Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3738/18.2T8AVR.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MORAIS
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
OBRA INTELECTUAL
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
CULPA DO DEVEDOR
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Nº do Documento: RP202502103738/18.2T8AVR.P2
Data do Acordão: 02/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A omissão de análise crítica da prova não constitui fundamento da nulidade da sentença. O não cumprimento do dever de fundamentação da decisão da matéria de facto, imposto no artigo 607º, nº4, do Código de Processo Civil, a verificar-se, pode determinar a aplicabilidade da solução prevista no artigo 662º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil.
II - No acordo celebrado entre Autoras e Ré, aquelas assumiram a obrigação de idealizar, conceber e projectar a implementação de um parque empresarial num determinado espaço territorial e elaborar os documentos necessários à criação do correspondente plano de urbanização e à sua apreciação e aprovação pelas entidades competentes, ou seja, obrigaram-se à realização de uma obra intelectual, sendo as prestação típicas o resultado de trabalho intelectual.
III - Esse acordo entre Autoras e Ré configura um contrato de prestação de serviço atípico ao qual são aplicáveis as regras contidas nas suas próprias cláusulas e, subsidiariamente, as disposições sobre o mandato nos termos dos artigos 1154º e 1156º do Código Civil.
IV - De acordo com o programa contratual, as Autoras apenas assumiram uma obrigação de meios, ou seja, comprometeram-se a realizar certa actividade, usando a diligência devida em vista de certo resultado visado pelo credor, não estando abrangido o dever de assegurar que o mesmo se produza.
V - Não tendo sido definido o âmbito do poder de supervisão conferido à Ré e atento o disposto na alínea a) do artigo 1161º do Código Civil (aplicável por força do disposto no artigo 1156º do Código Civil), às Autoras impõe-se que coloquem todo o seu zelo, saber, perícia e conhecimentos técnicos na execução da prestação à qual se vincularam, respeitando as regras impostas para o exercício da profissão mas dispondo de uma ampla margem de autonomia técnica.
VI - O devedor age com culpa se a sua conduta for pessoalmente censurável ou reprovável, ou seja, perante as circunstâncias concretas, o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo. A culpa do devedor afere-se, em abstracto, tendo como padrão a diligência típica de um bom pai de família.
VII - No que respeita à prova da culpa, o nº1 do artigo 799º do Código Civil encerra uma presunção legal, ou seja, o devedor é a pessoa onerada com a alegação e prova das razões justificativas ou explicativas do não cumprimento da obrigação.
VIII - Na execução das prestações contratualmente contraídas, é imposta a cada uma das partes a observância do princípio geral da boa fé. À Ré assiste o direito de analisar se está ou não perante causas que justificam a não articulação com a Câmara Municipal no sentido de ser realizada a Conferência de serviços. No entanto, se os motivos forem manifestamente infundados, é responsabilizada pelo atraso no cumprimento dessa sua obrigação.
IX - A alteração anormal das circunstâncias corresponde a uma situação em que se verifica a contradição entre dois princípios jurídicos: o princípio da autonomia privada, que exige o pontual cumprimento dos contratos livremente celebrados, e o princípio da boa fé, nos termos do qual não será lícito a uma das partes exigir da outra o cumprimento das suas obrigações sempre que uma alteração do estado de coisas posterior à celebração do contrato tenha levado a um desequilíbrio das prestações gravemente lesivo para essa parte.
X - Uma importante restrição à aplicação do regime da alteração das circunstâncias resulta do artigo 438º do Código Civil que nega à parte lesada o direito à resolução ou à modificação do contrato se se encontrava em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou.
XI - Trata-se de uma solução coerente com os requisitos fixados no artigo 437º do Código Civil uma vez que a mora do devedor provoca uma inversão do risco da prestação, pelo que se o devedor, por causa que lhe é imputável, não cumprir na data fixada, entende-se que assumiu o risco de verificação de posteriores desequilíbrios contratuais, não podendo impor ao credor uma distribuição do risco distinta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3738/18.2T8AVR.P1

Acordam os Juízes da 5.ª Secção (3ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relatora: Anabela Mendes Morais

Primeiro Adjunto: Miguel Fernando Baldaia Correia de Morais

Segundo Adjunto: José Eusébio Almeida

I_ Relatório

As autoras A... Lda. e B..., Lda. intentaram a presente acção contra C..., SA, alegando, em síntese, que:

_ Em 2009, na sequência da aprovação, em sessão ordinária da Câmara Municipal ..., da proposta final da 1ª revisão do Plano Director Municipal (PDM), as AA, respondendo a uma solicitação por convite, apresentaram, à Ré C..., uma proposta inicial de prestação de serviços, datada de em 26/01/2009 – documento nº1 -, para elaboração da PPUPE... – Proposta de Plano de Urbanização do Parque Empresarial ...;

_ Em 26 de Outubro de 2010, as AA e a Ré assinaram o documento designado “Contrato de Prestação de Serviços", datado de 13 de Maio de 2010 - documentos nºs 2 e 3 - que incidia sobre o plano de Urbanização do Parque Empresarial ...;

_ Nos termos do referido “Contrato de Prestação de Serviços", a Ré C... pagou, às AA, as prestações contratuais correspondentes às alíneas a), b), c) e d) da cláusula 9.ª do “Contrato de Prestação de Serviços", no valor total de € 180.000 do preço global contratado de € 300.000 [nº 1 da cláusula 6ª do contrato], nas seguintes fases:

1.º - À assinatura do contrato, € 30.000, [conforme previsto na alínea a) da cláusula 9.ª do contrato];

2.º - À aprovação do Programa Base, € 30.000, [conforme previsto na alínea b) da cláusula 9.ª do contrato];

3.º - À aprovação da Proposta Preliminar, € 30.000, [conforme previsto na alínea c) da cláusula 9.ª do contrato];

4.º - À entrega da Proposta Plano, € 90.000, [conforme previsto na alínea d) da cláusula 9.ª do contrato];

_ A quantia correspondente a 2/3 do valor previsto da alínea d) da cláusula 9.ª do contrato, foi paga, em 18 de Maio de 2017, no âmbito do processo executivo n.º 2915/16.5T8AGD que correu no juízo de execução de Águeda do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro;

_ As AA entregaram a Ré C..., em 19 de Julho de 2013, por protocolo, uma proposta de plano de urbanização (PPUPE...) revista, na qual foram acolhidas em parte as recomendações do parecer da CCDR..., e articulado de contraditório, da autoria da Prof. Doutora AA, em relação às questões jurídicas que esta considerou que não tinham fundamento legal;

_ A Ré C..., na sua qualidade contratual de promotora, nada mais fez com vista à normal prossecução do objecto do contrato de prestação de serviços, designadamente não promoveu a articulação com o Município ... e deste com as demais entidades públicas e privadas intervenientes no processo de licenciamento - cláusula 3.ª do contrato; não promoveu o envio da proposta de plano (PPUPE...) para “Conferência de Serviços”, nos termos do então previsto pela legislação aplicável; não pagou à Equipa das AA, as facturas emitidas pelas autoras, correspondentes a 2/3 da quantia prevista para entrega da Proposta Plano [alínea d) da cláusula 9.ª do contrato]; nem comunicou/justificou, apesar de interpelada para esse fim, sucessivas vezes;

- Ao assumir objectiva e voluntariamente esta postura/conduta por bastante mais de cento e cinquenta dias, a ré viu-se adstrita à obrigação contratual prevista no 1º parágrafo do n.º 2 in fine da cláusula 12º do contrato, isto é, à obrigação de pagar às autoras as duas prestações seguintes à prestação vencida após a entrega da proposta de plano.

- Esta obrigação decorre da cláusula penal convencionada entre as partes, uma vez que, como esclarece o 2º parágrafo do número 2 dessa cláusula 12º do contrato de prestação de serviços, o mesmo considera-se resolvido por incumprimento culposo, ultrapassados 150 dias contados da data da entrega da factura em mora. Caso já tenha sido entregue a proposta do plano, a Ré fica obrigada a indemnizar a equipa das AA através do pagamento do montante equivalente aos previstos nas alíneas e) e f) da cláusula 9º do contrato.

_ Os juros de mora vencidos, à data da propositura da presente acção ascendem ao montante total de € 41.399,99.

Nessa petição, inicialmente apresentada, as Autoras pediram a condenação da Ré a pagar:

- à autora A..., a quantia de €40.000, correspondente à sua parte nos honorários previstos nas alíneas e) e f) da cláusula 9º do contrato de prestação de serviços, celebrado entre autoras e ré;

- à autora B..., a quantia de €80.000 correspondente à sua parte nos honorários previstos nas alíneas e) e f) da Cláusula 9º do contrato de prestações de serviços celebrado entre autoras e ré;

_ os juros de mora vencidos sobre tais quantias, desde a data da resolução contratual, e vincendos.

I.1_ A Ré apresentou contestação e deduziu reconvenção, pedindo que “seja pela verificação e procedência das excepções deduzidas, seja pela não prova dos fundamentos de facto e pela não verificação dos fundamentos de direito, deverá a acção ser julgada completamente improcedente, absolvendo-se, em consequência, a Ré dos pedidos.

Subsidariamente, caso sejam ultrapassadas as excepções deduzidas, e se entenda que as AA. têm direito ao pedido alicerçado na cláusula penal que formulam nesta acção, deverá o pedido reconvencional formulado ser considerado procedente, e em consequência, o pedido alicerçado na cláusula penal ser reduzido muito substancialmente, em não menos de 100.000€ (ou seja, o valor da eventual condenação não deveria ser superior a 20.000 €).”.

Para o efeito, alegou que:

_ As autoras para, eventualmente, terem direito, no âmbito do contrato celebrado com a Ré, à quantia de €120.000, prevista na cláusula 12º do contrato como cláusula penal, teriam de ter resolvido o contrato pois, que a sua resolução não opera automaticamente, com o atraso de pagamento superior a 150 dias.

_ As autoras nunca endereçaram qualquer comunicação à Ré, resolvendo o contrato celebrado entre ambas; nem procederam à interpelação admonitória para que a eventual mora da Ré se tornasse em incumprimento definitivo.

_ Para exercerem o direito à resolução e reclamarem a quantia de €120.000, a prestação da fase da entrega da Proposta de Plano teria que estar em mora (ou qualquer outra conduta da R. teria que estar em falta). Porém, anteriormente a esta acção, as AA. intentaram cada uma delas uma Injunção destinada a reclamar 2/3 da factura da fase da entrega da Proposta de Plano (pois 1/3 já fora pago pela R.). Essas Injunções foram alvo de notificação à aqui R. em Fevereiro de 2014 e acabaram apensadas, sendo tramitadas conjuntamente no Proc. 15867/14.7YIPRT da então Instância Central de Aveiro, 1ª Secção Cível, J1, da Comarca de Aveiro.

_ Por via dessas Injunções as AA. pediram capital e juros das facturas. Porém, caso pretendessem accionar a cláusula penal e reclamar a “indemnização” prevista na cláusula 12ª do contrato, esse seria o momento para o fazer;

_ No decurso da anterior acção judicial, após a prolação da sentença da 1ª Instância e antes do seu trânsito, as Autoras entenderam executar a R. e, no decurso dessa desnecessária execução, aquelas receberam o valor da condenação (capital e juros), valor que (os 2/3 da tranche de fase correspondente às entrega da Proposta de Plano), caso houvesse fundamento para isso, poderia sustentar o direito de resolução do contrato e permitir o recurso ao accionamento da cláusula penal;

_ Ao terem pedido, na acção anterior, a condenação nos juros sobre o valor das facturas quando o que o contrato lhes permitia fazer, caso tivessem fundamento para isso, era resolvê-lo e pedir o valor dessas tranches, acrescido do valor das duas fases subsequentes (os tais €120.000 que aqui reclamam a título de cláusula penal), praticaram um acto que tem o valor de renúncia a esse seu eventual direito ou que pelo menos impede o seu exercício lícito e não abusivo.

_ Quer porque já não há situação de mora que permita o accionamento da cláusula penal, quer porque na acção anterior pediram juros em vez da cláusula penal, não podem agora reclamar a quantia de €120.000 da cláusula, dita penal, que prescindiram de reclamar anteriormente.

_ No momento, a dívida com fundamento na cláusula d) do contrato já se encontra paga, pelo que não se mostra possível a resolução do contrato.

_Do texto da cláusula 12ª nada permite concluir, ou dar por acertado entre as partes, que o mero atraso de 150 dias (ou a não promoção do envio da proposta de Plano para a CCDR e/ou para Conferência de Serviços) tinha como consequência automática a aceitação por ambos os contraentes de que o contrato, na ocorrência desse atraso ou omissão de actuação, ficava automaticamente resolvido; nenhuma das partes combinou ou aceitou isso.

_ A actuação das Autoras configura abuso do direito porquanto no momento em que não há pagamentos alguns em falta, nem condutas nenhumas da R. por praticar, o pedido deduzido pelas AA. caso tivesse alguma base legal (nomeadamente por emergir do contrato), excede manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico do seu eventual direito.

_ Aquando da entrega, pelas autoras, da 1ª Proposta de Plano, a R. entregou-a na Câmara Municipal ..., pois são as Câmaras Municipais o único organismo com legitimidade para submeter os Instrumentos de Gestão do Território às CCDR’s e às Conferências de Serviços.

_ Sobre a 1ª Proposta de Plano, a CM... (em Fevereiro de 2011) concluiu que não reunia os requisitos mínimos de Proposta de Plano de Urbanização, pelo que se considerou não estarem reunidas as condições para dar seguimento ao processo, ou seja, o seu envio à CCDR... para conferência de serviços.

_ Em 11 de Março de 2011, a R. informou as AA. de que deveriam fazer os aperfeiçoamentos e devolveu-lhes as facturas através das quais aquelas pretendiam cobrar a fase da entrega da Proposta de Plano, como se a mesma estivesse concluída.

_ Iniciou-se, logo aí, uma conduta das AA. de relutância na aceitação das sugestões da entidade que contratualmente supervisionava a execução dos trabalhos, ou seja, a CM ...;

_ Além disso, e do mesmo passo, as AA. consideravam, que, como tinham entregue o que consideravam ser uma Proposta de Plano, tinham direito aos €90.000 + IVA dessa fase e exigiam receber para depois fazerem as alterações, e assim se andou durante cerca de um ano, até que a equipa A.../B..., em 25 e 30 de Janeiro de 2012 (depois de terem recebido antecipadamente e na sequência de acordo, 1/3 da tranche respeitante à fase da entrega da Proposta de Planos) fez a entrega das peças desenhadas do processo, com a introdução de algumas alterações, bem como da proposta de regulamento.

_ Após a recepção desses elementos e analisados os mesmos, além de questões já anteriormente suscitadas e não resolvidas, surgiu também um conjunto de dúvidas de âmbito jurídico, algumas das quais com influência na proposta de ordenamento, pelo que em 10 de Fevereiro de 2012 foi enviada uma carta à equipa a solicitar a elaboração e o envio para o Município, no prazo de duas semanas, do dossier completo do que seria a Proposta de Plano, a fim de a mesma ser submetida a reunião de acompanhamento com a CCDR....

_ As AA. apenas entregaram esses elementos em 18 de Dezembro de 2012, ou seja, mais de 11 meses depois de os mesmos terem sido solicitados e decorrido quase 2 anos desde que a equipa A.../B... considerava concluída a fase de entrega da Proposta de Plano (17 de Fevereiro de 2011) e que, por isso, tinha direito a receber os honorários dessa fase.

_ Analisados os elementos entregues no dia 18 de Dezembro de 2012, na óptica da Câmara Municipal ... (entidade que contratualmente supervisionava os trabalhos), continuavam a

subsistir deficiências fundamentais no que respeitava ao conteúdo material dos documentos que

compunham o Plano de Urbanização, à semelhança do que já acontecia com o dossier entregue quase dois anos antes, em 17 de Fevereiro de 2011; no entender dos Técnicos da CM ..., as lacunas que existiam em Fevereiro de 2011, apesar das alterações de Janeiro e Dezembro de 2012, subsistiam, concluindo a edilidade que o dossier entregue nesta última data continuava a não reunir as condições necessárias ao prosseguimento do processo, ou seja, a entrega na CCDR... para a remessa para a conferência de serviços.

_ Apesar de tudo isto, e também para se confirmar através de outra entidade a opinião da CM.... acerca do dossier, bem como para auxiliar as AA. na identificação/resolução das falhas do mesmo, e, assim, estas poderem efectuar as competentes correcções, foi pedido à CCDR... um parecer, ao abrigo do processo de acompanhamento da elaboração do plano, conforme permite o art. 75º-C, nº2 do Dec.-Lei 46/2009, de 20/2.

_ No dia 24 de Maio de 2013, chegou à CM ... o parecer solicitado quanto à versão de Dezembro de 2012 do dossier Proposta de Plano de Urbanização do Parque empresarial ... que confirmou a existência das falhas, lacunas e erros de que padecia o trabalho das AA..

_ Nessa sequência, em 22 de Julho de 2013, a equipa A.../B... apresentou uma alteração ao dossier que foram consideradas insuficientes pelos técnicos da CM..., mantendo-se por resolver as principais lacunas e omissões identificadas no parecer; de acordo com o que era informado à R. pela Câmara Municipal ..., em 22 de Julho de 2013, a proposta da equipa A.../B... era a mesma que fora apresentada em Fevereiro de 2011.

_ Nessa altura, Julho de 2013, ficou-se num impasse: nos termos do contrato (cláusula 5ª, nº1), os prazos de elaboração do Plano suspendiam-se no mês de Agosto de cada ano; no mês de Setembro de 2013, decorreu a campanha eleitoral para as eleições autárquicas que se realizaram em Outubro e o anterior Presidente da CM..., que era também o Presidente do Conselho de Administração da R., não se recandidatou; além disso, nos termos da lei, no período eleitoral, os poderes dos autarcas são os de gestão corrente, não podendo tomar decisões de fundo.

_ Passadas as eleições, o novo Presidente da CM... tomou posse e assumiu também a Presidência do Conselho de Administração da R., começando ele e a sua equipa a inteirarem-se dos assuntos pendentes nessas entidades.

_ Em Novembro de 2013, já estavam as AA., através do seu mandatário, a ameaçar propor acção judicial, caso não lhes fosse pago pela R. o que consideravam que lhes era devido (os 2/3 da tranche correspondente à fase da entrega da Proposta de Plano) e, em inícios de Dezembro de 2013, as AA. deram entrada dos seus requerimentos de Injunção.

_ Deduzidas as oposições, o litígio arrastou-se em tribunal até finais de Janeiro de 2017, data em que transitou em julgado o Acórdão da Relação do Porto que pôs fim à causa.

_Nesse acórdão, além de se dizer expressamente que a 1ª Proposta e Plano (a de 2011) não tinha os mínimos para assim ser considerada, diz-se igualmente que mesmo a 2ª Proposta, apesar das suas correcções de Julho de 2013, continuava a ter muitas falhas que, caso não fossem corrigidas, levariam com muita probabilidade a parecer negativo na Conferência de Serviços. Efectivamente, em Fevereiro de 2014, a Ré voltou a pedir um parecer à CCDRC quanto à 2ª Proposta com as correcções de Julho de 2013, tendo aquela entidade referido que apesar de algumas correcções efectuadas, o dossier continuava a padecer de graves omissões e falhas.

_ Apesar de as AA. estarem expressamente alertadas pelo anterior parecer da CCDR... e por todas as recomendações dos técnicos da Câmara Municipal ..., a Proposta de Plano corrigida que entregaram em de Julho de 2013 continuava a não acatar aquelas recomendações e a não satisfazer as exigências da entidade que supervisionava os trabalhos e que seria a legitimada para submeter o dossier à Conferência de Serviços, ou seja, a CM ...;

_ Face a todo este contexto em que as coisas se estavam a passar, a R. considerava que se os Técnicos da Câmara Municipal ... e a CCDR... diziam que a Proposta de Plano padecia das falhas acima apontadas, então apenas deveria pagar os 2/3 da tranche da fase da entrega da Proposta de Plano depois das correcções estarem feitas.

_ Considera, assim, a Ré que tinha causa justificativa para agir como agiu, pelo que, caso “se considerasse resolvido” o contrato, ainda assim as autoras não têm direito ao que pedem nesta acção, pois o próprio texto da nº1 da cláusula 12º do contrato ressalva que as consequências do não cumprimento apenas existem se a R. não tiver “qualquer causa justificativa ou bastante” para isso.

_ Nesse lapso de tempo (Julho de 2013 a Janeiro de 2017), a R. tinha causa justificativa ou causa bastante (nº1 da cláusula 12ª do contrato) para aguardar que alguém (nomeadamente os tribunais) decidisse se o pagamento era devido ou não (ou seja, se a Proposta de Plano entregue em 19 de Julho de 2013 tinha o requisitos mínimos, ou não, para ser considerada uma Proposta de Plano), pois, tinha a informação dos técnicos da Câmara Municipal ... e dois Pareceres da CCDR... a referirem inúmeras falhas na Proposta de Plano corrigida apresentada pelas AA. em Julho de 2013 e face ao sucedâneo de factos:

a) o Tribunal da Relação do Porto, em Janeiro de 2017, decidiu que a Proposta entregue pelas Autoras, em 19 de Julho de 2013, tinha as condições mínimas para assim poder ser denominada, embora não estivesse isente de muitas máculas que, se não fossem ultrapassadas, determinariam parecer desfavorável da CCDR...;

b) fruto da eleições autárquicas, a Presidência do Conselho de Administração da R. mudou em Outubro de 2013;

c) os 150 dias contados a partir de 19 de Julho de 2013, terminaram em 19 de Dezembro de 2013;

d) nessa altura (Dezembro de 2013) decorriam já contactos entre as partes com vista a uma solução para o problema da Proposta de Plano apresentada;

e) no início de Dezembro de 2013, as AA. entregaram requerimentos de Injunção no Balcão Nacional de Injunções;

f) entre Fevereiro de 2014 e finais de Janeiro de 2017, a decisão da questão acerca de serem devidos, ou não, os 2/3 da tranche correspondentes à fase da entrega da Proposta de Plano esteve entregue aos tribunais (o Ac. da Relação do Porto é datado de 12/01/2017);

g) de Fevereiro de 2017 para diante, as partes tentaram entender-se extrajudicialmente, tendo as Autoras recebido a quantia correspondente à fase da entrega da Proposta de Plano, muito antes da entrada desta acção;

_ As Autoras renunciaram ao eventual direito à resolução do contrato.

_ Num momento em que não há pagamentos em falta, nem condutas nenhumas da Ré por praticar, o pedido deduzido pelas AA excede manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico do seu eventual direito.

Para sustentar o pedido reconvencional, alegou a Ré, em síntese, que:

_ Caso se entenda que as AA. têm direito a accionarem a cláusula penal e, consequentemente, ao pedido que formulam nesta acção, atendendo ao circunstancialismo em que os factos se passaram, bem como à absoluta inexistência de danos ou prejuízos para aquelas, pretende que se reduza a mesma, com recurso à equidade, nos termos do artigo 812º do Cód. Civil.

_ As AA. já receberam €180.000 + IVA pelo seu trabalho, pelo que nenhum prejuízo sofreram.

_ A cláusula 6ª, depois de no nº1, estabelecer que o preço global a pagar às AA. é de €300.000 + IVA, estabelece-se, no seu nº2, “Ao valor global que futuramente venha a ser contratualizado em trabalhos de projecto das infra-estruturas, incluindo arranjos exteriores e paisagismo, necessários à concretização do PE... que venham ser formalizados entre as partes, será abatida a quantia de €100.000 (cem mil euros) acrescidos de IVA, provenientes da redução do preço estabelecido no número um da presente cláusula”.

_ Esse desconto significa para o comum mortal que o preço do contrato estava inflacionado em €100.000, pois só assim se pode compreender que num trabalho futuro que ainda não se sabe se vai existir ou não, nem por que preço, se possa estipular antecipadamente um abatimento de €100.000.

_ Caso se entenda que as AA. têm direito ao pedido alicerçado na cláusula penal que formulam nesta acção, deve o mesmo ser reduzido muito substancialmente, em não menos de €100.000, não sendo o valor da eventual condenação superior a €20.000.

I.2_ Em 22/1/2019, as autoras apresentaram réplica, alegando que o pedido reconvencional formulado pela Ré consubstancia uma eventual redução do pedido condenatório formulado na petição.

Alegaram, em síntese, que:

_ O pedido reconvencional funda-se na interpretação que a Ré faz da cláusula sexta do contrato de prestação de serviço, datado de 13 de Maio de 2010; na alegada inexistência de danos ou prejuízos para as AA.; e na redução da cláusula penal fixada na cláusula 12.ª do contrato de prestação de serviço, com recurso à equidade nos termos do previsto no art.º 812.º do Cód. Civil.

_ Para ser atingido o abatimento de €100.000,00 era necessária a adjudicação, às AA., de trabalhos futuros de especialidades no valor de €500.000,00 e tem como limite de validade temporal cinco anos contados após a aprovação do Plano pela Assembleia Municipal. Trata-se de um prémio de desconto comercial.

_ A cláusula 12.ª estrutura-se em dois momentos contratuais: um primeiro momento, antes de ter sido formalmente entregue a Proposta do Plano; e, um segundo momento, depois de ter sido formalmente entregue a Proposta do Plano.

_ Da análise das alíneas f) e e), da cláusula 9.ª, resulta claro para as AA. que a cláusula 12.ª do contrato, se trata de uma verdadeira cláusula penal em sentido estrito com a qual as partes quiseram expressamente delimitar o valor da responsabilidade máxima da Ré (promotora), em caso de incumprimento desta, acrescentando que a cláusula tem “natureza sancionatória ou compulsória, relativamente à conduta da Ré, (…) procurando as partes, dessa forma, afastar a possibilidade de o vencimento das prestações vincendas se arrastar indefinidamente no tempo, por acção ou omissão de outros intervenientes no Plano, que não a Ré (promotora)”.

_ A redução, em não menos de €100.000,00, do valor da cláusula penal, por aplicação de um critério de equidade, nos termos do art.º 812.º do Cód. Civil, mostra-se injustificado, atentos os factos, como contrário à vontade das partes expressa em contrato e à própria lei.

I.4_ Na sequência do despacho de 4/3/2019, as Autoras, por requerimento de 4/3/2019, pronunciaram-se sobre a matéria de excepção deduzida na contestação.

Alegaram, em síntese, que:

_ interpelaram sucessivamente a Ré para o cumprimento das obrigações decorrentes do estatuído nas alíneas: f), e e) da cláusula 9.ª do contrato de prestação de serviços, quer por carta, quer pessoalmente, convocando o teor das cartas enviadas àquela, em 30 de Janeiro de 2014; 6 de Março de 2014; 21 de Agosto de 2017; 27 de Outubro de 2017; 18 de Dezembro de 2017; 20 de Fevereiro de 2018; e 8 de Março de 2018;

_ o pagamento dos montantes peticionados pelas AA. é devido independentemente de interpelação admonitória, uma vez decorridos os prazos contratualmente previstos;

_ no que concerne à inexistência de comunicação resolutiva, invocada pela Ré, a mesma age de má fé porquanto, além das cartas já referidas, que lhe foram dirigidas, a Ré enviou, às AA, as cartas datadas de 20 de Fevereiro de 2014 nas quais acusa o recebimento da “denúncia do contrato de prestação de serviços”, tendo estas, com a presente acção declarativa de condenação visado, precisamente, através de decisão judicial, seja “por existência de simples mora e/ou por incumprimento definitivo e/ou por resolução do contrato”, a condenação da Ré no pedido;

_ a quantia peticionada sempre lhes será devida seja:
i. por se entender que nos termos das alíneas f) e e) da cláusula 9º do contrato de prestação de serviços têm direito ao vencimento antecipado das prestações aí descritas;
ii. por se entender que o contrato foi definitivamente incumprido pela Ré, pelo que se poderá accionar a cláusula penal do art. 12º do contrato.

I.5_ Realizada audiência prévia, em 30/10/2019, o Tribunal a quo entendeu ser possível conhecer parcialmente do mérito dos autos, tendo decidido “com fundamento no disposto na cláusula penal do contrato, acionada por falta de cumprimento da prestação devida nos termos da alínea d) da cláusula 9º

não podem os aqui AA vir agora reclamar o pagamento de 120.000€.

Pelo exposto, e nesta parte improcede a acção.”[1].

Nessa audiência prévia, foi ainda proferido despacho do qual consta, entre o mais, que “as AA ainda vislumbram uma outra hipótese de se verem pagas pelos 120.000 € - vencimento antecipado que resultaria da simples mora no cumprimento do contrato, no âmbito do previsto, exclusivamente, na cláusula 9º e) e f) do contrato. [Ora], mais uma vez, os AA necessitariam de concretizar a causa de pedir (neste caso alegando factos relativos à mora e que preencham a factualidade prevista nas referidas cláusulas e) e f)), fazendo um pedido consequente com essa causa de pedir, isto é o pagamento de 120.000 € a título de pagamento antecipado. No entanto a concretização desses factos, constituindo uma verdadeira alteração da causa de pedir, só será possível mediante o acordo da Ré, nos termos do art. 265º n.º 1 do Código de Processo Civil.

Assim:

Notifique a ré para, em 10 dias, esclarecer se dá esse acordo.

Após, deverão as autoras, no prazo de 10 dias, apresentar petição inicial que respeite o que acima fica exposto e a posição assumida pela ré quanto à possibilidade de alteração da causa de pedir”.

I.6_ Notificada, a Ré veio “… informar que não dá o seu acordo à alteração da causa de pedir pelas autoras, nos termos e para os efeitos do art. 265.º, n.º 1 do CPC, razão pela qual lhes fica vedada tal possibilidade”.

I.7_ As Autoras, invocando não necessitar do acordo da Ré para a alteração da causa de pedir, nos termos previstos no art.º 265.º n.º 1 do Código de Processo Civil, apresentaram nova petição inicial.

I.8_ Nessa sequência, a Ré apresentou requerimento pugnando pela inadmissibilidade da petição apresentada pelas Autoras.

I.9_ Em 31/1/2021, o Tribunal a quo proferiu decisão da qual consta:

Pelo exposto, não se pode admitir a alteração de causa de pedir com fundamento no art. 265º n,º 1 do CPC, pois que, no caso, não existe qualquer confissão feita pela Ré.

A outra circunstância em que pode ser alterada a causa de pedir é a prevista no art. 264º, isto é, havendo acordo das partes.

Ora, a Ré já veio manifestar a sua oposição a esta alteração. Assim, e pelo exposto, não se admite a nova petição inicial apresentada pela Autora e que consta de fls. 833 e ss dos autos, determinando-se o deu desentranhamento.

Não se podendo considerar nesta acção os fundamentos aflorados (e expostos no despacho de 30 de Outubro), resta apenas concluir que, conforme resulta desse despacho, a acção é improcedente.

Face à improcedência da acção, já determinada na decisão de 30 de Outubro, condenam-se as Autoras em custas.”.

I.10_ Interposto recurso, pelas Autoras, da decisão proferida em 31/1/2021 e da decisão anteriormente proferida na audiência prévia, por Acórdão proferido por esta Relação, em 22/2/2021, foi decidido:

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta procedente, e, em consequência, decide-se:

I) declarar nula a Decisão Recorrida, com os fundamentos atrás expostos;

II) e, em consequência, determinar que os autos prossigam em Primeira Instância, seguindo os pertinentes trâmites processuais legais, determinando-se, designadamente, que se dê cumprimento ao disposto no art. 590º, nº 2 al. b) e nº 4 do CPC quanto às deficiências da petição inicial apontadas, devendo o tribunal recorrido proferir despacho pré-saneador destinado a providenciar pelo aperfeiçoamento da petição inicial, convidando as AA. a concretizar a matéria de facto alegada, esclarecendo, além disso, o fundamento das pretensões deduzidas por forma a compatibilizar, em termos processuais, as respectivas alegações fácticas (art. 590º, nº 2, al. b) e nºs 4 a 7 do CPC).”.

I.11_ As Autoras, por requerimento de 3/5/2021, apresentaram nova petição aperfeiçoada, na qual pediram a condenação da Ré C..., a pagar “a título de parcelas vencidas do preço global previsto no contrato:

a) à A..., a quantia de €40.000 (quarenta mil euros), correspondente à sua parte nas parcelas do preço global previstas nas alíneas e) e f) da Cláusula 9.ª do contrato de prestação serviços(…);

b) à B..., a quantia de €80.000 (oitenta mil euros), correspondente à sua parte nas parcelas do preço global previstas nas alíneas e) e f) da Cláusula 9.ª do contrato de prestação serviços, (…);

c) e, respectivos juros de mora vencidos, desde da data de vencimento antecipado das referidas parcelas do preço global do contrato até à data da propositura da presente acção (…): à A. A..., €12.488,77 (doze mil quatrocentos e oitenta e oito euros e setenta e sete cêntimos); à A. B..., €24.977,54 (vinte e quatro mil novecentos e setenta e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos);

d) a que deverão acrescer os juros vincendos desde da data da propositura da presente acção, calculados até ao efectivo e integral pagamento das quantias devidas;…”.

Alegaram, em síntese, que:

_ No âmbito do “Contrato de Prestação de Serviços", datado de 13 de Maio de 2010, a Ré C..., pagou às AA as parcelas contratuais do preço global, correspondentes às alíneas a), b), c) e d) da Cláusula 9.ª;

_ Parte do valor referente à parcela correspondente à entrega da Proposta Plano, €60.000, ou seja dois terços do valor previsto na alínea d) da Cláusula 9.ª do contrato, não foram pagos voluntariamente, mas em 18 de Maio de 2017, em sede de execução de sentença.

_ As AA entregaram a Ré C... em 19 de Julho de 2013, por protocolo, uma “proposta de plano PPUPE... revista, na qual são acolhidas em parte as recomendações do parecer da CCDR..., e articulado de contraditório, da autoria da Prof. Doutora AA, em relação às questões jurídicas que esta considerou que não tinham fundamento legal”.

_ A Ré C..., na sua qualidade contratual de promotora nada mais fez com vista à normal prossecução do objecto do contrato de prestação de serviços: i. não promoveu a articulação com o Município ... e deste com as demais entidades nos termos da cláusula 3ª; ii. não pagou às AA os valores correspondentes às parcelas do preço global, previstas nas alíneas f) e e) da Cláusula 9.ª do contrato, apesar de saber que, nos termos do contrato, as referidas parcelas do preço se venciam antecipadamente logo que decorridos os prazos fixados nas referidas alíneas f) e e) da Cláusula 9.ª do contrato;

_ Nas alíneas f) e e), da cláusula 9.ª, as partes, ao preverem um limite temporal de 60 dias, após o qual existiria um vencimento antecipado das parcelas vincendas do preço global do contrato, sem uma dependência funcional de um eventual incumprimento da Ré, fosse ele de simples mora e/ou incumprimento definitivo, quiseram apenas e tão só, promover uma liquidação antecipada dos valores das últimas duas parcelas do preço global, sem qualquer natureza sancionatória ou compulsória, ou tendo por pressuposto qualquer juízo de censura, relativamente à conduta da Ré,

_As partes contraentes, quiseram dessa forma afastar a possibilidade de o vencimento das parcelas vincendas do preço global se arrastar indefinidamente no tempo (em tese, ad eternum), por acção ou omissão de outros intervenientes no Plano, que não só a Ré C... (a promotora);

_ A última diligência ou acto processual praticado por qualquer um dos intervenientes no processo de apreciação e aprovação do Plano, data de 27 de Fevereiro de 2014, altura em que o interveniente no processo de apreciação e aprovação do Plano, a Câmara Municipal ..., pediu um novo Parecer à CCDR... sobre a proposta do Plano na sua versão, entregue pelas AA. em 19 de Julho de 2013;

_ Ainda que não se considere que a Ré se encontra em mora enquanto promotora, sempre se verificou o vencimento antecipado das parcelas do preço global previsto no contrato, por se terem iniciado e decorrido os respectivos dois prazos sucessivos de sessenta dias previstos, nas alíneas e) e f) da Cláusula 9.ª do contrato;

I.12_ Por requerimento de 7/6/2021, a Ré veio pronunciar-se sobre o pedido e a causa de pedir constantes da nova petição, apresentando nova contestação e reconvenção, na qual pediu:

deverá declarar-se que as AA. exorbitam do permitido pelos arts. 590º, nº6 e 265º do C.P.C., pois, em relação à p.i. inicial, alteram a causa de pedir e o pedido para além dos limites estabelecidos nessas normas e sem o consentimento da R., o que deverá determinar a absolvição desta do pedido.

Caso assim não se entenda, deverá:

1 - acção ser julgada improcedente por não provada, absolvendo-se a R. do pedido;

2 – julgar-se procedentes as excepções deduzidas pela R., por verificados os seus pressupostos

de direito e provados os seus fundamentos de facto, absolvendo-se, também por isso, esta de todos os pedidos formulados;

Por outro lado, deverá julgar-se a Reconvenção procedente, por provada, e:

1 - declarar-se, a título principal, face à impossibilidade do objecto do contrato/prestação das AA., a extinção das obrigações da R., pelo que deverão aquelas devolver a esta os 180.000€ +IVA já pagos, acrescidos de juros de mora comerciais à taxa de 8% até integral pagamento, ficando também a R. desobrigada do pagamento dos 120.000,00€ remanescentes que estas ora reclamam;

2 – no caso de improcedência da totalidade do referido no número anterior, então pelo menos, e ainda no quadro da extinção das obrigações da R. face à impossibilidade do objecto do contrato/prestação das AA., deverá aquela ser desobrigada do pagamento dos 120.000,00€ remanescentes que as estas reclamam;

3 – caso assim não se entenda, então deverá, por força da alteração superveniente das circunstâncias, declarar-se a resolução do contrato, devendo as AA. restituir os 180.000€ + IVA já pagos, acrescidos de juros de mora comerciais à taxa de 8% até integral pagamento, ficando também a R. desobrigada do pagamento dos 120.000,00€ remanescentes que aquelas reclamam;

4 – por fim, em caso de improcedência da totalidade do referido no número anterior, então, e ainda no quadro da alteração superveniente das circunstâncias, deverá pelo menos declarar-se a modificação do contrato segundo juízos de equidade, ficando R. desobrigada do pagamento dos 120.000,00€ remanescentes que as AA. reclamam”.

Alegou, em síntese, que as AA alteraram a causa de pedir e o pedido, tendo deixado de fundamentar a sua pretensão na resolução, na cláusula 12º do contrato e em cláusula penal e passaram a fazê-lo com base no suposto vencimento de prestações, apenas devido ao eventual decurso de determinados prazos estabelecidos na cláusula 9ª do contrato, sendo o período de contagem dos juros igualmente diverso.

Reiterou a versão dos factos exposta na contestação.

Invocou, ainda, que a exigência do pagamento da quantia de €120.000, no contexto em que é feito pelas AA. configura abuso de direito por parte destas e requereu que seja declarada a resolução do contrato por motivos imputáveis àquelas e a condenação das mesmas na restituição de tudo o que tenha sido prestado.

Negou o vencimento antecipado de quaisquer parcelas do preço do contrato, afirmando que para as AA. eventualmente poderem pedir o que reclamam, teriam que ter emitido e enviado as competentes facturas à R., para que esta, após as receber, procedesse ao respectivo pagamento no prazo de 30 dias, conforme resulta do texto do primeiro parágrafo da cláusula nona do Contrato de Prestação de Serviços, o que não sucedeu, pelo que, desde logo por essa razão, não há capital ou juros em dívida.

I.13_ Em 21/6/2021, as Autoras vieram requerer o desentranhamento da [nova] contestação-reconvenção.

Após exercício do contraditório, pela Ré, mediante requerimento apresentado em 28/6/2021, o Tribunal a quo, por despacho de 15/7/2021, decidiu:

“A contestação-reconvenção apresentada consubstancia o normal exercício do contraditório face à petição inicial aperfeiçoada.

Assim, deverá a Autora, querendo, apresentar réplica, bem como responder às excepções invocadas.”.

I.14_ Desse despacho foi interposto recurso pelas Autoras, julgado procedente, por Acórdão de 13/1/2022, tendo o Tribunal da Relação decidido:

“1º) Anular o despacho recorrido;

2º) Determinar que o mesmo despacho seja substituído por outro no qual se aprecie o conteúdo do articulado apresentado pelas Autoras (com a Ref.ª 38746817);

3º) Determinar que, subsequentemente e se for o caso, se decida da admissibilidade da contestação/reconvenção apresentada pela Ré (com a Ref.º 39105045).


*

Custas a cargo da ré/apelante (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).”.

I.15_ Por despacho de 04 de Março de 2022, foi decidido que “a nova petição inicial cabe no âmbito do decidido pelo Acórdão da Relação do Porto, pois que nela a Autora vem concretizar os factos que, na sua perspectiva, fazem incorrer a Ré em mora, terminando com o pedido de pagamento das quantias pretendidas acrescidas dos juros vencidos desde a data do vencimento antecipado”.

No que respeita à admissibilidade da contestação-reconvenção, além de excluído o artigo 129º da Contestação, decidiu o Tribunal a quo que:

“O pedido de restituição do que já foi prestado não constitui o exercício do contraditório quanto à nova petição inicial e nenhuma relação tem com ela, sendo um pedido que já poderia ter sido formulado, por via reconvencional, na primeira contestação/reconvenção apresentada. Assim, não deverá ser atendido, em consonância com o que já foi referido quanto ao art. 129º da contestação.

Quanto ao pedido reconvencional, relativo à não obrigação de pagamento dos 120.000,00 € é uma consequência do esclarecimento feito pela Autora relativamente à causa do seu pedido.

Note-se que já na primeira contestação a Ré tinha formulado pedido reconvencional.

Este consistia no pedido de redução muito substancial, em não menos de 100.000,00 € (ou seja, o valor da eventual condenação não deveria ser superior a 20.000,00 €), do pedido formulado pelos Autores, pedido este alicerçado na cláusula penal prevista contratualmente (causa de pedir que, perante a p.i. reformulada, desaparece).

Ora, sendo que a causa do pedido agora aperfeiçoada pelos Autores é diversa da que a Ré considerou na contestação/reconvenção (por via da falta de clareza da petição inicial primitiva) é de liminar justiça que a Ré possa também modificar a sua reconvenção de acordo com essa causa de pedir aperfeiçoada.

Assim, com excepção do que se refere ao pedido de restituição do que já foi prestado, entende-se que deve ser atendido ao teor da reconvenção agora reformulada.

Sendo a matéria factual que sustenta ambos os pedidos reconvencionais a mesma, deverá ser considerada.

Querendo, deverão os Autores, exercer o contraditório quanto à matéria de excepção.”.

I.16_ Desse despacho foi interposto recurso, pelas Autoras e pela Ré, julgados improcedentes por Acórdão desta Relação, de 10/10/2022.

I.17_ Realizada a audiência prévia, em 14/12/2022, foi proferido despacho saneador, fixados o objecto do litígio e os temas da prova.

I.18_ Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, constando do dispositivo:

“Por todo o exposto, julgo improcedente a acção e procedente a reconvenção, pelo que, face à

alteração superveniente das circunstâncias, absolve-se a Ré dos pedidos contra ela formulados,

ficando ela desobrigada do pagamento dos 120.000,00 € remanescentes que as AA reclamam.

Custas pelas Autoras.”

I.19_ Inconformadas, as Autoras interpuseram recurso dessa decisão, formulando as seguintes conclusões:

“1.ª) – A sentença recorrida é nula pois o tribunal recorrido viola o dever de exame crítico da prova nos termos do art.º 607.º, n.º 3 do CPC;

2.ª) – A sentença viola tal norma, pois não fundamenta no seu exame crítico da prova porque é que dá o mesmo facto como provado e não provado (existência e inexistência de mora da ré no cumprimento da prestação do contrato), art.º 805.º, n.º 2, al. a) do Código Civil;

3.ª) – Ou ainda, dá como provados factos em contradição evidente com documentos (Sentença e Acórdão, proferidos no processo anterior), em flagrante violação da autoridade do caso julgado, art.º 581.ºdo Código Civil;

4.ª) – Designadamente, que a Ré a 30/05/2014 e 15/05/2015, data das alterações legislativas, que alegadamente consubstanciariam a alegada alteração anormal das circunstâncias, em que a Ré fundou a resolução do contrato, nos termos do art.º 437.º do CC, não se encontrava em mora no cumprimento do contrato.

5.ª) – Com o presente recurso, os Recorrentes impugnam a matéria de facto e de direito considerada aplicável.

6.ª) – Na parte dispositiva da sentença recorrida[2], o Tribunal a quo, determina a improcedência da acção e a procedência do pedido reconvencional da R. e condenam-se as AA. em custas;

7.ª) – Não aceitando essa decisão de mérito, com o presente recurso, as Recorrentes, impugnam quer a matéria de direito julgada aplicável pelo tribunal a quo, quer a matéria de facto selecionada, designadamente, a dos autos do processo anterior (documentos), junta aos presentes autos,

8.ª) - As Recorrentes entendem que, por erro na selecção da matéria de facto e subsequentemente na aplicação do direito, alcançou-se uma solução jurídica injusta, julgando-se: - a acção como improcedente.

9.ª) - Quando pelo contrário a acção deveria ter sido julgada como procedente, por provada e consequentemente a Ré condenada nos pedidos das AA.

10.ª) - Deveria ainda ter sido julgado improcedente o pedido reconvencional da Ré, por não provado, e consequentemente, as AA. absolvidas do mesmo.

11.ª) - Resumidamente, na sentença[3] ora recorrida de 15/02/2024, na então designada decisão de mérito dos autos, assenta a convicção do Tribunal a quo, de que é procedente o pedido reconvencional da Ré, fundado numa alegada alteração anormal das circunstâncias, nos termos e para efeitos do art.º 437.º do Código Civil;

12.ª) – Que conferiu à Ré o invocado direito de resolução do contrato, nos termos do art.º 432.º e ss. do Código Civil;

13.ª) – As Recorrentes, por seu turno entendem que atento o disposto no art.º 438.º do Código Civil, encontrando-se a Ré em mora no cumprimento do contrato nas datas de 2014 e 2015, datas da alegada alteração legislativa, que consubstanciou a alegada alteração anormal das circunstâncias, não seria invocável pela Ré o direito à resolução do contrato, previsto no art.º 437.º, n.º 1 do Código Civil;

14.ª) – De resto, as AA. Recorrentes nem sequer consideram que os factos alegados e provados, como consubstanciadores da alegada alteração anormal das circunstâncias, cumpram os cinco pressupostos cumulativos exigidos para a eventual aplicação do regime previsto no art.º 437.º do Código Civil;

15.ª) - Acresce que entendem as AA., que o regime previsto para resolução dos contratos, art.º 432.º e ss. do CC, por remissão do art.º 439.º do CC, não poderia ser aplicável, como foi na sentença recorrida, ao caso concreto:

16.ª) – Desde logo porque, tendo as AA. já procedido à entrega da proposta de Plano, não estaria a Ré em condições de cumprir o estatuído no art.º 432.º, n.º 2 do CC;

17.ª) – E, porque a sentença recorrida viola a contrario o disposto no art.º 434.º n.º 2 do CC, na medida em que o contrato de prestação de serviços em apreço, se trata de um contrato de prestação instantânea fraccionada, tendo a decisão recorrida julgado procedente a solução legal, aplicável a contratos de execução continuada ou periódica, que não corresponde de todo ao caso em apreço nos presentes autos;

18.ª) – E, previamente, porque as disposições das partes contraentes, designadamente, a prevista no n.º 2 da cláusula 12.ª do contrato, para situações de eventual resolução do mesmo, estabelecem um regime contratual próprio, que sendo diverso, afasta a aplicabilidade regime geral de resolução dos contratos, previsto nos art.º 432.º e ss. do CC;

19.ª) – A contrario do que se parece poder inferir da sentença recorrida, a aprovação da proposta do Plano, objecto do contrato em apreço, não se tornou impossível, o que consubstanciaria a alteração anormal das circunstâncias, nos termos da decisão recorrida;

20.ª) – Houve isso sim, quanto muito, uma mera perda subjectiva de interesse da Ré, na prestação das AA., não relevante para efeitos de eventual aplicabilidade do art.º 808.º do CC;

21.º) – De resto a ter existido uma impossibilidade contratual, nos termos da decisão recorrida, essa impossibilidade teria natureza de “impossibilidade objectiva do cumprimento da prestação” das AA., que não lhes seria de todo imputável, porquanto a Ré se encontrava em mora, cfr. o disposto nos art.º 790.º e ss. do CC;

22.ª) – Porém entendem as AA. que existiu vencimento antecipado das prestações em que se decompõe a obrigação principal no contrato sub judice, o preço global, al. f) e e) da cláusula 9.ª do contrato sub judice;

23.ª) - O que de resto corresponderia ao regime estabelecido no art.º 781.º do CC, que determina que nas obrigações liquidadas em prestações, nos contratos de prestação instantânea fraccionada, a falta de realização de uma delas, determina o vencimento antecipado das restantes;

24.ª) – Facto, a falta de realização pela R. de uma das prestações no seu vencimento, “provada” pela condenação, com efeitos ex tunc, no pagamento às AA. das suas facturas relativas à prestação da al. d) da cláusula 9.ª do contrato, cfr. despacho sentença de 13/06/2016, nos autos do proc. n.º 15867/14.7YIPRT;

25.ª) – Considerando as Recorrentes, a contrario das decisões ora postas em crise, que a exigibilidade das prestações da obrigação principal seguintes à prevista na alínea d) da cláusula 9.ª do contrato sub judice, por vencimento antecipado nos termos do art.º 781.º do Cód. Civil, em nada depende do facto de ter ou não existido resolução do contrato;

26.ª) – Entendem as AA. que exigibilidade das prestações da obrigação principal previstas nas al. f) e e) da cláusula 9.ª do contrato sub judice, depende, isso sim, nos termos do regime previsto no art.º 781.º, da falta do pontual cumprimento de prestação anterior;

27.ª) – No caso em apreço, a parcela do preço global prevista na al. d) da cláusula 9.ª do contrato sub judice, correspondente aos pedidos das AA. no caso julgado anterior, o processo n.º 15867/14.7YPRT;

28.ª) – Também porque tendo-se já verificado essa entrega formal da Proposta do Plano, a cláusula 12.ª do contrato, estabelece um regime vencimento antecipado das prestações, semelhante ao previsto no art.º 781.º do Código Civil.

29.ª) – Em tudo semelhante ao regime estatuído, na segunda parte das alíneas f) e e) da cláusula 9.ª do contrato, mas, mais abrangente quanto ao tipo de incumprimento da ré que tornariam a sua aplicação legítima.

30.ª) – E estabelecendo uma dilação de tempo antes da sua aplicabilidade, bastante maior, 150 dias após o incumprimento no caso da cláusula 12.ª, contra 60 dias, no caso das alíneas f) e e) da cláusula 9.ª,

31.ª) - Vencimento antecipado das prestações contratuais previstas nas alíneas f) e e) da Cláusula 9.ª do contrato, que uma vez transitada em julgado a d. sentença no processo 15867/14.7YPRT, que julgou, com efeitos ex tunc, ter existido por parte das AA. Recorrentes a entrega formal da Proposta do Plano, terá também já ocorrido;

32.ª) – Termos em que, deveria ter sido a Requerida condenada no pagamento dos pedidos formulados pelas AA.,

33.ª) – Porquanto, a aplicabilidade das alíneas f) e e) da cláusula 9.ª, e do n.º 2 da cláusula 12.ª do contrato, não depende funcionalmente da prévia verificação da resolução do contrato.

34.ª) – Uma vez que correspondem a prestações do preço global, exigíveis mesmo em caso de incumprimento simples ou mora, no cumprimento das prestação da R. (prestações do preço global);

Consequentemente,

Requer-se a V. Exas.:

a) – A declaração das nulidades invocadas, bem como seu suprimento ou a remessa os autos à 1.ª Instância, para o necessário suprimento das mesmas.

b) – Sem conceder, requer-se a alteração da decisão da matéria de facto e de direito nos termos constantes nas presentes alegações de recurso.

c) – E consequentemente, seja alterada a decisão de mérito do tribunal a quo, nos respectivos termos sendo a Ré condenada a pagar às Autoras o montante dos pedidos e respectivos juros de mora vencidos e vincendos, formulados na petição inicial;

Nestes termos e nos melhores de direito com o Douto suprimentos dos Venerandos, concedendo-se provimento ao presente recurso, atendendo as nulidades invocadas revogando-se a douta Sentença da 1.ª instância, e/ou condenando-se a Ré a pagar às AA. os montantes dos pedidos formulados na petição inicial e subsequentemente absolvendo-se as AA. do pedido reconvencional formulado pela Ré na contestação, pois só assim se fará JUSTIÇA!”.

I.20_ A Ré/Recorrida apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões:

1 – A d. decisão que as recorrentes põem em crise não padece de nenhuma das falhas ou vícios que lhe apontam, pelo que deve ser mantida na íntegra.

2 – Quando a Equipa se recusou a fazer as alterações e correcções que a C... e o Município lhe solicitaram, antes e depois do 1º Parecer da CCDR.C, de 22 de Maio de 2013 (doc. 11 da contestação), e que ao fim e ao cabo apenas confirmava aquilo que os Técnicos da Câmara Municipal ... diziam (doc. 8 da contestação) violou reiteradamente a sua obrigação de trabalhar sob supervisão daquelas.

3 – Mesmo que no final da acção anterior se tenha vindo a considerar que a tranche relativa à entrega da Proposta de Plano (tranche da alínea d) da cláusula 9ª do contrato) era devida, isso não significa que:

a) no meio tempo, a R. não tivesse agido de forma justificada (cfr. é estabelecido na cláusula 12ª, nº1 do contrato e corroborado pelo depoimento da testemunha acima transcrito), ao recusar o pagamento por entender que o trabalho da Equipa padecia de muitas falhas e não estava completo e que esta, ainda por cima, recusava a sua supervisão;

b) as tranches subsequentes se tenham vencido automaticamente.

4 – O que está em causa nesta acção, na qual a questão do Instituto da Resolução ou Modificação do Contrato Por Alteração das Circunstâncias é suscitada, não é a tranche reclamada pela Equipa na acção anterior (que ainda por cima estava paga aquando da entrada dos presentes autos), mas antes as tranches cujo pagamento é pedido nestes autos (tranches f) e e) da Cláusula 9ª).

5 – Por isso, o que aqui interessa é saber se havia mora quanto ao pagamento das tranches f) e e) da cláusula 9ª do contrato.

6 – Nos termos do primeiro parágrafo da cláusula 9ª do contrato, os pagamentos a fazer pela R. às AA. implicavam sempre que estas emitissem previamente as respectivas facturas (“..as correspondentes notas de honorários…”, no dizer desse texto).

7 – Até hoje as AA. não emitiram as facturas relativas às tranches que aqui peticionam, e que seriam o pressuposto do pagamento a fazer em determinado prazo.

8 – Como tal, não havendo factura nem prazo para o seu pagamento, não há mora da R.

9 – Por outro lado, o vencimento da tranche prevista na cláusula 9ª, al. f) do contrato apenas ocorre quando já se está efectivamente em sede de Conferência de Serviços.

10 – E, estando-se em Conferência de Serviços, das duas uma:

a) havendo aprovação do PE..., vence-se essa tranche;

b) não havendo aprovação, a tranche vence-se 60 dias após a última diligência ou acto processual efectuado por qualquer um dos intervenientes no processo de apreciação e aprovação do plano.

11 - O Plano não avançou para a Conferência de Serviços devido à recusa da Equipa em aceitar efectuar as correcções que a C... e a CM..., ao abrigo do seu direito de supervisionar aquela lhe determinaram que fizesse.

12 – Consequentemente, também dos próprios termos da cláusula 9ª, al. f) do contrato resulta que essa tranche não se venceu.

13 – Quanto à tranche da alínea e) da cláusula 9ª, a mesma vencer-se-ia após a Aprovação do Plano pela Assembleia Municipal ou 60 dias após o vencimento da tranche anterior (a tranche f))

14 – Ora, como a tranche anterior (a f)) não se venceu, consequentemente também não se venceu a subsequente (a e)).

15 – Assim, se nenhuma das duas tranches de 60.000€ que as AA. reclamam nesta acção chegou a vencer-se, a R. não entrou em mora.

16 – Por isso, não havendo mora da R., e tendo a legislação relativa aos Instrumentos de Gestão

Territorial sofrido entretanto severas alterações, ao ponto de a C... passar a ter que ser dona de todos os terrenos (o que significaria um esforço financeiro da ordem dos milhões de euros que seria incomportável), ou passar a ter que ter um contrato de urbanização com todos os proprietários (o que era tarefa impossível, face ao facto de serem milhares de pessoas, muitas delas emigradas) estamos perante um caso de clara e profundíssima alteração das circunstâncias em que as partes contrataram inicialmente.

17 – Assim, e tendo-se bem presente que foi a recusa das AA. em aceitarem a supervisão da C... e da CM... no que respeita às correcções a fazer ao Plano, que levou a que o mesmo não fosse concluído e aprovado no domínio da lei anterior, esse facto configura abuso de direito (art. 334º do Cód. Civil), o que por si só impede o sucesso da acção.

18 – Por outro lado, e seja como for, a verdade é que inexistindo qualquer mora da R., a lei entretanto mudou e hoje já não é possível cumprir ou concluir-se o contrato, nem o resultado final do trabalho das AA (mesmo que estas terminassem o que falta) serviria para coisa alguma.

19 - Por isso, pretender-se que a R. ainda pague mais 120.000€ + IVA por algo que já não serve para absolutamente nada, e ainda para mais no contexto em que os factos se passaram, é gravemente atentatório do equilíbrio contratual (além de que configura abuso de direito por parte das AA.).

20 – A cláusula 8ª, nº1 do contrato não foi redigida com o fito de afastar a resolução ou modificação do contrato por alteração superveniente das circunstâncias, mas apenas para esclarecer que no preço dos 300.000€ não se incluíam os trabalhos aí mencionados.

21 – Quanto ao que as AA. mencionam em 11 e 12 (resolução do contrato operada legitimamente pelas AA e com direito a uma compensação ou penalização a pagar pela R.), essa questão nem sequer está em discussão nos autos, pelo que o argumento não colhe, muito menos para efeitos de defender que todo o trabalho já estava concluído com a entrega da Proposta de Plano e que, por isso, preço total já seria devido (ou que já haveria o direito de o vir a receber).

22 – Pelo que vem de se dizer, a d. sentença, ao acolher a Reconvenção e determinar a Modificação Contrato por Alteração das Circunstâncias, aplicando o art. 437º do Cód. Civil e decidindo que a R, nada mais tem a pagar, fez justiça, pelo que deverá ser mantida.

23 – A d. Sentença especifica os seus fundamentos de facto e de direito.

24 – Outrossim quanto à suposta contradição relativamente à questão da mora/inexistência de mora que as Recorrentes suscitam de 25 em diante das suas alegações, pois:

a) nem a tranche da alínea d) da cláusula 9ª do contrato (que foi alvo da acção anterior) estava em mora aquando da entrada desta acção e da invocação da defesa de Alteração das Circunstâncias feita na Contestação-Reconvenção;

b) nem as tranches das alínea f) e e) da cláusula 9ª do contrato (que são reclamadas nesta acção) estiveram alguma vez em mora (pois nem sequer se venceram);

Termos em que, e nos mais de direito, deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a d. Sentença da 1ª Instância, assim se fazendo, Justiça”.

I.21_ Por despacho de 27/5/2024, foi admitido o recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II_ Objecto do recurso

Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº. 4, e 639º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.

Na sua resposta, invocou a Ré/Recorrida que a actuação das Autoras configura abuso do direito.

Assim, são as seguintes as questões a apreciar:

1_ Nulidade da sentença por violação do “dever de exame crítico da prova”.

2_ Impugnação da decisão da matéria de facto.

3_ Saber se ocorreu o vencimento das prestações previstas nas alíneas f) e e) da cláusula 9ª do contrato.

4_ Saber se estão reunidos os pressupostos necessários para operar a modificação do contrato, nos termos do artigo 437º do Código Civil e, em caso afirmativo, se a Ré deve ficar desobrigada do pagamento das prestações reclamadas pelas Autoras.

5_ Abuso do direito das Autoras.

III_ Fundamentação de facto

Na decisão recorrida, foram considerados os seguintes factos:

Factos Provados

1 - A A. “B..., Lda.”, tem por objeto social a elaboração de estudos e projetos de arquitetura.

2 - A A. “A..., Lda.”, tem por objeto social a elaboração de estudos e projetos de engenharia civil, hidráulica e ambiental.

3 - A Ré “C..., S.A.”, na qualidade de 1ª Outorgante, “B..., Lda.”, na qualidade de 2ª Outorgante e “A..., Lda.”, na qualidade de 3ª Outorgante, outorgaram o contrato de prestação de serviços datado de 13/05/2010, através do qual a primeira outorgante adjudicou à B... e à A... a elaboração da Proposta do Plano de Urbanização do Parque Empresarial ....

4 - Constam (além do mais que não interessa transcrever) os seguintes considerandos e cláusulas:

I – A primeira contraente é uma sociedade anónima, maioritariamente detida pelo Município ... e que foi constituída com o intuito de desenvolver um parque empresarial moderno, versátil e inovador no panorama nacional dos parques empresariais.

II – A segunda e terceira outorgantes concorreram ao concurso lançado pela primeira outorgante para elaboração do plano de urbanização, ou instrumento equivalente de ordenamento do território no âmbito do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro, que estabelece o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), que permita o desenvolvimento do Parque Empresarial ..., doravante designado abreviadamente por PE....

III – O PE... visa ser um parque empresarial, em regime de condomínio, em que a primeira outorgante será o administrador das zonas comuns que venham a ser afetas ao uso de todos os espaços industriais e não industriais que venham a surgir, para o qual é necessário idealizar e conceber e aprovar um regulamento que satisfaça as pretensões da primeira outorgante.

IV – Atendendo a que o processo de conceção do PE... é dinâmico, evolutivo e de longo prazo não seria curial a criação de uma definição rígida de todos os passos e detalhes urbanísticos do PE..., pois não se coaduna com o modelo de desenvolvimento do parque que se pretende ver implementado.

V – Atendendo à complexidade e número de entidades que terão de se pronunciar sobre o plano ou equivalente que vierem a ser elaborados no âmbito do PE... são fixados um conjunto de prazos. VI – A área a considerar ... já se encontra parcialmente intervencionada através de dois planos de pormenor já eficazes, que é necessário enquadrar e integrar no PU do PE....

É celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato, que é de Prestação de Serviços, regendo-se o mesmo pelas seguintes cláusulas:

PRIMEIRA: A área de intervenção do PE... (Parque Empresarial ...) corresponde à totalidade da Unidade Operativa de Gestão nº 9 do Plano Diretor Municipal ... em vigor à data deste contrato, acrescida dos eventuais ajustes que venham a ocorrer durante o processo de elaboração e licenciamento do plano, desde que não se verifique uma alteração de área superior a 10%

SEGUNDA: 1 - Pelo presente contrato, a C..., S.A., adjudica a “B...” e a “A...” a elaboração do PU (Plano de Urbanização) do PE..., devendo estas, para tanto, efetuar, designadamente, os seguintes trabalhos:

- A “B...”, de elaborar, sob sua supervisão e do Município ..., o Plano com todos os elementos necessários à sua aprovação pelas entidades competentes.

- A “A...” de desenvolver, sob supervisão da C... e do Município ..., os projetos das especialidades de Engenharia das infraestruturas da Estrutura Central e respetivo núcleo de equipamentos e serviços dos instrumentos de licenciamento da operação urbanística necessária à concretização do referido Plano, ao nível do estudo prévio, nos termos do presente contrato.

2 – A “B...” e a “A...” aceitam, em regime de solidariedade e cooperação, todas as obrigações do desenvolvimento, conceção, realização e articulação dos estudos, projetos e elementos de planeamento referidos no nº 1.

3 – No caso de alguma das sociedades prestadoras do serviço não venha, por motivo não imputável à primeira outorgante, a cumprir as disposições do presente contrato e respetivos documentos anexos, a outra sociedade fica com a obrigação de assegurar a concretização do trabalho da faltosa, sem que tal facto implique o pagamento de qualquer remuneração adicional pela C....

TERCEIRA: É da responsabilidade da promotora a articulação com o Município ... e deste com as demais entidades públicas e privadas intervenientes no processo de licenciamento, o que a obriga à realização das diligências necessárias no prazo de 30 dias contados a partir da data da sua determinação por carta ou ata; obrigando-se a “B...” e a “A...” a acompanhar a promotora e/ou os representantes do Município em todas as diligências técnicas que se mostrem necessárias à prossecução do objeto do presente contrato colaborando com a apresentação das soluções técnicas e legais necessárias ao bom desenvolvimento do processo de licenciamento urbanístico do PE....

QUARTA: A Promotora, a “B...” e a “A...” acordam que o Plano de Urbanização a elaborar para o Parque Empresarial ... será elaborado tendo como princípio estruturante que a sua regulação possa vir a ser variável e ajustável, em função das Unidades de Execução (UE) ou eixos que venham a ser estrategicamente estabelecidos pela primeira outorgante para o desenvolvimento faseado e harmonioso do PE..., o que se traduzirá:

a) Na definição dos parâmetros urbanísticos mínimos para toda a área do Plano, com os quais seja possível o desenvolvimento faseado e parcial de cada UE, sendo que estas serão concretizadas através de loteamentos cujas características de parcelamento serão posteriormente definidas, caso a caso, em função da dinâmica e necessidades de gestão do empreendimento.

b) A definição urbanística de tudo quanto diga respeito à Estrutura Central (EC) do Plano, que compreenderá, não só, todas as redes infraestruturais centrais, mas também um núcleo de serviços de vincadas características urbanas.

QUINTA: 1 – A elaboração do Plano será executada em três fases e nos seguintes prazos, aos quais será sempre deduzido o mês de Agosto de cada ano:

1ª Fase – Elaboração do “Programa Base” que será proposto no prazo de 50 dias contados da data em que for outorgado o presente contrato.

2ª Fase – Apresentação para discussão e votação de uma “Proposta Preliminar do Plano”, 50 dias após a aprovação do Programa Base. Esta proposta será acompanhada de todos os elementos necessários à sua interpretação.

3ª Fase – Entrega da Proposta de Plano, 60 dias após a comunicação formal da aprovação da Proposta Preliminar.

2 – As alterações decorrentes do processo de apreciação de cada uma das fases – pareceres de entidades, conferência de serviços e discussão pública – serão processados no prazo máximo de 33 dias contados a partir da comunicação formal dos referidos pareceres ou atas.

SEXTA: 1 - O preço global, a pagar pela primeira contraente à segunda e terceira contraentes, pela elaboração do Plano com as características já melhor identificadas neste contrato, será de € 300.000,00 (trezentos mil euros), a que acrescerá o IVA à taxa legal em vigor à data em que cada pagamento for devido nos termos da cláusula NONA.

2 – Ao valor global que futuramente venha a ser contratualizado em trabalhos de projeto das infraestruturas, incluindo arranjos exteriores e paisagismo, necessários à concretização do PE... que venham a ser formalizados entre as contraentes, será abatida quantia de € 100.000,00 (cem mil euros) acrescidos de IVA, provenientes da redução do preço estabelecido no número um da presente cláusula.

4 – A dedução referida no número anterior será efetuada através do abatimento de 20% ao valor de cada uma das futuras adjudicações, até que seja atingido o montante de € 100.000,00 em abatimentos.

5 – O desconto efetuado no número anterior poderá ser realizado até que sejam decorridos cinco anos sobre a data em que o PU do PE... venha a ser aprovado pela Assembleia Municipal ....

SÉTIMA: O montante, referido na cláusula anterior, compreende, designadamente, a realização das seguintes tarefas:

1 – A elaboração de todos os elementos e o desenvolvimento de todas as tarefas necessárias ao estabelecimento, apreciação e aprovação do Plano e respetivos regulamentos, compreendendo o conteúdo material do Plano constante do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), designadamente:

- O Mapa do Ruído;

- O Relatório da Avaliação Ambiental Estratégica;

- O processo de desafetação da REN e RAN;

- A perequação de encargos e benefícios;

E além disso:

- O estudo genérico de caracterização geológica e geotécnica da área de intervenção com vista à identificação de eventuais pontos críticos;

- Elaboração do regulamento de gestão e condomínio;

- Recolhas de dados e estudos que se revelem indispensáveis ao desenvolvimento do plano;

- Participação em todas as reuniões necessárias ao desenvolvimento do processo.

- O desenvolvimento dos estudos para as infraestruturas e espaços públicos da Estrutura Central do Plano e respetivo núcleo de equipamentos e serviços ao nível do estudo prévio, ou seja, para cada especialidade (movimentos de terras, redes de abastecimento de água e gás, de drenagem e tratamento de águas residuais e pluviais, infraestruturas várias, elétricas e de dados), e com base numa análise técnico-económica, serão definidas as peças escritas e desenhadas que permitam a conveniente definição e estimativas orçamentais, bem como o esclarecimento da sua execução e das soluções construtivas que melhor se adequam.

- Avaliação das quantidades de trabalho e respetiva estimativa de custos da obra e tarefas a realizar, assim como o tempo estimado para a execução da obra.

2 – A segunda e terceira outorgantes obrigam-se ainda a fornecer, sem qualquer acréscimo de custo para a primeira outorgante, as imagens simples ou em 3D dos trabalhos que venham a ser efetuados, e que sejam necessários para a concretização de quaisquer campanhas publicitárias e de marketing alusivos ao PE... que a promotora venha a desenvolver.

OITAVA: Não estão incluídos neste contrato e, consequentemente, no preço global referido na cláusula sétima, os pontos a seguir discriminados que, caso venham a ser efetuados pela segunda e terceira outorgantes, serão encargos a suportar autonomamente pela promotora – “C...”:

1 – Quaisquer alterações ao Plano, motivadas por mudanças de fundo nos termos de referência ou contexto atual para a elaboração do Plano.

2 – A elaboração e/ou obtenção de:

a) Bases de trabalho como levantamento topográfico georreferenciado, levantamento cadastral, ortofotomapas.

b) Elementos relativos a servidões administrativas e restrições de utilidade pública.

c) Elementos relativos a operações urbanísticas precedentes.

d) Análises de águas e efluentes.

e) Termos de referência e demais compromissos já assumidos para a área de intervenção.

f) Maquetas.

g) Estudos geológicos e geotécnicos através de sondagens que cubram a globalidade da área de intervenção e não incluídos nos trabalhos geológicos e geotécnicos já referidos neste contrato.

h) Estudos económicos, de exploração ou de mercado.

3 – Não estão ainda incluídos o pagamento do IVA e as deslocações com as seguintes exceções:

- Todas aquelas que venham a ser realizadas ao concelho ...;

- Todas aquelas que venham a ser realizadas à CCDR....

- Uma deslocação anual a Lisboa.

Parágrafo único – Os elementos referidos no ponto nº 2 alíneas a), b), c), d) e e) desta cláusula (a obter junto do Município ...) deverão ser fornecidos pela primeira contraente à “B...” e “A...”, nos suportes informáticos existentes nos serviços do Município ... à data da assinatura do presente contrato, ficando as prestadoras do serviço obrigadas à confidencialidade dos dados recebidos e a não os utilizar para outro ou quaisquer outros fins que não os constantes no presente contrato, bem como à assinatura do termo de responsabilidade pelo uso dos referidos suportes que a Câmara Municipal venha a solicitar.

NONA: O montante acordado na cláusula Sétima será pago pela primeira contraente, às segundas contraentes, na seguinte proporção – dois terços à “B...” e um terço à “A...” -, nos 30 dias subsequentes à data em que forem rececionadas nos serviços administrativos da primeira contratante as correspondentes notas de honorários, a emitir nos prazos seguintes:

a) € 30.000,00, correspondentes a 10% do total acordado, na data da assinatura deste contrato;

b) € 30.000,00, correspondentes a 10% do total acordado, após a aprovação do Programa Base;

c) € 30.000,00, correspondentes a 10% do total acordado, após a aprovação da Proposta Preliminar;

d) € 90.000,00, correspondentes a 30% do total acordado, após a entrega da Proposta Plano;

f) € 60.000,00, correspondentes a 20% do total acordado, após a data em que venha a ser concluída a conferência de serviços e, se necessário, as reuniões de concertação que, definitivamente, aprovem o PE... ou 60 dias após a última diligência ou ato processual efetuado por qualquer um dos intervenientes no processo de apreciação e aprovação do Plano;

e) € 60.000,00, correspondentes a 20% do total acordado, após a aprovação do Plano pela Assembleia Municipal ... ou 60 dias após o vencimento da prestação anterior.

Parágrafo único – A falta de pagamento, no prazo estabelecido, de qualquer das prestações retro referidas, implica a suspensão dos prazos fixados na cláusula Quinta.

(…)

DÉCIMA PRIMEIRA:

A primeira contraente poderá resolver o presente contrato nos seguintes casos:

1 – A “B...” e a “A...” de forma isolada ou conjunta se dissolverem ou forem consideradas falidas.

2 – Se forem ultrapassados, por culpa exclusiva da B...” e da “A...”, em 60 dias, os prazos para a entrega de qualquer uma das fases discriminadas neste contrato.

3 – Se a segunda e terceira contraente faltarem, sem qualquer causa justificativa ou bastante, às obrigações impostas pelo presente contrato.

DÉCIMA SEGUNDA:

1 – O não cumprimento das obrigações assumidas pela promotora, sem qualquer causa justificativa ou bastante, implicará a perda, a favor da segunda e terceira outorgantes dos montantes já pagos a título de honorários.

2 – A obrigação assumida no número anterior inclui o pagamento da fatura correspondente aos trabalhos que estiverem a ser executados no momento em que o contrato venha a ser resolvido ou, no caso de já ter sido formalmente entregue a Proposta do Plano, das prestações seguintes.

O disposto no número um desta cláusula é aplicável a partir do momento em que estejam ultrapassados 150 dias contados da data da entrega da fatura em mora.

DÉCIMA TERCEIRA:

O não cumprimento das obrigações assumidas no presente contrato pela segunda e terceira outorgantes, fá-las incorrer na obrigação de devolver à primeira o valor pago a título de honorários correspondentes a 5% do valor global do contrato, no prazo de 30 dias contados da data em que forem notificadas para o efeito, pela C....

DÉCIMA QUARTA: Os prazos estabelecidos na cláusula QUINTA serão passíveis de interrupção e/ou prorrogação a pedido devidamente justificado e formulado por escrito pela “B...” ou da “A...” à C..., sem que tal configure situação de incumprimento ou conduza a aplicação de penalidades, nos seguintes casos:

1 – Acordo dos contraentes.

2 – Por necessidade de introdução de alterações em elementos já elaborados e apresentados, quer por iniciativa da promotora, quer por recomendação das entidades oficiais, e exclusivamente na medida do necessário para o acolhimento no plano dessas alterações.

3 – Quando esteja pendente a aprovação ou fornecimento de dados e/ou esclarecimentos por parte da “C...” ou de outras entidades intervenientes com interesses legalmente estabelecidos ou carácter vinculativo.

Parágrafo único – Toda e qualquer interrupção e/ou prorrogação dos prazos referidos nesta cláusula deverá ser devidamente justificada e solicitada por escrito pela “B...” ou da “A...” à “C...” dela constando, explicitamente, o prazo previsto para a interrupção ou prorrogação.

DÉCIMA SÉTIMA:

1 – Todas as comunicações escritas que venham a ser efetuadas entre a primeira, a segunda e terceira outorgantes, no âmbito do presente contrato, serão dirigidas para os endereços constantes no início do presente contrato, devendo as partes comunicar reciprocamente eventuais alterações daqueles.

2 – Qualquer comunicação enviada para os endereços indicados no presente contrato ou para quaisquer outros que, entretanto, venham a ser designados pelas partes, considera-se realizada ainda que a carta seja devolvida por falta da sua receção pelo destinatário ou por falta do seu levantamento no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, ou ainda que o aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente da do destinatário.

3 – O disposto no presente artigo não se aplica às comunicações que venham a ser efetuadas durante o mês de Agosto.

DISPOSIÇÕES FINAIS.

1 – A contagem do prazo para realização da segunda fase do PU, prevista no número um da cláusula 5ª, inicia-se no dia de hoje.

2 – Nesta data já foram cumpridas todas as obrigações das partes relativas às alíneas a) e b) da cláusula nona.

3 – O prazo para pagamento do remanescente da fatura emitida pelas segunda e terceira outorgantes, a qual já foi rececionada nos serviços administrativos da C..., apenas se iniciará quando estiver cumprido o prazo disposto na alínea c) da cláusula nona, e será paga nos termos e prazos previstos no presente contrato (C).

5 - Correu termos entre as aqui AA e a aqui Ré o Processo de Injunção com o nº 15867/14.7YPRT nas quais as aqui AA, B..., Lda. e A..., Lda., requererem a condenação da Ré C..., S.A., no pagamento, respetivamente das quantias de € 49.200,00, e de € 24.600,00, quantias acrescida de juros de mora, à taxa comercial, a partir de 08/04/2013 e até integral pagamento.

6 - Tais quantias referiam-se ao remanescente que ainda estava em falta relativamente à tranche de pagamento prevista na alínea d) da cláusula 9º do contrato celebrado entre as partes, isto é € 90.000,00, correspondentes a 30% do total acordado, a pagar após a entrega da Proposta Plano;

7 – A Ré contestou essa acção, alegando, além do mais, que as Autoras não conseguiram até esse momento apresentar ao Município ... um dossier que pudesse ser aceite e assumido por esta edilidade como uma proposta plano, por não ter as condições técnicas, jurídicas e de instrução documental que permitissem a sua aprovação fácil e rápida pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional e pelas demais entidades a convocar pata conferência de serviços.

8 – A acção foi considerada procedente pelo que a Ré C... foi condenada ao pagamento:

- à sociedade B..., Lda., € 49.200,00, com juros de mora, à taxa comercial, desde a citação;

- à sociedade A..., Lda., € 24.600,00, com juros de mora, à taxa comercial, desde a citação;

9 – Para tanto considerou-se, em suma, que “não obstante a proposta de plano apresentada pelas autoras possam já ser detectadas insuficiências que, se não forem ultrapassadas, muito provavelmente impedirão a obtenção de parecer favorável das entidades envolvidas, o que as autoras elaboraram e apresentaram reúne as condições formais para constituir uma proposta de plano passível de ser submetida à conferência de serviços e corrigida e/ou melhorada na conferência de serviços inicial, nas reuniões de concertação e mesmo, se necessário na nova conferência de serviços, estando assim verificado o evento de que o contrato faz depender o vencimento da prestação exigida pelas autoras.”

10 - A acção referida em 5, foi proposta a 03 de Dezembro de 2013, e teve o seu epílogo em Janeiro de 2017, com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto.

11 – Ficou provado no âmbito desse processo que:

a) - A proposta base foi aprovada a 17 de Fevereiro de 2010 - ponto 18 dos factos provados.

b) - A proposta preliminar foi aprovada a 20 de Janeiro de 2011 - ponto 31 dos factos provados.

c) – Por carta datada de 17/02/2011, a A. B... enviou à Ré a proposta da PUPE... (ou proposta do plano) – ponto 32 dos factos provados.

d) - Essa proposta não foi aceite pela Ré, seguindo-se uma série de reuniões entre as partes e de diligências por parte das AA e Ré– pontos 34 a 52 dos factos provados

e) – A 27/03/2013, as AA. procederam à entrega à Ré de nova proposta de plano PUPE... – ponto 53 dos factos provados.

f) - A Câmara Municipal ... pediu à CCDR... um parecer sobre o dossier de Proposta de Plano de Urbanização do Parque Empresarial ..., nos termos previstos no art. 75.º-C, nº 2, do RJIGT - ponto 7 dos factos provados.

g) - Tal parecer foi pedido para se confirmar, através de outra entidade, a opinião da Câmara Municipal ... e da ora Ré acerca de incompletudes do dossier, e para auxiliar as ora AA. na identificação/resolução das falhas do mesmo – ponto 55 dos factos provados.

h) - No dia 24/05/2013 deu entrada na Câmara Municipal ... o parecer solicitado à CCDR... – ponto 8 dos factos provados.

i) - Nesse parecer, datado de 22 de Maio de 2013 a CCDR... considerou que a proposta de plano que lhe foi apresentada enfermava de um conjunto de situações que, na sua opinião, necessitavam de ser alteradas, melhoradas ou complementadas, conforme documento de folhas 281/294– ponto 64 dos factos provados, na redacção dada pelo Acórdão da Relação do Porto.

j) – A 12/06/2013, a A. B... recebeu da Câmara Municipal ... uma carta acompanhada de cópia do parecer solicitado à CCDR..., datado de 22/05/2013, de apreciação técnica da PPUPE... – Ponto 56 dos factos provados.

k) - Este parecer identifica um conjunto de situações que necessitam de melhoria, de ser instruídas com documentação complementar, de ser contraditadas ou esclarecidas – ponto 57 dos factos provados.

l) - A 19/07/2013, a A. B... entregou à Ré proposta de plano PUPE... revista, na qual são acolhidas em parte as recomendações do parecer da CCDR..., e articulado de contraditório, da autoria da Prof. Doutora AA, em relação às questões jurídicas que esta considerou que não tinham fundamento legal – ponto 58 dos factos provados.

m) – E enviou-lhe, ainda, a carta junta a fls. 278/279[4], na qual a informa que alguns dos requisitos daquele parecer só podem ser supridos pelos serviços da Câmara Municipal ... ou da ora Ré – ponto 59 dos factos provados.

n) – O Parque Empresarial ... tinha um grande interesse estratégico para o Município ... antes do início da crise de 2010/2011 – ponto 62 dos factos provados.

o) - Em finais de 2009/início de 2010, houve alterações ao nível da administração da Ré, com a saída do Dr. BB, substituído nas funções pelo Dr. CC, presidente da Câmara Municipal ... à data – ponto 63 dos factos provados.

p) - A CCRR... considerou, em parecer de 17/03/2014 que a proposta de plano que lhe foi apresentada (com as alterações introduzidas pelas autoras após o anterior parecer) continuava a enfermar de um conjunto de situações que, na sua opinião, necessitavam de ser alteradas, melhoradas ou complementadas– ponto 65 dos factos provados, aditado no Acórdão da Relação do Porto.

12 - Na proposta referida em 11 l) previa-se a reclassificação do solo rural como urbano em toda a área.

13 – Após a entrega do plano referido em l), mais concretamente a 03 de Setembro de 2009 a divisão de gestão urbanística da Câmara emitiu parecer, no sentido de a nova proposta continuar a não reunir condições técnicas e jurídicas para ser submetida a conferência de serviços.

14 - Por cartas datadas de 06 de Novembro de 2013, as Autoras interpelaram a Ré para proceder ao pagamento de 49.200,00 € e 24.600,00 €, depois peticionados, na acção referida no ponto 5 dos factos provados.

15 – Por cartas datadas de 28 de Novembro de 2013, a C... respondeu a esta carta, invocando que o documento apresentado pelas autoras não configura uma proposta de plano”, pelo que recusa o peticionado pagamento.

16 - O parecer referido em 11 p) foi emitido na sequência de novo pedido de parecer, pedido pela Ré, em Fevereiro de 2014.

17 – Nesse parecer a CCDR... pronuncia-se no sentido da “existência das seguintes ilegalidades:

- Omissão do relatório e/ou planta com indicação das licenças ou autorizações de operações urbanísticas emitidas, bem como das informações prévias favoráveis em vigor, previstas na al. c) do ponto 2º da Portaria n.º 138/2005 de 02/02, então em vigor;

- Não constavam do programa de execução, disposições indicativas sobre os meios de financiamento das intervenções municipais previstas (al. c) do nº 2 do art. 89º do RGIT;

- Não era apresentada a estruturação das opções de perequação compensatória (cf. al. i) do mesmo artigo referido no item anterior;

- Não se encontrava demonstrada a necessidade e a excecionalidade da reclassificação de solo rural para urbano prevista, tal como determinava o art. 7º do Decreto Regulamentar n.º 11/2009 de 29 de maio;

- O Relatório apresentado não explicitava os objetivos estratégicos do plano e a respetiva fundamentação técnica, suportada na avaliação das condições económicas, sociais, culturais e ambientais para a sua execução, tal como determinava a al. a) do n.º 2 do artigo 899 do RJIGT vigente à data;

- Em vez da designação "Espaços canais", estabelecida no artigo 129º do decreto regulamentar n.º 11/2009, de 29 de maio, para qualificar as áreas de solo afetas às infraestruturas territoriais ou urbanas de desenvolvimento linear, era utilizada a designação "Espaços de infraestruturas";

- O plano não estabelecia os parâmetros aplicáveis ao estacionamento para indústrias e ao estacionamento público, em conformidade com o previsto no n.º 2 do artigo 439 do RJUE;

- As recomendações apresentadas no Relatório Ambiental eram muito limitadas, não abarcando todos os fatores ambientais analisados, (não dando cumprimento à al. f) do n.º 1 do artigo 62 do D.L. n.º 232/2007, de 15/06);

- Não era apresentada no RA qualquer análise de eventuais alternativas às propostas do Plano, nem tão pouco a fundamentação para essa omissão (cf. determina a al. g) do art. 62º do D.L. n.º 232/2007, de 15/06);

- O RA também não continha uma descrição das medidas de controlo previstas, tal como estabelece a al. h) do n.º 1 do D.L. n.º 232/2007, de 15/06.

18 – Após ter recebido o Acórdão da Relação do Porto, referido no ponto 10 dos factos provados, a R. deu nota disso à Câmara Municipal ....

19 – Esta por sua vez contactou a CCDR... a 05 de abril de 2017 solicitando um esclarecimento sobre quais as questões a ter em consideração no prosseguimento futuro do plano, face ao lapso de tempo decorrido desde o pedido de acompanhamento da elaboração do plano efetuado em finais de 2009 e face às alterações entretanto ocorridas a nível legislativo.

20 - Em resposta, a CCDR..., por ofício de 29 de Maio de 2017 informou que, além do plano dever ser completado de modo a incluir os elementos já identificados no parecer de 17 de Março de 2014, as regras tinham entretanto mudado, nomeadamente quanto à reclassificação do solo de Rústico para Urbano.

21 – A CCDR informou que deveria a proposta de plano “ser completada de modo a incluir todos os elementos estabelecidos nos números 1 a 5 do artigo 100º do RJIGT em vigor, em particular os seguintes, que não se encontravam previstos no D.L. n.º 46/2009, de 20/02:

• Modelo de redistribuição de benefícios e encargos;

• Plano de financiamento e fundamentação da sua sustentabilidade económica e financeira;

• Mapa de ruído, nos termos do n.º 1 do artigo 7º do Regulamento Geral do Ruído;

• Indicadores qualitativos e quantitativos que suportem a avaliação da adequação e concretização da disciplina consagrada no plano.

22 - Por outro lado, no mesmo ofício, esclareceu-se que, envolvendo este processo a reclassificação de solo rústico para urbano, destinado à criação de um parque empresarial, essa reclassificação só poderia ocorrer através da elaboração de um Plano de Pormenor com efeitos registais acompanhado de contrato de urbanização e teria de obedecer aos requisitos estabelecidos no artigo 72º do RJIGT e densificados no artigo 8º do Decreto Regulamentar n.º 15/2015, de 19/08, dos quais se destacam:

- A demonstração da inexistência de áreas urbanas disponíveis para os usos e funções pretendidas, suportada nos indicadores e critérios estabelecidos no n.º 4 do referido artigo 8º;

- A demonstração da sustentabilidade económica e financeira, a qual deveria integrar os seguintes elementos:

- demonstração da indisponibilidade de solo urbano na área urbana existente para a finalidade em concreto;

- demonstração do impacto da carga urbanística proposta no sistema de infraestruturas existente e da previsão dos encargos necessários ao seu reforço, à execução de novas infraestruturas e à sua manutenção;

- demonstração da viabilidade económica e financeira, incluindo a identificação dos sujeitos responsáveis pelo financiamento, das fontes de financiamento contratualizadas e do investimento público;

- estimativa de todos os custos associados à execução das infraestruturas, equipamentos, espaços verdes e outros espaços exteriores de utilização coletiva,, respetivos prazos de execução e sua distribuição pelos sujeitos responsáveis pelo financiamento da sua execução;

- estimativa da capacidade de investimento público das propostas preconizadas no plano, a médio e a longo prazo, tendo em conta os custos de execução referidos anteriormente;

- A fixação, por via contratual, dos encargos urbanísticos das operações previstas, do respetivo prazo de execução e das condições de redistribuição dos benefícios e encargos;

- O Plano de Pormenor com efeitos registais deveria ainda delimitar a área objeto de reclassificação e definir o prazo para a execução das obras de urbanização e das obras de edificação, o qual deve constar expressamente da certidão do plano a emitir para efeitos de inscrição no registo predial;

- O Plano de Pormenor com efeitos registais terá de observar o conteúdo material e documental estabelecidos nos artigos 102º e 107º do RJIGT.

23 – Tal implicava que a C... teria que ser dona de todos os prédios rústicos (na ordem das centenas) a reclassificar para urbanos e a incluir no Plano, o que não acontecia, nem acontece, ainda hoje.

24 - Ou então, não sendo dona de todos esses terrenos, o contrato de urbanização a acompanhar a reclassificação do solo teria que ser subscrito por todos os proprietários desses imóveis.

25 - A aquisição de todos os prédios, implicaria um enormíssimo esforço económico e implicaria também ser possível fazer-se a negociação de todos esses prédios ao mesmo tempo, num curto espaço de tempo e tê-los em condições de escriturar, o que não se revelava possível por razões de tempo e dinheiro.

26 - Essa sua aquisição também passaria por identificar e contactar todos os seus proprietários, muitos falecidos ou emigrados.

27 - E após essa primeira tarefa havia ainda que conseguir contactá-los, fazer-se a negociação dos preços e lograr a presença dessas centenas ou milhares de pessoas nas escrituras (desde habilitações de herdeiros, partilhas e venda, passando por rectificações várias ao nível da matriz e do registo predial e civil).

28 - Se em vez de comprar os imóveis, a R., optasse pelo contrato de urbanização, a tarefa, ao nível da identificação dos proprietários e das negociações a fazer, teria as mesmas dificuldades.

29 – Através do ofício n.º ... de 21 de Setembro de 2018, com registo de entrada na CCDR de 26/10/2018, a Câmara Municipal ... solicitou à CCDRC o agendamento de conferência procedimental, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 86º do RGIT, em vigor, remetendo uma proposta de plano com data de Julho de 2013.

30 - Esse pedido foi rejeitado com os seguintes fundamentos:

“Constata-se que os elementos agora enviados, e que têm a data de julho de 2013, são exatamente os mesmos que estiveram na base da emissão do parecer da CCDRC datado de 17.03.2014, não tendo sido objeto de qualquer correção e completamento, de acordo com o referido naquele parecer, nem tão pouco de acordo com o referido no ofício ..., datado de 23.05.2017, estando por isso manifestamente incompletos face ao que dispõe o atual quadro legal nesta matéria. Assim, considera-se que a proposta apresentada não reúne condições para que possa ser sujeita a conferência procedimental.

Acresce que a decisão de elaborar o presente plano data de 27.03.2009 (Aviso n.º ...), tendo na mesma sido estabelecido um prazo de 24 meses para a conclusão deste procedimento, prazo este há muito extinto, pelo que, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 76º do RJIGT, o mesmo encontra-se caducado, sendo necessário iniciar um novo procedimento”.

31 – No mês de Setembro de 2013 decorreu a campanha eleitoral para as eleições autárquicas que se realizaram em 29 de Setembro, eleições de que resultou a mudança de Presidente da Câmara.

32 - Não foram emitidas facturas relativamente às quantias peticionadas nestes autos.”.


*

No ponto 13 dos factos provados consta “Após a entrega do plano referido em l), mais concretamente a 03 de Setembro de 2009…”.

Existe lapso na data indicada conforme se verifica da mera leitura do parecer que se encontra junto aos autos - documento nº 12 junto com a Contestação -, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº1, do CPC, altera-se o ponto 13 dos factos provados passando o mesmo a conter a seguinte redacção:

“13 – Após a entrega do plano referido em l), mais concretamente a 03 de Setembro de 2013 a divisão de gestão urbanística da Câmara emitiu parecer, no sentido de a nova proposta continuar a não reunir condições técnicas e jurídicas para ser submetida a conferência de serviços.”.

III_ Fundamentação de direito

1ª Questão

Invocam as Recorrentes a nulidade da sentença por violação do “dever de exame crítico da prova, nos termos do art.º 607.º, n.º 3 do CPC” que esteou no seguinte:
(i) o Tribunal a quo não fundamentou “porque é que dá o mesmo facto como provado e não provado (existência e inexistência de mora da ré no cumprimento da prestação do contrato)”;
(ii) o Tribunal a quo considerou “provados factos em contradição evidente com documentos (Sentença e Acórdão, proferidos no processo anterior), em flagrante violação da autoridade do caso julgado, art.º 581.ºdo Código Civil, [d]esignadamente, que a Ré, a 30/05/2014 e 15/05/2015, data das alterações legislativas que alegadamente consubstanciariam a alegada alteração anormal das circunstâncias (…) não se encontrava em mora no cumprimento do contrato”.

As nulidades da sentença encontram-se previstas no artigo 615º do Código de Processo Civil que dispõe, no seu nº1, “É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”

Salvo o devido respeito, existe equívoco das Recorrentes na abordagem da questão porquanto, as nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos da mesma, não se confundindo com erros de julgamento. Como ensina o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 3/3/2021[5], “É, desde há muito, entendimento pacífico, que as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito: as nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual [nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma] ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.”

A omissão de análise crítica da prova não constitui fundamento da nulidade da sentença. O não cumprimento do dever de fundamentação da decisão da matéria de facto, imposto no artigo 607º, nº4, do Código de Processo Civil, a verificar-se, pode determinar a aplicabilidade da solução prevista no artigo 662º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil.

Efectivamente, a fundamentação da decisão da matéria de facto deve conter, como suporte mínimo, a concretização do meio probatório gerador da convicção do julgador e, ainda, a indicação das razões da credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova, a menção das razões justificativas da opção feita pelo julgador entre os meios probatórios de sinal oposto relativos ao mesmo facto. Todavia, analisada a peça recursiva das Recorrentes, salvo o devido respeito, a omissão de exame crítico da prova não foi invocado por referência a qualquer facto. A constituição, ou não, em mora por parte da Ré, no cumprimento da prestação contratual não constitui matéria de facto, mas matéria de direito[6]. Situação similar ocorre com o segundo fundamento invocado. Não foi indicado qualquer facto concreto considerado assente pelo Tribunal a quo que a prova documental ou outra impusesse decisão diversa. Não se trata de matéria de facto saber se a “Ré, a 30/05/2014 e 15/05/2015, data das alterações legislativas que alegadamente consubstanciariam a alegada alteração anormal das circunstâncias (…) não se encontrava em mora”.

Assim, sem prejuízo da apreciação das questões em sede de erro de julgamento, improcede a nulidade da sentença recorrida, com fundamento no artigo 607º, nº3, do CPC.

2ª Questão
Consta da conclusão 5ª que as Recorrentes, com o presente recurso, “impugnam a matéria de facto”, o que reiteram na conclusão 7ª [“impugnam (…) a matéria de facto selecionada, designadamente, a dos autos do processo anterior (documentos), junta aos presentes autos”] e na conclusão 8ª imputam a existência de “erro na selecção da matéria de facto”.

Dispõe o nº1 do artigo 639º do Código de Processo Civil que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.

Nos termos do artigo 640º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a. Os concretos pontos de factos que considera incorretamente julgados;

b. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c. A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

De harmonia com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, publicado no DR 220, 1ª série, de 14 de Novembro de 2023), «Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa».

Pode ler-se, na fundamentação - que permitimo-nos respeitosamente transcrever - do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência citado:

«Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso.

Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso, conforme o n.º 1, alínea c) do artigo 640[…].

5 — Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.».
Lidas as conclusões formuladas pelas Recorrentes não se encontra a menção de qualquer facto indicado como incorrectamente julgado. Percorrida a extensa motivação, não consta da mesma qualquer concreto ponto de facto considerado incorrectamente julgado e a decisão que, no entender das Recorrentes, devia ser proferida.

Pelo exposto e sem necessidade de mais considerandos, improcede a impugnação da decisão da matéria de facto.

3ª Questão

Dissentem as Recorrentes da decisão proferida pelo Tribunal a quo, sustentando que se mostram vencidas as prestações mencionadas nas alíneas f) e e) [ordem pela qual constam no contrato] da cláusula 9ª do contrato.

Advoga a Ré que apesar de na acção anterior ter sido considerado que a tranche relativa à entrega da Proposta de Plano (alínea d) da cláusula 9ª do contrato) era devida, isso não significa que “no meio tempo, (…) não tivesse agido de forma justificada (…) ao recusar o pagamento por entender que o trabalho da Equipa padecia de muitas falhas e não estava completo e que esta, ainda por cima, recusava a sua supervisão”. Nesta acção, estão em causa as tranches previstas nas alíneas f) e e) da cláusula 9ª). Nos termos do primeiro parágrafo da cláusula 9ª do contrato, os pagamentos a fazer pela R. às AA. implicavam sempre que estas emitissem previamente as respectivas facturas (“..as correspondentes notas de honorários…”), o que não sucedeu até hoje. Consequentemente, não havendo factura, nem prazo para o seu pagamento, não há mora da Ré.

Argumenta, ainda, que o vencimento da tranche prevista na cláusula 9ª, al. f), do contrato apenas ocorre quando já se está efectivamente em sede de Conferência de Serviços, o que não sucedeu devido à recusa da Equipa em aceitar efectuar as correcções que a Ré e a CM..., ao abrigo do seu direito de supervisionar aquela, lhe determinaram que fizesse. Conclui, assim, que esta tranche não se venceu, nem a tranche prevista na alínea e) da cláusula 9ª que vencer-se-ia após a aprovação do Plano, pela Assembleia Municipal, ou 60 dias após o vencimento da tranche anterior (a tranche f).

Cumpre apreciar e decidir.

Consta do contrato que:

“I – A primeira contraente é uma sociedade anónima, maioritariamente detida pelo Município ... e que foi constituída com o intuito de desenvolver um parque empresarial moderno, versátil e inovador no panorama nacional dos parques empresariais.

II – A segunda e terceira outorgantes concorreram ao concurso lançado pela primeira outorgante para elaboração do plano de urbanização, ou instrumento equivalente de ordenamento do território no âmbito do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro, que estabelece o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), que permita o desenvolvimento do Parque Empresarial ..., doravante designado abreviadamente por PE....

III – O PE... visa ser um parque empresarial, em regime de condomínio, em que a primeira outorgante será o administrador das zonas comuns que venham a ser afetas ao uso de todos os espaços industriais e não industriais que venham a surgir, para o qual é necessário idealizar e conceber e aprovar um regulamento que satisfaça as pretensões da primeira outorgante.

IV – Atendendo a que o processo de conceção do PE... é dinâmico, evolutivo e de longo prazo não seria curial a criação de uma definição rígida de todos os passos e detalhes urbanísticos do PE..., pois não se coaduna com o modelo de desenvolvimento do parque que se pretende ver implementado.

V – Atendendo à complexidade e número de entidades que terão de se pronunciar sobre o plano ou equivalente que vierem a ser elaborados no âmbito do PE... são fixados um conjunto de prazos.

VI – A área a considerar UOPG 9 já se encontra parcialmente intervencionada através de dois planos de pormenor já eficazes, que é necessário enquadrar e integrar no PU do PE....”.

Consta da cláusula segunda que “C..., S.A. adjudica a “B...” e a “A...” a elaboração do PU (Plano de Urbanização) do PE..., tendo estas assumido as seguintes obrigações:

- A “B...”, de elaborar, sob sua supervisão e do Município ..., o Plano com todos os elementos necessários à sua aprovação pelas entidades competentes.

- A “A...” de desenvolver, sob supervisão da C... e do Município ..., os projetos das especialidades de Engenharia das infraestruturas da Estrutura Central e respetivo núcleo de equipamentos e serviços dos instrumentos de licenciamento da operação urbanística necessária à concretização do referido Plano, ao nível do estudo prévio, nos termos do presente contrato.

Dispõe o nº2 da cláusula segunda, “A B... e a A... aceitam, em regime de solidariedade e cooperação, todas as obrigações do desenvolvimento, conceção, realização e articulação dos estudos, projetos e elementos de planeamento referidos no nº 1”, encontrando-se estipulado no nº 3 “No caso de alguma das sociedades prestadoras do serviço não venha, por motivo não imputável à primeira outorgante, a cumprir as disposições do presente contrato e respetivos documentos anexos, a outra sociedade fica com a obrigação de assegurar a concretização do trabalho da faltosa, sem que tal facto implique o pagamento de qualquer remuneração adicional pela C....”

Nos termos do segmento final da cláusula 3ª, as Autoras ficaram, ainda, obrigadas a “acompanhar a promotora e/ou os representantes do Município em todas as diligências técnicas que se mostrem necessárias à prossecução do objeto do presente contrato colaborando com a apresentação das soluções técnicas e legais necessárias ao bom desenvolvimento do processo de licenciamento urbanístico do PE...”.

Por referência às obrigações assumidas pela Ré, consta da cláusula terceira, “É da responsabilidade da promotora a articulação com o Município ... e deste com as demais entidades públicas e privadas intervenientes no processo de licenciamento, o que a obriga à realização das diligências necessárias no prazo de 30 dias contados a partir da data da sua determinação por carta ou ata”.

Como observa o Acórdão proferido por esta Relação, no processo nº15867/14.7YPRT, por força do contrato, as Autoras assumiram a obrigação de “idealizar, conceber e projectar a implementação de um parque empresarial num determinado espaço territorial e elaborar os elementos e documentos (com excepção de alguns que o próprio contrato elenca) necessários à criação do correspondente plano de urbanização e à sua apreciação e aprovação pelas entidades competentes. Trata-se, portanto, de uma obra intelectual que deverá assumir a forma de um projecto de ordenamento do território, arquitectónico, urbanístico e de engenharia, vertido para diversas plantas, documentos e relatórios”.

Constitui questão controversa, na doutrina e na jurisprudência, a qualificação de um acordo que tem por objecto a realização de obra intelectual.

Para uma orientação, o conceito de obra previsto na empreitada é amplo e abarca as obras incorpóreas ou intelectuais pois, não sendo a distinção entre obra material e obra de engenho ou intelectual, feita no artigo 1207º do Código Civil, não existe razão para que seja feita pelo intérprete. Para esta orientação, a essencialidade normativa decorrente da análise das normas contidas no regime da empreitada, quer ao nível das obrigações principais – obrigação de atingir um resultado material contra o pagamento de um preço – quer ao nível dos termos de execução, está presente no contrato pelo qual alguém se obriga perante outrem a realizar certa obra intelectual.

Outra orientação entende que a obra incorpórea ou intelectual se mostra subtraída do âmbito do contrato de empreitada, tal como o mesmo se mostra definido no Código Civil, no qual se omite, intencionalmente, a referência à prestação de um serviço.

Escreve Pedro Romano Martinez [7], «são relevantes os argumentos em sentido negativo, isto é considerando que o contrato de empreitada só pode ter por objecto coisas corpóreas. Em primeiro lugar, o legislador português (…), ao regulamentar o contrato de empreitada, preocupa-se, quase exclusivamente, com a construção de coisas corpóreas, muito em especial de edifícios. Razão pela qual o regime estabelecido para este tipo de negócio jurídico adapta-se melhor à realização desse tipo de obra, designadamente, os direitos de fiscalizar (artigo 1209º CC) e de exigir a eliminação dos defeitos (artigo 1221º) não se coadunam bem com a realização de obras incorpóreas, tais como as intelectuais. (…). Por outro lado, não há uma diferença fundamental entre criar uma coisa corpórea ou uma coisa incorpórea, mas a admitir esta última no objecto da empreitada, este contrato passará a constituir uma categoria demasiado ampla e imprecisa. Esta amplitude levaria a que o contrato de empreitada, na prática, abrangesse quase todo o conteúdo do contrato de prestação de serviço (artigo 1154º).

Além disso, a exteriorização que se pode verificar no caso de serem realizadas obras intelectuais (por ex., páginas do livro, fitas magnéticas, pautas de música) não se pode confundir com a obra em si, porque a obra intelectual, mesmo quando materializada, não se converte em coisa corpórea.

Acresce que o regime jurídico da empreitada, em, especial as regras respeitantes ao cumprimento defeituoso, como o dever de eliminar os defeitos da obra (artigo 1221º) não se coaduna com a obra intelectual. De igual modo, o regime do risco contratual (artigo 1227º) ou do risco da obra (1228º) está pensado para obras materiais.

Por último, as criações intelectuais não se devem enquadrar no conteúdo da empreitada, na medida em que, pela natureza da própria obrigação, tem de se admitir que o criador possa desistir a todo o tempo da atividade a que se obrigou, e, na empreitada, tal possibilidade só é concedida ao dono da obra(artigo 1229º)».

Refere o Acórdão de 14/4/2011, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa[8]: “J. BAPTISTA MACHADO, em anotação ao Ac. STJ de 09.11.1983, RLJ 118º (Nº 3738), 271-2282 e (Nº 3739), 317-320, considerando que, no contrato de elaboração de estudos e projectos de aquitectura, as prestações típicas são o resultado ou produto de um trabalho intelectual, e não uma obra ou resultado material, configurando, por isso, um contrato de prestação de serviços, mas atípico ou inominado, ao qual, no entanto, defende a aplicação, com as devidas adaptações, do regime da empreitada, no que concerne à responsabilidade por defeitos da obra, impossibilidade de execução, desistência do dono da obra (artigos 1221º e ss., 1227º, 1229º, todos do C.C.)”.

Pronunciando-se sobre a questão, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 18/1/2022 que permito-nos respeitosamente transcrever:

«Conclui Bianca de Sousa Teixeira que, ao longo dos tempos, a jurisprudência tem demonstrado uma inversão relativamente ao conceito de obra relacionado com o contrato de empreitada. Inicialmente começou por seguir-se a tese defendida por Ferrer Correia e Henriques Mesquita Ferrer Correia e Henrique Mesquita, que entendia que as criações incorpóreas e imateriais, como as criações intelectuais, estavam integradas no conceito de obra no contrato de empreitada, como se entendeu no Ac. do STJ 03-11-1983, Revista n.º 070604, cujo sumário é o seguinte:

“I - O contrato de empreitada pode ter por objecto uma obra eminentemente intelectual ou artística, nomeadamente, a produção de filmes para uma empresa de televisão, que se obrigou a pagar certa quantia, em prestações, fornecendo ainda as películas de imagem e som, além de meios e serviços clausulados no contrato.
…”.
Mais recentemente, seguindo o entendimento de Antunes Varela, que considera que a obra intelectual tem de ser autónoma da materialização, sendo distinto o suporte onde se materializa, não devendo ser regulado pelo regime da empreitada. A jurisprudência também acompanhou esta inflexão, como seja no Ac. do STJ de 11-07-2006, Revista n.º 06A1434, cujo sumário é o seguinte:
“I - O regime jurídico da empreitada prende-se com a realização de obras materiais. A realização de uma obra intelectual (literária, artística ou científica) não pode gerar um contrato de empreitada só pelo facto de envolver, como prestação acessória, ou secundária, a entrega de coisa material que lhe sirva de suporte.
II - A obra intelectual é coisa incorpórea distinta do seu suporte material, sendo diversos os direitos que sobre eles incidem.
...”
E no Ac. do STJ de 24-04-2012, Revista n.º 683/1997.L1.S1, cujo excerto de sumário relevante é o seguinte:
“I - Configura um contrato de arquitectura, o acordo celebrado entre autor e ré, em que a prestação essencial se traduz no resultado ou produto de um trabalho intelectual, no caso, na elaboração de estudo prévio, projecto base e projectos de arquitectura, além da assistência técnica à respectiva execução, com vista à reabilitação de zona monumentalizada e classificada como Monumento Nacional, obrigando-se o autor à realização de uma obra intelectual e artística, embora condicionada a critérios previamente definidos, materializada num conjunto de peças desenhadas, que, em si mesmas, são coisas corpóreas.
II - Trata-se de um contrato de prestação de serviços (art. 1154.º do CC), embora atípico, abrangido pelo princípio da liberdade contratual (art. 405.º do CC), que apresenta, conforme os casos, maior ou menor afinidade com o contrato de empreitada ou com o contrato de mandato, daí que a sua atipicidade determinará a aplicação das regras contidas nas suas próprias cláusulas e as normas gerais dos contratos, admitindo, ainda, a aplicação das regras do mandato devidamente adaptadas, se disso for caso, e, na medida do possível e sempre que a semelhança das situações o justifique, as regras da empreitada, designadamente, em sede de cumprimento defeituoso, por inobservância de regras procedimentais de ordem meramente técnica. (…).”
Porém, mais concluiu o citado e mais recente acórdão do STJ de 14/12/2016, a propósito da possibilidade de aplicação por analogia de determinadas regras da empreitada aos contratos de prestação de serviços, que “(…) o regime do contrato de empreitada revela-se, no essencial, inadequado aos contratos de prestação de serviço que tenham por objeto um resultado consistente na realização de coisas incorpóreas ou imateriais, em relação aos quais será, subsidiariamente, aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do contrato de mandato, nos termos do artigo 1156.º do CC.
Tal não obsta, porém, a que, em sede dessas adaptações, quando se mostrem inadequadas ao caso as disposições do contrato de mandato, se possa, casuisticamente, lançar mão de disposições mais conformes do próprio contrato de empreitada. Mesmo Antunes Varela, estrénuo defensor do conceito restrito de obra, admite que devam ser aplicadas, por analogia, algumas das disposições da empreitada no âmbito de contratos de realização duma obra literária, científica ou artística.
Significa isto não optar por uma compreensão latitudinária do conceito de obra que seja inclusiva das coisas incorpóreas e imateriais, envolvendo, por essa via, uma extensão sistemática do regime do contrato de empreitada, como sustentam os defensores da tese ampla do conceito de obra. E nem ainda assim se opta por uma extensão analógica categorial, de certo modo automática, por segmentos normativos ou institutos daquele regime, como parece ser a orientação perfilhada por Baptista Machado.
Afigura-se, antes, mais seguro adoptar uma metodologia de adaptação por via analógica mediante ponderação casuística que permita aferir a melhor adequação de determinado segmento normativo do regime típico da empreitada à natureza concreta da obra incorpórea e imaterial que estiver em causa.
E cremos também se situar, em geral, nessa linha o sentido perfilhado pela nossa jurisprudência, em particular a do Supremo Tribunal de Justiça, como disso dão nota as recensões de Cura Mariano e de Bianca Cecília de Sousa Teixeira.».

Pronunciando-se sobre a qualificação do acordo firmado entre as partes que teve por objecto a elaboração de um projecto com desenhos da obra a construir e de projectos de especialidade, incluindo o projecto de estabilidade nas componentes da estrutura, fundações do edifício e do betão armado, com vista à construção da moradia unifamiliar, mediante o pagamento de determinado preço, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 14/12/2016, proferido no processo n.º 492/10.0TBPTL.G2.S2[9], que assume a natureza de um contrato de prestação de serviço atípico:

I - O contrato de empreitada, segundo a noção dada no art. 1207.º do CC, fruto da solução legislativa adotada nesse âmbito, tem como traço característico a realização de certa obra corpórea e material, estando o respetivo regime legal modelado, nos seus diversos segmentos, em torno dessa característica.

II - Nessa medida, aquele regime revela-se, em regra, inadequado a reger os contratos de prestação de serviço atípicos que tenham por objeto um resultado consistente na realização de obra incorpórea e imaterial, em relação aos quais será, subsidiariamente, aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do contrato de mandato, nos termos do art. 1156.º do CC.

III - Tal não obsta, porém, a que, em sede dessas adaptações, se possa aplicar disposições do regime do contrato de empreitada mais conformes, quando as do contrato de mandato se mostrem inadequadas ao caso.

IV - Nessas adaptações, por via analógica, afigura-se mais segura uma metodologia de ponderação casuística que permita aferir a melhor adequação de determinado segmento normativo do regime típico da empreitada à natureza concreta da obra incorpórea e imaterial que estiver em causa.

V - A elaboração de um projeto de estabilidade com vista à construção de uma casa de habitação, nas componentes de estruturas, fundações e betão armado, na medida em que envolve cálculos e fórmulas matemáticas complexas que definem os materiais e as características de resistência dos elementos estruturais do edifício, bem como o seu dimensionamento e disposição, de forma a garantir a segurança da construção, traduz-se num resultado incorpóreo e imaterial.

VI - Assim, um contrato que tenha por objeto tal elaboração deve ser qualificado como contrato de prestação de serviço atípico, a que é aplicável, subsidiariamente, as disposições sobre o mandato, nos termos dos arts. 1154.º e 1156.º do CC…».

Aderindo-se à segunda orientação, o acordo entre Autoras e Rés configura um contrato de prestação de serviço atípico ao qual são aplicáveis as regras contidas nas suas próprias cláusulas e, subsidiariamente, as disposições sobre o mandato nos termos dos artigos 1154º e 1156º do Código Civil, admitindo, ainda, a aplicação de disposições do regime do contrato de empreitada quando as do contrato de mandato se mostrem inadequadas ao caso.

De acordo com o programa contratual, podemos afirmar que as Autoras apenas assumiram uma obrigação de meios[10], ou seja, comprometeram-se a realizar certa actividade, usando a diligência devida em vista de certo resultado visado pelo credor, não estando abrangido o dever de assegurar que o mesmo se produza[11].

Resulta da cláusula segunda que a Autora “B...” obrigou-se a elaborar, sob a supervisão da Ré e do Município ..., o Plano com todos os elementos necessários à sua aprovação pelas entidades competentes e a Autora “A...obrigou-se a desenvolver, sob supervisão da Ré C... e do Município ..., os projectos das especialidades de Engenharia das infraestruturas da Estrutura Central e respectivo núcleo de equipamentos e serviços dos instrumentos de licenciamento da operação urbanística necessária à concretização do referido Plano, ao nível do estudo prévio.

Não resulta do contrato qual o âmbito do poder de supervisão conferido à Ré e ao Município ... e as consequências, em caso de inobservância das instruções oriundas deste que não é parte no acordo.

Consta do artigo 75ºC do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo

Decreto-Lei 380/99 (então vigente) que:

“1 - O acompanhamento da elaboração dos planos de urbanização e dos planos de pormenor é facultativo.

2 - No decurso da elaboração dos planos, a Câmara Municipal solicita o acompanhamento que entender necessário, designadamente a emissão de pareceres sobre as propostas de planos ou a realização de reuniões de acompanhamento à comissão de coordenação e desenvolvimento regional territorialmente competente ou às demais entidades representativas dos interesses a ponderar.

3 - Concluída a elaboração, a Câmara Municipal apresenta a proposta de plano, os pareceres eventualmente emitidos e o relatório ambiental, à comissão de coordenação e desenvolvimento regional territorialmente competente que, no prazo de 22 dias, procede à realização de uma conferência de serviços com todas as entidades representativas dos interesses a ponderar, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 75.º-B e devendo a acta respectiva conter o parecer da comissão de coordenação e desenvolvimento regional sobre os aspectos previstos no n.º 4 do artigo 75.º-A.

4 - São convocadas para a conferência de serviços as entidades às quais, em virtude das suas responsabilidades ambientais específicas, possam interessar os efeitos ambientais resultantes da aplicação do plano.

5 - A convocatória da conferência de serviços é acompanhada das propostas de plano de urbanização e de plano de pormenor, bem como dos respectivos relatórios ambientais, e deve ser efectuada com a antecedência de 15 dias.

Socorrendo-nos do disposto no artigo 75º do Decreto-Lei 380/99, de 22 de Setembro, poder-se-á concluir que a supervisão conferida à Ré e ao Município inclui o poder de “apoiar o desenvolvimento dos trabalhos e assegurar a respectiva eficácia”; “promover a compatibilidade ou conformidade com os instrumentos de gestão territorial eficazes, bem como a sua compatibilização com quaisquer outros planos, programas e projectos de interesse municipal ou supramunicipal”; “permitir a ponderação dos diversos actos da Administração Pública susceptíveis de condicionar as soluções propostas, garantindo uma informação actualizada sobre os mesmos”; e “promover o estabelecimento de uma adequada concertação de interesses”.

Da leitura e interpretação do programa contratual não resulta que apresentada a proposta do plano, elaborada pelas Autoras, tenham sido conferidos poderes ao Município ... ou à Ré para apreciação prévia do mérito de tal proposta e decidir se a mesma deve ou não ser sujeita à conferência de serviços.

Decorre do disposto na alínea a) do artigo 1161º do Código Civil (aplicável por força do disposto no artigo 1156º do CC) que o mandatário é obrigado a praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante. Refere Manuel Januário da Costa Gomes[12] que «As instruções do mandante revestem neste contrato uma importância típica: o mandatário tem, pela natureza do contrato que celebrou, uma margem de autonomia na “modelação da esfera do principal” que o distingue tanto do trabalhador subordinado quanto do mero núncio».

Assim, às Autoras impõe-se que coloquem todo o seu zelo, saber, perícia e conhecimentos técnicos na execução da prestação à qual se vincularam, respeitando as regras impostas para o exercício da profissão mas dispondo de uma ampla margem de autonomia técnica.

Acompanha-se o decidido no Acórdão proferido no processo 15867/14.7YPRT (certidão junta pelas partes com a petição e contestação):

«a celebração do contrato com uma empresa exterior, ao invés do recurso aos serviços técnicos próprios da Câmara Municipal que, em princípio, teriam o conhecimento, a competência, os meios e a experiência acumulada necessária para a execução de um plano de urbanização desta magnitude sem o custo que o contrato importou para a Câmara Municipal (accionista maioritário da sociedade ré e à qual, em princípio, caberia elaborar o plano e submetê-lo à Assembleia Municipal), e o facto de se tratar de uma empresa de Planeamento e Arquitectura, permite deduzir que esse poder de supervisão tinha por objecto a definição do esquema e filosofia do parque industrial a implementar e dos objectivos a prosseguir com o projecto, preservando, no entanto, a capacidade criativa e o engenho da prestadora de serviços na produção do projecto do plano de urbanização.

Na nossa interpretação do contrato, o poder de supervisão não pode ser equiparado a poder dar ordens às autoras sob a totalidade dos aspectos em que se decompõe a sua prestação de serviços, confinando as autoras a meras executantes das ordens e ideias da Câmara Municipal, transformando-as numa espécie de serviços técnicos externos desta entidade, ou os serviços técnicos da Câmara numa espécie de pré-conferência de serviços não prevista no artigo 75ºC do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial.

Essa conformação do poder de supervisão adivinha-se do facto de o serviço das autoras ter sido dividido em três fases: na primeira elaborava-se um programa base de plano o qual devia ser aprovado pela Ré antes de se avançar para a fase seguinte; na segunda elaborava-se uma proposta preliminar do plano que deveria ser igualmente aprovada pela ré antes de se iniciar a fase seguinte; na terceira elaborava-se e entregava-se a proposta de plano que devia, naturalmente, ser a concretização do programa base e da proposta preliminar aceites pela ré.».

De harmonia com o disposto no artigo 798º do Código Civil, “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.

O devedor age com culpa se a sua conduta for pessoalmente censurável ou reprovável, ou seja, perante as circunstâncias concretas, o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo.

A culpa do devedor afere-se, em abstracto, tendo como padrão a diligência típica de um bom pai de família (cfr. artigo 799º, nº2, do C.C.).

No que respeita à prova da culpa, o nº1 do artigo 799º do Código Civil encerra uma presunção legal ao dispor “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”, ou seja, o devedor é a pessoa onerada com a alegação e prova das razões justificativas ou explicativas do não cumprimento[13].

Refere Luís Manuel Teles Menezes Leitão[14], “tendo a responsabilidade obrigacional como pressuposto a violação de uma obrigação, esta não se pode constituir sem a existência prévia de um direito de crédito cuja existência tem assim que ser provada pelo credor, nos termos do artigo 342º, nº1, do Código Civil. Ora, o cumprimento da obrigação aparece como facto extintivo desse direito de crédito, o que nos termos do artigo 342º, nº2, leva a que tenha que ser provado pelo devedor.

Mas nestes termos, se o credor provar a existência do direito de crédito parece que ficará dispensado de provar a inexecução da obrigação, uma vez que é o devedor que tem que provar o seu cumprimento. Se no entanto, o facto ilícito não for a mera inexecução da obrigação, resultante da abstenção do devedor, mas antes uma sua conduta positiva, como o cumprimento defeituoso da obrigação (…), já será o credor a ter que provar essa conduta, uma vez que nesses casos a prova da inexecução da obrigação não pode ser dispensada através da regra do artigo 342º, nº2.».

Revertendo aos presentes autos, consta do ponto V do contrato que “Atendendo à complexidade e número de entidades que terão de se pronunciar sobre o plano ou equivalente que vierem a ser elaborados no âmbito do PE... são fixados um conjunto de prazos”.

De harmonia com o teor do nº1 da cláusula 5ª do contrato, foram estipuladas três fases na elaboração do plano de urbanização:

“1ª Fase – Elaboração do “Programa Base” que será proposto no prazo de 50 dias contados da data em que for outorgado o presente contrato.

2ª Fase – Apresentação para discussão e votação de uma “Proposta Preliminar do Plano”, 50 dias após a aprovação do Programa Base. Esta proposta será acompanhada de todos os elementos necessários à sua interpretação.

3ª Fase – Entrega da Proposta de Plano, 60 dias após a comunicação formal da aprovação da Proposta Preliminar”.

Dispõe o nº2 da cláusula 5ª do contrato que “As alterações decorrentes do processo de apreciação de cada uma das fases – pareceres de entidades, conferência de serviços e discussão pública – serão processados no prazo máximo de 33 dias contados a partir da comunicação formal dos referidos pareceres ou atas”.

Relativamente à Ré, consta da cláusula 3ª, “É da responsabilidade da promotora a articulação com o Município ... e deste com as demais entidades públicas e privadas intervenientes no processo de licenciamento, o que a obriga à realização das diligências necessárias no prazo de 30 dias contados a partir da data da sua determinação por carta ou ata”.

Estipula a cláusula 6ª, no seu ponto 1, “O preço global, a pagar pela primeira contraente à segunda e terceira contraentes, pela elaboração do Plano com as características já melhor identificadas neste contrato, será de €300.000,00 (trezentos mil euros), a que acrescerá o IVA à taxa legal em vigor à data em que cada pagamento for devido nos termos da cláusula 9ª”, constando desta que:

“O montante acordado na cláusula 7ª será pago pela primeira contraente, às segundas contraentes, na seguinte proporção – dois terços à “B...” e um terço à “A...” -, nos 30 dias subsequentes à data em que forem rececionadas nos serviços administrativos da primeira contratante as correspondentes notas de honorários, a emitir nos prazos seguintes:

a) € 30.000,00, correspondentes a 10% do total acordado, na data da assinatura deste contrato;

b) € 30.000,00, correspondentes a 10% do total acordado, após a aprovação do Programa Base;

c) € 30.000,00, correspondentes a 10% do total acordado, após a aprovação da Proposta Preliminar;

d) € 90.000,00, correspondentes a 30% do total acordado, após a entrega da Proposta Plano;

f) € 60.000,00, correspondentes a 20% do total acordado, após a data em que venha a ser concluída a conferência de serviços e, se necessário, as reuniões de concertação que, definitivamente, aprovem o PE... ou 60 dias após a última diligência ou ato processual efetuado por qualquer um dos intervenientes no processo de apreciação e aprovação do Plano;

e) € 60.000,00, correspondentes a 20% do total acordado, após a aprovação do Plano pela Assembleia Municipal ... ou 60 dias após o vencimento da prestação anterior.

Parágrafo único – A falta de pagamento, no prazo estabelecido, de qualquer das prestações retro referidas, implica a suspensão dos prazos fixados na cláusula Quinta.”.

Como referido pelo Tribunal a quo, “estas alíneas preveem duas datas alternativas de vencimento das prestações.

No que se refere à alínea f):

_ Após a data que venha a ser concluída a conferência de serviços e, se necessário as reuniões de concertação que, definitivamente, aprovem o PE...;

- 60 dias após a última diligência ou ato processual efetuado por qualquer um dos intervenientes no processo de apreciação e aprovação do plano.

No que se refere à alínea e):

- Após a aprovação do Plano pela Assembleia Municipal ...:

- 60 dias após o vencimento da prestação anterior;

Trata-se, como referem as Autoras na petição aperfeiçoada, de cláusulas que preveem, alternativamente, o vencimento das prestações:

- ou quando ocorrer determinado evento (aprovação do PE... em conferência de serviços e na Assembleia Municipal ...;

- ou quando decorrer determinado tempo sem que nenhuma diligência seja requerida e independentemente da realização dos eventos antes referidos”.

Salvo o devido respeito, da cláusula 9ª, al. f), do contrato não resulta que a prestação em causa apenas se vence “quando já se está efectivamente em sede de Conferência de Serviços”, argumento aduzido pela Ré. A conjunção disjuntiva separa dois segmentos. No segundo segmento, não há qualquer referência ao início da Conferência de Serviços mas ao processo de apreciação e de aprovação do plano que se inicia, necessariamente, após considerar-se efectuada a entrega da proposta. O sentido pretendido pela Ré não tem qualquer correspondência com o texto da cláusula e implicaria colocar na sua disposição o vencimento da prestação pois, não diligenciando, em articulação com o Município, pela realização da Conferência de Serviços, não se verificaria o evento necessário ao vencimento da prestação.

Como referido pelo Tribunal a quo “Trata-se, pois, de uma cláusula que prevê o vencimento antecipado de prestações, ligadas, prima facie, à conclusão de uma fase dos trabalhos mas sem ficar absolutamente dependente dessa conclusão. O objectivo é óbvio: [evitar] que o pagamento global acordado ficasse dependente da iniciativa da Ré.”.

Vejamos, então, se ocorreu o vencimento antecipado das prestações mencionadas nas alíneas f) e e) da cláusula 9ª do contrato, relembrando que a Autora “B...” obrigou-se a elaborar, sob sua supervisão e do Município ..., o Plano com todos os elementos necessários à sua aprovação pelas entidades competentes e a Autora “A...” obrigou-se a desenvolver, sob supervisão da C... e do Município ..., os projectos das especialidades de Engenharia das infraestruturas da Estrutura Central e respectivo núcleo de equipamentos e serviços dos instrumentos de licenciamento da operação urbanística necessária à concretização do referido Plano, ao nível do estudo prévio, tendo a Ré assumido a obrigação de promover a articulação com o Município ... e deste com as demais entidades públicas e privadas intervenientes no processo de licenciamento.

Resulta da matéria de facto provada que:

_ A proposta base foi aprovada a 17 de Fevereiro de 2010.

_ A proposta preliminar foi aprovada a 20 de Janeiro de 2011.

_ Por carta datada de 17/02/2011, a A. B... enviou à Ré a proposta do PUPE....

_ Essa proposta não foi aceite pela Ré, seguindo-se uma série de reuniões entre as partes e de diligências por parte das AA e Ré.

_ A 27/03/2013, as AA. procederam à entrega à Ré de nova proposta de plano PUPE... tendo a Câmara Municipal ... pedido à CCDR... um parecer sobre o dossier de Proposta de Plano de Urbanização do Parque Empresarial ..., nos termos previstos no art. 75.º-C, nº 2, do RJIGT. Este parecer foi solicitado para “confirmar, através de outra entidade, a opinião da Câmara Municipal ... e da ora Ré acerca de incompletudes do dossier, e para auxiliar as ora AA. na identificação/resolução das falhas do mesmo”.

_ No dia 24/05/2013, deu entrada na Câmara Municipal ... o parecer solicitado à CCDR.... Nesse parecer, datado de 22 de Maio de 2013, a CCDR... considerou que a proposta de plano que lhe foi apresentada enfermava de um conjunto de situações que, na sua opinião, necessitavam de ser alteradas, melhoradas ou complementadas.

_ A 12/06/2013, a A. B... recebeu da Câmara Municipal ... uma carta acompanhada de cópia do parecer, datado de 22/05/2013, de apreciação técnica da PPUPE..., solicitado à CCDR....

_ A 19/07/2013, a A. B... entregou à Ré proposta de plano PUPE... revista, na qual são acolhidas, em parte, as recomendações do parecer da CCDR...; um “articulado de contraditório”, da autoria da Prof. Doutora AA, em relação às questões jurídicas que esta considerou que não tinham fundamento legal; e enviou, à Ré, uma carta na qual a informa que alguns dos requisitos daquele parecer só podem ser supridos pelos serviços da Câmara Municipal ... ou da ora Ré.

Consta dessa carta, entre o mais, que:

«Há contudo, alguns requisitos daquele parecer que só podem ser supridos pelos serviços da CM... e/ou C..., os quais constituem:
a) No segundo item do ponto 1, ou seja, o “Relatório e/ou planta com indicação …”;
b) [se pretenderem optar por caminho(s) diverso(s) do já concertado (s) e agora por nós respondido e reforçado] no referido terceiro item do ponto 1, ou seja, descrição mais concreta sobre os “meios de financiamento das intervenções municipais…”; de facto neste segundo caso era conveniente que o Município juntasse mais dados;
c) na inclusão de elementos que comprovem a saturação das zonas industriais existentes no concelho e, bem assim, da continuidade da procura;
d) no fornecimento “dum extrato a planta de zonamento acústico do mapa de ruído que inclua a zona (conforme 1º parágrafo da p.13), sendo que nós, como nos compete, estamos a fornecer o mesmo para a zona da intervenção (bem como outros elementos sobre esta matéria ali solicitados).

Após a vossa apreciação e logo que o entendam oportuno e conveniente forneceremos os ficheiros em suporte digital para que possam proceder à impressão dos exemplares necessários para o envio para a conferência de serviços. Ficamos, contudo, ao dispor e interessados em reunir para trocar impressões sobre estes assuntos.

Com vista a agilizar os procedimentos, nesta mesma data informaremos os Sr. Presidente da Câmara desta entrega.»

_ Após a entrega da proposta do plano de 19/7/2013, a divisão de gestão urbanística da Câmara emitiu parecer, datado de 3/9/2013, no sentido de a nova proposta continuar a não reunir condições técnicas e jurídicas para ser submetida a conferência de serviços, apontando a “existência das seguintes ilegalidades”:

- Omissão do relatório e/ou planta com indicação das licenças ou autorizações de operações urbanísticas emitidas, bem como das informações prévias favoráveis em vigor, previstas na al. c) do ponto 2º da Portaria n.º 138/2005 de 02/02, então em vigor;

- Não constavam do programa de execução, disposições indicativas sobre os meios de financiamento das intervenções municipais previstas (al. c) do nº 2 do art. 89º do RGIT);

- Não era apresentada a estruturação das opções de perequação compensatória (cf. al. i) do mesmo artigo referido no item anterior;

- Não se encontrava demonstrada a necessidade e a excecionalidade da reclassificação de solo rural para urbano prevista, tal como determinava o art. 7º do Decreto Regulamentar n.º 11/2009 de 29 de Maio;

- O Relatório apresentado não explicitava os objetivos estratégicos do plano e a respetiva fundamentação técnica, suportada na avaliação das condições económicas, sociais, culturais e ambientais para a sua execução, tal como determinava a al. a) do n.º 2 do artigo 899º do RJIGT vigente à data;

- Em vez da designação "Espaços canais", estabelecida no artigo 129 do decreto regulamentar n.º 11/2009, de 29 de maio, para qualificar as áreas de solo afetas às infraestruturas territoriais ou urbanas de desenvolvimento linear, era utilizada a designação "Espaços de infraestruturas";

- O plano não estabelecia os parâmetros aplicáveis ao estacionamento para indústrias e ao estacionamento público, em conformidade com o previsto no nº 2 do artigo 439º do RJUE;

- As recomendações apresentadas no Relatório Ambiental eram muito limitadas, não abarcando todos os factores ambientais analisados, (não dando cumprimento à al. f) do n.2 1 do artigo 62 do D.L. n.º 232/2007, de 15/06).

- Não era apresentada no RA qualquer análise de eventuais alternativas às propostas do Plano, nem tão pouco a fundamentação para essa omissão (cf. determina a al. g) do art. 62º do D.L. n.º 232/2007, de 15/06).

- O RA também não continha uma descrição das medidas de controlo previstas, tal como estabelece a al. h) do n.º 1 do D.L. n.º 232/2007, de 15/06.

_ Em Fevereiro de 2014, a Ré solicitou a emissão de parecer sobre essa proposta apresentada em Julho de 2013. A CCRR... considerou, em parecer datado de 17/03/2014, que essa proposta de plano (com as alterações introduzidas pelas autoras após o anterior parecer) continuava a enfermar de um conjunto de situações que, na sua opinião, necessitavam de ser alteradas, melhoradas ou complementadas.

_ Em 3 de Dezembro de 2013 teve início o processo de injunção nº 15867/14.7YPRT no âmbito do qual as ora AA, B..., Lda. e A..., Lda., reclamaram o pagamento, pela Ré C..., S.A., de, respectivamente, € 49.200,00, e de € 24.600,00, quantias acrescidas de juros de mora, à taxa comercial, a partir de 08/04/2013 e até integral pagamento. Tais quantias reportam-se ao remanescente da tranche prevista na alínea d) da cláusula 9º do contrato celebrado entre as partes, isto é € 90.000,00, correspondentes a 30% do total acordado, a pagar após a entrega da Proposta Plano. Por Acórdão proferido por esta Relação, em Janeiro de 2017, foi julgada a acção procedente.

Nesse Acórdão, foi considerado que “não obstante a proposta de plano apresentada pelas autoras possam já ser detectadas insuficiências que, se não forem ultrapassadas, muito provavelmente impedirão a obtenção de parecer favorável das entidades envolvidas, o que as autoras elaboraram e apresentaram reúne as condições formais para constituir uma proposta de plano passível de ser submetida à conferência de serviços e corrigida e/ou melhorada na conferência de serviços inicial, nas reuniões de concertação e mesmo, se necessário na nova conferência de serviços, estando assim verificado o evento de que o contrato faz depender o vencimento da prestação exigida pelas autoras.”

_ Após ter recebido o Acórdão da Relação do Porto, a R. deu nota disso à Câmara Municipal ... que, por sua vez, contactou a CCDR..., a 05 de Abril de 2017, solicitando um esclarecimento sobre quais as questões a ter em consideração no prosseguimento futuro do plano, face ao lapso de tempo decorrido desde o pedido de acompanhamento da elaboração do plano efetuado em finais de 2009 e face às alterações entretanto ocorridas a nível legislativo.

_ Em resposta, a CCDR..., por ofício de 29 de Maio de 2017 informou que, além do plano dever ser completado de modo a incluir os elementos já identificados no parecer de 17 de Março de 2014, as regras tinham entretanto mudado, nomeadamente quanto à reclassificação do solo de Rústico para Urbano; e que deveria a proposta de plano “ser completada de modo a incluir todos os elementos estabelecidos nos números 1 a 5 do artigo 100º do RJIGT em vigor, em particular os seguintes, que não se encontravam previstos no D.L. n.º 46/2009, de 20/02:

• Modelo de redistribuição de benefícios e encargos;

• Plano de financiamento e fundamentação da sua sustentabilidade económica e

financeira;

• Mapa de ruído, nos termos do n.º 1 do artigo 7º do Regulamento Geral do Ruído;

• Indicadores qualitativos e quantitativos que suportem a avaliação da adequação e

concretização da disciplina consagrada no plano.

_ Através do ofício n.º ... de 21 de Setembro de 2018, com registo de entrada na CCDR de 26/10/2018, a Câmara Municipal ... solicitou à CCDR… o agendamento de conferência procedimental, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 86º do RGIT, em vigor, remetendo uma proposta de plano com data de Julho de 2013.

_ Esse pedido foi rejeitado com os seguintes fundamentos: “Constata-se que os elementos agora enviados, e que têm a data de Julho de 2013, são exatamente os mesmos que estiveram na base da emissão do parecer da CCDR… datado de 17.03.2014, não tendo sido objeto de qualquer correção e completamento, de acordo com o referido naquele parecer, nem tão pouco de acordo com o referido no ofício ..., datado de 23.05.2017, estando por isso manifestamente incompletos face ao que dispõe o atual quadro legal nesta matéria. Assim, considera-se que a proposta apresentada não reúne condições para que possa ser sujeita a conferência procedimental.

Acresce que a decisão de elaborar o presente plano data de 27.03.2009 (Aviso n.º ...), tendo na mesma sido estabelecido um prazo de 24 meses para a conclusão deste procedimento, prazo este há muito extinto, pelo que, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 76º do RJIGT, o mesmo encontra-se caducado, sendo necessário iniciar um novo procedimento”.

Considerado, por Acórdão proferido por esta Relação, que a proposta entregue pelas Autoras, em Julho de 2013, observa os requisitos formais, impunha-se à Ré articular com o Município ... por forma a dar cumprimento ao disposto no nº 3 do artigo 75ºC do Decreto-Lei 380/99 que dispõe “Concluída a elaboração, a câmara municipal apresenta a proposta de plano, os pareceres eventualmente emitidos e o relatório ambiental, à comissão de coordenação e desenvolvimento regional territorialmente competente que, no prazo de 22 dias, procede à realização de uma conferência de serviços com todas as entidades representativas dos interesses a ponderar, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 75.º-B e devendo a acta respectiva conter o parecer da comissão de coordenação e desenvolvimento regional sobre os aspectos previstos no n.º 4 do artigo 75.º-A.”.

Salvo o devido respeito, o prazo mencionado na alínea f) da cláusula 9ª não se inicia após a data da última diligência efectuada, na sequência da notificação do Acórdão. A prestação mencionada na alínea f) é exigível logo que decorram sessenta dias sobre a data da última diligência efectuada após a entrega da proposta, em Julho de 2013, que marca o início de uma nova fase: de apreciação do mérito da proposta e decisão. Considerando o sucedâneo de factos ocorridos, após a entrega da proposta e da carta, em 19/7/2013, pela Autora B..., à Ré, e a suspensão dos prazos, no mês de Agosto (cláusula 5ª, nº1), após o parecer de 17/3/2014, decorreram sessenta dias sem ter sido efectuada qualquer diligência.

Da articulação entre o teor das cláusulas 3ª e 9ª, alínea f), a Ré estava obrigada a diligenciar junto do Município ... no sentido da proposta entregue pelas Autoras ser sujeita à apreciação da conferência de serviços. Decorridos 60 dias sem ter tido início a conferência, verificou-se o evento do qual as Autoras podem exigir aquela prestação.

Salienta-se que a Autora B..., na carta enviada em 19/7/2013, dirigida à Ré, termina referindo “Após a vossa apreciação e logo que o entendam oportuno e conveniente forneceremos os ficheiros em suporte digital para que possam proceder à impressão dos exemplares necessários para o envio para a conferência de serviços. Ficamos, contudo, ao dispor e interessados em reunir para trocar impressões sobre estes assuntos”, ou seja, presta esclarecimentos sobre a tomada de posição que assumiu, informa que fica a aguardar a conferência de serviços e disponibiliza-se para “trocar impressões”.

Assim, o prazo de 60 dias tem início na data da entrega do parecer de 17/3/2014 e não em data posterior ao Acórdão proferido no processo nº 15867/14.7YPRT.

Pelo exposto, as Autoras demostraram os factos constitutivos do direito de crédito que reclamam: a entrega da proposta e o decurso do prazo de 60 dias, após o parecer de 17/3/2014, sem qualquer diligência efectuada pela Ré no sentido de articular com o Município ... para a realização da conferência prevista no nº 3 do artigo 75º C do Decreto-Lei 380/99.

Considerou o Tribunal a quo “Era, pois, compreensível e legítimo que a Ré esperasse pela decisão judicial a proferir no âmbito do processo 15867/14.7YPRT, para efectuar o pagamento relativo à prestação da alínea d) da cláusula nona. Ora, só com a decisão do Tribunal da Relação, fica definitivamente encerrado o capítulo relativo ao pagamento dessa prestação, abrindo, depois, o capitulo relativo às prestações seguinte – e) e f).

E este foi, também, inequivocamente, o entendimento das Autoras, pois que só vêm exigir o pagamento dessas prestações após o pagamento da anterior, na sequência da já referida decisão de Janeiro de 2017, proferida no âmbito do processo 15867/14.7YPRT.

Assim, conclui-se que só a partir dessa data era exigível as prestações a que se refere a cláusula nona alíneas e) e f)”.

Salvo o devido respeito, não se acompanha este raciocínio. Pelo Tribunal da Relação do Porto foi considerado que a Ré constituiu-se em mora por referência ao pagamento da prestação prevista na alínea d) da cláusula 9ª. A mora do devedor consiste na situação em que a prestação, embora ainda possível, não foi realizada no tempo devido, por facto imputável ao devedor e tem como consequências a obrigação de o devedor indemnizar os danos causados ao credor e a inversão do risco pela perda ou deterioração da coisa devida. A circunstância de o Acórdão ter sido proferido em Janeiro de 2017 e de o pagamento da parcela prevista na alínea d) da cláusula 9ª ter sido efectuada logo após a prolação dessa Decisão, não elimina a situação de mora em que a Ré se encontrava desde 8/4/2013.

Demonstrou a Ré que a não realização da conferência, no prazo de 60 dias após a entrega da proposta, não procede de culpa sua? Advoga a Ré que agiu de forma justificada, convocando o estabelecido no nº1 da cláusula 12ª do contrato; a circunstância de a proposta apresentada pelas Autoras conter “muitas falhas” e não se encontrar completa; e por as Autoras terem recusado a supervisão.

Como se observa no Acórdão proferido no processo nº 15867/14.7YPRT que permitimo-nos respeitosamente transcrever:

«O nº5 do artigo 75º -C do referido Regime, na versão em vigor à data dos factos, estabelece que a Câmara Municipal (entidade que possui legitimidade para requerer o acompanhamento do processo e a emissão pelas diversas entidades de parecer sobre o plano apresentado) apresenta a proposta de plano à comissão de coordenação e desenvolvimento regional e esta no prazo de 22 dias, procede à realização de uma conferência de serviços com todas as entidades representativas dos interesses a ponderar. Para o efeito a norma apenas exige que o plano esteja elaborado e que à comissão seja apresentada uma proposta de plano de urbanização a fim de a convocatória das diversas entidades ser feita já com remessa dessa proposta para que as entidades possam antecipadamente conhecer a proposta sobre a qual irão emitir parecer.

A Câmara Municipal ... que, assinale-se, não é parte no contrato, até pode estar habituada a relacionar-se com a comissão de coordenação e desenvolvimento regional e com as várias entidades que tutelam os interesses envolvidos no plano de uma forma que compreenda a prévia auscultação sobre o que cada uma delas pensa sobre determinado projecto de plano de ordenamento de território e a posterior apresentação de uma proposta de plano que dê antecipadamente resposta a todas as objecções que a Câmara Municipal sabe que as entidades iriam levantar. Uma forma de trabalhar dessa jaez poderá ser a mais adequada e a que evitará perdas de tempo e diligências inúteis. Todavia, não é a única forma de trabalhar possível ou permitida pelo referido regime.

O disposto nos artigos 75ºC e 76º é perfeitamente compatível com a apresentação de uma proposta de plano não previamente negociada ou concertada com a comissão de coordenação e as diversas entidades mas que depois será alterada ou revisa de forma a dar resposta às objecções que lhe sejam opostas mas que depois será alterada ou revista de forma a da resposta às objecções que lhe sejam opostas e que o proponente não logre vencer. Se a primeira forma de trabalhar tem a vantagem de reduzir o tempo necessário para emissão do parecer e de garantir antecipadamente que ele será favorável, a segunda tem a vantagem de permitir ao proponente actuar junto da comissão e das entidades para as tentar convencer do mérito e da vantagens da proposta apresentada, eliminando as resistências das entidades e introduzindo na proposta apenas as alterações estritamente necessárias para a obtenção do parecer favorável sem desvirtuar as intenções do proponente do plano.

A nosso ver isso resulta claramente do disposto no nº3 do artigo 76º, que no caso dos planos de urbanização estabelece que após a realização da conferência de serviços, a Câmara Municipal pode promover a realização de reuniões de concertação com as entidades que tiverem discordado formalmente das soluções do plano projectado tendo em vista obter uma solução concertada que permita ultrapassar as objecções formuladas, ou mesmo uma nova conferência de serviços com as entidades representativas dos interesses a ponderar que se justifiquem e com a comissão de coordenação e desenvolvimento regional.

Afinal para que serviriam essas reuniões de concertação e a nova conferência de serviços se logo aquando da primeira conferência a proposta de plano devesse estar numa fase tão adiantada e aperfeiçoada que já só houvesse pequenos detalhes para acertar?

A resposta parece óbvia: no momento da convocação da conferência de serviços inicial a proposta de plano pode necessitar ainda de desenvolvimentos significativos. O que importa é que até ao momento do esgotamento das reuniões de concertação e da nova conferência ela seja melhorada para poder merecer parecer favorável. Tanto assim que nos termos do artigo 81º a elaboração dos planos municipais do ordenamento do território apenas se considera concluída com a aprovação da respectiva proposta pela Assembleia Municipal, ou seja, é um processo evolutivo, passível sempre de alterações ou melhoramentos até ao momento da sua aprovação pelo órgão autárquico competente (que poderão mesmo obrigar eventualmente à convocação de nova conferência de serviços.».

No que tange à imputada recusa das Autoras no cumprimento das instruções da CM..., convoca-se o acima exposto quanto ao conteúdo do poder de supervisão conferido à Ré e ao Município ..., na cláusula 2ª do contrato e à autonomia técnica que as primeiras gozam no cumprimento da prestação à qual se vincularam.

Importa salientar que as Autoras, com a proposta do plano, entregue em Julho de 2013, informaram que “alguns requisitos” mencionados no parecer da CCDR só podem ser supridos pelos serviços da CM... e/ou pela Ré C..., entre os quais: o “Relatório e/ou planta com indicação” mencionado no tem 1; os “meios de financiamento das intervenções municipais”; elementos que “comprovem a saturação das zonas industriais existentes no concelho e, bem assim, da continuidade da procura”; o fornecimento “dum extrato da planta de zonamento acústico do mapa de ruído que inclua a zona (conforme 1º parágrafo da p.13), sendo que nós, como nos compete, estamos a fornecer o mesmo para a zona da intervenção (bem como outros elementos sobre esta matéria ali solicitados).».

Como observa o Acórdão proferido no processo nº 15867/14.7YPRT, no parecer datado de 17 de Março de 2014, a CCDR assinala como elementos em falta “o relatório das licenças ou autorizações urbanísticas” e “as disposições indicativas dos meios de financiamento das intervenções municipais previstas” os quais têm de ser fornecidos pela Câmara Municipal e acrescentados à proposta das Autoras no momento de a submeter à conferência de serviços…”, acrescentando que no parecer a CCDR «está (…) a afirmar que na sua opinião (que, aliás, não tem de ser a opinião das demais entidades, com competências próprias) a proposta não tem uma fundamentação teórica que as entidades chamadas à conferência possam aceitar como bastante para considerarem satisfeitos os requisitos previstos nessas normas e darem-lhe parecer favorável (v.g. «não se encontra demonstrada a necessidade e excepcionalidade da reclassificação do solo rural para urbano prevista»; «não explica os objectivos estratégicos do Plano e a respectiva fundamentação técnica»; «as recomendações apresentadas no Relatório Ambiental são muito limitadas»). [No contrato], não se encontra cláusula ou cláusulas que vinculem as Autoras, no tocante ao relacionamento com a CCDR e as diversas entidades ao nível da conferência de serviços e das reuniões de concertação, a adoptarem o padrão de comportamento que a Câmara Municipal entende adequado (por ventura, à luz do que exige para si quando lhe cabe o papel de órgão de apreciação e decisão sobre projectos de urbanização) ou mesmo a acatarem, no âmbito da sua relação contratual com a ré, a decisão política da Câmara Municipal de só lhes apresentar uma proposta que agrade à Câmara Municipal ou esta saiba de antemão que a mesma obterá parecer favorável.

A ré pode exigir das Autoras que elaborem um plano que respeite as regras legais e reúna os requisitos materiais para poder obter parecer favorável e posteriormente ser aprovado pela Assembleia municipal. Se isso demandar das autoras que alterem a proposta de plano que apresentaram, que supram insuficiências ou deficiências de que a mesma, no entender das entidades chamadas a dar parecer, enferme, a ré pode exigir-lhes que actuem nesse sentido, sob pena de incumprirem a prestação. Mas a ré não pode exigir das autoras que isso seja feito antecipadamente, antes da conferência de serviços por nem o contrato, nem a lei o exigirem e por as eventuais deficiências/insuficiências puderem ser sanadas após a conferência de serviços inicial e em sede de reuniões de concertação (antes da nova conferência de serviços), nas quais as autoras poderão fazer valer os seus argumentos e eventualmente convencer as entidades a não fazerem determinadas exigências e emitirem parecer favorável, sendo certo que a seguir-se a metodologia pela qual as autoras optaram é contra elas que corre o risco de não haver tempo para sanar as insuficiências e a proposta no decurso das reuniões de concertação e até à realização da nova conferência de serviços.[Ao celebrarem] o contrato as parte tiveram presente essa foram de desenvolvimento do procedimento de aprovação do plano. É o que se pode concluir do nº2 da cláusula 5ª na qual ficou estabelecido que «as alterações decorrentes do processo de apreciação de cada uma das fases – pareceres de entidades, conferência de serviços e discussão pública – serão processados no prazo máximo de 33 dias contados a partir da comunicação formal dos referidos pareceres ou actas».

Pelo exposto, não se encontra demonstrada qualquer diligência da Ré, no prazo de 60 dias após o Parecer da CCDR, com vista a, em articulação com o Município, promover a realização da conferência de serviços, e justificação para a omissão de tais diligências. Em suma, a Ré não logrou demonstrar que não procede de culpa sua a não realização da conferência de serviços. Na execução das prestações contratualmente contraídas, é imposta a cada uma das partes a observância do princípio geral da boa fé. À Ré assiste o direito de analisar se está ou não perante causas que justificam a não articulação com a Câmara Municipal no sentido de ser realizada a Conferência de serviços. No entanto, se os motivos forem manifestamente infundados, é responsabilizada pelo atraso no cumprimento dessa sua obrigação. A Ré, “sociedade anónima, maioritariamente detida pelo Município ...”, não pode deixar de saber que segundo o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, as eventuais deficiências/insuficiências da proposta do plano, imputáveis às Autoras, podiam ser sanadas na conferência de serviços inicial e em sede de reuniões de concertação.

Pelo que vem sendo dito, não se mostra justificada à luz do princípio da boa fé, a não promoção, pela Ré, da realização da conferência de serviços.

Assim, resultando da matéria de facto provada que as Autoras entregaram a proposta de plano que foi considerada para efeitos de vencimento da prestação da alínea d) da cláusula 9ª, a 19 de Julho de 2013 e que nos sessenta dias subsequentes ao Parecer de 17/3/2014, nenhuma diligência foi realizada, mostram-se verificados os pressupostos fácticos dos quais depende a exigibilidade das prestações reclamadas pelas Autoras.

Suscitam as Recorrentes, em sede de recurso, o vencimento das prestações por aplicação do regime previsto no artigo 781º do Código Civil. Trata-se de questão não suscitada nos articulados e não foi apreciada na sentença objecto do presente recurso. Exceptuando o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil), da existência de questão de conhecimento oficioso (artigos 608º, nº 2, 2ª parte e 663º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil), da alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do Código de Processo Civil) ou da mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil), os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas[15] .

Por isso, no que respeita a este segmento das conclusões apresentadas pelas Recorrentes, por constituir uma questão nova que não é de conhecimento oficioso, este tribunal abstém-se de conhecer este fundamento do recurso.

Por força do disposto no corpo da cláusula 9ª, a prestação mencionada na alínea d) da cláusula 9ª vencia-se no prazo de “30 dias subsequentes à data em que forem recepcionadas nos serviços administrativos da primeira contratante [Ré] as correspondentes notas de honorários”.

Conforme resulta da matéria de facto provada, as Autoras não emitiram as facturas [“notas de honorários”] correspondentes às prestações objecto das alíneas f) e e) da cláusula 9ª.

Assim, considerar-se-á que o vencimento de tais prestações ocorreu com a citação para a presente acção, assistindo à Autora A..., o direito à quantia de €40.000 (quarenta mil euros), correspondente à sua parte nas prestações previstas nas alíneas f) e e) da cláusula 9.ª do contrato; e à Autora B..., a quantia de €80.000 (oitenta mil euros), correspondente à sua parte nas prestações previstas nas alíneas f) e e) da cláusula 9.ª do contrato [pedido deduzido na petição de 3/5/2021].

Sobre as quantias de € 40.000,00 e de €80.000,00, acrescem juros de mora, à taxa comercial, contados desde a data do respectivo vencimento até integral e efectivo pagamento.

Procede, assim, parcialmente esta pretensão recursória.

4ª Questão

Insurgem-se as Recorrentes contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto ao pedido reconvencional “fundado numa alegada alteração anormal das circunstâncias, nos termos e para efeitos do art.º 437.º do Código Civil [que] conferiu à Ré o invocado direito de resolução do contrato, nos termos do art.º 432.º e ss. do Código Civil”.

Sustentam que “atento o disposto no art.º 438.º do Código Civil, encontrando-se a Ré em mora no cumprimento do contrato, nas datas de 2014 e 2015, datas da alegada alteração legislativa que consubstanciou a alegada alteração anormal das circunstâncias, não seria invocável (…) o direito à resolução do contrato, previsto no art.º 437.º, n.º 1 do Código Civil”.

Advogam, ainda, que (i) os factos alegados e provados não são suficientes para o preenchimento dos cinco pressupostos cumulativos exigidos para a aplicação do regime previsto no art.º 437.º do Código Civil; (ii) “o regime previsto para resolução dos contratos, nos art.º 432.º e ss. do CC, por remissão do art.º 439.º do CC, não poderia ser aplicável, como foi na sentença recorrida, [desde] logo porque, tendo as AA. já procedido à entrega da proposta de Plano, não estaria a Ré em condições de cumprir o estatuído no art.º 432.º, n.º 2 do CC”; (iii) e “a sentença recorrida viola a contrario o disposto no art.º 434.º n.º 2 do CC, na medida em que o contrato de prestação de serviços em apreço se trata de um contrato de prestação instantânea fraccionada”; e as cláusulas do contrato, “designadamente, a prevista no n.º 2 da cláusula 12.ª do contrato [estabelece] um regime contratual próprio que, sendo diverso, afasta a aplicabilidade regime geral de resolução dos contratos, previsto nos art.º 432.º e ss. do CC”.

Salvo o devido respeito, na sentença recorrida, não foi abordada a questão da resolução do contrato celebrado entre Autoras e Ré mas a sua modificação com fundamento na alteração das circunstâncias.

A alteração anormal das circunstâncias corresponde a uma situação em que se verifica a contradição entre dois princípios jurídicos: o princípio da autonomia privada, que exige o pontual cumprimento dos contratos livremente celebrados, e o princípio da boa fé, nos termos do qual não será lícito a uma das partes exigir da outra o cumprimento das suas obrigações sempre que uma alteração do estado de coisas posterior à celebração do contrato tenha levado a um desequilíbrio das prestações gravemente lesivo para essa parte[16].

Dispõe o artigo 437º do Código Civil que:

1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.

2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.”


De harmonia com o disposto no artigo 438º do Código Civil, “A parte lesada não goza do direito de resolução ou modificação do contrato, se estava em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou”.

Para que a alteração das circunstâncias pressupostas pelos contraentes conduza à resolução do contrato ou à modificação do respectivo conteúdo, exige o citado artigo 437º que se encontrem reunidos cumulativamente cinco pressupostos.

Resulta do primeiro pressuposto que apenas são relevantes as alterações das circunstâncias efectivamente existentes à data da celebração do contrato e que tenham sido causais em relação à sua celebração pelas partes (a denominada “base do negócio objectiva”).

Relativamente ao segundo pressuposto, exige-se que alteração tenha carácter anormal, ou seja, que fosse de todo imprevisível para as partes a sua verificação. Refere Luís Manuel Teles Menezes Leitão[17] que as alterações legislativas completamente inesperadas também devem ser qualificadas como “alteração anormal das circunstâncias”, o mesmo sucede com uma mudança radical nos pressupostos de facto que determinaram a celebração do negócio, indicando a crise económica que atingiu a Europa a partir de 2008 e a situação específica em Portugal a partir de 2011.

O terceiro pressuposto exige que a alteração das circunstâncias provoque a lesão de uma das partes no contrato, o que determina o surgimento de um desequilíbrio entre as prestações contratuais.

O quarto pressuposto exige que o desequilíbrio contratual gerado pela alteração das circunstâncias seja de tal ordem, que torne contrária à boa fé que a parte beneficiada venha exigir o cumprimento do contrato.

O quinto pressuposto exige que a lesão causada pela alteração das circunstâncias não se apresente como coberta pelos riscos próprios do contrato. Cada decisão de contratar envolve uma assunção de riscos, não se podendo recorrer à alteração das circunstâncias sempre que a lesão sofrida pela parte não ultrapasse o círculo de riscos considerados como normais naquele contrato.

Uma importante restrição à aplicação do regime da alteração das circunstâncias resulta do artigo 438º do Código Civil que nega à parte lesada o direito à resolução ou à modificação do contrato se se encontrava em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou. Refere Luís Manuel Teles Menezes Leitão[18] que se trata de uma solução coerente com os requisitos fixados no artigo 437º do Código Civil uma vez que a mora do devedor provoca uma inversão do risco da prestação (artigo 807º) pelo que se o devedor, por causa que lhe é imputável, não cumprir na data fixada, entende-se que assumiu o risco de verificação de posteriores desequilíbrios contratuais, não podendo impor ao credor uma distribuição do risco distinta. Para além disso, permitir ao devedor invocar alterações das circunstâncias verificadas na situação de mora resultaria em termos objectivos num prémio concedido por uma falta contratual, uma vez que se o devedor tivesse cumprido em tempo, o contrato já estaria executado, ficando assim excluído o recurso à alteração das circunstâncias”.

O contrato celebrado entre as partes tinha por objecto a elaboração da Proposta do Plano de Urbanização do Parque Empresarial ... ou instrumento equivalente de ordenamento do território no âmbito do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro, que permitisse o seu desenvolvimento. Na proposta do plano elaborado pelas Autoras era prevista a reclassificação de solo rural como urbano em toda a área (ponto 12 dos factos provados). Em consequência do novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, alteraram-se as regras de reclassificação do solo rústico para urbano. Envolvendo o plano de urbanização do Parque Empresarial ... a reclassificação de solo rústico para urbano, a execução desse plano implicava, face à alteração das regras de reclassificação, que a Ré tivesse de ser proprietária de todos os prédios rústicos a reclassificar e a incluir no plano ou, pelo menos, que celebrasse um contrato de urbanização com todos os proprietários (pontos 23 a 28 dos factos provados) o que pressupunha, além do esforço económico, o contacto com os diversos proprietários e a existência de negociações com os mesmos.

As Autoras já receberam a quantia de €180.000,00. Com o pagamento das prestações reclamadas nesta acção, a Ré teria suportado o pagamento integral do preço acordado. No entanto, vê-se confrontada com a circunstância de ser necessário, para a execução do plano de urbanização elaborado pelas Autoras, além do mais, o desenvolvimento de todas as actividades enunciadas nos pontos 23 a 28 da matéria de facto provada e o inerente esforço económico.

Como refere o Tribunal a quo, “as Autoras não desenvolveram todo o trabalho acordado [pois], ainda faltava, o acompanhamento do projecto na fase de conferência de serviços. Esta fase, estava, no caso concreto, longe de ser meramente formal”, convocando-se o já exposto quanto ao procedimento de apreciação e decisão da proposta apresentada.

Perante esta factualidade, o preenchimento dos quatro primeiros pressupostos não suscita questões.

E relativamente ao quinto pressuposto: a lesão provocada pela alteração das circunstâncias encontra-se coberta pela cláusula 8ª do contrato, como advogam as Autoras, ou não está coberta pelos riscos próprios do contrato, como decidido pelo Tribunal a quo e defendido pela Ré?

Na cláusula 8ª, as partes estipularam que “Não estão incluídos neste contrato e, consequentemente, no preço global referido na cláusula sétima, os pontos a seguir discriminados que, caso venham a ser efectuados pela segunda e terceira outorgantes, serão encargos a suportar autonomamente pela promotora – “C...”:
1- Quaisquer alterações ao Plano, motivadas por mudanças de fundo nos termos de referência ou contexto atual para a elaboração do Plano.

2 – …”.

As partes não concretizaram os conceitos “mudanças de fundo nos termos de referência ou contexto actual” para a elaboração do plano. No entanto, nas considerações, deixarem expresso que a segunda e terceira outorgantes “concorreram ao concurso lançado pela primeira outorgante para elaboração do plano de urbanização, ou instrumento equivalente de ordenamento do território no âmbito do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro, que estabelece o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), que permita o desenvolvimento do Parque Empresarial ...…”. Da leitura articulada das considerações prévias que constam do contrato e do teor da sua cláusula 8ª, decorre que a alteração do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial e as consequências decorrentes dessa alteração, desde logo na reclassificação dos solos, não podem deixar de constituir uma das situações integradoras do conceito “mudanças de fundo” perspectivadas pelas partes no ponto 1 da referida cláusula.

Estipularam as partes que as alterações do plano impostas por “mudanças de fundo nos termos de referência ou contexto actual”, são suportadas pela Ré, não se verificando, assim o quinto pressuposto.

Por último, decidiu o Tribunal a quo que “apenas se poderiam considerar vencidas as prestações relativas às alíneas e) e f) da cláusula nona após a prolação da decisão do processo 15867/14.7YPRT, isto é em Janeiro de 2017, momento em que já tinha ocorrido a referida alteração legislativa”, concluindo pela “inexistência de mora por parte da Ré”.

Dissentem as Autoras desta conclusão sustentando que por Acórdão proferido no processo nº 15867/14.7YPRT, foi declarada a existência de mora por parte da Ré, relativamente à prestação mencionada na alínea d) do contrato.

Resulta da matéria de facto provada que no processo de injunção com o nº 15867/14.7YPRT, intentado pelas ora Autoras, B..., Lda. e A..., Lda., contra a Ré C..., S.A., por Acórdão proferido em Janeiro de 2017, esta foi condenada a pagar àquelas, respectivamente, as quantias de € 49.200,00, e de € 24.600,00, acrescidas de juros de mora, à taxa comercial, a partir de 08/04/2013 e até integral pagamento. Nessa acção foi reconhecida a constituição em mora em 8/4/2013. Entre 8/4/2013 e Janeiro de 2017, manteve-se a situação de mora da ré. Significa que quando foi alterado o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-Lei nº80/2015), na sequência da Lei de Bases Gerais de Política Pública de Solos, do Ordenamento do Território e do Urbanismo - Lei nº 31/2014, de 30 de Maio -, a Ré encontrava-se em mora relativamente à prestação mencionada na alínea d) da cláusula 9ª e não relativamente às prestações reclamadas nesta acção.

Importa salientar que, nos termos da cláusula 3ª, pela Ré foi assumida a responsabilidade de “articulação com o Município ... e deste com as demais entidades públicas e privadas intervenientes no processo de licenciamento, o que a obriga à realização das diligências necessárias no prazo de 30 dias contados a partir da data da sua determinação por carta ou ata”.

Da articulação entre essa cláusula e o estipulado na alínea f) da cláusula 9ª do contrato, resulta a obrigação da Ré de diligenciar no sentido de promover a realização da conferência de serviços, com observância do hiato temporal aí fixado.

Não tendo desenvolvido as diligências necessárias com vista à realização da conferência de serviços, dentro do prazo de sessenta dias após o parecer datado de 17/3/2014, não pode, agora, invocar as alterações das circunstâncias verificadas em momento posterior ao decurso desse prazo. Caso tivesse sido realizada a conferência de serviços, o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial então vigente previa mecanismos que permitiam a sanação das alegadas insuficiências/falhas da proposta do plano entregue pelas Autoras, incumbindo a estas proceder às alterações que viessem a ser determinadas, no prazo máximo de 33 dias fixado no ponto 2 da cláusula 5ª.

Procede, assim, a pretensão recursória das Autoras.

5ª Questão

Sustenta a Ré que a “recusa das AA. em aceitarem a supervisão da C... e da CM... no que respeita às correcções a fazer ao Plano que levou a que o mesmo não fosse concluído e aprovado no domínio da lei anterior [configura] abuso de direito”, nos termos do artigo 334º do Cód. Civil.

O abuso do direito, nas suas várias modalidades, pressupõe sempre que “o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” (artigo 334.º do Código Civil).

Ensina António Menezes Cordeiro[19] que “abuso do direito” é «uma mera designação tradicional para o que se poderia dizer “exercício disfuncional de posições jurídicas”.

Por tudo quanto vimos expondo, não vemos como a actuação das Autoras seja enquadrável na figura do abuso do direito porquanto, como resulta de forma evidente do art.º 334.º do C.C., para tal é necessário que haja um exercício ilegítimo de um direito, a aferir pelo excesso ditado pelos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Custas

Sendo parcialmente procedente a pretensão recursória, as Recorrentes e Recorrida são responsáveis pelas custas da acção e do recurso, na exacta medida correspondente ao respectivo decaimento (artigo 527.º, n.º1, do Código de Processo Civil).


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V_Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso interposto pelas Recorrentes e, consequentemente, decide-se:
i. revogar a sentença;
ii. condenar a Ré/Recorrida a pagar, à Autora A... Lda., a quantia de €40.000 (quarenta mil euros), e à Autora B..., Lda., a quantia de €80.000 (oitenta mil euros), acrescidas dos juros de mora, à taxa comercial, vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento.

Custas da acção e do recurso a cargo das Recorrentes e Recorrida, na exacta medida correspondente ao respectivo decaimento - cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.


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Sumário:

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Porto, 10/2/2025
Anabela Morais
Miguel Baldaia de Morais
José Eusébio Almeida
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[1] Consta dessa decisão:
“…Do Direito
Em causa está a interpretação das cláusulas 9º e 12º do contrato celebrado entre as autoras e a ré e saber se essas cláusulas permitem que as Autoras, para além do já recebido no âmbito do processo 15867/14.7YPRT, respeitante ao pagamento em falta, relativo à verba prevista na alínea d) da cláusula 9, têm também direito às verbas descritas nas cláusulas e) e f).
Relembremos o que dispõe a clausula 12º:
1 – O não cumprimento das obrigações assumidas pela promotora sem qualquer causa justificativa ou bastante, implicará a perda, a favor da segunda e terceira outorgantes dos montantes já pagos a título de honorários.
2 – A obrigação assumida no número anterior inclui o pagamento da fatura correspondente aos trabalhos que estiverem a ser executados no momento em que o contrato venha a ser resolvido ou, no caso de já ter sido formalmente entregue a Proposta do Plano, das prestações seguintes (isto é, das prestações das alíneas e) e f), num total de 120.000,00 €).
O disposto no número um desta cláusula é aplicável a partir do momento em que estejam ultrapassados 150 dias contados da data da entrega da fatura em mora.
No caso concreto, a prestação relativa à alínea d), isto é a prestação devida após a entrega da proposta de plano, não foi paga de forma voluntária mas coercivamente, mediante a execução subsequente a uma acção de declarativa.…Nessa acção declarativa, os AA apenas vieram pedir o pagamento da prestação em falta, isto é a prestação prevista na alínea d) da cláusula 9.
Não vieram requerer o pagamento das prestações seguintes, isto é o pagamento dos 120.000,00 previsto na clausula 12.
Discute-se agora se, com o mesmo fundamento, isto é, com base no incumprimento do pagamento da prestação prevista na alínea d) da cláusula 9, podem obter esse pagamento.
Este pagamento das prestações seguintes são, como concordam AA e RR, uma cláusula penal, tal como vem configurada no art. 810º do Código Civil, isto é, um acordo sobre o montante de indemnização exigível, em caso de incumprimento.
Ora, os AA na acção 15867/14.7YPRT, ao não exigirem o pagamento dessas prestações seguintes, mas apenas daquela que já estava vencida, limitam-se a pedir o cumprimento do contrato.
Nada há nessa acção que permita extrair a conclusão que os AA, considerando-o definitivamente não cumprido, pretendessem a sua resolução.
Aliás essa é também a conclusão que se retira na sentença elaborada em 1ª instância “Parece-nos certo e seguro que (...) nem as AA nem a Ré aceitem que o contrato de prestação de serviços foi por si resolvido ou denunciado”), “Não nos parece, contudo, que a propositura das injunções para obter o pagamento da fatura correspondente à fase da entrega da proposta do plano indicie, seguramente, a intenção das AA resolverem o contrato”.
Nos termos do art. 811º do Código Civil, o acionamento da cláusula penal acarreta que o credor não possa exigir cumulativamente o cumprimento da obrigação principal, salvo se a cláusula penal tiver sido estabelecida para o atraso da prestação, isto é, normalmente a cláusula penal só pode ser acionada em caso de incumprimento definitivo.
Ora, a cláusula aqui em apreço, a cláusula 12, pressupõe precisamente (ver parágrafo 2) que o seu acionamento só é possível mediante a resolução do contrato. Claramente, não foi convencionada para a simples mora mas sim para o caso de incumprimento definitivo.
Assim, não pode ser acionada se, o credor já exigiu o cumprimento da obrigação principal, o que, no caso., ocorreu no âmbito da acção 15867/14.7YPRT, como já foi dito.
Assim, e com fundamento no disposto na cláusula penal do contrato, acionada por falta de cumprimento da prestação devida nos termos da alínea d) da cláusula 9º não podem os aqui AA vir agora reclamar o pagamento de 120.000 €.
Pelo exposto, e nesta parte improcede a acção”.
[2] Consta da conclusão “despacho”, sendo a decisão recorrida uma sentença, pelo que se procedeu à rectificação.
[3] Consta da conclusão “despacho”, sendo a decisão recorrida uma sentença, pelo que se procedeu à rectificação.
[4] A carta em causa foi junta aos presentes autos com a petição inicial (fls. 59).
[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3/3/2021, proferido no processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, acessível em dgsi.pt.
[6] Dir-se-á, no entanto, que da leitura da fundamentação de direito que consta da sentença recorrida verifica-se que o Tribunal a quo concluiu no sentido da inexistência de mora da Ré por referência às prestações mencionadas nas alíneas f) e e) da cláusula 9ª, prestações distintas da mencionada na alínea d) cujo pagamento foi reclamado na acção nº 15867/14.7YPRT.
[7] Pedro Romano Martinez, Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Contratos em Especial, Obra Colectiva, UCP Editora, 2023, pág. 771.
[8] Acórdão de 14/4/2011, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo nº 3270/04.1LSB.L2-2, acessível em www.dgsi.pt.
[9] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/12/2016, proferido no processo n.º 492/10.0TBPTL.G2.S2, acessível em www.dgsi.pt.
[10] Nas obrigações de meios o devedor obriga-se a desenvolver diligentemente certa actividade sem, ao mesmo tempo, se obrigar a produzir (ou atingir) certo resultado desejado pelo credor, ao passo que nas obrigações de resultado, o devedor obriga-se a produzir (atingir) o resultado visado pelo credor.
[11] “Nas obrigações de resultado, a não produção deste faz o devedor incorrer em responsabilidade, a menos que o devedor logre provar que a não produção do resultado resultou de força maior (ou de facto de terceiro pelo qual o devedor não seja responsável - cfr., neste sentido, Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 9ª ed., Almedina, pág. 971, acrescentando que constituem, de um modo geral, obrigações de meios as obrigações de prestação de facto positivo, sobretudo as que se relacionam com actividades profissionais ou artísticas, dando como exemplos, a obrigação do depositário quanto à guarda da coisa depositada, ou a do monitor de equitação pelo que toca a uma eventual queda e consequente ferimento do cliente – obra citada, pág. 972, nota 1.
[12] Manuel Januário da Costa Gomes, Contrato de Mandato, AAFDL, 1990, pág. 4.
[13] A repartição do ónus da prova no âmbito da responsabilidade contratual tem sido objecto de controvérsia. A classificação das obrigações em obrigações de meios e obrigações de resultado tem sido adoptada por parte da doutrina e da jurisprudência como base para a distribuição do ónus da prova do caso de inadimplemento. Assim, nas obrigações de resultado, bastaria ao credor demonstrar a não verificação do resultado para estabelecer o incumprimento do devedor, sendo este que, para se exonerar da sua responsabilidade, teria que demonstrar que a inexecução não é devida a uma causa que lhe é imputável. Nas obrigações de meios, não seria suficiente a não verificação do resultado para responsabilizar o devedor, havendo que demonstrar que a sua conduta não correspondeu à diligência a que se tinha vinculado (sobre a distinção, Antunes Varela, “Das Obrigações Em Geral”, Vol. II, 5ª ed., Almedina, 1994, pág. 100).
Em anotação ao artigo 799º do Código Civil, escrevem Maria da Graça Trigo e Rodrigo Moreira, em Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral, Obra colectiva, Universidade Católica Editora, 2021, pág. 1107 - , “para alguma doutrina, [a presunção] de culpa prevista no nº1 do preceito sob anotação, pensada para as obrigações de resultado seria inaplicável às obrigações de meios, porque – na medida em que a presunção de culpa, segundo esta doutrina, não abrange a ilicitude, e nestas obrigações ambos os pressupostos se confundem -, a presunção não poderia vigorar. Em princípio tal doutrina deve ser refutada, desse logo porque a lei não só não prevê a distinção entre obrigações de meios e obrigações de resultado (…), mas também porque, por maioria de razão, não parte dessa distinção para restringir a presunção de culpa do nº1. Por outro lado, não só a ilicitude nas chamadas obrigações de meios não se esgota necessariamente, na violação de deveres de cuidado e de diligência podendo consistir na pura e simples abstenção da conduta devida, como também não consome a negligência todo o espectro da culpa pois uma obrigação de meios pode ser dolosamente incumprida. A presunção de culpa é transversal a todas as obrigações, independentemente do seu conteúdo”.
[14] Luís, Manuel, Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 13ª edição, Almedina, pág. 258.
[15] Acórdão proferido em 25/11/2024, por esta Relação, no processo nº 3105/20.8T8GDM.P1, acessível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/dcb39743e634b46d80258bf1003bec01?OpenDocument.
[16] Luís Manuel Teles Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, 13ª ed., Almedina, 2021, pág. 131.
[17] Luís Manuel Teles Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, 13ª ed., Almedina, 2021, pág. 138.
[18] Luís Manuel Teles Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, 13ª ed., Almedina, 2021, pág. 139.
[19] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil- Parte Geral. Exercício Jurídico, Vol. V, 3ª edição revista e actualizada, Almedina, 2021, págs. 411 e 296.