviabilizam a defesa da recorrente relativamente aos factos a que se referem tais imputações (e não, porventura, a outros eventos que não são mencionados na acusação particular).
16. Já no que se refere às imputações que constam dos demais artigos da acusação particular (em especial os já mencionados nos artigos 6.º, 7.º e 12.º a 15.º, sendo que estes se encontram em investigação noutros autos) pode dizer-se que há um mínimo de concretização e contextualização que permite à recorrente identificar os factos em causa e, desse modo, defender-se dessas imputações.
17. Finalmente, a matéria constante dos artigos 16.º a 24.º refere-se, na prática, à qualificação jurídica dos factos, sendo por isso irrelevante do ponto de vista da fixação da factualidade indispensável à decisão do pleito, não determinando, a sua inclusão na acusação particular aqui deduzida, qualquer tipo de invalidade (mas apenas uma má técnica jurídica).
18. Em conclusão, pois, não pode dizer-se que o despacho de pronúncia recorrido, e a acusação particular para que ele remete, sejam nulos, nos termos dos artigos 283.º, n.º 3, e 308.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Deverá, assim, ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto.
19. 2. A prova reunida no decurso do presente inquérito não sustenta a pronúncia da ora recorrente.
20. a) Nos termos do artigo 308º, nº 1, do Código de Processo Penal, «se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos».
21. E, nos termos artigo 283°, n° 2, ex vi do artigo 308º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, «consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança».
22. Tem-se entendido que se consideram suficientes esses indícios quando a probabilidade de condenação for superior à probabilidade de absolvição (assim, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, pág.133, e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª edição, págs. 178-179).
23. b) Visto o seu teor, forçoso é concluir que os depoimentos das testemunhas EE, GG e FF (tal como o depoimento da testemunha HH, como se verá a seguir), não sustentam a factualidade imputada à ora recorrente nos artigos 6.º e 7.º da acusação particular (e, como se disse, por consequência, a afirmação constante do artigo 5.º, na medida em que se reconduz a tais factos).
24. (1) A testemunha EE declarou, quando ouvida nestes autos [a interpolação é nossa]:
«esclarece[u] que o denunciante foi seu namorado e em data que já não recorda, o mesmo relatou o episódio ocorrido com a denunciada, pessoa que não conhece e [com quem] não tem qualquer tipo de relação.
Mais refere que o denunciante lhe relatou o que tinha acontecido, assim como a AA o fez, sendo este o conhecimento que tem.»


25. Este depoimento mostra-se – ao menos parcialmente – inverosímil, e na parte em que poderia aqui relevar em especial, não pode ser acolhido. Com efeito, afirmando a testemunha em apreço que a denunciada (ora recorrente) é «pessoa que não conhece e [com quem] não tem qualquer tipo de relação», não se percebe como (e em que circunstâncias) é que esta lhe poderá ter relatado o que quer que fosse (sobretudo em relação a factos de melindre inegável como por regra o são, os que envolvem a alegada prática de crimes de natureza sexual), pois que não se conheciam nem tinham qualquer intimidade para, de forma casual e espontânea) discutir tais assuntos.
26. De todo o modo, o que vem alegado é que a testemunha em questão «presenciou a Arguida afirmar em alta voz, para todos que estavam em sua volta em uma discoteca no Porto, que o BB seria um violador, e que deviam tomar cuidado com ele» (artigo 6.º da acusação particular), o que manifestamente ela não confirmou, quando inquirida; o seu depoimento não constitui, pois, qualquer indício suficiente da prática, pela ora recorrente, do crime de difamação que lhe é imputado.
27. Nestas circunstâncias, pois, não é de antecipar que, com fundamento no depoimento em análise, possa vir a ser proferida, em sede de julgamento, uma condenação contra a ora recorrente, pelos factos que lhe são imputados – por referência ao mesmo depoimento – na acusação particular contra ela aqui formulada.
28. (2) Também a testemunha GG:
«esclarece[u] que é amigo do BB e em data que já não recorda, estava na discoteca, sito no Porto, de nome "A..." e de repente surgiu uma rapariga, cujo nome desconhece, não sabe quem é, foi para junto do BB e virada para ele, dizia " és um violador, és um filho da puta, és um boi", e outras expressões que já não se lembra.
Essa rapariga repetiu por diversas vezes essas expressões, sempre aos berros.
As pessoas que se encontravam na discoteca ouviram tudo e ficaram a olhar para o BB, que se sentiu envergonhado e decidiu ir embora, tal a vergonha que sentiu, recorda inclusive que o BB chorou, dizia " é tudo mentira"».


29. E, por seu turno, a testemunha FF, quando ouvido:
«esclarece[u] que é amigo do denunciante BB e em data que já não recorda, dado o hiato de tempo, estava na discoteca, sito no Porto, de nome "A..." e a determinado momento surgiu uma rapariga, estava na companhia do BB, e esta, que apenas sabe chamar-se KK, aos berros dizia, virada para o BB " és um violador, és um filho da puta, és um merdas, és um boi", tendo repetido tais expressões por diversas vezes, que não sabe quantificar.
Todas as pessoas que se encontravam á sua volta, ouviram tudo, sendo este o conhecimento que tem dos factos denunciados.»


30. Ou seja, os depoimentos das testemunhas antecedentes não sustentam a matéria constante do artigo 6.º da acusação particular, já que os factos a que terão assistido envolveram – ao menos pelo que elas puderam identificar – pessoa diversa da aqui recorrente, sendo que, mais uma vez, não está em causa o «afirmar em alta voz, para todos que estavam em sua volta em uma discoteca no Porto, que o BB seria um violador, e que deviam tomar cuidado com ele».
31. (3) Os depoimentos de todas as testemunhas antecedentemente mencionadas também não sustentam a matéria constante dos artigos 8.º a 10.º, e mais importantemente, 11.º, 12.º (que, quando muito, aponta para a prática de um crime de injúrias, mas que também não se mostra minimamente sustentado nos autos), bem como 13.º e 14.º (de novo, e no que aqui interessa, que poderia configurar a eventual prática de um crime de injúrias, mas por outras pessoas que não a ora recorrente, mas que também não se mostra suficientemente sustentado no processo).
32. c) O depoimento da testemunha HH também não sustentaria a condenação da ora recorrente pelo crime de difamação que aqui lhe é imputado.
33. Quando ouvida neste inquérito, declarou a testemunha em apreço:
«que é amiga do ofendido e da denunciada e estes, por várias vezes e em datas diferentes, cujas datas em concreto não sabe indicar, contaram-lhe versões completamente diferentes.
O BB disse que os actos foram consentidos e a AA disse o seu contrário e que tinha sido violada, é o que sabe e foi porque lhe contaram.»


34. Este depoimento, como ocorre com os depoimentos das demais testemunhas ouvidas no inquérito e já referidas, não confirma minimamente a matéria constante do artigo 6.º da acusação particular; confirma, isso sim, que a ora recorrente, repetidamente, em conversa com a testemunha em apreço, sua amiga, lhe contou o que – naturalmente da sua perspetiva subjetiva e interessada – teria ocorrido entre si e o aqui assistente, e que este, repetidamente, também em conversa com a testemunha, sua amiga, retorquiu com a sua versão do ocorrido entre si e a ora recorrente.
35. A, ou as, conversas havidas entre a testemunha e a ora recorrente não são, porém, recondutíveis à previsão legal do crime de difamação.
36. Há muito que se reconhece (assim, v. g., Bernd Schendzielorz, Umfang und Grenzen der straffreien Beleidigungssphäre, pág. 1, apud Thomas Hillenkamp, Zur Reichweite der Beleidigungstatbestände, em Festschrift für Hans Joachim Hirsch, pág. 555, nota 2, atribui a primeira referência a Karl Grolman, Grundsätze der Strafrechtswissenschaft, 1.ª ed., 1798, págs. 205-206, onde este autor salientava que as declarações porventura lesivas da honra alheia feitas em confidência não implicavam a prática de qualquer crime contra a honra) que há determinados círculos de pessoas em cujo seio a imputação de certos factos, e a expressão de certos juízos de valor, desonrosos não são de considerar difamatórias – constituindo por isso, na sugestiva designação germânica, como que uma «beleidigungsfreie Sphäre“» –, ainda quando se mostre controvertida seja a exata delimitação dos aludidos círculos de confiança (e das pessoas que neles devem ser incluídas), seja o fundamento para a exclusão da punição do agente nestes casos (entre nós, trata a questão com algum detalhe Maria Paula Ribeiro de Faria, Da adequação social, págs. 521 e segs.).
37. Apesar desta falta de acordo da doutrina, parece inequívoco que o reconhecimento e proteção de certas relações de confiança – entre familiares e amigos próximos, pelo menos – e da plena liberdade das interações comunicativas que (no tocante a terceiros) ocorrem, em confidência, nesses âmbitos, se impõe desde logo pela necessidade de assegurar à pessoa, no respeito pela sua eminente dignidade, espaços onde possa desenvolver livremente a sua personalidade, sem ter de se preocupar com as expectativas comportamentais da comunidade ou com a possibilidade de sofrer sanções estatais, como concluiu o Tribunal Constitucional Federal alemão na sua conhecida decisão de 26/04/1994, em que abordou a questão (BVerfGE 90, 255; sobre esta decisão, T. Hillemkamp, ob. cit., págs. 562 e segs.).
38. Entre nós, este enquadramento constitucional não pode ser diverso, ao também a nossa Constituição proteger a dignidade da pessoa humana (enquanto «referência axial de todo o sistema de direitos fundamentais», no dizer de Jorge Miranda/António Cortês, em Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, 2.ª ed., anotação VII ao artigo 1.º da Lei Fundamental, vd., ainda, a anotação XI) e o livre desenvolvimento da personalidade (artigos 1.º e 26.º, n.º 1, da Lei Fundamental), que se tornaria impossível se, ao menos em certos círculos restritos, não pudessem as pessoas expressar-se livremente. Nas palavras de T. Hillenkamp (id., ib.),
«[s]omente em condições de especial confidencialidade é que a pessoa pode expressar sem reservas as suas emoções, revelar desejos ou medos secretos, manifestar abertamente o seu próprio juízo sobre circunstâncias e pessoas ou fazer uma autorrepresentação redentora. Nessas circunstâncias, também podem surgir conteúdos ou formas de expressão que o indivíduo não se permitiria diante de estranhos ou em público; mesmo tais conteúdos merecem a proteção do direito fundamental, como expressão da personalidade e condição para o seu desenvolvimento».


39. O âmbito dos tipos legais que protegem a honra encontra-se assim limitado pelo espaço de liberdade que tem que reconhecer-se, até constitucionalmente, às comunicações realizadas em confidência entre pessoas próximas e no seio dos círculos de confiança em que se movem e estruturam a sua existência social quotidiana; e em que os destinatários de tais comunicações não têm de restringir-se aos familiares próximos, como defende Paula Faria (cit., pág. 523), ao não sobrelevar a tutela constitucional da família, seguramente, a proteção da dignidade e do direito de personalidade da pessoa humana, de molde a justificar a proteção dos laços familiares em detrimento dos laços de proximidade existencial que podem formar-se, porventura com igual relevo e intensidade, fora do círculo familiar.
40. No caso concreto, pois, as conversas que a ora recorrente manteve com a sua amiga, a testemunha HH, e em que abordou os factos que teriam ocorrido, na sua perspetiva, entre si e o aqui assistente, decorreram no contexto da relação de amizade entre ambas e em virtude da confiança que entre elas se estabeleceu e existia, não se destinando a propalar aqueles factos, ou a procurar indiretamente a sua publicidade, em prejuízo da honra do aqui assistente.
41. E sendo assim as coisas – independentemente do concreto fundamento dogmático que, em última análise, haja de convocar-se para justificar um tal resultado – as referidas comunicações entre a ora recorrente e a referida testemunha HH não são suscetíveis de conduzir ao preenchimento do tipo objetivo do crime de difamação do artigo 180.º do Código Penal, por precisamente terem ainda ocorrido em espaço de liberdade constitucionalmente garantido.
42. Isto significa, pois, que também o depoimento da testemunha HH não sustenta a existência de indícios suficientes da prática, pela ora recorrente, do crime contra a honra do assistente por que foi pronunciada em 1.ª instância.
43. 3. Face à decisão que irá ser proferida, não tem o Ministério Público, ou a recorrente, que suportar quaisquer custas; o assistente tem de suportar as custas em que incorreu pela improcedência da sua oposição ao presente recurso.
44. a) Sobre o Ministério Público não impende legalmente o dever de satisfazer quaisquer custas (artigo 522.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
45. b) Conforme decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 513.º do Código de Processo Penal, o arguido só suporta o pagamento de taxa de justiça «quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso». Não se verificando tal decaimento no caso dos autos, não são devidas, nesta instância, consequentemente, quaisquer custas.
46. c) Decaindo integralmente na oposição que deduziu contra o presente recurso, tem o assistente de suportar as respetivas custas (artigo 515.º, n.º 1, alínea b), a contrario do Código de Processo Penal).
47. Considerando, nos termos previstos no artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, a tramitação processual ocorrida (incluindo fase de instrução e o presente recurso), afigura-se adequado fixar em 3 Unidades de Conta a taxa de justiça devida.
III
48. Pelo exposto, acordam os da 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto em, julgando procedente o presente recurso:
a) Revogar a decisão recorrida na parte em que determinou a pronúncia da aqui recorrente pela alegada prática de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º do Código Penal; e, em consequência,
b) Não pronunciar a recorrente pela alegada prática do crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º do Código Penal, que aqui lhe era imputado.
49. Sem custas no tocante ao Ministério Público (artigo 522.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) e à aqui recorrente (artigo 513.º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal).
50. O assistente suportará custas pela improcedência da oposição que aqui deduziu (artigo 515.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal), fixando-se a taxa de justiça por ele devida em 3 (três) Unidades de Conta.

Porto, 29 de outubro de 2025.
(acórdão assinado eletronicamente).
Pedro M. Menezes (relator por vencimento)
Maria do Rosário Martins
Pedro Vaz Pato [vencido, nos termos da declaração de voto que junta:
Declaração de voto (voto de vencido)
Com todo o respeito que merece a posição que obteve vencimento, voto vencido, com os fundamentos seguintes.
Uma vez que estamos perante a análise indiciária própria desta fase processual, afigura-se.me que as testemunhas, inquiridas no inquérito, EE (ver fls. 109 e 110) e HH (ver fls. 133 e 134) confirmaram a práticas dos factos referidos nos artigos 6.º e 7.º da acusação particular para que remete o despacho de pronúncia recorrido, sendo elas pessoas a quem se dirigiu a arguida quando proferiu a afirmação em causa (que o assistente a terá violado). Os factos referidos nesse artigo 6.º, ocorridos numa discoteca do Porto, terão sido também presenciados pelas testemunhas, também inquiridas no inquérito, FF (ver fls. 112) e LL (ver fls. 113).
Não se me afigura que deva ser excluída a punibilidade das declarações prestadas pela arguida perante a testemunha HH por elas estrem cobertas pela exigência de adequação social que protege relações de proximidade e de confiança, pois não estamos perante juízos de valor, mas perante a imputação da prática de um crime de acentuada gravidade, sendo que também não se indicia que fosse intenção da arguida limitar a essa círculo de confiança tal imputação (segundo alega o assistente, tal imputação teve repercussões que se alargaram muito para além desse círculo).
No que se refere à alegação da arguida e recorrente de que a sua conduta estaria justificada nos termos nos termos do n.º 2, a) e b), do artigo 180.º do Código Penal, uma vez que teria atuado no exercício de um direito e essa afirmação é verdadeira, há que considerar o seguinte.
Ao contrário do que se afirma no despacho de pronúncia recorrido não se nos afigura que não seja exercício legítimo de um direito (alínea a) do nº. 2 do artigo 180.º do Código Penal) a denuncia perante terceiros (e não apenas perante instâncias judiciárias ou órgãos de polícia criminal) de um crime pela própria vítima desse crime. Não será, de modo algum, razoável impor tal obrigação de silêncio à vítima de um crime. No entanto, o que, razoavelmente, ao agente se exige é que prove a verdade da imputação ou tenha fundamento sério para, em boa fé, a reputar como verdadeira (alínea b) desse nº 2 desse artigo do Código Penal).
No caso em apreço, a arguida não provou a verdade da imputação em causa (o inquérito relativo a tal imputação veio a ser arquivado por falta de indícios da prática dos factos). Tratando-se de um facto que só poderia ser do seu conhecimento pessoal e direto (uma violação de que ela própria terá sido vítima) não se coloca a hipótese de verificação da situação prevista na última parte dessa alínea b) (que ela tivesse fundamento sério para reputar a imputação como verdadeira sem lograr provar que o era efetivamente), pois essa situação será relativa a casos em que o agente não tem conhecimento pessoal e direto dos factos (e não é isso que sucede neste caso).
Assim, para que se verificasse a previsão da referida alínea b) do n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal, e fosse, desse modo, excluída a ilicitude da conduta da arguida, ela teria de provar a verdade da imputação ao assistente de uma violação de que ela terá sido vítima. E não o fez, embora, de acordo com o despacho de pronúncia recorrido, também não esteja indiciada a falsidade dessa imputação, razão pela qual não foi a arguida pronunciada pela prática do crime de difamação agravado nos termos do artigo 183.º, n.º 1, b), do Código Penal (questão que está agora fora de discussão, pois está em apreço o recurso do despacho de pronúncia interposto pela arguida).
Ou seja, para a exclusão de ilicitude da imputação de factos desonrosos, nos termos da primeira parte da referida alínea b), do nº, 2 do artigo 180.º do Código Penal, deve o agente provar a veracidade desses factos, mesmo que também não haja a certeza da sua falsidade. Não se trata de contrariar o princípio in dubio pro reo; trata-se de considerar que a dúvida deve beneficiar a pessoa vítima de difamação, que a regra nos relacionamentos sociais deve ser a de não imputação a outrem de factos desonrosos quando não há a certeza da sua veracidade, ou não há fundamentos sérios para os considerar verdadeiros (ou seja, também nos relacionamentos sociais deve, reger o benefícios da dúvida, em nome da proteção da honra e consideração social a que todas as pessoas têm direito).
Considero, pois, que conduta da arguida, tal como está nesta fase indiciada, não está justificada nos termos do n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal.]