Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
463/13.4TMMTS-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
BENFEITORIAS
Nº do Documento: RP20240318463/13.4TMMTS-D.P1
Data do Acordão: 03/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O art. 1273.º CC dispõe que o possuidor de boa-fé ou de má-fé tem direito a ser indemnizado pelas benfeitorias necessárias e a levantar as úteis, que o possam ser sem detrimento da coisa (n.º 1), ou a ser compensado pelo titular pelo respetivo valor calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa (n.º 2).
II - De acordo com o previsto no art. 479.º CC, a obrigação de restituição compreende “o que tenha sido obtido à custa do empobrecido” ou o valor correspondente, não podendo exceder a medida do locupletamento.
III - Assim, o critério para determinação do valor das benfeitorias reclamadas é o valor correspondente ao que foi despendido pelo empobrecido, tendo por limite o que foi obtido pelo enriquecido à custa daquele.
IV - Tratando-se de apurar o valor de benfeitorias consistentes em obras de ampliação efetuadas numa habitação, a aplicação daquele critério exige se apurem, com referência à data da feitura, os custos possíveis dessa obra e se determine, com referência ao mesmo tempo, o valor do imóvel, antes e depois da obra.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.º 463/13.4TMMTS-D.P1

Sumário do acórdão proferido elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

Relatório

Procede-se a inventário para separação de meações entre AA e BB, iniciado a 17.12.2020, exercendo as funções de cabeça de casal o segundo.

Apresentada relação de bens pelo cabeça de casal, a 5.2.2021, veio a requerente do inventário apresentar reclamação de bens, a 12.3.2021, pretendendo, entre o mais, fosse relacionado o seguinte:

A) PRÉDIO URBANO – uma fração autónoma designada pela letra “B” do prédio em regime de propriedade horizontal, composto por uma habitação no primeiro andar com entrada pelo n.º ...15, garagem no logradouro com 22 m2, sito na Rua ... ... Maia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...89 e descrito na CRP Maia sob o n.º ...80..., com o valor patrimonial de 77.941,85€.

B) CRÉDITO: benfeitorias realizadas no imóvel, que consistiram na construção/ampliação da fração B por um salão, um quarto e quarto de banho, ampliação que foi objeto de pedido de licenciamento de construção processo n.º 291/01 junto da C. M. Maia, pelas quais alega ter sido paga, em 2000, a quantia de €75.000,00.

Opôs-se à procedência de tal pretensão o cabeça de casal, a 14.4.2021, afirmando ser seu bem próprio o imóvel e haverem sido efetuadas pelo casal as benfeitorias reclamadas, atribuindo-lhes o valor de € 15.000,00.

A reclamante exerceu contraditório, a 22.4.2021,

A reclamação foi julgada improcedente, por despacho de 17.5.2021, decisão parcialmente revogada por este tribunal, em acórdão de 22.11.2021 (apenso B), o qual terminou com o seguinte dispositivo:

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da relação em:

(i) julgar parcialmente procedente a apelação, em consequência do que deverão os autos prosseguir para apreciação e quantificação do crédito comum referente às benfeitorias realizadas na fracção autónoma identificada pela letra B do prédio urbano sito em ..., na Maia, inscrito na matriz sob o artigo ...37 e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ...80/19870213..;

(ii) confirmar no mais a decisão recorrida.

Entre o mais, escreveu-se no aresto:

«Da materialidade considerada provada resulta que, em 2000 (portanto, num momento em que os interessados estavam ainda casados), foram feitas nesse imóvel obras de melhoramento (que consistiram na construção de um salão, um quarto e um quarto de banho), as quais foram suportadas por ambos os cônjuges.

Essas obras, dada a sua natureza, podem ser catalogadas como benfeitorias úteis, à luz do disposto no art. 216.º do Cód. Civil.»

Entre os factos aí dados como provados, consta:

8) No ano de 2000 foram edificadas obras de ampliação na fração autónoma referida em 6) que consistiram na construção de um salão, um quarto e um quarto de banho que foram custeadas pelo cabeça-de-casal e pela interessada AA.

Este acórdão foi confirmado pelo STJ, em 21.4.2022.

Foi efetuada perícia, tendo sido apresentado relatório, a 6.10.2022.

Em tal perícia, apurou-se o valor das benfeitorias considerando que as mesmas respeitam ao alargamento da área privativa em 62, 95 m2 + 3, 42 m2, e tendo por referência o valor de m2, em 2022, de € 512, 00, valor este decorrente da Portaria 310/2021, de 20.12 (que fixa o valor médio de construção para o ano de 2012, para efeitos do disposto no art. 39.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, normativo que determina o valor de base dos prédios para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário), ao qual subtraiu uma desvalorização que entendeu ser de 14, 2%, tendo em conta a depreciação do imóvel.

Notificado tal relatório, veio a reclamante, a 13.10.2022, reclamar do mesmo, reclamação que foi indeferida por despacho de 14.11.2022[1], do qual foi interposto recurso que, conhecido por acórdão deste Tribunal, de 27.2.2023 (apenso C), foi julgado improcedente.

Neste aresto ficou consignado, entre o mais, o seguinte:

«Em súmula, o perito avaliador nomeado adotou um método de avaliação das benfeitorias cuja aplicação a recorrente entende ser ilegal. Explana qual o método cuja aplicação tem por adequada e requer que o tribunal ordene ao perito que proceda ao cálculo de acordo com esse critério.

Veja-se que, a estarmos perante uma verdadeira e própria reclamação, ela daria lugar a que o juiz ordenasse que o perito completasse, esclarecesse ou fundamentasse o relatório. Nada disto é pretensão da requerente. Esta considera, isso sim, que o relatório não foi efetuado de acordo com as normas legais aplicáveis à avaliação de imóveis. Nesta conformidade, o resultado da avaliação das benfeitorias alcançado será incorreto, não porque o raciocínio do perito padeça de um vício intrínseco, porque os cálculos estejam errados, ou porque o raciocínio operado incorra em lapso, mas sim porque o método de cálculo deveria ter sido outro. Requer, assim, a apelante que o perito seja notificado para proceder à avaliação tendo em conta a metodologia que indica.

(…)

Quando a parte entende que o juízo técnico da perícia não é o mais acertado, desde que explicite fundadamente as razões da sua discordância, pode sempre requerer a realização de segunda perícia.

Já formular ela própria um juízo técnico, requerendo ao tribunal que ordene ao perito que analise a questão que lhe é colocada e que elabore o relatório pericial em conformidade com esse juízo que lhe parece o correto, não encontra enquadramento jurídico.

Ora é essa, afinal, a pretensão da recorrente.

(…)

Na situação em apreço, todavia, não se verifica qualquer omissão do dever de cooperação em busca da verdade material. Desde logo, como se assinalou, foi a parte que deixou precludir o direito que lhe assistia de requerer a realização de segunda perícia. Por outro lado, porque a parte não anui à metodologia adotada pelo perito nomeado, não se segue que o juiz partilhe dessa tese.»

Foi efetuada instrução, tendo vindo a ser decidida a reclamação, no tocante a benfeitorias, por despacho de 24.11.2023, o qual julgou parcialmente procedente a reclamação apresentada, tendo determinado que à relação de bens fosse aditada a verba correspondente às benfeitorias realizadas no imóvel, que consistiram na construção/ampliação da fração B por um salão, um quarto e quarto de banho, ampliação que foi objeto de pedido de licenciamento de construção processo n.º 291/01 junto da C. M. Maia, com o valor de 32.000€.

Neste apenso D, vem a reclamante apresentar recurso daquela decisão, visando a sua revogação com base nos argumentos com que concluiu as suas alegações de recurso:

I – Considerando que, está assente que foram executadas obras de ampliação a expensas do Cabeça de Casal e aqui requerente, no predito imóvel que consistiram na construção de um salão, um quarto e quarto de banho, ampliação que foi objeto de pedido de licenciamento de construção processo n.º 291/01 junto da C. M. Maia, obras que o CC e a aqui requerente pagaram à época a quantia de 75.000,00€”.

II- que o objeto da perícia se fixou e determinou conforme esclarece a o douto despacho de “para apreciação e quantificação do crédito comum referente às benfeitorias realizadas na fração autónoma identificada pela letra B do prédio urbano sito em ..., na Maia, inscrito na matriz sob o artigo ...37 e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ...80/19870213..”. A requerente, com o Requerimento com a Ref. 32508303, limitou-se a cumprir ao despacho proferido no passado dia 19 de maio, concretizando as benfeitorias objeto de avaliação, concretização que o cabeça de casal, de resto, não põe em causa. Neste Considerando que no imóvel melhor id. nos presentes autos e de acordo com o alegado no art.º XI da reclamação foi sujeito a obras de ampliação a expensas do Cabeça de Casal e da aqui requerente; II- Que as benfeitorias consistiram num aumento de área de habitação conseguido através de aproveitamento de sótão, tornando-se este habitável e acessível com acesso por escadas; na execução da ampliação previu-se dar continuidade à estrutura de betão existente, As lajes de teto e cobertura; paredes exteriores serão duplas em tijolo ; Foi ainda feito nas fachadas da parte da ampliação rebocadas e pintadas e as existentes ( as fachadas ) foram pintadas; as caixilharias exteriores são de alumínio Termo lacado à cor das existentes; os vãos de comprimentos têm vidros duplos e estores em PVC ; as serralharias foram executadas em perfis de ferro para esmaltar ; a cobertura foi realizada com telha “bebe” assente em laje de betão pré-esforçado, com isolamento térmico ; Os rodapés e apainelados foram executados em madeira exótica para envernizar; as soleiras e peitoris em granito ; O pavimento piso superior em soalho para envernizar ; o teto estucado e pintado a alvaiade, tudo conforme se extrai de projeto de arquitetura que deu entrada na Câmara Municipal em 10.05.2000, cujo teor para melhor compreensão se junta e se dá por integralmente reproduzido. III- O predito imóvel foi ainda beneficiado com as seguintes obras a expensas do cabeça de Casal e da requerente: remodelação integral de louças e sanitários dois quartos de banho, parquet em toda a casa; aquecimento central e remodelação da entrada para o quintal, uma persiana elétrica e reparação das demais, pintura interior e fachada. Deste modo, requer-se a V.exa. se digne admitir a predita descrição das benfeitorias e ordenar a realização de perícia nos precisos termos como aqui e na reclamação se requer.”

III- Que o relatório pericial aplicou o método de do custo através da Portaria 310/2021 de 20 de dezembro que determina o valor medio de construção para o não de 2022 é de 512eur./ m2, e que o valor atual das benfeitorias que integra o imóvel melhor id. nos autos é de 32.000,00Eur.

IV- que o tribunal por decisão que ora se recorre alcançou o seguinte probatório que: “a) A Reclamante e cabeça de casal casaram em 19.07.1982, sem convenção antenupcial;

b) Em 16.10.2013, a reclamante instaurou contra o cabeça de casal a ação de divórcio a que corresponde o processo principal;

c) Reclamante e cabeça de casal divorciaram-se por decisão de 02.04.2014, transitada em julgado.

d) No decurso do matrimónio, aproximadamente em 2001, reclamante e cabeça de casal realizaram no prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...89 e descrito na CRP Maia sob o n.º ...80..., as obras de construção/ampliação da fração B compostas por um salão, um quarto e quarto de banho, ampliação que foi objeto de pedido de licenciamento de construção processo n.º 291/01 junto da C. M. Maia.

e) A realização das obras implicou para reclamante e cabeça de casal um custo de €37.340,16;

f) O valor atual das benfeitorias é de 32.000€.”

V- certo e consabido, o Tribunal baseou-se na análise do relatório pericial junto a fls. 264 e ss., complementado pelos esclarecimentos prestados pelo Ex.mo. Sr. Perito. Não tem o Tribunal razões para divergir das conclusões do relatório pericial, a tal não obstando, por um lado, as declarações prestadas pela reclamante e, por outro, o documento por esta junto em 24.10.2023, um denominado “relatório de avaliação” que se desconhece em que circunstâncias e com que base foi elaborado. VI- Está ainda assente a obrigação de indemnizar as benfeitorias que são uteis reportado ao enriquecimento sem causa, e disso a aqui recorrente não levanta qualquer objeção

VII- Na presente ação a ora Apelante pediu que lhe fosse reconhecido o direito a indemnização por benfeitorias úteis, realizadas por si e pelo Apelado na constância do casamento de ambos, em que vigorou o regime de bens de comunhão de adquiridos, num prédio que é dado como assente pelo tribunal como bem próprio do recorrido/ apelado, e que a indemnização deve ser fixada, de acordo com as regras do enriquecimento sem causa.

VIII- duvidas não restam que há a obrigação de indemnizar pelas benfeitorias uteis realizadas no ano de 2001 no prédio melhor id. nos autos e que a indemnização deve ser reportada ao enriquecimento sem causa, ao qual a recorrente sempre pugnou e não avança qualquer objeção

IX- já não será assim quanto cálculo da indemnização alcançado pelo tribunal a quo, cujo entendimento adotado pelo tribunal face ao que dita a lei, doutrina e jurisprudência é erróneo e ilegal, erro de julgamento que aqui se argui por manifesta ilegalidade

X- Vejamos, o tribunal entende que “não tem razões para divergir das conclusões do relatório pericial, a tal não obstando, por um lado, as declarações prestadas pela reclamante e, por outro, o documento por esta junto em 24.10.2023, denominado relatório de avaliação”,

XI- dá como assente que:

-“A realização das obras implicou para reclamante e cabeça de casal um custo de €37.340,16”;

-E que “O valor atual das benfeitorias é de 32.000€.” -Alcançou tal decisório quanto ao valor atual das benfeitorias através da valorização do relatório pericial inserto a fls. 264 e ss.,

-Relatório que recorre ao método de custo para o cálculo indemnizatório, tendo obtido o valor da construção através da PORTARIA 310/2021 DE 20 DE DEZEMBRO, que determina que o VALOR MÉDIO DE CONSTRUÇAO PARA O ANO DE 2022 é de 512,00/m2

-Este valor médio de construção por metro quadrado, que é considerado em termos e para os efeitos do artigo 39.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, a vigorar no ano de 2022, e que de acordo com o art.º 2, da CITADA PORTARIA 310/2021 “A presente portaria aplica-se a todos os prédios urbanos cujas declarações modelo 1, a que se referem os artigos 13.º e 37.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, sejam entregues a partir de 1 de janeiro de 2022.”

-Por sua vez o art.º 1 da aludida portaria determina quanto à fixação do valor medio de construção O seguinte “É fixado em (euro) 512 o valor médio de construção por metro quadrado, para efeitos do artigo 39.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, a vigorar no ano de 2022.”

-Sendo certo que dita o art.º 39 do Código do Imposto Municipal sob a epigrafe

“Valor base dos prédios”

1 - O valor base dos prédios (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25 % daquele valor. 2 - O valor médio de construção é determinado tendo em conta, nomeadamente, os encargos directos e indirectos suportados na construção do edifício, tais como os relativos a materiais, mão-de-obra, equipamentos, administração, energia, comunicações e outros consumíveis. - o relatório determinou o valor atual das benfeitorias em 32.000,00€ por referência ao valor de 512,00€/m2, com a desvalorização de 14,2%,

-No quadro do parâmetro de valoração do dito relatório pericial o custo de total de construção e terreno é de 37.340,16€ e o valor de atual das instalações e do terreno é de 32.037,86€ ,

XII-Isto posto, tendo por referência a aplicação das regras do enriquecimento sem causa, ou seja que o crédito da recorrente / Apelante não pode ser superior à medida do enriquecimento que foi proporcionado ao beneficiado, nem à medida do empobrecimento da outra parte, ou dito de outra forma que o montante da obrigação de restituição/indemnização fundada na realização de benfeitorias úteis, que não podem ser levantadas, deve corresponder ao valor do custo da execução dessas benfeitorias, ou ao valor do benefício que delas resulta para a parte beneficiada, consoante o que for mais baixo.

XIII-O valor atual das benfeitorias fixado pelo tribunal com recurso à valorização do relatório pericial não alcança o valor do custo de execução das benfeitorias apenas o valor das benfeitorias para efeitos fiscais com recurso a uma Portaria em que o valor do m2 é de 512,00€ reportado ao ano de 2022 (valor médio de constrição por metro quadrado para efeitos do art.º 39 do CIM) , que no ano de 2023 é 532,00€ conforme Portaria n.º 7-A/2023 de 3 de janeiro

“O Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, estabelece nos artigos 38.º e 39.º que um dos elementos

XIV- Por outro lado, o tribunal ainda valoriza um relatório que ao aplicar PORTARIA 310/2021 para avaliação fiscal dos imóveis e cujo modelo 1 do IMI sejam entregues a partir de janeiro de 2022,

XV- Valoriza o que é contrariado frontalmente por lei, ou seja, valoriza e valida a desvalorização alcançada pelo relatório pericial do “valor atual” das benfeitorias em 14,2% ao invés de adicionar a taxa de 25% sobre o valor do m2 conforme dita o art.º 39 o CIMI, ex vi art. 1 da aludida Portaria. (ao decidir pela aplicação desta Portaria, o que se rejeita conforme expendido)

XVI- O tribunal a quo ao fixar ainda o valor atual das benfeitorias em 32.000,00€ desconsiderou em absoluto as regras do enriquecimento sem causa, que são o custo das benfeitorias e o enriquecimento do titular da coisa benfeitorizada, correspondente à valorização incorporada,

XVII- Certo e consabido que dos autos não se depreende sendo completamente omisso, aliás qual foi o custo das benfeitorias e nem sequer revela-se o valor do enriquecimento do titular da coisa benfeitorizada , ou seja a diferença entre o valor(hipotético) que a mesma teria sem quaisquer benfeitorias e o valor(real e objetivo)que tem com elas, diferença reportada ao momento em que a restituição da dita coisa deva ter lugar.

XVIII- atente-se à bizarria do absurdo: o imóvel onde se inserem as benfeitorias não foi sequer avaliado com e/ou sem as benfeitorias!

XIX- O que diz a lei: o art. 1273.º, do CC, que, «tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela» (n.º 1); e quando, «para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa» (n.º 2)

XX- O que diz a Doutrina: “a indemnização compreenderá tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não foi possível, o valor correspondente, não podendo, porém, exceder a medida do locupletamento à data em que o enriquecido tenha sido citado judicialmente para restituir a coisa que deva devolver, ou em que ele tenha tido conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento. Logo, o objeto da obrigação de restituir encontra-se aqui submetido a um duplo limite: por um lado, o beneficiado deve entregar, ao empobrecido, na medida do respectivo locupletamento, isto é, atendendo-se ao seu enriquecimento patrimonial ou efectivo. Compreende-se, por isso, que se afirme que «o beneficiado não é obrigado a restituir todo o objecto da deslocação patrimonial operada (ou o valor correspondente, quando a restituição em espécie não seja possível).Deve restituir apenas aquilo com que efectivamente se acha enriquecido, podendo haver diferença - e diferença sensível - entre o enriquecimento do beneficiado à data da deslocação patrimonial e o enriquecimento actual, referido a algum dos momentos a que mandam atender as alíneas a) e b) do artigo seguinte», nomeadamente porque entre aquele primeiro momento e este alienou gratuitamente os bens recebidos. “O enriquecimento assim delimitado corresponderá à diferença entre a situação real e actual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a deslocação patrimonial operada» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág 466).e, por outro, o beneficiário nunca entregará mais do que o quantitativo do empobrecimento do lesado, caso este se mostre inferior ao seu locupletamento (já que, permitir que a obrigação de restituir fosse superior ao empobrecimento do lesado - fazendo corresponder ao superior enriquecimento do beneficiário - determinaria, por seu turno, um enriquecimento injustificado daquele primeiro) Neste sentido: na doutrina - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 440, onde se lê que as «benfeitorias podem valer menos do que aquilo que o possuidor despendeu para as realizar e pode verificar-se também a hipótese inversa. Se, por exemplo, as benfeitorias custaram 20 e apenas valorizaram a coisa em 10, a obrigação de restituir não excederá o montante de 10, por ser este o valor com que o proprietário se enriquece à custa do possuidor. Se, ao invés, as benfeitorias custaram 10 e valorizaram a coisa em 20, o montante da restituição será igualmente de 10, visto ser esse o valor com que o proprietário normalmente se enriquecerá à custa do possuidor».

XXI- é ainda avultada Jurisprudência a decidir acerca do critério utlizado na avaliação das benfeitorias por força do enriquecimento sem causa, entre outros, cita-se os Acórdãos: do tribunal da Relação de Guimarães proc. n.º 2553/21.0T8GMR. G3, DE 19-01-2023, em www.dgsi.pt

E do tribunal da Relação de Lisboa, proc. n.º 9542/08-2 data do Acórdão 05-02-2009, em ww-dgsi.pt

Este último acórdão claramente esclarecedor, decidindo caso análogo ao dos autos, e que repudia o critério utlizado na avaliação, porque o critério retirado do Código do imposto municipal sobre imóveis estar orientado para determinar o valor dos prédios, e não o seu custo.

XXII- Face ao exposto e ao que dita a lei, a doutrina e a jurisprudência, o tribunal a quo ao fixar o valor atual das benfeitorias em 32.000,00€ incorre em manifesto erro de julgamento e assim violou o consignado e determinado nos art.º 479º e 1273º nº 2 ambos do Código Civil, ilegalidade que se invoca para os legais efeitos.

O recorrido opõe-se à procedência do recurso por considerar ter a questão da perícia e seu alcance sido decidida pelo acórdão proferido no apenso C, razão pela qual se verifica caso julgado.

Objeto do recurso:

- do valor da indemnização por benfeitorias úteis.

FUNDAMENTAÇÃO

Fundamentos de facto

Foi dado como provado na decisão recorrida a seguinte factualidade:

a) Reclamante e cabeça de casal casaram em 19.07.1982, sem convenção antenupcial;

b) Em 16.10.2013, a reclamante instaurou contra o cabeça de casal a ação de divórcio a que corresponde o processo principal;

c) Reclamante e cabeça de casal divorciaram-se por decisão de 02.04.2014, transitada em julgado.

d) No decurso do matrimónio, aproximadamente em 2001, reclamante e cabeça de casal realizaram no prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...89 e descrito na CRP Maia sob o n.º ...80..., as obras de construção/ampliação da fração B compostas por um salão, um quarto e quarto de banho, ampliação que foi objeto de pedido de licenciamento de construção processo n.º 291/01 junto da C. M. Maia.

e) A realização das obras implicou para reclamante e cabeça de casal um custo de €37.340,16;

f) O valor atual das benfeitorias é de 32.000€.

Dos documentos juntos aos autos resulta ainda o seguinte:

g) A fração identificada em d) foi doada ao cabeça de casal por seus pais, através de negócio formalizado em escritura de 27.6.1989, achando-se o prédio inscrito a favor do mesmo, na Conservatória do Registo Predial, desde 18.8.89.

Na fundamentação da decisão recorrida, expôs o tribunal a quo o seguinte:

«O Tribunal baseou-se ainda na análise do relatório pericial junto a fls. 264 e ss., complementado pelos esclarecimentos prestados pelo Ex.mo. Sr. Perito.

Não tem o Tribunal razões para divergir das conclusões do relatório pericial, a tal não obstando, por um lado, as declarações prestadas pela reclamante e, por outro, o documento por esta junto em 24.10.2023, um denominado “relatório de avaliação” que se desconhece em que circunstâncias e com que base foi elaborado.

(…)

Como se disse, não tem o Tribunal razões que levem a afastar o juízo expresso no relatório pericial, que deste modo se reputa como adequado.»

Fundamentação de direito

Está em causa, tão-só, saber se o valor encontrado pelo tribunal para as benfeitorias introduzidas pelo extinto casal naquela que era então a casa de morada de família, mas bem próprio de um dos cônjuges, se acha corretamente apurado e se corresponde ao critério que a lei estabelece para o efeito.

Recorde-se, como já ficou sobejamente mencionado, mormente no acórdão proferido no apenso B, tratar-se aqui da indemnização por benfeitorias úteis.

Também é indisputado ser cabível a noção de benfeitoria prevista no art. 216.º CC, sendo no caso benfeitorias úteis, uma vez que não são indispensáveis à conservação da coisa, mas lhe aumentam o valor.

O art. 1273.º CC dispõe que o possuidor de boa-fé ou de má-fé tem direito a ser indemnizado pelas benfeitorias necessárias e a levantar as úteis, que o possam ser sem detrimento da coisa (n.º 1) ou a ser compensado pelo titular pelo respetivo valor calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa (n.º 2).

Está também fora de cogitação que o levantamento das benfeitorias em causa não se faria sem detrimento do imóvel onde foram efetuadas.

A situação em apreço é, aliás, um dos casos paradigmáticos de crédito de compensação por benfeitorias.

Ora, de acordo com o previsto no art. 479.º CC, a obrigação de restituição compreende “o que tenha sido obtido à custa do empobrecido” ou o valor correspondente, não podendo exceder a medida do locupletamento.

Assim, o critério para determinação do valor das benfeitorias reclamadas é o valor correspondente ao que foi obtido pelo reclamado à custa do empobrecimento da reclamante.

Tem-se entendido a este respeito que o critério em causa aponta para um duplo limite, i.é, a indemnização a fixar deve atender, primeiro, à medida do enriquecimento da parte, sendo que o momento a considerar é o das alíneas do 480.º CC: a citação judicial para a restituição ou o conhecimento, pelo enriquecido, da falta de causa ou do efeito pretendido; depois, à medida do empobrecimento, ou seja, o valor da deslocação efetuada pela parte dadora.
A doutrina do duplo limite é assim explicada por Pires de Lima e A. Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, 4:º Ed., p. 467): “As benfeitorias podem valer menos do que aquilo que o possuidor despendeu para as realizar e pode verificar-se a hipótese inversa. Se, por exemplo, as benfeitorias custaram 200 e apenas valorizaram a coisa em 100, a obrigação de restituir não excederá o montante de 100, por ser este o valor com que o proprietário se enriquece à custa do possuidor. Se, ao invés, as benfeitorias custaram 100 e valorizaram a coisa em 200, o montante da restituição será igualmente de 100, visto ser esse o valor com o que o proprietário normalmente se enriquecerá à custa do possuidor. A diferença entre o custo das benfeitorias e o valor que elas acrescentaram à coisa possuída resultará, em regra, de factores (localização, natureza, qualidades da coisa) que pertencem mais ao proprietário do que ao possuidor, segundo a ordenação jurídico-económica dos bens”.

Menezes Cordeiro alude, ainda, a um triplo limite: a obrigação de restituir é limitada pelo enriquecimento em concreto (1.º limite), até ao montante do dano em abstrato (2.º limite) ou em concreto (3.º limite), se este for mais elevado (Direito das obrigações, 2, 62; Tratado de Direito Civil, VIII, 248).

Sendo assim, afigura-se-nos que na densificação deste critério deverá considerar-se, para efeitos indemnizatórios, o valor da coisa em concreto, antes da realização das benfeitorias e depois da realização destas, tendo em conta todos os fatores concretos que influem em tal valor, como sejam os acima mencionados: localização, natureza, qualidades da coisa, considerando, ainda, o que terá sido despendido nas mesmas ao tempo em que foram efetuadas.

Com efeito, só apurando qual o valor do imóvel antes das obras em apreço e depois da realização das mesmas se tem como determinado o limite do enriquecimento do titular da coisa beneficiada. Antes disso, deverá, tanto quanto possível, apurar-se o despendido pelo empobrecido na concretização da benfeitoria.

Finalmente, conforme expõem P. de Lima e A. Varela, “A obrigação de o titular do direito indemnizar o possuidor do custo das benfeitorias necessárias e das benfeitorias úteis que não possam ser levantadas sem detrimento da coisa deve ser considerada uma dívida de valor e, como tal, actualizada em função da depreciação que o valor da moeda entretanto tenha sofrido” (cit., vol. III, p. 43).

De regresso à situação dos autos, temos, em primeiro lugar, a não verificação de uma situação de caso julgado quanto ao critério do apuramento do valor das benfeitorias, como pretendido pelo recorrido.

Recorde-se que o caso julgado poderá ter uma natureza formal (art. 620.º/1 CPC) ou material (art. 619.º(1 CPC), conforme respeite apenas à relação processual ou ao mérito da causa.

O acórdão proferido no apenso incidiu, tão-só, sobre as condições de recolha de um meio de prova, a prova pericial, tendo decidido sobre a inexistência de fundamentos relativos à reclamação ao relatório pericial apresentado porquanto se não estava perante as situações elencadas para o efeito no art. 485.º/2 CPC: deficiência, obscuridade contradição ou falta de fundamentação, não tendo sido, por outro lado, solicitada a realização de segunda perícia.

Sendo assim, o acórdão em apreço teve por objeto apenas a relação processual, na parte relativa à disciplina da recolha da prova, não sendo seu desiderato debruçar-se quanto ao modo de interpretar a prova assim recolhida e, com base nos elementos pela mesma carreados, efetuar a subsunção dos factos às regras jurídicas relativas ao apuramento do valor a considerar para efeitos de avaliação das reclamadas benfeitorias.

Se assim fosse, tornar-se-ia inútil toda a ulterior indagação probatória, devendo o tribunal a quo aceitar de forma acrítica o que fosse veiculado no relatório pericial. Bem vistas as coisas, a entender-se existir caso julgado neste particular, estaria mesmo o tribunal a quo dispensado de proferir decisão sobre a reclamação deduzida por haver já sido determinado pela segunda instância qual o sentido a acolher quanto ao modo de cálculo daquele crédito.

Obviamente não é assim, tendo-se naquele apenso C limitado a Relação a verificar não existirem condições objetivas para se pedirem esclarecimentos ao perito, sendo de indeferir a reclamação apresentada. Não mais do que isso.

Neste momento, o que está em causa é já a apreciação da matéria de facto dada como provada com base nessa prova e a subsequente aplicação concreta do critério convocado, o extraído do art. 479.º do CC.

E, neste segmento, afiguram-se-nos válidas as observações apontadas pela recorrente.

Deu o tribunal recorrido como provado que a realização das obras implicou para reclamante e cabeça de casal um custo de €37.340,16 e que o valor atual das benfeitorias é de 32.000€.

Conforme resulta da motivação da decisão de facto, tais valores resultam, tão-só, da perícia efetuada.

Contudo, cotejando o teor do respetivo relatório, verificamos que o mesmo não apurou, em concreto, qual o valor despendido nas obras, no início dos anos 2000, e, menos ainda, se debruçou sobre a valorização concreta que dessas obras resultou para a coisa benfeitorizada.

Na verdade, limitou-se o perito, não a elencar as obras que foram efetuadas e, bem assim, o preço que, à época, as partes poderiam razoavelmente ter nelas despendido, considerando tempo, matérias e mão-de-obra envolvidos, mas a considerar uma determinada área de intervenção, aplicando a esta área de construção um índice recolhido de normas que têm por finalidade o apuramento do valor dos imóveis para um específico efeito (o valor médio de construção por metro quadrado, num ano aleatório – escolheu o de 2022 – para efeitos fiscais).

Sendo assim, como pode dar-se como provado que, em 2000 ou 2001, as partes despenderam o que quer que seja em obras – obras que o perito nem discriminou – tomando por referência apenas o valor por metro quadrado da área de construção, em 2022, para efeitos fiscais?

É que uma coisa é o valor da área construída, em 2022, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos prédios destinados à habitação e outra, completamente distinta, é o custo das obras concretas levadas a efeito pelas partes no começo de 2000, obras essas que se acham devidamente individualizadas - construção de um salão, um quarto e um quarto de banho.

É, pois, em função do que ali foi construído que deverá avaliar-se o que poderá ter sido despendido pelas partes ao tempo em que as obras tiveram lugar.

Assim teremos a medida do empobrecimento.

Qualquer referência a leis tributárias para apurar o valor das benfeitorias não só esquece as obras que em concreto foram realizadas, como acaba, afinal, por introduzir no meio de prova a opção por um critério jurídico aleatório (o que lhe não competia) que sequer corresponde ao critério legal do art. 479.º CC.

Além disso, para lograr dar-se aplicação a este último critério norteador do valor do crédito reclamado, haverá que apurar-se o valor do enriquecimento, determinando-se o valor do imóvel antes daquelas obras e depois de estas terem sido realizadas.

Este raciocínio e a aplicação da lei que se impunha ao caso não se acham na sentença recorrida.

A ausência de uma perícia que apure aqueles valores impede se opere com o citado critério legal.

Impõe-se, por isso, que a decisão de primeira instância seja anulada, ao abrigo do disposto no art. 662.º/1 c) do CPC, a fim de ser alterada a matéria de facto ora constante dos pontos e) e f), mediante a prévia realização de perícia que apure o preço da obra efetuada, aos valores de 2000 (mormente o possivelmente despendido em mão de obra e materiais) e, bem assim, determine o valor da fração antes da feitura das obras e após a realização das mesmas. Nos termos também já expostos, cabe, ainda, apurar o valor da fração na data em que o cabeça de casal foi notificado da reclamação contra a relação de bens.

Dispositivo

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, anular a decisão recorrida, ordenando-se a realização de prova pericial tendo por objeto a determinação do que terá sido despendido pelas partes ao tempo em que foram realizadas as obras de construção/ampliação da fração B compostas por um salão, um quarto e quarto de banho e acima identificadas e, bem assim, o apuramento do valor do imóvel antes daquelas obras e depois de estas terem sido realizadas, determinando ainda o valor da fração na data em que ao cabeça de casal foi notificado a reclamação contra a relação de bens.

Custas do recurso pelo recorrido.



Porto, 18.3.2024.
Fernanda Almeida
Anabela Morais
Carlos Gil
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[1] Em cuja fundamentação, entre o mais, se lê: “Quanto à questão da atualização do valor, o Sr. Perito indicou o valor sem depreciação. Saber se há de ser considerado um ou outro é uma questão jurídica, não sendo necessário qualquer esclarecimento do Sr. Perito nessa matéria”.