Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
263/18.5T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO
INVERSÃO DO TÍTULO DA POSSE
Nº do Documento: RP20211028263/18.5T8PVZ.P1
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A inversão do título da posse trata-se da conversão duma situação de posse precária numa verdadeira posse, de forma que aquilo que se detinha a título de animus detinendi passa a ser detido a título de animus possidendi.
II - Pode dar-se por dois meios: por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía, ou por ato de terceiro capaz de transferir a posse.
III - A oposição do detentor tem de se revelar por atos positivos (materiais ou jurídicos), inequívocos (reveladores de que o detentor quer, a partir da oposição, atuar como proprietário) e praticados na presença ou com o consentimento daquele a quem os atos se opõem.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 263/18.5 T8PVZ.P1

Comarca do Porto – Juízo Central Cível de Póvoa de Varzim – Juiz 5
Apelação
Recorrente: B….
Recorridos: C… e D….
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Carlos Querido

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
O autor B…, residente na Rua …, nº …, Maia, intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra os réus C… e marido D…, residentes na Rua …, nº …, Maia, pedindo que:
A) se declare e conheça a sua aquisição, por usucapião, da propriedade plena e livre do prédio “terreno a lavradio com ramada e árvores de fruta, situado no lugar de …, a confrontar do norte com E…, F…, G…, do nascente com Rua …, H… e I… e do poente com J… e K…”, prédio que corresponde ao atualmente inscrito na matriz sob o artigo 1131 da freguesia da cidade da Maia e no registo sob a ficha nº 1928/20091229 da freguesia da …;
B) os réus sejam condenados a reconhecer a sua aquisição, por usucapião, da propriedade plena e livre do referido prédio;
C) se ordene o cancelamento no registo predial de todos os registos que sejam incompatíveis com a aquisição da propriedade de tal prédio por si, por usucapião, abrindo-se nova inscrição a seu favor.
Alega, em síntese, que os seus progenitores e da ré doaram a ambos, em comum e sem determinação de proporção, o prédio anteriormente identificado, por escritura de 21.5.1980, passando ambos a ocupá-lo e a agir como seus donos e, com o casamento da ré no ano de 1981, passou a fruir o prédio no seu todo; no ano de 1997, decidiu realizar obras de adaptação de uma casa que lhe havia sido doada pelos avós paternos, mas o pai manifestou desejo que não fizesse alterações na mesma enquanto vivesse, tendo a ré sugerido que construísse casa no terreno doado, pois não pretendia fazê-lo; no início do referido ano manifestou aos réus a vontade de passar a ser dono exclusivo e que estes perceberam; a partir de então, opôs-se a qualquer ato material dos réus no prédio, instando-os a retirar bens e coisas suas, aumentou e restaurou os muros, colocou portão e fechadura novos na entrada pela Rua …, implantou casa que passou a habitar pelo ano de 2004, sem qualquer oposição dos demandados, agindo diante de toda a gente como dono exclusivo, até ao presente.
Os réus invocaram a exceção de ilegitimidade ativa por estar o autor desacompanhado do cônjuge; contrapuseram que se trata de um prédio comum, residindo o demandante com a esposa na moradia e que, desde 2000, um casal que agriculta e cuida de parte do terreno, reside nuns anexos.
Referiram que, desde a doação, procederam à limpeza, arranjo e manutenção dos anexos, plantaram árvores, delimitaram um espaço ajardinado, construíram abrigos para animais de criação e ruminantes, tendo tido ali animais desde os anos 90 e até 2009, pagavam os consumos de energia dos anexos e os impostos na proporção de metade.
Acrescentaram que o autor litiga de má fé por inventar factos e deduzir pretensão cuja falta de fundamento não ignora, pedindo a sua condenação em multa e em indemnização a seu favor em montante não inferior a 2.500,00€.
Deduziram reconvenção para que o imóvel seja inscrito na matriz como prédio urbano composto de casa de habitação com a superfície coberta de 290 m2 e logradouro de 8.600 m2, pedindo que o autor seja condenado a promover os atos de inscrição e o seu registo na Conservatória de Registo Predial.
O autor, na réplica, argumentou que existe uso de um gaveto da sua propriedade, que dá diretamente para a Rua …, permitido desde os tempos do pai, pessoa generosa, que quis homenagear, tolerando-a até ao presente; nega que os réus tivessem criado ruminantes no seu prédio; quanto à exceção, referiu que o reconhecimento da aquisição se reporta ao início da posse, quando ainda era solteiro, só necessitando do consentimento do cônjuge, que acompanhou a petição inicial; contrapôs que o prédio com natureza urbana resulta da sua posse e que os atos de inscrição na matriz e no registo são promovidos pelos interessados com base nos títulos.
Suscitou o incidente de litigância de má fé relativamente aos réus por adulterarem a verdade, juntarem documentos que padecem de vícios, deles sabendo, mas procurando confundir e desvirtuar a verdade. Pretende a sua condenação em montante igual ao que aqueles pediram.
Realizada audiência prévia, no âmbito da tentativa de conciliação, as partes requereram a suspensão da instância. Gorado o acordo na resolução do litígio, sem novo agendamento da diligência, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade ativa.
Foram identificados o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizou-se audiência de julgamento com observância do legal formalismo.
Seguidamente proferiu-se sentença, na qual se julgou a ação improcedente e se absolveram os réus dos pedidos formulados. Julgou-se também improcedente a reconvenção, absolvendo-se o autor/reconvindo do respetivo pedido.
Os incidentes de litigância de má fé foram igualmente julgados improcedentes.
Inconformado com o decidido, interpôs recurso o autor que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª- Analisados os depoimentos prestados em audiência gravada, cotejados com os documentos e as regras da experiência comum, temos factos concretos claramente referidos que impõem uma decisão diferente quanto aos factos provados e uma decisão oposta quanto aos factos não provados.
2ª- Ora, percorrendo os depoimentos transcritos supra nos pontos essenciais que para este recurso importam e que constam das gravações do sistema de gravação dos Tribunais que faz parte destes autos, temos, que, s.d.r. foi produzida prova clara e credível para fundamentar e dar como provado diferentemente os seguintes factos:
8. A atuação referida em 5) durou até ao ano 2003, salvo relativamente à manutenção das ovelhas e do respetivo aprisco que se prolongou sensivelmente até 2005 e cessou para garantir a privacidade do Autor [resposta ao artigo 20º da contestação].
12. Nesse contexto, surgiu como ideia alternativa a construção de uma moradia pelo Autor no prédio identificado em 1), à qual a Ré deu o seu acordo [resposta aos artigos 31º da petição inicial].
14. Devido à boa relação que mantinha com o Autor, a Ré chegou a indicar empreiteiros que aquele veio a contactar para obter orçamentos [resposta ao artigo 57º da petição inicial].[1]
3ª- No nosso entender, tal não corresponde á prova produzida pois do depoimento de parte da Ré, e dos depoimentos das testemunhas L…, M… e N…, é claro que logo pelo ano 2000 o Autor passou a ter o ânimo de possuir o prédio totalmente para si para nele edificar a sua casa.
4ª- O que resulta do depoimento de parte, gravação de 00m:00s até 33m:17s disse a Ré C…, Início da gravação: 13-04-2021, pelas 09.59.39 h, Fim da gravação: 13-04-2021, pelas 10.35.21h, do depoimento da testemunha L… que consta do sistema de gravação dos Tribunais, Habilus Media Studio, cuja duração é de 17m30s, início da gravação: 13-04-2021, 10.36.43h, fim da gravação: 13-04-2021, 10.54.18h, da testemunha M…, que consta do sistema de gravação dos Tribunais, Habilus Media Studio, duração de 14m,00s, início da gravação: 13-04-2021, 10.58.03H, fim da gravação: 13-04-2021, 11.12.06 e do depoimento da testemunha N…, que consta do sistema de gravação dos Tribunais, Habilus Media Studio, cuja duração é de 16m43s, início da gravação: 13-04-2021, 11.31.32, fim da gravação: 13-04-2021, 11.54.51H, nas partes especificadas supra para os factos sob os nºs 7.11. e 13.
5ª- Ora alcança-se que pelo menos a partir do ano de 2000 a situação do Autor e da Ré em relação ao prédio alterou-se de forma diametralmente oposta, passando o Autor a agir sobre o terreno como o local da sua moradia, ocupando-o na sua plenitude, o que a Ré deixava fazer com toda a liberdade, o que ele quisesse fazer, deixando ela de “ter” na sua posse tal prédio, resultando do depoimento da testemunha L… que tal ocorreu logo no ano de 2000.
6ª- Assim, a redacção que se propõe para os pontos 7, 11 e 13 é:
7- A actuação referida em 5) durou até ao ano de 2000, a partir do qual os RR. ficaram cientes de que o Autor iria fazer, em exclusivo, prédio descrito de 1 a 4 para nele edificar a sua moradia, com os respetivos acessos, passeios, arruamentos, garagem e jardim.
11- A ideia de construir uma moradia no prédio identificado de 1 a 4 foi manifestada pelo Autor à Ré que deu a liberdade de fazer o que quisesse.
13- A Ré visitou empreiteiro que se dedicava a construções em madeira para indicar ao Autor tendo em vista ele fazer a moradia no referido prédio, cuja empresa que veio a contactar logo no ano de 2000 o Autor.
7ª- Já as respostas constantes dos pontos
14. O Autor estudou o melhor local para assentar e implantar a edificação da sua habitação [resposta ao artigo 52º da petição inicial].
15. Ao longo de três anos, colheu informação sobre vários tipos de casas, prós e contras e preços, acabando por aceitar orçamento para a respectiva execução em 2 de Abril de 2003 [resposta aos artigos 60º, 61º, 62º da petição inicial].
16. Em Abril e Maio de 2003 o Autor fez diligências para a ligação de água e de energia elétrica para o prédio [resposta aos artigos 63º, 64º, 65º, 66º da petição inicial].
17. Nesse prédio o Autor implantou uma casa pré-fabricada e escolheu a sua localização sensivelmente a meio da propriedade [ponto 2º da matéria assente do despacho em referência].
padecem de insuficiência e incorreções.
8ª- O que resulta do depoimento da testemunha L…, supra transcrito e especificado quanto a estes pontos bem como da testemunha M…, de igual modo especificado supra, e dos documentos 5,6,7,8,9,10,11 e 12 juntos com a P.I..
9ª- Dos documentos referidos alcança-se as datas neles mencionadas e a arrogação como dono do prédio, na sua plenitude, por parte do Autor e o tratamento como tal pelos terceiros.
10ª- Pelo que a redação destes pontos deve ser,
14. O Autor, desde o ano 2000 até 2003, fez várias implantações por todo o terreno a estudar o melhor local para assentar e implantar a edificação da sua habitação.
15. Ao longo de três anos, colheu informação sobre vários tipos de casas, prós e contras e preços, analisou orçamento em março de 2003 que acabou por aceitar para a respetiva execução em 2 de Abril de 2003.
16. Em Abril e Maio de 2003 o Autor fez requisição de fornecimentos de água e electricidade para a casa, junto de entidades públicas, como dono, tendo como tal sido respondido e feitas as ligações de água e de energia elétrica para o prédio
17. Nesse prédio o Autor fez uma fundação em betão e depois nela implantou uma casa pré-fabricada e escolheu a sua localização sensivelmente a meio da propriedade.
11ª- Já os factos dados como provados em 26, 27, e 28 padecem de erro por confusão de situações da vida da Ré e do Autor com os progenitores, padecem de erro na apreciação dos factos e estão eivados de factos falsos por induzido tal em erro pelo depoimento da Ré.
12ª- Com efeito, a alusão a trocar fechaduras dos portões e proibição de entrar em prédio surge no ano 2016 e tal tem a ver com um conflito familiar após a morte do pai do Autor e da Ré, conflito esse por causa de cuidar da mãe e relativamente a prédio distinto.
13ª- Ora, conforme o “caseiro”, testemunha N..., depoimento supra transcrito e especificado quanto a esta questão, a O…, mãe do Autor e da Ré, foi para a casa de …, Matosinhos, e é a essa casa que a Ré se pode reportar pois aí passou a residir a sua mãe, seria aí que queria visitar a mesma e de cujo prédio teria as chaves cujas fechaduras terão sido trocadas.
14ª- E o facto de o Sr N…, repete-se, depoimento constante do sistema de gravação dos Tribunais, Habilus Media Studio, cuja duração é de 16m43s, início da gravação: 13-04-2021, 11.31.32, fim da gravação: 13-04-2021, 11.54.51H, ao aludir a proibição de deixar a Ré entrar do lado dele nada releva para a questão do acesso à propriedade possuída pelo Autor como dono exclusivo pois esta estava vedada do bocadinho grangeado pelo sr. N….
15ª- O sr. N... no mesmo depoimento reconhece o Sr. B… como dono exclusivo do prédio em causa nos autos, no seu dizer, desde o ano de 2003.
16ª- Finalmente, dizem as testemunhas L… e M…, respetivamente, gravação início: 13-04-2021,10.36.43h, fim:13-04-2021,10.54.18h, e início:13-04-2021, 10.58.03H: 13-04-2021, 11.12.06 o acesso a casa do sr. B… é por um portão que ele colocou em 2003, o qual não tem fechadura, é aberto por comando acionado por telemóvel.
17ª- O que se alcança assim dos depoimentos da testemunha L… gravação dos Tribunais, Habilus Media Studio, cuja duração é de 17m30s,início da gravação: 13-04-2021, 10.36.43h, fim da gravação: 13-04-2021, 10.54.18h, da testemunha M…, que consta do sistema de gravação dos Tribunais, Habilus Media Studio, duração de 14m,00s, início da gravação: 13-04-2021, 10.58.03H, fim da gravação: 13-04-2021,11.12.06 e do depoimento da testemunha N…, gravação dos Tribunais, Habilus Media Studio, cuja duração é de 16m43s, início da gravação: 13-04-2021,11.31.32,fim da gravação:13-04-2021,11.54.51H, nas partes especificadas para os factos 26, 27 e 28 referidos.
18ª- Logo, tais factos considerados provados devem ser eliminados por sofrerem de tais vícios que induziram em erro o julgador.
19ª - Quanto aos factos não provados o Recorrente impugna a decisão sobre considerar não provados os factos ínsitos sob as alíneas d), e), g) e h) as quais pugna sejam julgados como provados e seja alterada a alínea f) por uma redação com factos provados.
20ª- Com efeito, quanto às alíneas d), e), f) g e h) temos o depoimento de parte da Ré, gravação de 00m:00s até 33m:17s, Início da gravação: 13-04-2021, pelas 09.59.39 h, Fim da gravação: 13-04-2021, pelas 10.35.21h, o depoimento de L…, gravação dos Tribunais, Habilus Media Studio, cuja duração é de 17m30s,início da gravação: 13-04-2021, 10.36.43h, fim da gravação: 13-04-2021, 10.54.18h, de M…, gravação dos Tribunais, Habilus Media Studio, duração de 14m,00s, início da gravação: 13-04-2021, 10.58.03H, fim da gravação: 13-04-2021,11.12.06 e do depoimento de N…, gravação dos Tribunais, Habilus Media Studio, duração de 16m43s, início da gravação: 13-04-2021, 11.31.32, fim da gravação: 13-04-2021, 11.54.51H, nas partes especificadas para tais factos supra descritas.
21ª- Ora, do cotejo destes extratos dos depoimentos referidos, mas sobretudo compaginados com a integralidade dos depoimentos transcritos conjugados com os documentos e analisados o levantamento topográfico e a fotografia constantes dos autos, temos que - deve ser julgada provada a matéria da al. d), e), g) e h) com a alteração relativa ao ano que deve ser 2000,
- e quanto á al. f) deve ser substituída por outra que refira que os RR. sempre estiveram cientes desde o ano 2000 do propósito do Autor de fazer seu todo o prédio descrito de 1 a 4 dos factos provados.
22ª- Assim, feitas estas alterações á matéria de facto, resulta provada a aquisição originária pelo Autor da propriedade plena do prédio identificado em 1 a 4 dos factos provados, com a consequente procedência total da ação, o que se impetra.
23ª- Invoca-se por cautela o que o Prof. Dr. Orlando de Carvalho sobre a inversão do título de posse chama de oposição implícita em douto artigo na RLJ nº 3810 ano 124, pois embora não exista demonstrada uma oposição formal todos os actos materiais são inequívocos e revelam uma alteração psicológica da posse do Autor e conhecida dos RR.
24ª- Qualidade de posse como proprietário que o A. ostensivamente demonstra quando recebe correspondência, faz obras no prédio e em conversa com os vizinhos.
25ª- Agindo e actuando sempre, desde 2000, diante de toda a gente e à luz do dia, de forma conhecida e cognoscível de todos, sem oposição de quem quer que fosse e sempre na convicção de não ofender direitos de outrem sendo pelos amigos e visitas reconhecido como tal.
26ª- Cônscio de possuir bem seu, em pleno e exclusivo, prédio que sempre fruiu e dispôs como seu dono exclusivo e como tal o possuiu até hoje na sua plenitude e em exclusivo.
27ª- Por todos, ao longo destes mais de quinze anos, de boa-fé, mormente os RR., demais familiares, amigos, pelos carteiros, pelas entidades públicas e privadas de fornecimento de bens e serviços, sempre foi o A. tido como exclusivo e legítimo dono e senhor do prédio rústico descrito supra.
28ª- Actuação esta do A. sobre o prédio referido na sua totalidade e como dono exclusivo desde o ano de 2000 quando agiu com o propósito diante dos RR de ali construir a sua casa ocupando todo o terreno para si passando a possuir o prédio como dono exclusivo, invertendo a razão da sua posse quanto a metade indivisa,
29ª- Passou o Autor, em função da alteração da razão e título de posse, a exercer o domínio de facto e autoridade empírica sobre o prédio de modo pleno e como senhor e dono exclusivo.
30ª- Domínio que tem desde essa data de forma reiterada, sem qualquer hiato até aos dias de hoje, à luz do dia, por mais de quinze anos, de boa-fé, sempre de forma ostensiva, diante de todos, e sobretudo dos RR., exercendo sobre o prédio poder de facto como seu dono exclusivo, fazendo e dispondo como lhe aprouve e apraz.
31ª- Ocorrendo, por força da inversão do título de posse feita pelo A. á Ré, uma imissão do prédio na sua totalidade e em exclusivo na zona de disponibilidade do A., e na sua esfera patrimonial desde o ano de 2000 até ao presente, inferindo-se o ingresso desse prédio como bem exclusivamente pertencente ao património do A. do próprio modo de atuação do A. e sua intenção com esse domínio.
32ª- O que ressalta da autoridade empírica sobre o bem que o A. ostenta e lhe é reconhecida desde que manifestou a sua oposição aos RR. quanto a posse destes baseada no título doação.
33ª- Actuação declarativa do A. dirigido aos RR que estes não repeliram e cuja posse e domínio pleno e exclusivo do A. os RR. jamais questionaram ao longo destes anos.
34ª- Pelo início do ano de 2000, atentos os factos materiais provados, o A. por inversão do título de posse quanto à sua irmã, aqui Ré, por interversio possessionis declarada de forma clara, implícita nos actos materiais, passou a ter um novo animus que passou a animus possidendi da propriedade plena e exclusiva do prédio, com o corpus nos termos supra descritos, passou o A., uno actu a possuir o prédio na sua totalidade como seu dono exclusivo.
35ª- Aquisição originária da posse instantânea, que embora tendo uma que a precede e apesar dela é contra ela, instantânea porque se adquire no momento em que se verifica o processo de inversão, daí se dizer uno actu.
36ª- Logo, o Autor em 2000 adquire posse originária que é uma posse nova, passou a ter a intentio de possuir o bem como dono exclusivo repercutindo-se tal na situação empírica em que o A. passou a arrogar-se dono de pleno e exclusivo do prédio.
37ª- O A. passou a ter o animus possidendi e o corpus correspondentes ao de quem exerce a posse como dono exclusivo do direito de propriedade conforme os factos supra provados.
38ª- E esta posse originária em exclusivo do prédio por parte do A. em termos correspondentes ao direito de propriedade, com as características de pública, pacífica, de boa-fé e mantida que foi e vem exercida por lapso de tempo superior a quinze anos, de boa-fé, lapso de tempo que faculta ao possuidor a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação, leva à aquisição por usucapião, forma de aquisição originária da propriedade que expressamente se invoca.
39ª- Pelo que, verificando-se cumulativamente, dos factos descritos, a existência do “corpus” da posse e o “animus possidendi” dessa mesma posse adquirida originariamente por inversão do título de posse e com a prática reiterada, paulatina, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito,
40ª- E atentas as características de tal posse, pública, pacífica e de boa-fé, sendo essa posse pelo prazo de mais de quinze anos, de boa-fé, sobre o prédio rústico descrito com todas as suas pertenças e incorporações nele implantadas pelo A., adquire o Autor a propriedade plena e exclusiva do prédio em causa, por usucapião, legítimo modo originário de aquisição que expressamente se invoca.
41ª- Pelo que deve a sentença ser substituída por outra decisão que declare a aquisição por usucapião que o A., invoca pela sua posse com as características descritas e pelo prazo de mais de quinze anos de boa-fé, nos termos conjugados dos arts. 1263, d), 1251º, 1260º, nº1, 1261, nº1, 1262º, 1263, a), 1287º,1296º todos do Código Civil e com os efeitos do art.1288º do mesmo CC retroagindo os efeitos da usucapião, segundo a regra “tantum praescriptum quantum possessum”, à data do início da posse, no caso, ao ano de 2000.
42ª- Ergo, deve a decisão proferida quanto à matéria de facto sindicada ser revogada nas partes especificadas e deve a subsunção dos factos ao direito impor a procedência total da ação, o que se impetra, sob pena de violação das normas supra enunciadas e as regras dos arts. 413 e 607, ambos do CPC.
Pretende assim a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue totalmente procedente a sua pretensão.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre então apreciar e decidir.
*
FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
*
As questões a decidir são as seguintes:
I Reapreciação da matéria de facto;
II Aquisição por usucapião/Inversão do título da posse.
*
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
1. Por escritura de 21/05/1980, os pais de Autor e Ré, P… e O…, enquanto donos e legítimos possuidores, declararam doar aos mesmos, em comum e sem determinação de proporção, “um terreno lavradio situado no lugar de …, freguesia e concelho da Maia, a confrontar do norte com E…, F… e outros, do sul com Q…, do nascente com a estrada e outros e do poente com J… e outros, omisso na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial sob parte do nº 512, do Livro B-dois” [ponto 1º da matéria assente do despacho em referência].
2. Na sequência da participação para inscrição apresentada em 9 de Abril de 1980, o prédio identificado em 1) foi inscrito na matriz rústica da freguesia e concelho da Maia sob o artigo 598, que corresponde ao atual artigo 1131 [resposta aos artigos 3º, 13º da petição inicial, 4º da contestação].
3. O prédio identificado em 1) foi desanexado do nº 512 a fls. 58 do livro B-2 (II), passou a estar registado sob o nº 29214 do livro nº 76 Secção 2 estando atualmente descrito na Conservatória de Registo Predial da … sob o nº 1928-Maia [resposta aos artigos 4º, 13º da petição inicial].
4. O prédio descrito em 1) confronta também a norte com a Rua …, correspondendo a estrada a nascente à Rua …, tendo entrada, respetivamente, pelos nºs … e … [resposta aos artigos 12º, 14º da petição inicial, 9º da contestação].
5. Em momento não apurado, subsequente ao referido em 1), a Ré, com o acordo do Autor, limpou todo o prédio, lavrou-o e fresou-o, plantou nogueiras e castanheiros, passando ali a criar ovelhas que se alimentavam do pasto que crescia no prédio e se abrigavam no aprisco ali construído [resposta aos artigos 14º, 15º, 16º, 17º, 18º da contestação].
6. A atuação referida em 5) era levada a cabo pela Ré, por si e pelo Autor, diante de toda a gente, à luz do dia, na convicção plena de não ofender direito de terceiros e de exercer direito próprio em comum e sem determinação de parte [artigos 16º, 18º, 19º, 20º da petição inicial, 20º da contestação].
7. A atuação referida em 5) durou até ao ano 2003, salvo relativamente à manutenção das ovelhas e do respetivo aprisco que se prolongou sensivelmente até 2005 e cessou para garantir a privacidade do Autor [resposta ao artigo 20º da contestação].
8. Após o casamento em 1981 e restauro de uma edificação situada junto à casa de morada de P… e O…, os Réus foram para aí habitar [resposta aos artigos 21º, 22º, 23º da petição inicial].
9. Em momento não concretamente apurado, por volta do ano 2000, o Autor, que residia em Matosinhos num apartamento, manifestou interesse em realizar obras de restauro numa casa que pertencera aos avós paternos, o que transmitiu aos pais e aos Réus [resposta aos artigos 25º, 26º da petição inicial].
10. O progenitor do Autor e da Ré não se mostrou favorável à ideia referida em 9) [resposta aos artigos 27º, 28º, 29º, 30º da petição inicial].
11. Nesse contexto, surgiu como ideia alternativa a construção de uma moradia pelo Autor no prédio identificado em 1), à qual a Ré deu o seu acordo [resposta aos artigos 31º da petição inicial].
12. O Autor manifestou a sua vontade de edificar no terreno e ali passar a habitar deixando de lado a ideia de fazer obras na casa referida em 9) [resposta aos artigos 32º e 35º da petição inicial].
13. Devido à boa relação que mantinha com o Autor, a Ré chegou a indicar empreiteiros que aquele veio a contactar para obter orçamentos [resposta ao artigo 57º da petição inicial].
14. O Autor estudou o melhor local para assentar e implantar a edificação da sua habitação [resposta ao artigo 52º da petição inicial].
15. Ao longo de três anos, colheu informação sobre vários tipos de casas, prós e contras e preços, acabando por aceitar orçamento para a respetiva execução em 2 de Abril de 2003 [resposta aos artigos 60º, 61º, 62º da petição inicial].
16. Em Abril e Maio de 2003 o Autor fez diligências para a ligação de água e de energia elétrica para o prédio [resposta aos artigos 63º, 64º, 65º, 66º da petição inicial].
17. Nesse prédio o Autor implantou uma casa pré-fabricada e escolheu a sua localização sensivelmente a meio da propriedade [ponto 2º da matéria assente do despacho em referência].
18. Casa que pelo ano de 2004 passou a ser habitada pelo Autor [ponto 3º da matéria assente do despacho em referência].
19. Posteriormente, transformou a cave em sala de convívio e construiu a garagem no local onde o aprisco estivera situado [resposta aos artigos 72º, 81º da petição inicial].
20. É nessa casa que o Autor e esposa residem, ali recebem amigos e desfrutam do jardim que a rodeia [resposta aos artigos 73º, 82º, 84º da petição inicial, 11º da contestação].
21. O Autor substituiu o portão do acesso pela Rua ... por outro [resposta ao artigo 43º da petição inicial].
22. Em 2005 o Autor solicitou à Ré que retirasse as ovelhas do prédio, o que esta fez e, de seguida, demoliu o anexo destinado a aprisco [resposta aos artigos 42º, 44º da petição inicial].
23. Em data não concretamente apurada, situada em momento próximo do primeiro referido em 7), o Autor estabeleceu passeios e caminhos de acesso à propriedade e trilhos dentro da mesma [resposta ao artigo 49º da petição inicial].
24. A partir dessa altura e até ao presente, passou a plantar árvores e plantas a seu gosto, delas cuidando [resposta aos artigos 51º, 70º, 71º da petição inicial].
25. Fez o Autor passeios empedrados para passagem de viaturas e acesso à garagem que edificou [ponto 4º da matéria assente do despacho em referência].
26. Em data não concretamente apurada, posterior ao falecimento do progenitor ocorrido em 2016 e na sequência de conflito familiar, o Autor trocou as fechaduras dos portões e fez saber à Ré, através do caseiro, que estava proibida de entrar no prédio [resposta aos artigos 41º, 42º, 43º da petição inicial].
27. A Ré não reagiu à proibição [resposta ao artigo 44º da petição inicial].
28. A partir do momento referido em 26) o Autor passou a comportar-se perante os réus como único dono do prédio [resposta ao artigo 37º da petição inicial].
29. Aos olhos dos amigos e pessoas que levaram a cabo as obras de construção da moradia e dos anexos, a partir de meados de 2003, atuando da forma descrita em 17) a 20), 23) a 25) o Autor apresentava-se como dono do prédio e como tal por eles era reconhecido [resposta aos artigos 55º, 56º, 58º da petição inicial].
30. Em Setembro de 2000, o pai do Autor e da Ré, com a anuência destes, cedeu, sem contrapartida, a N…, para habitação, uns anexos sitos no gaveto da propriedade, com acesso direto pela Rua …, nº …, bem como uma parcela de terreno contígua, delimitada do restante por uma rede, para cultivar, situação que se mantém até ao presente [resposta aos artigos 76º da petição inicial, 12º da contestação].
31. Além dos anexos referidos em 30), em consequência da edificação implantada pelo Autor, o prédio identificado em 1) atualmente é composto por casa destinada a habitação, de rés-do-chão e cave, anexo destinado a garagem e logradouro, com a configuração que consta do levantamento topográfico correspondente ao documento nº 4 junto com a petição inicial [resposta aos artigos 9º, 10º, 24º da contestação].
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Foram considerados não provados os seguintes factos:
a) o prédio descrito em 1) confronte também de norte com G… e K…, de nascente com H… e I… e do poente com K…;
b) os doadores tiveram em vista que os seus filhos viessem no futuro, porventura, em consequência de casamento, a ali construir casa;
c) nessa altura, ano de 1981, o prédio passou a ser fruído no seu todo pelo Autor;
d) a Ré sugeriu que o Autor construísse casa no prédio, que ela não pretendia fazer nenhuma casa nele e que ele assim teria até mais privacidade;
e) no momento referido em d) o Autor realçou que então ficava com todo o terreno para si como dono exclusivo do prédio em causa garantindo a sua privacidade;
f) pelo início do ano de 1997, o Autor disse à Ré na presença do marido e dos pais “o terreno lavradio no … que os pais nos doaram passa, nesta data, a ficar para mim na totalidade para eu ali construir uma casa para mim e ficar com a minha independência”;
g) o Autor aumentou e restaurou os velhos muros, fez cercas e marcações com materiais diversos;
h) a partir de 1997 o Autor passou imediato a agir na convicção de exercer direito próprio como dono exclusivo do terreno, de não ofender direitos de quem quer que fosse, nomeadamente, de terceiros, diante de toda a gente, Réus, progenitores e parentes e como tal sendo reconhecido por todos;
h)[2] os Réus delimitaram um espaço ajardinado e agricultavam algumas parcelas do terreno;
i) os Réus tiveram animais no prédio identificado em 1) até 2009;
j) os funcionários da Cooperativa agrícola da …, CRL deslocavam-se ao prédio identificado em 1) até 2009 para tratar da sanidade dos animais;
k) eram os Réus quem pagava os consumos de energia elétrica dos anexos do prédio, pelo menos desde os anos de 1990 até Julho de 2017;
l) os Réus pagavam os impostos devidos na proporção de metade;
m) a superfície coberta do prédio descrito em 31) é de 290 m2 e a o logradouro de 8.600 m2.
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Passemos à apreciação do mérito do recurso.
I – Reapreciação da matéria de facto
O autor no seu recurso impugna a matéria de facto dada como provada e não provada, pretendendo que nela sejam introduzidas as seguintes alterações:
- Os factos provados com os nºs 7, 11 e 13 deverão passar a ter as seguintes redações:
“7- A atuação referida em 5) durou até ao ano de 2000, a partir do qual os RR. ficaram cientes de que o Autor iria fazer, em exclusivo, prédio descrito de 1 a 4 para nele edificar a sua moradia, com os respetivos acessos, passeios, arruamentos, garagem e jardim.” [sic];
“11- A ideia de construir uma moradia no prédio identificado de 1 a 4 foi manifestada pelo Autor à Ré que deu a liberdade de fazer o que quisesse.”
“13- A Ré visitou empreiteiro que se dedicava a construções em madeira para indicar ao Autor tendo em vista ele fazer a moradia no referido prédio, cuja empresa que veio a contactar logo no ano de 2000 o Autor.” [sic];
- Os factos provados com os nºs 14, 15, 16 e 17 deverão passar a ter as seguintes redações:
“14. O Autor, desde o ano 2000 até 2003, fez várias implantações por todo o terreno a estudar o melhor local para assentar e implantar a edificação da sua habitação.”
“15. Ao longo de três anos, colheu informação sobre vários tipos de casas, prós e contras e preços, analisou orçamento em março de 2003 que acabou por aceitar para a respetiva execução em 2 de Abril de 2003.”
“16. Em Abril e Maio de 2003 o Autor fez requisição de fornecimentos de água e eletricidade para a casa, junto de entidades públicas, como dono, tendo como tal sido respondido e feitas as ligações de água e de energia elétrica para o prédio.”
“17. Nesse prédio o Autor fez uma fundação em betão e depois nela implantou uma casa pré-fabricada e escolheu a sua localização sensivelmente a meio da propriedade.”;
- Os factos nºs 26, 27 e 28 [26. Em data não concretamente apurada, posterior ao falecimento do progenitor ocorrido em 2016 e na sequência de conflito familiar, o autor trocou as fechaduras dos portões e fez saber à ré, através do caseiro, que estava proibida de entrar no prédio; 27. A ré não reagiu à proibição; 28. A partir do momento referido em 26) o autor passou a comportar-se perante os réus como único dono do prédio] deverão ser eliminados do elenco dos factos provados;
- Relativamente aos factos não provados constantes das alíneas d), e), g) e h) [d) a ré sugeriu que o autor construísse casa no prédio, que ela não pretendia fazer nenhuma casa nele e que ele assim teria até mais privacidade; e) no momento referido em d) o autor realçou que então ficava com todo o terreno para si como dono exclusivo do prédio em causa garantindo a sua privacidade; g) o autor aumentou e restaurou os velhos muros, fez cercas e marcações com materiais diversos; h) a partir de 1997 o autor passou imediato a agir na convicção de exercer direito próprio como dono exclusivo do terreno, de não ofender direitos de quem quer que fosse, nomeadamente, de terceiros, diante de toda a gente, réus, progenitores e parentes e como tal sendo reconhecido por todos] sustenta que deverão ser dados como provados com alteração relativa ao ano que deve ser 2000;
- Quanto à alínea f) dos factos não provados [pelo início do ano de 1997, o autor disse à ré na presença do marido e dos pais “o terreno lavradio no … que os pais nos doaram passa, nesta data, a ficar para mim na totalidade para eu ali construir uma casa para mim e ficar com a minha independência”] deverá transitar para os factos provados com alteração de redação no sentido de que os réus sempre estiveram cientes desde o ano de 2000 do propósito do autor fazer seu todo o prédio descrito de 1 a 4 dos factos provados.
No sentido das alterações pretendidas, o autor/recorrente indica excertos do depoimento de parte prestado pela ré C… e dos depoimentos produzidos pelas testemunhas L… M… e N…. Alude ainda a diversos documentos juntos com a petição inicial, mais concretamente aos que se mostram identificados com os nºs 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12.
Procedemos assim à integral audição dos depoimentos acima referidos.
A ré C…, ouvida em depoimento de parte, disse que aquando da doação do terreno pelos pais o seu irmão, aqui autor, tinha casa própria. Quando o irmão pediu para lá construir uma casa – no terreno comum - concordou. Este escolheu o sítio e construiu nesse local, que é mesmo no meio do terreno. Referiu ainda que teve ovelhas no terreno por muito mais de 10 anos até 2009 e acha que o irmão construiu a casa a partir de 2000. Sublinhou que eram dois irmãos, aquilo era dos dois e continuava a ser dos dois. Ambos tinham a chave dos portões, entravam e saíam quando queriam. O irmão quando começou a construir começou também a plantar árvores (laranjeiras; pinheiros). E depois da casa construída passou a viver lá. O irmão pediu-lhe também para acabar com as ovelhas e deitar abaixo o aprisco, com o que concordou e depois disso ele começou a cultivar. A ré então deixou de cultivar e deu-lhe liberdade para ele fazer o que quisesse. Referiu também que se deu uma tira de terreno a um caseiro, que está lá por favor, para ele cultivar. Salientou que depois de 2009 continuou a visitar o terreno. O irmão convidava-a para ir lá almoçar. A partir de 2014, por causa de um conflito familiar, surgido na sequência do falecimento do pai, o irmão proibiu-a de entrar no terreno. No entanto, nunca disse que o terreno era todo dele, embora se comportasse como se fosse o seu dono. Aquando da construção da casa pelo irmão a ré teve contactos com empreiteiros, não sabendo esclarecer quando essa construção ocorreu. O irmão é que pagou as puxadas de água e luz para a casa. Quanto aos impostos era o pai que pagava e depois começou a pagar o autor, mas ainda não fizeram partilhas.
L… era na altura o diretor comercial da empresa – “S…” – que executou o projeto da casa do autor. Disse que a primeira abordagem relativamente a esta situação ocorreu no início do ano de 2000 e foi feita pela irmã do autor, a Dr.ª C…, na sua empresa. Esta referiu-lhe que andava a ver tipos de construções que fossem rápidas para um irmão que tinha um terreno na Maia. Depois conheceu o autor e foi um processo longo, que se arrastou bastante, porque o autor pretendia na construção “alguns requisitos”. Houve muitos orçamentos, o último foi em 2003. Pensa que quando se fez o último orçamento já existia o início de uma fundação. Não viu lá ovelhas, se havia estavam no fundo do terreno numa zona onde não intervieram. Ia lá uma vez por semana. A implantação da casa foi em 2003/2004. Quem pagou foi o autor, o Sr. B…, a quem vê como dono do terreno.
M… é eletricista e é funcionário da empresa – “T…” - que, em subempreitada, fez a instalação da parte elétrica, de telecomunicações e de alarmes da casa do autor. Quando é necessário vai lá fazer manutenção. O trabalho deve ter sido feito em 2003. A casa é mais ou menos a meio do prédio, um bocadinho para a esquerda. Não se lembra de ter visto lá animais, mas havia arvoredo. Para si era a casa do Sr. B…, só lá o viu a ele. Não viu lá nenhum “caseiro”.
N… disse que ocupa, desde setembro de 2000, a parte de cima do terreno que tem entrada pela Rua …. A leira que faz tem 30/35 metros de comprimento e 7/8 metros de largura. Para baixo já é do Sr. B…. Há uma vedação com rede, que foi lá posta por volta de 2003. Antes de 2003, na parte de baixo, havia ovelhas que deixaram de existir quando o Sr. B… fez lá a casa. Atualmente quando precisa de fazer alguma coisa fala com o Sr. B…, sendo que não paga nada pelo terreno. Tem a casa, olha pelos “bichos” e granjeia o terreno. Em 2002 e 2003 falava com os pais. Desde que o Sr. B… assumiu passou a dirigir-se a ele. Mais referiu que quando foi para lá o terreno pertencia ao Sr. P…, pai. As ovelhas que havia lá no terreno eram da casa, do Sr. B… ou da Dr.ª C…, era ela que lhe dava ordens para tratar dos “bichos”. E depois foi a Dr.ª C… que lhe mandou tirar as ovelhas porque iam fazer a casa do irmão, o que aconteceu por 2003/2005. Quando a testemunha foi para lá só falou com o Sr. P…, pai, e com a Dr.ª C…. Entretanto, deixou de fazer os terrenos e foi para a fábrica e quem lhe deu essa ordem foi o Sr. Vítor.
Procedemos também à audição dos demais depoimentos testemunhais que foram prestados no decurso da audiência, o que nos é permitido pelo art. 640º, nº 2, al. b), primeira parte, do Cód. de Proc. Civil.
U… é amiga do autor há 23 anos e frequenta a sua casa. Sabe que por volta de 1999 se começou a falar que o autor iria construir uma casa no terreno. Só conheceu o terreno quando a casa já estava construída e o autor estava a começar a habitá-la, em 2003. Nunca viu lá ovelhas. Para si aquele terreno pertence ao autor e tudo está de acordo com o gosto dele.
W… é amigo do autor há 25 anos e frequenta a sua casa. São colegas numa central de compras, de ferramentas, e vão regularmente a Espanha para a sua aquisição. Durante as viagens que faziam a Espanha o autor deu-lhe conta da sua intenção de construir uma casa num terreno que lhe pertencia a si e à sua irmã, o que situou no ano 2000. A casa terá ficado pronta em 2001/2002 e nessa altura foi lá. Havia bastante arvoredo e a casa estava no meio do terreno. Referencia a casa como sendo do autor.
Y… trabalha na agricultura, com trator e abre-valas, e faz biscates para os réus há cerca de 25 anos. Ia ao terreno antes da casa ser feita, onde, logo no início das suas deslocações, abriu valas para plantação de árvores (castanheiros e nogueiras). Também limpou o terreno algumas vezes. Havia lá ovelhas, chegaram a ser 15/20, que ficavam num alpendre (aido) ao fundo do campo. Era o Sr. N… que tratava dos animais e que vive lá numa casa térrea. Quando se começou a construir a casa do autor deixou de ir trabalhar para o terreno. Ouvia dizer que o terreno era dos dois e desconhece a existência de qualquer acordo entre eles.
Os documentos referenciados nas suas alegações pelo autor/recorrente são os seguintes:
- uma planta e levantamento fotográfico;
- o orçamento, com data de 2.4.2003, apresentado ao autor pela “S…”, referente a uma moradia em construção industrializada e com a respetiva memória descritiva;
- o requerimento do autor, dirigido aos SMAS da …, com vista à ligação da água ao prédio, datado de 23.4.2003, o qual foi deferido em 7.5.2003, sendo o serviço pago em 14.5.2003;
- a documentação comprovativa da requisição de luz elétrica para o prédio também solicitada pelo autor em Maio de 2003;
- a venda a dinheiro comprovativa da aquisição por parte do autor, em 7.5.2004, de diversas árvores a “Viveiros …”.
Teve-se ainda em atenção a fotografia aérea junta a fls. 97.
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O art. 662º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil estabelece que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa
E o art. 607º, nº 5 do mesmo diploma diz-nos que «o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», sendo que a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Prosseguindo.
A) O início das obras de construção da casa do autor face à documentação constante do processo tem que ser situado no ano de 2003 e por isso o primeiro marco temporal referido no nº 7 da matéria de facto provada, relativo à atuação da ré no terreno dos autos, deve ser mantido com referência a esse ano de 2003, não havendo, porém, fundamento probatório consistente para se dar como provado que após este ano e até 2005 a ré manteve ainda no terreno ovelhas e o respetivo aprisco.
Aliás, quanto a esta questão há a realçar que a própria testemunha N… refere que a ré lhe mandou tirar as ovelhas porque iam fazer a casa do irmão e essa construção efetuou-se no ano de 2003.
Como tal, a redação deste ponto factual passará a ser a seguinte: “A atuação referida em 5) durou até ao ano 2003 e cessou para garantir a privacidade do autor”.
Simultaneamente ao elenco dos factos não provados aditar-se-á a alínea n) com o seguinte teor: “Não se provou que (…) a ré manteve no terreno ovelhas e o respetivo aprisco entre 2003 e 2005.” Tal como para evitar eventual contradição com o nº 7 o ano referido no nº 22 terá que ser alterado para 2003, donde a redação deste ponto factual deverá passar a ser a seguinte: “Em 2003 o autor solicitou à ré que retirasse as ovelhas do prédio, o que esta fez e, de seguida, demoliu o anexo destinado a aprisco.”
O acordo da ré para a construção pelo autor de uma moradia no terreno resulta do seu próprio depoimento, razão pela qual é de manter a redação do nº 11 da matéria de facto.
E quanto ao nº 13, respeitante à indicação de empreiteiros pela ré ao autor com vista à obtenção de orçamentos para construção da sua casa, decorre este dos depoimentos da própria ré e da testemunha L….
B) No tocante aos nºs 14, 15, 16 e 17 da factualidade provada entendemos que nenhuma alteração se justifica, face ao teor da documentação junta ao processo acima mencionada e ao depoimento das testemunhas L… e M…. Daí flui que o autor estudou o melhor local para implantar a casa, que ao longo de três anos colheu informação sobre os vários tipos de casas e preços acabando por aceitar o de 2.4.2003, que nos meses de abril e maio de 2003 diligenciou pela ligação de água e energia elétrica e que a casa pré-fabricada ficou sensivelmente a meio da propriedade.
C) Quanto aos factos provados com os nºs 26, 27 e 28 há, desde logo, a referir quanto ao nº 26 que embora a ré, no seu depoimento, tenha situado o início do conflito familiar em 2014 correlacionou-o com o falecimento do pai, razão pela qual se entende como correto o reporte a este falecimento. Não foi, porém, produzida prova donde decorresse que o autor tenha trocado as fechaduras dos portões, sendo certo, contudo, que este na sequência desse conflito proibiu a ré de entrar no prédio.
Assim, a redação do nº 26 passará a ser a seguinte:
“Em data não concretamente apurada, posterior ao falecimento do progenitor ocorrido em 2016 e na sequência de conflito familiar, o autor fez saber à ré que estava proibida de entrar no prédio.”
Relativamente aos factos nºs 27 e 28 não cremos que a sua prova possa oferecer dúvidas, atendendo a que a ré não reagiu à proibição do autor e este só a partir daquele momento, relacionado com o início da situação de conflito familiar, se passou a comportar perante os réus como único dono do prédio.
D) No que concerne aos factos não provados d), e), g) e h), que o autor/recorrente pretende ver provados com referência ao ano de 2000, entendemos que todos eles deverão permanecer como não provados.
Na verdade, da apreciação de toda a prova documental e testemunhal produzida nos autos, não se alcança que o autor tenha passado a agir na convicção de ser o dono exclusivo do prédio desde 1997 ou desde 2000, nem que, com referência a esses anos, tenha aumentado e restaurado muros velhos e feito cercas e marcações.
Quanto ao facto não provado f), que assim se manterá, terá que se salientar que nenhuma prova produzida nos autos confirmou que o autor proferiu, na presença dos réus e dos pais, a frase aí referida. Tal como também nada permite concluir que os réus estejam cientes desde o ano de 2000 do propósito do autor fazer seu todo o prédio aqui em discussão.
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Em síntese:
- São alteradas as redações dos nºs 7 e 26 da factualidade provada que passarão a ser as seguintes:
7 – “A atuação referida em 5) durou até ao ano 2003 e cessou para garantir a privacidade do autor”;
26 – “Em data não concretamente apurada, posterior ao falecimento do progenitor ocorrido em 2016 e na sequência de conflito familiar, o autor fez saber à ré que estava proibida de entrar no prédio.”
- Adita-se à factualidade não provada a alínea n) com o seguinte teor: “Não se provou que (…) a ré manteve no terreno ovelhas e o respetivo aprisco entre 2003 e 2005.”.
- Para evitar contradição alterou-se também a redação do nº 22 da factualidade provada passando esta a ser a seguinte:
22 – “Em 2003 o autor solicitou à ré que retirasse as ovelhas do prédio, o que esta fez e, de seguida, demoliu o anexo destinado a aprisco.”
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II – Aquisição por usucapião/Inversão do título da posse
1. O autor/recorrente sustenta que desde o ano de 2000 atua sobre o prédio dos autos como se fosse seu dono exclusivo, tendo invertido a razão da sua posse relativamente à ré, sua irmã, quanto a metade indivisa do prédio.
Face às características de tal posse, mantida por mais de quinze anos, de boa-fé, entende o autor ter adquirido a propriedade plena e exclusiva do prédio por usucapião, o que pretende lhe seja reconhecido no âmbito da presente ação.
Vejamos então.
2. Conforme preceitua o art. 1263º do Cód. Civil a posse adquire-se: a) pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito; b) pela tradição material ou simbólica da coisa, efetuada pelo anterior possuidor; c) por constituto possessório; d) por inversão do título da posse.
Dispõe depois o art. 1265º do Cód. Civil que «a inversão do título da posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por ato de terceiro capaz de transferir a posse.»
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA[3] (in “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., 1984, Coimbra Editora, pág. 30) escrevem que “a inversão do título da posse (a chamada interversio possessionis) supõe a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio. A uma situação sem relevo jurídico especial vem substituir-se uma posse com todos os seus requisitos e com todas as suas consequências legais.”
“A inversão pode dar-se por dois meios: por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía, ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse. O caso mais corrente é o do arrendatário que, em certo momento, se recusa a pagar as rendas com o fundamento de que o prédio é seu.”
SANTOS JUSTO (in “Direitos Reais”, 3ª ed., Almedina, 2011, pág. 194) por seu lado, entende que a inversão do título da posse se trata “…de uma conversão duma situação de posse precária numa verdadeira posse, de forma que aquilo que se detinha a título de animus detinendi passa a ser detido a título de animus possidendi”, ou nas palavras de Orlando de Carvalho, citado por este autor, “a inversão do título de posse é uma inversão do animus: o animus não relevante transforma-se em animus relevante”.
Por seu turno, MENEZES CORDEIRO (in “Direitos Reais”, II vol., Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, INCM, 1979, pág. 666) afirma que se dá “a inversão do título da posse sempre que os actos facultativos deixem de ser facultativos, sempre que os actos de mera tolerância deixem de ser tolerância e sempre que a posse em nome de outrem passe a ser em nome próprio.”
E entre os exemplos que a seguir refere menciona o caso da pessoa convidada a casa alheia – não possuidora da casa, por beneficiar de mera tolerância [art. 1253º, b) do Cód. Civil] – que nela se instala contra a vontade do dono, adquirindo, por isso, a posse da coisa: deixa de haver aproveitamento da tolerância, passando a haver aproveitamento próprio das vantagens da coisa, contra a vontade do proprietário.
Para MENEZES CORDEIRO (in ob. cit., pág. 667) “a inversão do título da posse é a constituição da posse por parte do detentor; como, porém, o detentor já exercia os poderes possessórios, esta forma de constituição terá de consistir numa operação jurídica que transforme a detenção em posse, isto é, que modifique a justificação, o título, pelo qual não havia posse.”
O que como já se referiu pode ocorrer por duas formas: através da oposição do detentor contra aquele em cujo nome possuía ou por ato de terceiro capaz de transferir a posse.
No que toca à primeira destas duas situações a doutrina exige uma oposição formal, por meios notificativos diretos e levada ao conhecimento do possuidor, isto é, dirigida contra a pessoa em nome de quem o opositor detém a coisa para que se torne dela conhecida[4] e defende que o detentor há-de tornar diretamente conhecida da pessoa em cujo nome possuía (quer judicial, quer extrajudicialmente) a sua intenção de atuar como titular do direito.[5]
Assim, a oposição do detentor tem de se revelar por atos positivos (materiais ou jurídicos), inequívocos (reveladores de que o detentor quer, a partir da oposição, atuar como proprietário) e praticados na presença ou com o consentimento daquele a quem os atos se opõem – cfr. Ac. STJ de 17.12.2014, proc. 1313/11.1 TBCTB.C1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor, disponível in www.dgsi.pt., onde se cita, nesta passagem, HENRIQUE MESQUITA, “Direitos Reais”, 1967, pág. 98.
E no Acórdão do STJ de 9.2.2012 (proc. 3208/04.6 TBBRR.L1.S1., relator Gabriel Catarino, disponível in www.dgsi.pt.) sobre esta mesma questão sustentou-se que a oposição que o art. 1265º do Cód. Civil reclama implica uma contraposição ostensiva revelada por atitudes ou comportamentos que evidenciem uma posição antinómica àquela que até esse momento era típica, acrescentando-se que o detentor de uma coisa, em nome alheio, terá que se apresentar perante aquele em nome de quem detinha com uma atitude ou um comportamento diverso do que havia assumido até esse momento, isto é, confrontando o titular do direito com um comportamento típico de quem passou a possuir sem qualquer constrangimento ou liberto de peias que tolhessem o uso, a fruição e a disposição plenas da coisa.
Como tal, não basta a mera alegação de que houve intenção de inverter o título da posse e afirmar que essa intenção se mostra plasmada na atuação dos detentores precários, importa, acima de tudo, que essa inversão do título da posse, de modo inequívoco, seja direcionada contra a pessoa em nome de quem detinham, através de atos públicos deles conhecidos, ou cognoscíveis, sob pena dessa atuação não ter relevância jurídica, porque desconhecida daqueles que poderiam reagir contra essa inversão, o que significaria violação dos ditames da boa fé – cfr. Ac. STJ de 8.3.2018, proc. 2723/04.6 TBBRR.L1.S1, relator Fonseca Ramos, disponível in www.dgsi.pt..
3. De regresso à concreta situação dos autos verifica-se que desde a data da doação e até 2003 a ré exerceu pessoalmente a posse do prédio, limpando-o, fresando-o, plantando árvores (nogueiras e castanheiros), criando ovelhas que se alimentavam do pasto que crescia no prédio e se abrigavam no aprisco ali construído, atuação esta que se estendia ao autor, uma vez que este atuava por intermédio daquela.
Com efeito, a atuação da ré tinha o acordo do autor, que então residia em Matosinhos, ao passo que a ré, após o seu casamento em 1981, ficou a habitar num prédio reabilitado junto à casa dos seus pais.
Porém, a partir do ano de 2000 a situação fáctica começou a alterar-se quando o autor manifestou interesse em realizar obras de restauro numa casa que pertencera aos avós paternos e teve, para tal efeito, a oposição do pai.
Neste contexto, surgiu então a ideia do autor construir uma moradia no prédio doado em causa nos autos, ideia que teve a aquiescência da ré, acontecendo que esta, devido às boas relações que mantinha com o seu irmão, chegou a indicar-lhe empreiteiros.
A decisão do autor foi depois devidamente amadurecida, tendo este estudado o melhor local para implantar a moradia e colhido ao longo de três anos informações sobre os vários tipos de casas e respetivos preços, acabando por aceitar orçamento para a sua execução em 2.4.2003.
Optou por uma casa pré-fabricada e implantou-a sensivelmente a meio da propriedade, tendo diligenciado também pela ligação de água e de energia eléctrica em abril e maio de 2003.
A construção viria a durar cerca de um ano, tendo o autor começado a habitar a casa em 2004. Simultaneamente estabeleceu passeios e caminhos de acesso à propriedade, bem como trilhos no seu interior, plantou árvores a seu gosto e fez passeios empedrados para passagem de viaturas e acesso à garagem que edificou.
Quanto à ré, constata-se que os atos de posse que vinha praticando relativamente ao terreno, em seu nome próprio e do autor, cessaram em 2003, também como forma de garantir a privacidade deste.
Prosseguindo, é de referir que aos olhos dos amigos e das pessoas que levaram a cabo as obras de construção da moradia e dos anexos, o autor se apresentava, a partir de meados de 2003, como dono do prédio e como tal por eles era reconhecido.
Todavia, não resulta da matéria de facto dada como provada que esse comportamento assumido pelo autor como dono de todo o prédio fosse dado a conhecer à ré e que tivesse havido da parte dele, a partir desse ano de 2003, uma atitude de oposição à ré no que concerne à metade indivisa desta no prédio.
Apenas resultava para a ré que este praticava atos materiais de fruição de todo o prédio.
Ora, se o autor se apresentava como proprietário exclusivo do imóvel perante terceiros, mas não o fazia perante a ré, os atos materiais por ele praticados no prédio não têm a necessária característica de publicidade, imprescindível para se iniciar o prazo para aquisição do direito de propriedade por usucapião – cfr. art. 1297º do Cód. Civil.
Seguindo a argumentação da sentença recorrida, há que ter em atenção o disposto no art. 1290º do Cód. Civil, onde se estatui que os detentores ou possuidores precários [e é nesta categoria que se tem de integrar o autor relativamente ao direito de propriedade sobre o imóvel, uma vez que este era apenas titular de um direito de compropriedade sem determinação de parte] não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, exceto achando-se invertido o título da posse, mas, neste caso, o tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título.
Acontece que, de acordo com a factualidade assente, a inversão do título da posse ocorreu, mas não no ano de 2000 conforme pretende o autor, e sim em data bem diversa, mais concretamente em data não apurada posterior ao falecimento do progenitor verificado em 2016, em momento em que o autor, na sequência de conflito familiar, fez saber à ré que estava proibida de entrar no prédio.
Só a partir desse momento o autor se passou a comportar perante os réus como único dono do prédio.
Se é certo que a ré não reagiu à proibição de entrar no prédio, também é certo que na contestação apresentada no âmbito dos presentes autos, em abril de 2018, deixou claro que não reconhece ao seu irmão, aqui autor, a exclusividade da propriedade a que este se arroga, sustentando antes a existência de uma situação de contitularidade do direito de propriedade.
Deste modo, manifesto é que, embora tenha havido inversão do título da posse por parte do autor, o período de tempo decorrido é insuficiente para que este tenha adquirido, por usucapião, a propriedade plena e exclusiva do prédio dos autos.
O seu direito a este prédio continua a ser o que lhe advém da escritura de doação de 21.5.1980 e que se reconduz a uma situação de compropriedade com a ré, sua irmã, sem determinação de proporção.
Deste modo, o recurso interposto, apesar das alterações efetuadas na matéria de facto provada e não provada, de pouca relevância, será de julgar improcedente, mantendo-se a improcedência da ação, o que implica a confirmação da sentença recorrida.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo autor B… e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas da apelação a cargo do autor/recorrente.

Porto, 28.10.2021
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Carlos Querido.
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[1] Houve aqui um manifesto lapso na indicação dos pontos factuais impugnados, que são não os referidos, mas sim os nºs 7, 11 e 13.
[2] A alínea h) surge repetida na sequência alfabética utilizada na sentença recorrida.
[3] Com a colaboração de M. Henrique Mesquita.
[4] Cfr. ORLANDO DE CARVALHO, “Introdução à Posse” in “Direito das Coisas”, Liberal Fernandes/Raquel Guimarães/ Regina Redinha (Coordenação), Coimbra Editora, 2012, pág. 301 (reprodução do texto publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, n.ºs 3780, 3781, 3786, 3792, 3801, 3810, 3811 e 3812).
[5] Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit., pág. 30.