Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
482/22.0T8PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO-PROMESSA
Nº do Documento: RP20240523482/22.0T8PRD.P1
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nas situações previstas no artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro ( estabelece o regime jurídico da actividade de mediação imobiliária) a remuneração é devida ainda que o negócio visado não se concretize, bastando para o efeito que o contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade, que o cliente tenha a qualidade de proprietário, que o mediador tenha efectivamente realizado a actividade de procura e obtenção de um interessado com o qual o negócio visado podia ser concretizado e que a não concretização deste se deva a causa imputável ao cliente.
II - Numa situação em que os autores , que recorreram aos serviços de uma sociedade de mediação imobiliária, celebrando com esta um contrato de mediação, em exclusividade, pagaram a esta, nos termos previstos no contrato, a remuneração devida aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda, a pretensão dos autores de serem reembolsados do valor da remuneração paga com fundamento na resolução por eles operada do contrato - promessa, está dependente da alegação e prova pelos autores de factos que revelem que o contrato – promessa não chegou a ser realizado por causa não imputável aos autores.
III - A revelar que os autores estão onerados com a alegação e demonstração de factos reveladores de uma situação de incumprimento definitivo por parte da promitente-compradora com quem outorgaram o contrato promessa celebrado na vigência do contrato de mediação.
IV - Se os autores não satisfazem esse ónus, estão preenchidos os requisitos do direito à remuneração da mediadora consagrados no n.º 2 do artigo 19.º 19.º da Lei n.º 15/2013 e, por conseguinte, os autores não podem reclamar da ré a restituição da remuneração que lhe pagaram.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 422/22.6T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 1

ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I - RELATÓRIO:

1. AA, solteiro, maior, natural da freguesia ..., portador do cartão de cidadão nº ..., com contribuinte fiscal nº ...08 e BB, solteira, maior, natural de ..., portadora do cartão de cidadão nº ...442 ..., com contribuinte fiscal nº ...53, ambos residentes na Travessa ..., em ..., ... vieram propor Acção declarativa de condenação como processo comum contra a ré “A..., LDA.”, sociedade comercial, NIPC: ...52, com sede na Rua ..., ..., ..., ..., pedindo que deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e consequentemente:

 a). Ser a Ré condenada a reconhecer que em 29 de janeiro de 2021 celebrou com os Autores um contrato de mediação imobiliária, através do qual a Ré se obrigou a promover nos sites e plataformas digitais e outras diligencias a venda de uma fracção autónoma designada pela letra “I”, destinada a habitação, do tipo T5, com entrada pelo número ...3 da Travessa ..., na freguesia ... concelho e ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de Paredes, com número ...01... e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...77.

b). Ser condenada a reconhecer que o referido contrato de mediação cessou por denúncia/oposição à renovação dos Autores no passado dia 29 de janeiro de 2022.

c). Ser condenada a reconhecer que a Ré durante o prazo de vigência do contrato de mediação imobiliária, não mediou nenhum negócio entre os Autores e terceiro através do qual os Autores tivessem celebrado contrato de compra e venda de referida fração;

d). Ser a Ré condenada a reconhecer que recebeu dos Autores a quantia de 14.452,50 € a título de antecipação de remuneração pela mediação;

e). Ser a Ré condenada a reconhecer que a remuneração não é devida por não ter mediado nenhum negócio que se viesse a concretizar entre os AA. e terceiro;

f). Ser a Ré condenada a devolver aos Autores a quantia de 14.452,50€, que recebeu dos Autores acrescida de juros contados desde a citação e até efetivo pagamento;

g). Ser a Ré condenada no pagamento das custas e demais encargos com o processo.

Para tanto, alegam que os autores na qualidade de proprietários da fracção “I” , melhor identificado nos autos, celebraram com a ré um contrato mediação imobiliária para a venda daquela.

Através do identificado contrato de mediação, em exclusividade, a ré obrigou-se a promover a venda da identificada fracção dos Autores, anunciando a referida fracção nos sites e plataformas digitais e outras diligências que entendesse, de modo a angariar clientes compradores interessados na aquisição da dita fracção. E, tendo logrado angariar uma cliente e tendo sido celebrado o contrato promessa, com a entrega aos autores do valor do sinal de € 23.500,00 e tendo estes procedido ao pagamento da remuneração estipulada, a título de antecipação, e tendo-se verificado que o contrato definitivo não se veio a celebrar por facto imputável à promitente compradora vem requerer a devolução da remuneração, nos termos e fundamentos alegados que aqui se dão por reproduzidos.

2.A Ré regularmente citada deduziu contestação, tendo, no essencial, alegado que a remuneração entregue pelos autores no acto de celebração do contrato promessa foi a título de remuneração específica e por isso era devida pelas diligências e actos que foram praticados para angariar a promitente compradora para a fracção dos autores.

E, por outro lado, alega que os autores sem fundamento resolveram o contrato promessa, sem que tivessem devolvido o sinal e ainda denunciaram o contrato de mediação imobiliária, incumprindo assim com as obrigações que tinham assumido, nos termos que aqui se dão por reproduzidos.[1]

3. Findos os articulados foi dispensada a audiência prévia e foi proferido despacho saneador tabelar.

4. Procedeu-se à realização do julgamento e foi proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente, por provada a acção e, por consequência, condenou a Ré “A..., Ldª.”, nos seguintes termos:

“1. Condeno a ré a reconhecer que em 29.01.2021, celebrou com os autores um contrato de mediação imobiliária, através do qual a ré se obrigou a promover nos sites e plataformas digitais e outras diligências a venda de uma fracção autónoma designada pela letra “I”, destinada a habitação, do tipo T5, com entrada pelo número ...3 da Travessa ..., na freguesia ..., concelho ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de Paredes, com nº. ...01... e inscrita na matriz predial urbana ...77.

2. Condeno a ré a reconhecer que o referido contrato de mediação cessou por denúncia/ oposição à renovação dos autores no passado dia 29.01.2022.

3. Condeno a ré a reconhecer que durante o prazo de vigência do contrato de mediação imobiliária, não mediou nenhum negócio entre os autores e terceiro, através do qual os autores tivessem celebrado o contrato de compra e venda da referida fracção.

4. Condeno a ré a reconhecer que recebeu dos autores a quantia de € 14.452,50, a título de antecipação de remuneração pela mediação.

5. Condeno a ré a reconhecer que a remuneração não é devida por não ter mediado nenhum negócio que se viesse a concretizar entre os autores e terceiro.

6. Condeno a ré a devolver aos autores, a quantia de € 14452, 50 que recebeu dos autores acrescida de juros contados desde a citação à taxa legal aplicável até efectivo pagamento.”

5. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação e formulou as seguintes Conclusões:

(….)

6. Não foram apresentadas contra-alegações.

7. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO SEGURO

As questões colocadas no recurso são as seguintes:

- Da Impugnação da decisão de facto.

- Do Mérito do Recurso.

III. FUNDAMENTAÇÃO.

3.1. Na 1ª instância foram julgados provados e não provados os seguintes factos nos termos que se reproduzem:

“Fundamentos de Facto:

Por confissão, mostram-se provados:

1). Os Autores eram os donos da fracção “I” do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Travessa ..., ... sito no Lugar ..., ..., ..., inscrito no artigo matricial ...77 e descrito ...01 da CRP, descrito no Documento n.º 1 que em anexo se junta e se dá por reproduzido.

2). A Ré é uma sociedade comercial cujo objecto social é, entre outros, a mediação imobiliária, (doc. 2).

3). No dia 29 de Janeiro de 2021 os Autores celebraram com a Ré, em regime de exclusividade, um contrato de Mediação Imobiliária e através desse contrato, a Ré obrigou-se a promover a venda da identificada fracção dos Autores, tendo para o efeito promovido diversas acções de publicidade para anunciar o referido imóvel, nos sites e plataformas digitais e outras diligências que entendesse, de modo a angariar clientes compradores interessados na aquisição da dita fração, (cfr. Documento n.º 3).

4). O prazo de validade desse contrato de mediação imobiliária foi de seis meses contados da data da sua celebração, renovando-se por iguais períodos se não fosse denunciado pelas partes (cláusula 8.ª).

5). A remuneração da Ré foi fixada em 5% sobre o valor da venda (cláusula 5 n.º 2 do dito contrato).

6). Previa-se que o valor da remuneração seria pago aquando da celebração do contrato promessa do negócio mediado (número 3 da referida cláusula).

7). No dia 16 de abril de 2021, os Autores celebraram um contrato de promessa de compra e venda da dita fracção supramencionado com uma promitente compradora Sr.ª CC, através do qual os Autores prometeram vender e esta prometeu comprar a dita fração pelo preço de 235.000,00€ (doc. 4).

8). Em 27.04.2021, a compradora pagou aos Autores a quantia de 23.500,00€ a título de sinal e princípio de pagamento (cláusula 3.ª n.º 1 alínea a) do referido contrato-promessa).

9). Ficou ainda convencionado entre as partes desse contrato-promessa que a escritura de compra e venda seria “outorgada até a um prazo de 90 (noventa) dias, contados a partir da data da assinatura do presente contato”, portanto até ao dia 16 de julho de 2021 (doc. 4 cláusula 4.º alínea 1), sendo obrigação da promitente compradora comunicar aos Autores a data, hora e local, com pelo menos 15 dias de antecedência.

10). No dia 16 de julho de 2021, a pedido da promitente compradora, os Autores e aquela celebraram um aditamento ao contrato de promessa de compra e venda supracitado (doc. 5).

11). Através desse aditamento, os outorgantes prorrogaram o prazo para celebração da escritura de compra e venda da dita fração até ao dia 14 de outubro de 2021 (cláusula 2.ª do aditamento).

12). A 27 de abril de 2021 a Ré emitiu a uma factura e enviou aos Autores com o número 2021/155, com o valor de 11.750,00€ acrescido de IVA à taxa de 23% o que perfaz o valor global de 14.452,50 € (doc. 9).

13). Tendo escrito no descritivo que a factura era devida a “serviços de mediação da imobiliária de venda da fração I, sita na Travessa ..., ..., ..., inscrita na matriz predial urbana sob o art.º ...77”,

14). Valor que aos Autores pagaram à Ré por transferência bancária (doc. 10 e 11)

15). Por carta registada com aviso de recepção datada e registada a 7 de Janeiro de 2022, os Autores denunciaram o contrato de mediação imobiliária que celebraram com a Ré cuja denúncia ocorreria a 29 de janeiro de 2022 (doc. 12).

Da produção de prova resultaram provados os seguintes factos:

16). Sucede que decorrido o prazo referido em 12), os autores aguardaram, sem que a promitente-compradora marcasse a escritura de compra e venda até ao dia 14 de outubro.

17). Esgotado o prazo para a identificada promitente-compradora marcar e realizar a escritura pública de compra e venda da aludida fração, depois de 14 de outubro de 2021, os Autores entraram em contato telefónico com a promitente compradora que lhes comunicou que não conseguiu obter crédito bancário necessário e, portanto, impossibilitaria a realização da escritura de compra venda da fração referida.

18). Por carta registada datada de 31 de janeiro de 2022, os Autores resolveram o contrato promessa de compra e venda que tinha celebrado com a promitente compradora e que aquela recebeu (docs. Nº. 6 e 7).

19). A Ré respondeu a 29 de janeiro de 2022, solicitando uma prorrogação de prazo do contrato de mediação e que não lhe foi concedido (doc. 13).

20). Tendo a promitente-compradora respondido a 9 de fevereiro de 2022 por carta dirigida aos AA. que não “… não estão cumpridas as condições legais e contratuais para resolução do contrato promessa de compra e venda da fração autónoma …” (doc. 8).

21). Os Autores pagaram antecipadamente o valor correspondente à remuneração, conforme pedido pelo promotor DD.

22). O próprio contrato de mediação imobiliária, previa na sua cláusula 5.ª n.º 1 que “a remuneração só será devida se a mediadora conseguir destinatário que celebre com o segundo contraente o negócio visado pelo presente contrato…”

23). Foi a Ré quem escreveu no contrato que a remuneração “só será devida” se o negócio mediado se viesse a concretizar.

 Contestação:

24). Foram efectuadas visitas ao prédio, uma delas, realizada pela D. CC, que formalizou a vontade de adquirir o imóvel pelo valor de 235.000,00€, entregando a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de 23.500,00€ correspondente a 10% da venda, tudo conforme acordado entre AA. e R.

26). Os Autores resolveram o contrato promessa de compra e venda.

27). A própria promitente compradora, em carta dirigida aos Autores, não aceita os termos em que foi resolvido o contrato.

28). A Ré levou a cabo ações de promoção do referido imóvel e diligências para encontrar um comprador interessado em realizar o negócio como reconhecido pelos autores

Factos Não Provados:

Todos os demais factos que se mostrem conclusivos, contrários aos supracitados, nomeadamente:

Da petição inicial: 25; 33; 45; 47.

Da contestação Ré: 5; 15; 17; 18; 19; 20; 21; 22; 24; 25; 30 parte final; 31; 32; 33; 35; 37; 38; 41; 42; 43; 44; 45 parte final; 46 parte final; 47 (conclusivo). 

3.2. Da impugnação da decisão de facto.

A ré-recorrente defende que devem ser aditados os seguintes factos:

- era do conhecimento dos AA., previamente à celebração do contrato promessa de compra e venda, a necessidade da promitente vendedora vender a casa dela e dos pais para realizar a compra do prédio, objeto do contrato de mediação.

- houve um acordo para a cedência da posição contratual da promitente compradora, com a condição de devolução do sinal prestado e que tal devolução não ocorreu conforme facto dado como provado pela Meritíssima Juiz.

Para tanto, convoca para reapreciação os depoimentos das testemunhas CC, que celebrou o contrato – promessa com os autores e o aditamento com prorrogação de prazo, DD, que foi promotor da ré, entidade para a qual prestou serviços durante 3 anos.

Ora, conforme refere a recorrente, estes factos não constam do elenco dos factos provados, nem do elenco dos factos não provados.

Sendo assim, em bom rigor a pretensão da autora consiste, afinal de contas, numa ampliação da matéria de facto (que o tribunal se pronuncie sobre mais um – novo – facto relevante ainda não julgado), não numa impugnação da decisão sobre a matéria de facto (que o tribunal ad quem julgue de modo diferente um – o mesmo – facto que o tribunal a quo julgou).

Com a agravante de que (o reconhecimento da necessidade da) ampliação da matéria de facto conduz, nos termos da parte final da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, a anulação da decisão da 1.ª instância e a repetição do julgamento (independentemente de constarem do processo todos os elementos de prova), enquanto a impugnação da decisão é decidida de imediato pela Relação desde que o processo contenha todos os elementos de prova que permitam reponderar a decisão (primeira parte da disposição, cuja estatuição distingue duas previsões divididas entre «Anular a decisão ... quando ..., ou quando ...).

Pode, no entanto, interpretar-se a sentença recorrida como querendo dizer que todos os demais factos que não foram (explicitamente) julgados provados, foram (implicitamente) julgados não provados, sendo o elenco destes meramente indicativo e justificar-se pela relevância dos factos destacados.

Nesse contexto e motivação afigura-se-nos possível e adequado admitir a requerida impugnação da decisão de facto, na modalidade de aditamento de factos.

Vejamos pois.

É sabido que na decisão da questão de facto apenas devem constar factos essenciais alegados pelas partes para sustentar a(s) pretensões formuladas na petição inicial e as exceçõpes e /ou pedidos reconvencionais arguidos e formulados na contestação, respectivamente, consoante se trate dos autores ou dos réus.

Todavia, a situação apresentada nestes autos é a seguinte:

Os autores alegaram e lograram demonstrar que foi sua vontade celebrar um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, por 6 meses, visando a venda da fracção “I”, por via do qual pretendiam que a ré desenvolvesse todas as diligências tendo em vista a concreta venda daquela fracção.

Nessa decorrência, alegaram e resultou demonstrado que foi angariada uma cliente pelo promotor da ré e que com a intervenção deste foi celebrado um contrato promessa de compra e venda, tendo sido pago o sinal 23.500,00, assim como, a remuneração da ré-mediadora, correspondente a 5% acrescida do IVA em antecipação.

No entanto, por vicissitudes verificadas, o contrato de compra e venda não chegou a ser celebrado tendo os autores alegado e demonstrado terem resolvido o contrato -promessa de compra e venda celebrado com a promitente-compradora,  alegando ter feito seu o sinal ao abrigo da faculdade legal prevista no artigo 442º., nº.2 do CCivil, alegando que o incumprimento é imputável à promitente- adquirente, em razão do que, alegam, denunciaram o contrato de mediação, pretendendo através desta ação a devolução da comissão que pagaram à ré-recorrente após a celebração do contrato-promessa.

Assim, a questão colocada na ação traduziu-se em apreciar e decidir se aos autores-recorridos assiste o direito à devolução da quantia paga à ré- mediadora a título de remuneração, a qual, nos termos do contrato de mediação, pagaram à ré quando foi celebrado o contrato-promessa de compra e venda com a interessada angariada por esta, uma vez que o contrato de compra e venda visado pela mediação não foi celebrado por causa alegadamente não imputável aos autores-recorridos.

Ora, na contestação apresentada a Ré-recorrente, no essencial, defendeu-se alegando que os autores sem fundamento resolveram o contrato promessa celebrado na vigência do contrato de mediação imobiliária que celebraram com os autores sem que tivessem devolvido o sinal e de seguida denunciaram o contrato de mediação imobiliária incumprindo assim com as obrigações que tinham assumido.

Assim, a factualidade que a recorrente pretende que seja aditada ao elenco dos factos provados não reveste essencialidade para a questão decidenda traduzida em averiguar e decidir se a não celebração do contrato visado,  contrato prometido de compra e venda a celebrar entre os autores e a cliente angariada pela ré--recorrente, mediadora imobiliária, não é imputável aos autores, assinalando-se desde já, que os autores-recorridos estão onerados com ónus de alegação e prova ( art 342º nº1, C Civil) de factos reveladores que a não celebração do contrato prometido de compra e venda não lhes foi imputável, conforme resulta do artigo 19º nºs 1 e  2 da  Lei 15/2013 ( o regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária) .[2]

Tratam-se de factos instrumentais, não alegados na contestação da ré-recorrente, os quais, na tese da recorrente resultam da prova produzida.

Nestes termos, porque a pretensão de aditamento de factos não se refere a factos essenciais para a análise e decisão da causa, decidimos não conceder provimento à pretensão da recorrente nesta parte.

3.3. Do Mérito da Sentença.

3.3.1. Conforme assinalado, a situação apresentada nestes autos é a seguinte:

Os autores alegaram e lograram demonstrar que foi sua vontade celebrar um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, por 6 meses, visando a venda da fracção “I”, por via do qual pretendiam que a ré desenvolvesse todas as diligências tendo em vista a concreta venda daquela fracção.

Nessa decorrência, alegaram e ficou demonstrado que foi angariada uma cliente pelo promotor da ré e que com a intervenção deste foi celebrado um contrato promessa de compra e venda, tendo sido pago o sinal 23.500,00, assim como, a remuneração da ré-mediadora, correspondente a 5% acrescida do IVA em antecipação.

No entanto, por vicissitudes verificadas, o contrato de compra e venda não chegou a ser celebrado tendo os autores alegado e demonstrado terem resolvido o contrato -promessa de compra e venda celebrado com a promitente-compradora,  alegando ter  feito seu o sinal  ao abrigo da faculdade legal prevista no artigo 442º., nº.2 do CCivil, que o incumprimento é imputável a promitente- adquirente, em razão do que, alegam, denunciaram o contrato de mediação, pretendendo através desta ação a devolução da comissão que pagaram à ré-recorrente após a celebração do contrato-promessa.

Assim, a questão colocada na ação traduz-se em apreciar e decidir se os autores-recorridos têm direito à devolução da quantia paga à ré- mediadora a título de remuneração, a qual, nos termos do contrato de mediação, pagaram à ré quando foi celebrado o contrato-promessa de compra e venda com a interessada angariada por esta, uma vez que na tese dos autores o contrato de compra e venda visado pela mediação não foi celebrado por causa alegadamente não imputável aos autores-recorridos.

3.3.2.

A qualificação da relação contratual a que respeita o direito à remuneração cuja devolução os autores reclamam da ré como contrato de mediação imobiliária parece incontroversa não sendo objecto do recurso.

Todavia, a propósito, sempre se dirá, seguindo de perto o Acórdão desta Relação de 30.06.2022, no processo n.º12308/21.7T8PRT.P1, in www.dgsi.pt[3].

O contrato de mediação é aquele em que alguém (o mediador) se obriga perante outrem (o comitente ou solicitador) a promover, mediante remuneração, a aproximação de duas ou mais pessoas (o comitente e terceiros), com vista à conclusão entre elas de determinado negócio, ou seja, a preparar e estabelecer uma relação de negociação entre o interessado na celebração do negócio e os terceiros.

Para Vaz Serra, na Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Março de 1967, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100º, n.º 3355, pág. pág. 343, o contrato de mediação é o «contrato pelo qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para certo negócio e a aproximar esse interessado da outra parte».

Segundo Lacerda Barata, in Contrato de Mediação, Estudos do Instituto de Direito do Consumo, I, pág. 192, «o contrato de mediação pode definir-se como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover, de modo imparcial, a aproximação de duas ou mais pessoas, com vista à celebração de certo negócio, mediante retribuição».

Para Fernando Baptista Oliveira[4], o contrato de mediação é aquele em que «uma parte (o mediador) se vincula para com a outra (o comitente ou solicitante) a, de modo independente e mediante retribuição, preparar e estabelecer uma relação de negociação entre este último e terceiros (os solicitados) com vista à eventual conclusão definitiva de negócio jurídico. Assim, para que exista essa mediação, tem o mediador que ter recebido uma incumbência, expressa ou tácita, para certo negócio. Ou seja, tem que haver um acordo entre mediador e solicitante no sentido do primeiro servir de intermediário num ou mais contratos a celebrar pelo último com terceiros, preparando e aproximando as respectivas partes, devendo a conclusão do negócio entre o comitente e o terceiro ser consequência da actividade do mediador/intermediário».

Este autor assinala ainda que os elementos caracterizadores deste contrato são: «obrigação de aproximação de sujeitos; actividade tendente à celebração do negócio; imparcialidade; ocasionalidade; retribuição». E a propósito da imparcialidade sublinha que «o mediador não age por conta do comitente, nem no interesse deste. A imparcialidade impõe ao mediador o dever de se comportar, perante os potenciais contraentes, em termos não discriminatórios e de modo a evitar danos para qualquer deles; nomeadamente deverá avisar ambas as partes quando conheça alguma circunstância, relativa ao negócio, capaz de influenciar a decisão de contratar (ou não).

Para Maria de Fátima Ribeiro, in Contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração, Revista de direito comercia, 2017, pág. 227[5], «o mediador apenas adquire o direito a ser remunerado se exercer a sua actividade; mas, a menos que tal resulte expressamente do contrato de mediação, dificilmente se pode determinar, em termos muito exactos, em que actos deve ela consistir, sendo apenas relevante que essa actividade (material) tenha sido causal do negócio que o comitente veio a celebrar com terceiro(..). Por outras palavras, não se exige nenhum grau de esforço específico, nem é necessário que o mediador intervenha em todas as fases do negócio. Porém, deve ter agido de modo a proporcionar a aproximação entre o comitente e o terceiro especificamente interessado no negócio que o comitente quer celebrar.»

3.3.3

Feito este enquadramento teórico, em conformidade com o tecido fáctico apurado, provou-se que, no exercício da actividade comercial da ré, esta outorgou com os autores um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, em 29-01-2021, nos termos do qual ficaram os autores ficaram obrigados a pagarem  à ré  a quantia correspondente a 5% sobre o valor  da venda ( cláusula 5º nº2, do contrato) , prevendo o nº3 da cláusula 5ª que o valor da remuneração seria pago  aquando da celebração do contrato promessa do  negócio mediado.

As cláusulas do contrato de mediação que relevam são a seguintes:

“Cláusula 3ª -Ónus e Encargos

O Imóvel encontra-se livre de quaisquer ónus ou encargos. O Segundo Contratante declara que sobre o imóvel descrito na cláusula 1° recaem os seguintes ónus e encargos (hipotecas e penhoras) Hipoteca Voluntária ao Banco 1... S.A.

Cláusula 4ª- Regime de Contratação

1- O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de Exclusividade.

 2- Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo periodo de vigência. No que respeita ao pagamento da remuneração, caso o negócio visado tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou ao arrendatário trespassante do bem imóvel, é devida à empresa a remuneração acordada.

Clausula 5ª - Remuneração

1-A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir destinatário que celebra com o Segundo Contratante o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no n.° 1 e 2 do artigo 19.° da Lei 15/2013. de 8 de Fevereiro.

2-O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado acrescido de IVA à taxa legal em vigor, não sendo essa quantia inferior a €5.000.00 (cinco mil Euros) acrescido de IVA à taxa legal em vigor.

 3-0 pagamento da remuneração será efectuado aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda. quando o sinal entregue pelo promitente comprador for superior a 10% do valor de aquisição ou superior a €10.000.00. o menor dos 2. Caso contrário, o pagamento será efectuado aquando da celebração da Escritura de Compra e Venda.

4 - Os intervenientes no presente contrato de mediação imobiliária abstêm-se de celebrar ou de algum modo participar em quaisquer negócios de que resulte a violação dos limites à utilização de numerário previstos no artigo 63.°-E da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 398/98. de 17 de Dezembro, aditado pela Lei n.° 92/2017. de 22 de agosto

 Cláusula 8ª Obtenção de Documentos 1-No âmbito do presente contrato, a Mediadora, na qualidade de mandatária sem representação, obriga-se a prestar os serviços conducentes à obtenção da documentação necessária à concretização do(s) negócio(s) visado(s) pela mediação designadamente (descrição dos serviços a prestar)”

Por via do contrato em causa a ré declarou obrigar-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra e venda pelo preço de € 235.000,00.

Atendendo às características e data de celebração do contrato aqui em causa é-lhe aplicável o disposto na Lei 15/2013, de 08-02, que estabelece o regime jurídico da actividade de mediação imobiliária.

A definição da atividade imobiliária é dada pelo art. 2º do DL nº 211/2004, nos termos do qual “a atividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objeto seja um bem imóvel”.

Cabe, assim, determinar se face ao contrato de imediação imobiliária comprovadamente celebrado entre as partes e ao mais que se provou, os autores têm direito à devolução da remuneração paga à ré.

Determina o art. 19º/1 da Lei 15/2013 (o regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária) que a remuneração “é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra”.

Acrescenta o n.º 2 de tal norma que “É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel”.

A norma em questão juntamente com o art 16º, nº2, al g) da citada Lei preveem os contratos celebrados com a chamada cláusula de exclusividade, sendo que este artigo 16.º, n.º 2, alínea g),  obriga que seja celebrado por escrito e que seja mencionado no texto do contrato «a referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente».

Do nº1 do artigo 19º da citada Lei resulta, (aliás, constitui entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência) que no contrato de mediação imobiliária a regra é a de que a remuneração da empresa mediadora só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, ou seja, que a comissão do mediador apenas é devida quando a sua actividade tenha contribuído, de forma determinante, para a celebração (e perfeição) do negócio, por via da aproximação do comitente com terceiros para o efeito.

Como se escreveu no citado acórdão:

“… a norma estabelece no seu n.º 1 uma regra: em princípio, a remuneração do mediador só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado; quando muito, se o contrato de mediação o estipular, pode haver lugar ao pagamento de remuneração quando estiver celebrado contrato-promessa do negócio visado.”

Por outro lado,  não obstante a redacção  do artigo 19.º, n.º 2, relativo à remuneração, possa  parecer  algo confusa, o que ela dispõe é que a empresa mediadora tem direito à remuneração desde que o contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade com o proprietário do bem ou com o arrendatário trespassante e o contrato visado não se concretizar por causa imputável ao cliente.

Higina Castelo, in Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade, Revista de direito comercial[6], Julho de 2020, pág. 1433,  assinala que em resultado destas normas a «cláusula de exclusividade introduz alterações na disciplina da remuneração em dois grupos de situações: - quando é cliente da mediadora o proprietário do bem imóvel ou o arrendatário trespassante, e o contrato visado não se concretiza por causa imputável ao cliente da mediadora, esta tem direito à remuneração independentemente da concretização do contrato visado; - quando o cliente da mediadora infringe a cláusula de exclusividade e celebra o contrato visado com interessado que chegou até si por intermédio de outra mediadora, a mediadora exclusiva tem direito à remuneração, mesmo não tendo contribuído para a realização do contrato, ou seja, mesmo não havendo nexo causal entre a sua actividade e o contrato efectivamente celebrado.»

Mais à frente a autora assinala que enquanto no regime geral do contrato de mediação, a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação e, portanto, não se celebrando o contrato visado, ainda que por causa imputável ao cliente, não nasce o direito à remuneração, pois o cliente mantém intacta a sua liberdade de contratar (balizada apenas, nos termos gerais, perante o terceiro, pelo dever de boa fé nas negociações), nos contratos celebrados com o proprietário ou com o arrendatário trespassante em que foi «estipulada uma cláusula de exclusividade … o panorama altera-se. Nestes casos, a remuneração da mediadora não depende do evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando este evento não se concretize por causa imputável ao cliente (..). A remuneração da mediadora depende aqui quase unicamente do cumprimento da sua obrigação (diligenciar no sentido de encontrar interessado) e do sucesso desta (apresentação de interessado)». A autora enfatiza ainda que «a aplicação da norma contida no n.º 2 do art. 19 implica a prova da efectiva obtenção de alguém genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação. Provando a mediadora que efectuou com sucesso a sua prestação, o cliente poderá eximir-se à remuneração mediante a prova de que o contrato não se concretizou por causa que não lhe é imputável (porque, por exemplo, recebeu, entretanto e inesperadamente, uma ordem de expropriação, ou porque o terceiro não obteve o crédito necessário à realização do negócio).»

Neste sentido, pronunciou-se Fernando Batista Oliveira[7], entendendo que na situação em que o contrato de mediação é celebrado em regime de exclusividade (…) exige-se, também aqui, a conclusão e perfeição do negócio, a não ser que (caso, portanto, em que a remuneração é devida sem a concretização do negócio...) o mesmo se “não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel” (nº 2, fine)».

E escreveu: “2. Também há lugar à remuneração acordada quando, tendo sido celebrado um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, a proprietária do imóvel, objecto do negócio, se recusa, a celebrar contrato promessa com interessada angariada pela mediadora, sem fazer qualquer outra prova, capaz de afastar a sua culpa – por aplicação do artº 19º/2 da lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro (anteriormente, o artº 18º/2/a) do DL 21/2004, de 20 de Agosto), em conjugação com os artigos 798º (“responsabilidade do devedor”84) e 799º (“presunção de culpa e apreciação desta”), do Cód. Civil.»

Resulta assim do exposto que nas situações previstas no artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013, a remuneração é devida ainda que o negócio visado não se concretize, bastando para o efeito que o contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade, que o cliente tenha a qualidade de proprietário, que o mediador tenha efectivamente realizado a actividade de procura e obtenção de um interessado com o qual o negócio visado podia ser concretizado e que a não concretização deste se deva a causa imputável ao cliente.

E no caso dos autos, a referida menção ao regime de exclusividade consta do contrato, concretamente da cláusula quarta, acima reproduzida, a qual, implica que só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo periodo de vigência.

Mais estabelece a referida cláusula quarta, reproduzindo o art 19º nº2 da citada Lei nº 15/2003, que no que respeita ao pagamento da remuneração, caso o negócio visado tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou ao arrendatário trespassante do bem imóvel, é devida à empresa a remuneração acordada.

3.3.4.

3.3.4.1.

Posto isto, importa agora apreciar e decidir se no caso dos autos a não celebração do contrato visado com o contrato promessa referido nos itens 7º, 8º, 9º, 10º e 11º dos factos provados, celebrado entre os autores e interessada angariada pela ré, CC,  ficou a dever-se a causa imputável aos autores, assinalando-se de novo que os autores -recorridos estão onerados com o ónus de alegação e demonstração de factos que revelem que não lhes é imputável a causa da não concretização do contrato prometido cuja celebração determinou a celebração do contrato de mediação imobiliária celebrado com a ré -recorrente.

E desde já avançamos que a resposta à questão colocada no recurso é positiva.

Efectivamente, tal como flui da petição inicial, verifica-se que os autores fazem ancorar as concretas pretensões de tutela jurisdicional que formulam, essencialmente no facto de se verificar o inadimplemento por parte da promitente -compradora das obrigações que para esta resultaram do contrato promessa de compra e venda que celebrou com os autores e a que se referem os itens 7º e 11º dos factos provados e que teve por objecto mediato a fracção autónoma “I” do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Travessa ..., ... sito no Lugar ..., ..., ..., inscrito no artigo matricial ...77 e descrito ...01 da CRP.

E em face do teor dos factos provados, resulta  que entre os autores e CC, foi celebrado um contrato-promessa , contrato bilateral, sinalagmático, criador da obrigação, para cada uma das partes, de outorgar num futuro contrato de compra e venda, respetivamente como vendedores e compradora  (art. 410º do CC (2) ) – que, como acordo vinculativo de vontades, deveria ter sido, pelos contraentes, pontualmente cumprido, ou seja, ponto por ponto, em toda a linha, em todos os sentidos (art. 406º, nº 1).

O contrato-promessa, segundo a definição do artº410º, 1 do CC, é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato. Gera, por isso, uma obrigação de prestação de facto, sob a forma da emissão de uma declaração negocial. Ou como refere Galvão Telles, trata-se de um “pactum de contrahendo” – cfr Das Obrigações em Geral, 301, 6ª ed.

Como qualquer outro contrato está sujeito a resolução que corporiza um direito potestativo extintivo (da resolução contratual) que deve ser fundamentado- conforme art.432º e ss do C. Civil.

O regime geral das obrigações é inteiramente aplicável ao contrato-promessa de compra e venda, tendo este, no entanto, um regime específico ao nível das sanções aplicáveis ao não cumprimento, quando tenha havido lugar à constituição de sinal. (Neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 10.9.2009-proceso 170/09.2YFLSB e 20.10.2009-processo 1307/06.9TBPRD.S1, publicados no “site” da dgsi.)

Neste caso, quando se verifique uma situação de incumprimento imputável a quem prestou o sinal, permite a lei que aquele que o recebeu o faça seu e, verificando-se o incumprimento definitivo da parte que recebeu o sinal, confere a quem o prestou o direito de exigir o dobro do que prestou (art.ºs 441º e 442°, n.° 2, do CC).

Mas só o incumprimento definitivo e culposo dá lugar às cominações previstas no art.º 442°, n. ° 2, do CC, não bastando, para o efeito, a simples mora [que é necessário transformar em incumprimento definitivo, nos termos gerais do art.º 808° do CC], posição claramente maioritária na doutrina e, agora, unânime na jurisprudência do nosso mais alto tribunal (Vide, neste sentido, entre outros, Galvão Telles, ob. cit., pág. 95, nota (2); Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, Coimbra, 1988, pág. 81 e Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, pág. 297; Antunes Varela, Sobre o Contrato-Promessa, pág. 70, nota 1; Almeida Costa, estudo citado, pág. 54; Januário Gomes, Tema de Contrato-Promessa, 1990, AAFDL, pág. 55; Brandão Proença, Do incumprimento do contrato-promessa bilateral, 1996, pág. 119 e Ana Prata, O contrato-promessa e o seu regime civil, pág. 780 e, de entre vários, os acórdãos do STJ de 12.3.1991, 24.10.1995, 10.12.1997, 26.05.1998, 08.02.2000 e 12.7.2001, in BMJ 405º, 434; CJ-STJ, III, 3, 78; V, 3, 164; VI, 2, 100; VIII, 1, 72 e IX, 3, 30, respectivamente, e acórdãos do STJ de 20.01.2005-processo 04B4389, 22.3.2007-processo 07A543, 07.02.2008-processo 07A4437, 10.7.2008-processo 08B1849 e 10.9.2009-proceso 170/09.2YFLSB, publicados no “site” da dgsi) não se vendo razão para a não adoptar.

3.3.4.2

Prosseguindo, importa agora tecer algumas considerações sobre o contrato promessa e sobre os requisitos normativos para a resolução desse contrato e para a aplicação da sanção que o art. 444º, nº2, do C.Civil , seguindo de perto os Acs deste Tribunal da Relação de 17.06.2003, in proc nº0321934, de 27.02.2023, in proc nº 2018/19.0T8AVR.P1 e ac. Rel. Coimbra de 06.12.2011 in proc nº 321/2002.C1.

Assim, de harmonia com o regime geral do cumprimento e do cumprimento das obrigações - aplicável ao contrato-promessa - o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, ou seja, quando realiza pontualmente, com diligência e boa fé, o comportamento devido (cfr. artº. 762º do C. Civil).

E nas situações de incumprimento/inexecução das obrigações existe uma primeira distinção a estabelecer, consoante a prestação se atrasa ou se torna definitivamente impossível.

Na primeira hipótese, chegado o vencimento o devedor não cumpre mas a prestação poderá ainda ser realizada, com interesse para o credor – o devedor não executa a obrigação quando ela se vence mas poderá vir a executá-la mais tarde, dado que a prestação na sua forma originária continua a ser materialmente possível e o credor continua a ter interesse nela. Dá-se então um simples retardamento.

 Na referida segunda hipótese, a prestação impossibilita-se e de vez, torna-se em definitivo irrealizável – aqui ocorre a não realização definitiva da prestação.

E o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, não realize no tempo devido a prestação ainda possível a que está vinculado (artº. 804º, nº. 2, do C. Civil), sendo uma das modalidades de retardamento da prestação, que é um simples incumprimento temporário.

A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (n.º 1 do mesmo art.º), não lhe confere o direito à resolução do contrato.

A mora do devedor depende dos seguintes pressupostos: inexecução da obrigação no vencimento; possibilidade de execução futura e imputabilidade dessa inexecução ao devedor.

São requisitos da referida mora o acto ilícito (que consiste em o devedor deixar de efectuar oportunamente a prestação) e a culpa (em tal lhe ser atribuível/imputação dessa inexecução ao devedor).

O incumprimento definitivo pode revelar-se por diversos meios, entre os quais:

1º - a perda de interesse do credor na prestação, em consequência da mora do devedor, ou a sua inexecução dentro do prazo razoável que lhe for fixado por aquele (cfr. artº. 808º, nº. 1);

2º - pelo decurso do prazo fixado contratualmente como absoluto ou improrrogável, o que equivale àquela perda de interesse; ou

3º - pela recusa peremptória do devedor em cumprir, comunicada ao credor, não se justificando então a necessidade de nova interpelação ou de fixação de prazo suplementar (Prof. Antunes Varela, in RLJ nº. 121, pág. 223).

Quanto à perda de interesse na prestação, exige a lei que a mesma seja apreciada objectivamente (cfr. artº. 808º, nº. 2, do C. Civil) e não à luz de simples critérios subjectivos do credor. E em conformidade com o que decidiu o STJ, em Ac. 16/3/99 (disponível na internet, endereço www.dgsi.pt): "(...) a superveniente falta de utilidade da prestação (...), para o accipiens terá de resultar objectivamente das condições e expectativas concretas que estiveram na origem da celebração do negócio, bem como das que posteriormente, venham a condicionar a sua execução, inscrevendo-se no contexto daquilo que Calvão da Silva chama o respectivo "programa obrigacional".

Para além dos casos em que a mora, em conjugação ou não com outras causas, fez desaparecer o interesse do credor na prestação, há que ter em conta todos os outros em que tal não acontece mas nos quais não seria legítimo obrigar o credor a esperar indefinidamente pelo cumprimento. Por isso, a lei prevê a possibilidade de o credor (parte não inadimplente), uma vez incurso em mora o devedor, fixar a este um prazo suplementar razoável – mas peremptório – dentro do qual se deverá verificar o cumprimento, sob pena de resolução automática do negócio, que pode conduzir às consequências do art.º 801º do CC, se a obrigação não for cumprida dentro desse prazo fixado na mesma interpelação ou intimação.

Acresce que para que possa validar-se a interpelação admonitória impõe-se que o prazo fixado “ab initio” não tenha sido clausulado, expressa e inequivocamente, como prazo fatal e que tenha havido um retardamento da prestação.

A situação está prevista na 2ª parte do n.º 1 do art.º 808º do CC, normativo que reza o seguinte: “Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”.

Trata-se de uma intimação formal dirigida ao devedor moroso para que cumpra a sua obrigação dentro de certo prazo, sob pena de se considerar o seu não cumprimento como definitivo – através da fixação de um prazo peremptório, obtém-se uma clarificação definitiva de posições. Trata-se, na generalidade dos casos, de um ónus imposto ao credor que pretenda converter a mora em não cumprimento.

Porém, a interpelação admonitória - que pressupõe que o credor tenha ainda qualquer interesse no cumprimento - deve conter três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento; c) admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo.

Diz a lei que o prazo fixado pelo credor deve ser um prazo razoável, atenta a natureza da prestação – o prazo razoável será aquele que o for para o aprestamento da prestação, embora também não deva ser tal que prejudique ou faça desaparecer o interesse do credor.

Quanto ao prazo diremos que a convenção de um prazo para o cumprimento de um contrato não tem sempre o mesmo alcance e significado, podendo querer dizer que, decorrido o prazo não pode já ser obtida a finalidade da obrigação, desaparecendo o interesse do credor (caso em que, findo o prazo, o contrato caduca), mas podendo também significar que o facto de o prazo terminar não torna impossível a prestação em momento ulterior, se esta ainda interessar ao credor, o qual pode, porém, se for caso disso, resolver o contrato, se este for bilateral (cfr. VAZ SERRA, RLJ, 104.º-302; 110.º-326; e, 112.º-27; ).Assim, nas chamadas obrigações de prazo fixo essencial absoluto ("negócios fixos absolutos" ou de "prazo fatal"), o decurso do prazo sem o devido cumprimento pode determinar, sem mais, a sua extinção, enquanto nas de prazo fixo relativo, simples ou usual o decurso do prazo poderá fundamentar o direito de resolução. Importa, então, averiguar o significado do prazo certo fixado pelas Partes, com o objectivo de surpreender a presença ou não da essencialidade subjectiva do «termo fixado como característica inerente ao contrato, e na sua projecção no acordo celebrado», o "que terá de ser «deduzido» do material interpretativo fornecido pelas partes, da natureza da promessa, do comportamento posterior dos promitentes ou de outras circunstâncias adjuvantes" (J. C. BRANDÃO PROENÇA, "Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral", 110), sendo que, se estivermos perante um «termo fixo essencial» a resolução está automaticamente legitimada, enquanto se se tratar de um «termo relativamente fixo» a resolução é legítima se verificados os respectivos requisitos gerais (arts. 808.º e 801.º e 802.º, cits.).

Assim, o prazo previsto num contrato promessa para a celebração do contrato prometido pode revestir a natureza de prazo limite ou absoluto, cujo decurso determina o imediato incumprimento definitivo e possibilita a resolução ou de prazo fixo relativo, determinante da simples situação de mora (cfr. Calvão da Silva, in Sinal e Contrato-Promessa, 8ª ed., págs. 130 e 131; Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª ed., pág. 44; e Ac. do STJ de 11/4/2000, na CJ – STJ -, ano VIII, tomo II, pág. 32).

No primeiro caso, as partes, ao fixarem o prazo máximo para a celebração da escritura, têm em vista o estabelecimento de um prazo limite, inequivocamente essencial, cujo decurso tacitamente pressupõe a perda do interesse delas na respectiva celebração e determina o imediato incumprimento definitivo.

No segundo, embora as partes tenham estabelecido um limite temporal para o cumprimento, o mesmo não traduz uma directa e consequente perda de interesse negocial, aceitando-se que a prestação ainda é possível no âmbito do contrato, caindo o devedor numa situação de mora.

A qualificação do prazo em absoluto ou relativo depende, como é óbvio, da interpretação da vontade das partes e das suas declarações negociais (cfr. Ac. do STJ de 12/7/2001, CJ – STJ -, ano IX, tomo III, pág. 30).

O devedor poderá discutir posteriormente em tribunal a razoabilidade do prazo, caso pretenda evitar as consequências do art.º 801º do CC e, se o tribunal lhe der razão, subsistirá a relação contratual em virtude da ineficácia da interpelação admonitória e da declaração de resolução que porventura se lhe tenha seguido ou esteja associada.( Vide Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, cit., págs. 163 e seguintes e Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 71. )

Do n.º 1 do art.º 808º, do CC, resulta que as duas possibilidades de a mora se converter em incumprimento definitivo (a) em consequência da perda objectiva de interesse na prestação; b) em consequência da ultrapassagem do novo prazo razoável fixado pelo credor para o devedor cumprir finalmente a prestação em falta), não devam funcionar em conjunto.

Pelo contrário, estes dois modos de conversão da mora em incumprimento definitivo são alternativos e independentes entre si, ainda que possam ocorrer em simultâneo, tendo um pressuposto comum necessário: que o devedor esteja em mora, que a sua obrigação esteja vencida.

Acresce que nos termos do nº2 do art. 442º do C.C. : “ Se quem constituiu o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue ; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito  a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal a e a parte do preço que tenha pago”

E, embora a questão não seja ainda pacífica, entendemos por mais correcta, a posição que parte do pressuposto de que a resolução do contrato e as consequências que dela derivam, designadamente quanto à perda do sinal a favor do promitente vendedor, exigem uma situação de incumprimento definitivo, não bastando a verificação de uma situação de mora.

Assim, a aplicação da sanção a que alude o art. 444º, nº2, do C.Civil prevê e pressupõe a resolução do contrato – promessa .

Equipara-se a incumprimento definitivo a recusa categórica do devedor em cumprir.

Entende-se, mesmo, desnecessária a interpelação admonitória quando o devedor haja manifestado a intenção de não querer cumprir. Seria inútil e excessivo impor ao credor nova diligência, para converter a mora em incumprimento, quando, de antemão, aquele já afirmou a sua firme disposição de não cumprir a promessa.

De modo que a declaração inequívoca e categórica da intenção de não celebrar o contrato equivale a incumprimento definitivo e legitima a resolução do contrato promessa pelo contraente fiel, independentemente de qualquer interpelação.

3.3.5

Efectuadas as considerações que relevam sobre os requisitos normativos para a resolução do contrato-promessa contrato e para a aplicação da sanção que o art. 444º, nº2, do C.Civil a qual prevê e pressupõe a resolução do contrato – promessa ,importa atentar se os autores lograram provar que no caso vertente existiu  incumprimento definitivo do contrato promessa dos autos por parte da promitente compradora  que justifique a aplicação do regime do sinal.

Resulta da matéria de facto acima elencada nos factos provados a seguinte factualidade:

Que (7) no dia 16 de abril de 2021, os Autores celebraram um contrato de promessa de compra e venda da dita fracção supramencionado com uma promitente compradora Sr.ª CC, através do qual os Autores prometeram vender e esta prometeu comprar a dita fração pelo preço de 235.000,00€

Que (8) em 27.04.2021, a compradora pagou aos Autores a quantia de 23.500,00€ a título de sinal e princípio de pagamento (cláusula 3.ª n.º 1 alínea a) do referido contrato-promessa).

Mais resultaram provados os seguintes factos:

(9). Ficou ainda convencionado entre as partes desse contrato-promessa que a escritura de compra e venda seria “outorgada até a um prazo de 90 (noventa) dias, contados a partir da data da assinatura do presente contato”, portanto até ao dia 16 de julho de 2021 (doc. 4 cláusula 4.º alínea 1), sendo obrigação da promitente compradora comunicar aos Autores a data, hora e local, com pelo menos 15 dias de antecedência.

(10). No dia 16 de julho de 2021, a pedido da promitente compradora, os Autores e aquela celebraram um aditamento ao contrato de promessa de compra e venda supracitado (doc. 5).

(11). Através desse aditamento, os outorgantes prorrogaram o prazo para celebração da escritura de compra e venda da dita fração até ao dia 14 de outubro de 2021 (cláusula 2.ª do aditamento).

(15). Por carta registada com aviso de recepção datada e registada a 7 de Janeiro de 2022, os Autores denunciaram o contrato de mediação imobiliária que celebraram com a Ré cuja denúncia ocorreria a 29 de janeiro de 2022 (doc. 12).

16). Sucede que decorrido o prazo referido em 12), os autores aguardaram, sem que a promitente-compradora marcasse a escritura de compra e venda até ao dia 14 de outubro.

17). Esgotado o prazo para a identificada promitente-compradora marcar e realizar a escritura pública de compra e venda da aludida fração, depois de 14 de outubro de 2021, os Autores entraram em contato telefónico com a promitente compradora que lhes comunicou que não conseguiu obter crédito bancário necessário e, portanto, impossibilitaria a realização da escritura de compra venda da fração referida.

18). Por carta registada datada de 31 de janeiro de 2022, os Autores resolveram o contrato promessa de compra e venda que tinha celebrado com a promitente compradora e que aquela recebeu (docs. Nº. 6 e 7).

19). A Ré respondeu a 29 de janeiro de 2022, solicitando uma prorrogação de prazo do contrato de mediação e que não lhe foi concedido (doc. 13).

( 20). Tendo a promitente-compradora respondido a 9 de fevereiro de 2022 por carta dirigida aos AA. que não “… não estão cumpridas as condições legais e contratuais para resolução do contrato promessa de compra e venda da fração autónoma …” (doc. 8).

Em face desta factualidade, quanto à natureza do prazo, e uma vez que nada mais de relevante para o efeito se provou nem sequer foi alegado, é a partir das cláusulas insertas no contrato promessa que teremos de determinar a natureza do prazo fixado.

Do seu teor infere-se que, no momento da celebração do contrato promessa, não havia condições para a celebração do contrato definitivo, tanto é que as partes convencionaram que a escritura de compra e venda seria “outorgada até a um prazo de 90 (noventa) dias, contados a partir da data da assinatura do presente contato”, portanto até ao dia 16 de julho de 2021 (doc. 4 cláusula 4.º alínea 1), sendo obrigação da promitente compradora comunicar aos Autores a data, hora e local, com pelo menos 15 dias de antecedência. E no dia 16 de julho de 2021, a pedido da promitente compradora, os Autores e aquela celebraram um aditamento ao contrato de promessa de compra e venda supracitado, pelo qual, os outorgantes prorrogaram o prazo para celebração da escritura de compra e venda da dita fração até ao dia 14 de outubro de 2021 (cláusula 2.ª do aditamento).

Sucede que a promitente-compradora não marcou a escritura de compra e venda até ao dia 14 de outubro.

Contudo, os prazos acordados não revelam, só por si, a essencialidade do prazo em termos de interesse contratual das partes, não permitindo a conclusão de que, pelo simples decurso desse prazo, ocorre a perda de interesse caracterizadora das situações de fixação de prazo limite absoluto, tanto mais que não surge acompanhada de qualquer outra indicação nesse sentido, designadamente de expressões como improrrogável, impreterivelmente, sob pena de imediata resolução, etc.

Aliás, os próprios autores/recorridos não o interpretaram como tal, na medida em que alegaram a prorrogação do prazo.

Estamos, por conseguinte, perante um prazo fixo relativo, susceptível, tão somente, de constituir em situação de mora debitoris relativamente à obrigação de celebrar o contrato prometido aquele que devesse diligenciar pela marcação da escritura, concretamente a identificada promitente compradora.

Efectivamente, resulta do item 9º dos factos provados que ficou ainda convencionado entre as partes desse contrato-promessa que a escritura de compra e venda seria “outorgada até a um prazo de 90 (noventa) dias, contados a partir da data da assinatura do presente contato”, portanto até ao dia 16 de julho de 2021 (doc. 4 cláusula 4.º alínea 1), sendo obrigação da promitente compradora comunicar aos Autores a data, hora e local, com pelo menos 15 dias de antecedência.

Todavia, porque a  mora, que pressupõe a possibilidade da prestação, embora retardada, só se converte em incumprimento definitivo nos termos do n.º 1 do art.º 808º do Código Civil se o credor, em consequência dela, perder o interesse que tinha na prestação ou se esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, importa apreciar se da factualidade apurada resultam factos reveladores da perda de interesse dos autores na prestação devida e em mora, sendo certo que, a falta de utilidade da prestação ou eventual prejuízo para o accipiens terão que resultar objectivamente das condições e das expectativas concretas que estiveram na origem da celebração do negócio (cfr. nº 2 do citado artº 808º), bem como das que, posteriormente, venham a condicionar a sua execução (sobre o repúdio da fundamentação puramente subjectiva da perda do interesse e o papel do STJ na apreciação objectiva, cfr. Antunes Varela, RLJ, ano 118, págs. 54 a 57, em anotação ao ac. do STJ de 3/11/81).

Por outro lado, não basta a simples diminuição do interesse do credor, exigindo-se ainda uma perda efectiva desse interesse, ou seja, impõe-se uma perda subjectiva do interesse com justificação objectiva, sendo certo que, na sequência do preceituado no nº 1 do referido artº 808º, a perda do interesse tem que resultar da mora no cumprimento e não de qualquer outra circunstância.

E, independentemente da perda do interesse do credor, a lei permite também que este, em caso de mora, fixe ao devedor um prazo razoável para cumprir, sob pena de se considerar impossível o cumprimento (segunda parte do nº 1 do mesmo artº 808º).

Esta interpelação admonitória, com fixação de prazo peremptório para o cumprimento, ainda permite ao devedor discutir a razoabilidade do prazo suplementar que o credor fixou, uma vez que a lei alude a prazo que razoavelmente for fixado.

Ora, no caso em análise, não se verifica a perda efectiva do interesse dos apelados na celebração do contrato prometido, com justificação objectiva, em consequência da mora, tanto mais que nem sequer foi alegado esse facto.

E não se vislumbra que tenha sido fixado pelos autores-recorridios à promitente-compradora qualquer prazo razoável para proceder à marcação da escritura com vista à celebração do contrato prometido, isto é, que lhe tenha sido feita a chamada interpelação admonitória, sendo certo que a  interpelação admonitória não é uma interpelação qualquer. Ela constitui uma expressa advertência ao devedor moroso de que, se não cumprir dentro do prazo razoável que o credor lhe fixar, incumpre definitivamente o contrato (cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª ed., pág. 899). Ou, no dizer de Baptista Machado, “é uma intimação formal dirigida ao devedor moroso para que cumpra a sua obrigação dentro de certo prazo determinado, sob pena de se considerar o seu não cumprimento definitivo” (cfr. Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obras Dispersas, vol. I, pág. 164).

Tal interpelação não foi feita, nem se mostra que os autores – apelados tenham perdido o interesse que tinha na prestação, como se deixou dito.

Nestes termos, a referida mora por parte da promitente – compradora, não se converteu em incumprimento definitivo.[8]

Em consequência do exposto, os factos apurados não revelam que a prestação da promitente – compradora já não é possível, pelo que, os autores -apelados apenas lograram provar que ocorreu uma situação de mora ou atraso no cumprimento da prestação por parte daquela, prevista nos art.ºs 804º, n.º 2 e 805º, n.º 2.

Tal incumprimento ainda não definitivo basta para que possa haver lugar a execução específica do contrato promessa (art.º 830º, n.º 1CC), mas era insuficiente para fundamentar a resolução contratual do contrato – promessa operada pelos autores-apelantes.

E a afirmada situação de mora em que incorreu a promitente -compradora não é suficiente para com base nela este Tribunal da Relação afirmar que a não concretização do contrato prometido `não ficou a dever-se a causa imputável aos autores.”

A revelar que os autores, que estavam onerados com a alegação e demonstração de factos reveladores de uma situação de incumprimento definitivo por parte da promitente-compradora com quem outorgaram o contrato promessa celebrado na vigência do contrato de mediação não satisfizeram esse ónus, o que, naturalmente, determina que  estão preenchidos os requisitos do direito à remuneração da mediadora consagrados no n.º 2 do artigo 19.º 19.º da Lei n.º 15/2013 e, por conseguinte, os autores não podem reclamar da ré a restituição da remuneração que lhe pagaram  e que por isso devem improceder as pretensões essenciais dos autores formuladas na petição inicial, isto é, aquelas vertidas nas alíneas e) e f).

Relativamente às pretensões formuladas nas alíneas  a), b), c) e d), a factualidade apurada é suficiente para sustentar a procedência das mesmas, sendo certo que se referem a factos alegados na petição e que não foram impugnados na contestação mas que não revestem, por si só,  qualquer utilidade para o desiderato visado pelos autores com a propositura desta ação, concretamente a restituição da quantia que pagaram á ré a título de remuneração devida pela actividade de mediação desenvolvida.

Trata-se de pedidos aparentes que não relevam para efeitos da causalidade a que refere o art 527º do CPC.

Por essa razão, com referência aos pedidos essenciais formulados que relevam para o contexto e economia da ação determinamos que as custas da ação e do recurso são da responsabilidade dos autores apelados.

Procede, assim, o recurso interposto, impondo -se a revogação total da sentença recorrida, e julgando-se totalmente improcedente a ação.

Sumário.

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IV. DELIBERAÇÃO:

Nestes termos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso de apelação procedente e, em consequência, revogam a sentença recorrida, e julgam a ação improcedente, absolvendo a ré- recorrente dos pedidos formulados pelos autores-recorridos.

Custas da ação e do recurso pelos autores-apelados.





Porto, 23 de Maio de 2024.
Francisca Mota Vieira
Judite Pires
Ana Luísa Gomes Loureiro
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[1] Assim,alegaram:
“40º Os AA. reconhecem que a Ré desenvolveu todas as diligências no sentido de promover o imóvel e obter um comprador interessado em realizar o negócio final.
41ºTanto que pagou a remuneração contratada, por esse serviço.
42ºE a escritura só não se celebrou por facto imputável ao A., e que a Ré é totalmente alheia.
43ºO contrato de mediação está concluído, e tem a Ré direito à remuneração, independentemente de vir ou não a ser cumprido o negócio final.
44ºPerante todos os factos relatados não há dúvida que o negócio foi concluído, só não foi celebrada a escritura ou documento particular por causa a que a Ré é alheia.
45ºQuanto ao momento de pagamento da referida comissão é certo que no contrato de mediação estava estipulado que o pagamento ocorreria com a celebração do contrato promessa de compra e venda, desde que houvesse a entrega de um sinal de 10% do preço total, o que ocorreu.
46ºOra os AA. espontaneamente pagaram o valor da comissão porque entenderam que o negócio estava efetivamente concluído.
47ºPelo que dúvidas não restam, que não há lugar à restituição da quantia peticionada, seja a que título for.”
[2] Determina o art 19º nº1 da Lei 15/2013 (o regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária) que a remuneração “é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra”.
Acrescenta o n.º 2 de tal norma que “É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado
em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel”.
[3] O qual foi subscrito pela relatora, como 1ª adjunta.
[4] In Direito dos Contratos - O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial [em Linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2016, Disponível na internet:<URL: http://www.cej.mj.pt/cej/ recursos/ebooks/civil/eb_Direito_dos_Contratos_O_Contrato_de_Mediacao_Imobiliaria.pdf. ISBN: 978-989-8815-41-5.
[5] https://www.revistadedireitocomercial.com/o-contrato-de-mediacao
[6] Consultada no sitio www.revistadedireitocomercial.com.
[7] In Direito dos Contratos - O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial [em Linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2016, Disponível na internet:<URL: http://www.cej.mj.pt/cej/ recursos/ebooks/civil/eb_Direito_dos_Contratos_O_Contrato_de_Mediacao_Imobiliaria.pdf. ISBN: 978-989-8815-41-5.
[8] No Ac. do STJ de 12/1/99, proferido no processo n.º 1.163/98, citado no Ac. do mesmo Tribunal de 27/4/99, na CJ – STJ -, ano VII, tomo II, pág. 62, escreveu-se: “é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência que o incumprimento do contrato promessa tem de ser aferido pelas regras gerais do não cumprimento das obrigações a que se refere o citado art.º 808º. Assim sendo, não basta que, havendo sido estipulado um prazo para a celebração do contrato prometido, um dos promitentes não o tenha respeitado e não haja, por isso, outorgado o contrato definitivo. Num caso desses, sendo a prestação ainda possível, entrar-se-á apenas numa situação de mora ou atraso no cumprimento da prestação, prevista nos art.ºs 804º, n.º 2 e 805º, n.º 2. Tal incumprimento ainda não definitivo basta para que possa haver lugar a execução específica do contrato promessa (art.º 830º, n.º 1), mas é insuficiente para fundamentar a sua resolução contratual. Para constituir fundamento de resolução do contrato ... o incumprimento culposo, equiparável à impossibilidade da prestação imputável ao devedor, tem de ser definitivo”.