Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ISABEL PEIXOTO PEREIRA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL NEXO DE CAUSALIDADE DANOS INDEMNIZAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP2024060621502/22.2T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/06/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Na responsabilidade civil, o nexo de causalidade tem natureza binária. A um tempo numa determinada situação concreta concorrem a causalidade fundamentadora da responsabilidade e a causalidade preenchedora da responsabilidade. A primeira liga o comportamento do agente à lesão do direito ou interesse protegido; a segunda liga a lesão do direito ou interesse protegido aos danos consequenciais (segundo dano) verificados. II - Resolvido o problema da imputação da lesão do direito ou do interesse (protegido por uma norma) ao comportamento do agente, a questão de saber se um concreto dano pode ou não ser reconduzido àquela lesão implica já a análise do direito ou interesse afectado. III - É inerente ao direito subjetivo absoluto um dado conteúdo patrimonial, que se traduz numa nota de utilidade. Sempre que ela não possa ser realizada, fruto da intervenção de um estranho à esfera de domínio traçado pelo direito, desenha-se um dano. IV - Em causa agora uma esfera de utilidade particular, presente na função ou destino que o concreto titular da posição subjetiva absoluta se propõe realizar, com o limite natural da utilidade objectiva e previsível do direito violado, cuja frustração se constitui como o critério de recondução dos danos subsequentes — dos segundos danos — ao dano evento (dano primário ou violação do direito subjetivo que, ao nível da primeira modalidade de ilicitude, se assume como o cerne do problema imputacional). V - A despesa ressarcível terá de dizer respeito à utilidade perdida (fim frustrado), que, por seu turno, se terá de reconduzir à utilidade geral potenciada pelo direito que foi violado. VI - As coordenadas básicas da determinação da indemnização passam pela consideração da esfera de possibilidades aberta pela titularidade do direito afectado. VII - Averigua-se em primeiro lugar se os prejuízos experimentados — os danos consequenciais que se verificam — podem ou não ser reconduzidos à violação do direito subjetivo absoluto e, após, considera-se o concreto interesse do lesado (a utilidade particular), para depois concluir se a utilidade perdida se integra ou não no círculo de utilidades potenciadas pelo direito. Desde que não extrapole as faculdades inerentes ao conteúdo do direito, a não realização do interesse não pode deixar de ser vista como um dano reconduzível ao evento lesivo. VIII - Esta posição quanto ao ajuizamento do dano indemnizável tem implicações óbvias ao nível da repartição do ónus probatório: o lesado apenas tem que provar que o dano subsequente, hoc sensu secundário, se inscreve no domínio ou âmbito finalístico (no quadro da utilidade ou gozo comum ou específico ) do direito violado (com referência obviamente ao objecto imediato do dano); cabendo já ao lesante a alegação e prova de factos que excluam a aptidão serviente ou o uso concreto… IX - A boa fé no exercício do direito de crédito correspondente à indemnização por facto ilícito pressupõe já um dever de mitigação ou de não ampliação dos danos/perdas ocorridos. X - O princípio duty to mitigate the loss conduz à ideia de dever, fundado na boa-fé objetiva, de mitigação pelo credor dos seus próprios prejuízos, procurando, ainda quando diante do inadimplemento do devedor, adoptar medidas razoáveis, considerando as circunstâncias concretas, para diminuir as suas perdas. XI - Em causa a eliminação das perdas evitáveis, envidando o lesado esforços razoáveis para afastar o próprio prejuízo. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo: 21502/22.2T8PRT
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível do Porto - Juiz 9
Relatora: Isabel Peixoto Pereira 1º Adjunto: Carlos Portela 2º Adjunto: Ana Luísa Loureiro * Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto: I. Condomínio ... veio propor contra A... Dac, representada em Portugal pela B..., Lda acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia global de 13.049,07 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a data da citação. Para tanto alegou ter o veículo automóvel, com a matrícula ..-ZH-.., no dia 9/9/2020, embatido no meio portão exterior do edifício, estragando-o, de forma a que este ficou sem funcionar tendo a entrada em causa ficado aberta, motivo pelo qual para além do custo da reparação reclama, ainda, o custo suportado com o segurança que alocou para aquela entrada durante as noites, fins de semana e feriados por ter ficado em causa a segurança do edifício, nomeadamente das habitações e serviços que o integram. Produzida a prova, foi julgada a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenada a ré a pagar ao autor a quantia de 2.410,80 euros (dois mil quatrocentos e dez euros e oitante cêntimos), acrescida dos juros de mora que se vencerem até integral pagamento, contados desde o trânsito em julgado da presente sentença à taxa legal; no mais se absolvendo a Ré. Da sentença foi apresentado recurso pelo Autor, que conclui nos seguintes termos: 1 – O recorrente tem forte convicção, que ainda que o julgamento da matéria de facto que consta da sentença recorrida estivesse correcto, a sentença recorrida fez uma errada interpretação do disposto na Lei, fundamentalmente no Artº 563 do C.Civil, pelo que a acção deveria ter sido julgada totalmente procedente. 2 – Os argumentos produzidos pela Meritíssima Juiz a Quo que procuram fundamentar a inexistência de causa adequada, não têm sentido, díspares que são da realidade comumente aceite, das regras da experiência comum e da lógica do homem médio. 3 – a) Ao contrário do que sustenta, é público e notório que em qualquer prédio, um portão do tipo do em causa nos autos, é usado generalizadamente como sinal evidente de limite de propriedade e de impedimento de passagem. - b) Ao contrário do que sustenta, é público e notório que em prédio como o deste Condomínio, tendo um portão com altura de cerca de 1,50m, este funciona como 1ª barreira de segurança às outras que o complementam, caso dos vídeos, da vigilância normal, dos portões completos de acesso às garagens e das portas fechadas à chave. - c) Ao contrario do que sustenta, é público e notório e regra da experiência comum, que o portão em causa, fechado, só permite a visão para o interior do prédio na parte que excede a sua altura. - d) Ao contrário do que sustenta, é público e notório, faz parte das regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, que a generalidade das pessoas não salta normalmente, nem tem até facilidade em o fazer, um muro de 1,50m, atitude esta que, a ser efectuada, será entendida por quem a ela assista como uma atitude fora do normal e de natureza muito duvidosa, conduzindo até a fazer reagir essa(s) pessoa(s) ou até à chamada de atenção das entidades policiais. - e) Ao contrário do que sustenta, é público e notório, faz parte da regras da experiência comum e da lógica do dito homem médio, que as pessoas coloquem nos seus prédios barreiras de segurança (caso de portões semelhantes ao presente) para se defenderem e evitarem qualquer acesso ao seu interior a todos os indivíduos, sejam grupos, quadrilhas, ou a qualquer um “individuo mal intencionado”. Assim, é manifesto que, 4 – O nível de insegurança aumentou com o meio portão aberto – que se tratava da 1ª barreira de segurança, assim, desaparecida -, e, com o seu escancaramento e abertura, ficou devassado, permitindo a entrada pela abertura existente e a ver-se, de fora, a parte do interior do prédio inferior á altura dele. 5 – Este portão fechado, era por si só um elemento de segurança essencial à segurança do prédio e dos bens nele existentes. 6 – A manutenção da vigilância especial à zona onde o portão estava aberto é correcta e adequada, e os custos desta resultaram da lesão sofrida no portão, não decorre de circunstâncias excepcionais ou extraordinárias. 7 – Verificando-se nexo de causalidade entre os danos sofridos (custos de segurança especial) e a lesão provocada, o pedido de pagamento dos custos de tal vigilância deverá ser julgado procedente e provado. Sem conceder, 8 – A argumentação produzida pela Meritíssima Juiz a Quo na sentença recorrida, cai pela base, pois esta omite circunstância essencial provada nos autos. 9 – A Meritíssima Juiz a Quo, para fundamentar a improcedência, afirma que “O portão fechado, por si só, “não era” um “elemento essencial à protecção do prédio….”- pág. 12 – meio do 4º parágrafo da sentença. Acrescentando de seguida: “Ademais, o prédio possuía e possui outras barreiras de segurança, essas sim, oferecendo um sinal de segurança superior ao dado “pelo portão em causa” – pág. 12 – 5º parágrafo. No entanto, 10 – A Meritíssima Juiz a Quo esqueceu que no logradouro do prédio existem 25 lugares de estacionamento (nº 2 da fundamentação de facto e documento nº 29 junto com a P.I., onde consta mapa do Logradouro com 25 lugares de estacionamento identificados por grupo de letras). 11 – Ou seja, na tese da Meritíssima Juiz a Quo para os veículos estacionados no logradouro, não existiam outras barreiras com nível de segurança superior. Assim, 12 – Quanto mais não fosse, por causa dos veículos estacionados no logradouro, justificava-se inteiramente a vigilância especial, impondo-se, por isso, na própria tese da sentença recorrida, manifesto nexo de causalidade adequada entre o acidente e os custos suportados com a vigilância especial. 13 – Deve, pois, a presente acção ser julgada procedente na parte em apreço. Também sem prescindir, 14 – Se assim se não entendesse, -o que só por cautela e dever de patrocínio se coloca-, nem por isso, a sentença recorrida escaparia a grave censura, havendo para o efeito, previamente, como se faz, de impugnar a decisão nela proferida sobre matéria de facto. É que, desde logo, 15 – A Meritíssima Juiz a Quo, que no despacho saneador dispensou a indicação dos temas da prova, com a justificação de simplicidade da causa, aplicou incorrectamente os Artºs 596 e 607, nºs 3 e 4 do C.P.C., ao não considerar que a organização da prova e a fundamentação da mesma tem que dar resposta e abranger toda a factualidade alegada em função das soluções plausíveis das questões de Direito (como é entendimento da Doutrina e da Jurisprudência). Ao invés, 16 – A Meritíssima Juiz a Quo considerou, como não provados múltiplos factos alegados na P.I., invocando, erradamente, que ou não se provaram, ou que eram conclusivos e ou irrelevantes, sendo certo que nada a este respeito fundamentou nem indicou com precisão como lhe competia, impondo-se, assim, a respectiva impugnação, Efectivamente, 17 - A decisão recorrida, salvo o devido respeito, julgou incorrectamente os pontos 2, 3, 14, 18, 21 e 22 dos factos provados e ainda julgou incorrectamente os Artºs 29, 35, 36, 37, 23, 24, 25, 39, 45, 48, 51, 52, 53, 55, 56, 59, 62 e 67 da petição inicial, ao considera-los como não provados. 18 – Quanto ao ponto 2), como decorre dos Artºs 20, 21 e 22 da Petição, consta a existência de 25 lugares de Estacionamento, os quais se encontram documentados através de fotografias e planta do Logradouro (Docs. nºs 11 a 29 com a Petição), realçando-se as fotografias com os nºs 21, 23, 24, 25, 26, 27 e 28 e pela planta com o nº 29, na qual tais lugares constam marcados por letras, em número de 25. A este respeito a prova testemunhal foi também clara, ver Testemunha AA (depoimento de 00.00.05 a 01.44.18), constante em 00.16.02 a 00.19.50, última parte e em 00.20.30, confrontando-a com o documento nº 29 e ainda 00.20.24 a 00.20.38, tudo conforme motivação expressa nas páginas 4 e 5 desta alegação. Assim, 19 – O ponto 2 deve passar a ter a seguinte redacção: “nº 2 – Das 194 fracções autónomas 28 são destinadas a habitação, 8 a Lojas Comerciais, 25 a serviços (escritórios), 102 a estacionamentos, estas distribuídas por 3 pisos (-1, -2 e -3, este apenas para habitações) e ainda 25 no logradouro e 31 a arrumos”. 20 – quanto ao ponto 3 da matéria dada como assente, o seu último segmento (“o qual não veda toda a entrada permitindo, mesmo fechado, pelo menos, a visão para o interior do Edifício), não só não foi aceite pelas partes, como resulta do documento nº 11 junto com a P.I, e até é público e notório que um portão com cerca de 1,50m de altura, só não veda para quem o vê de fora, a parte superior do Edifício, estando o seu interior até à altura do portão, tapado por ele próprio – ver também a respectiva motivação na pág. 5 antecedente. 21 – O ponto 3 deve passar a ter a seguinte redacção: “nº 3 – O acesso ao logradouro e seus lugares de estacionamento, aos portões das garagens existentes nos pisos -1, -2 e -3 e às portas traseiras das lojas situadas no rés-do-chão (piso de entrada) é feito através do portão situado na Rua ...”, o qual só não veda a “parte interior do edifício que é superior á sua altura”. 22 – Quanto ao ponto 14 o seu teor não corresponde à prova produzida, já que após a colisão e até á reparação não foi só o meio portão sinistrado que ficou em permanência aberto, mas todo o portão, ou seja, também o outo meio portão que não foi atingido. Tal resulta do depoimento das testemunhas: AA, em 00.42.13, de BB (00.00.08 a 00.14.08) Porteiro, que fez serviço especial de vigilância, sobretudo em 00.07.00 e 00.07.37. 00.11.40, 00.12.04, 00.11.54 e 00.11.57; CC, Director de Segurança, (00.00.02 a 00.37.13), com mais precisão em 00.06.34, 00.06.59 e 00.07.13; DD, Serralheiro que reparou o meio portão avariado (00.00.49 a 00.12.54), em 00.09.48 a 00.10.30, sendo de sublinhar o depoimento do perito da R., EE, que, a instância do Ilustre Mandatário da R. que pediu para confirmar o relatório anexo aos autos com a Contestação, o que este fez (00.13.43), assumindo até que fora ele que tirara as fotografias ali constantes e que as legendas eram suas (00.14.29 a 00.15.22) e reconhece que o portão reclamado se encontrava totalmente avariado, sendo que na foto nº 1, junta ao referido relatório, se verifica que o portão se encontrava totalmente aberto com os meios portões encostados nas respectivas paredes. Toda a motivação consta nas páginas 5(in fine), 6 e 7 antecedentes. 23 – Deve, pois, ser acrescentado um novo ponto 14-A, com a seguinte redacção: Nº 14–A - “Por sua vez, o outro meio portão não sinistrado foi desligado da corrente, permitindo a sua movimentação manual, tendo ambos os meios portões sido encostados às respectivas paredes, ficando todo o portão aberto em permanência”. 24 – Quanto ao ponto 18), não se pode aceitar o segmento onde se utiliza a palavra “estragos”. Como decorre da Petição Inicial o “estrago” sofrido pelo A. eram não só os danos sofridos pela colisão no meio portão e os decorrentes da necessidade de colocar no local vigilância especial, ambos geradores de custos. Ora, 25 – Nos autos encontra-se provado que a R. só assumiu a responsabilidade pelos danos sofridos no portão e nada mais, tanto nos mails de 15.9.20 junto com a P.I. como documento nº 37, de 29.10.2020 junto sob o nº 46 e de 28.10.2020 junto como documento nº 48 junto à P.I., e ainda do depoimento da testemunha AA em 01.07.03, sendo que a motivação expressa se encontra na página 7 antecedente. 26 – Deve ser dado como provado no ponto 18, o seguinte: Nº 18 - “A R., que assumiu a responsabilidade pelos estragos ocorridos no portão colidido, solicitou à autora dois orçamentos para reparação do portão, o que a autora fez, tendo o perito da ré, no dia 7/10/2020, questionado a necessidade de substituição das duas folhas do portão e dos braços automáticos, o que o autor informou ter sido a solução apresentada pelos técnicos consultados”. 27 – Quanto ao ponto 21), não só o mail nele referido é de 28.10.2020 e não 20.10.2020, como, por ser relevantíssimo, deve assentar-se que, a R. na acta que juntou a este mail exigia que o recebimento do custo do portão pelo A., só se concretizava se este considerasse o sinistro integralmente liquidado – Doc. nº 49 junto com a P.I.., tudo conforme motivação expressa na página 8 antecedente. Em conformidade, 28 – Deve no ponto 21 ser rectificada a data do mail que é de 28.10.2020, e, em novo, ponto, 14-A, deve dar-se como assente: Nº 21-A – “Na Acta do acordo de indemnização proposto pela representante da R. ao A., constava que este acordava em receber o montante de 1 960€ (Mil, Novecentos e Sessenta Euros), respeitante aos prejuízos ocasionados pelo sinistro ocorrido na Rua ..., Porto (afectação de folha + braço do motor) no dia 9 de Setembro de 2020. “Consequentemente e mediante recebimento desta importância, o primeiro outorgante (o A.) considera o sinistro integralmente liquidado)”. 29 – Em alternativa, conforme motivação da página 9 que antecede, poderá intercalar-se no ponto 22)…” “porque a R. só lhe pagaria tal importância, caso o A. considerasse o sinistro integralmente liquidado”, e não se introduzira o ponto 21-A acima referido. Nesta hipótese, o ponto 22 deverá passar a ter a seguinte redacção: Nº 22 - “O A. não aceitou, porque a R. só lhe pagaria tal custo de reparação, caso aquele considerasse o sinistro integralmente liquidado, comunicando essa não aceitação quer à R. quer á C..., solicitando a esta que intercedesse junto da R., no que não foi bem sucedido”. 30 – Tendo a sentença recorrida saneado factualidade alegada pelo A., que deveria ter sido apreciada para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis do direito, e, ao contrário, considerou, sem concretizar, essa matéria ou como não provada, ou sem interesse ou conclusiva, deverá dar como assente em novos números a abrir nos factos provados que “Os Condóminos que compõem o A., bem como os seus habitantes e utilizadores, sempre mostraram a maior preocupação com a efectiva segurança do Edifício e das suas fracções, sempre atentos a que a mesma se mantivesse garantida e assegurada”, como foi alegado no Artº 29.P.I. Efectivamente 31 - Como decorre da motivação expressa nas páginas 9 e 10 antecedentes, esta matéria encontra-se provada, pelos Docs. nºs 9, 35, 47 e 54 todos juntos com a O.I. – nos quais se reafirma a preocupação essencial do A. e seus condóminos pela segurança do prédio e a garantia que ela estava sempre assegurada, e ainda pelo depoimento das testemunhas, AA em 00.30.48 a 00.31.05 e de FF, de 00.15.13.13 a 00.17.29. 32 – Deve dar-se como assente em novo número a abrir nos factos provados que: “A A., logo que o sinistro ocorreu, comunicou, por escrito, a todos os condóminos a situação, explicitando que, enquanto não se procedesse á reparação, iria ali ser colocada vigilância específica nos momentos que mais se justificassem” – como já alegado no Artº 35 da P.I.. Esta matéria encontra-se provada nos autos, tendo em conta não só o teor do documento nº 32 junto com a P.I., mail de 9 de Setembro de 2020 (dia do acidente), mas também a prova testemunhal produzida, no mesmo sentido, fundamentalmente com o depoimento da testemunha AA, que confirmou o envio deste mail, explicando que em situações semelhantes os condóminos são sempre avisados (de 00.45.33 a 00.48.28), nos termos da sua motivação expressa no parágrafo 11 antecedente. 33 – Deve dar-se igualmente como assente em novos números nos factos provados que, “Em situações anteriores similares a esta (no portão em causa, bem como quando outras aberturas do prédio (outras portas ou portões) ficaram avariadas, sem se poderem imediatamente reparar, sempre foi solicitada e garantida vigilância específica enquanto a avaria não fosse ultrapassada”. – como foi aduzido no Artº 36 da P.I.. “A título exemplificativo, pode referir-se que: - Em 14 Novembro 2016 tal ocorreu com o portão de acesso ao estacionamento interior do Edifício e - em 19 de Agosto de 2019 com o mesmo portão, o que como nos demais casos, foi comunicado ao Condomínio a ocorrência, bem como o recurso a vigilância especial – como foi alegado no artº 37 da P.I., pois, em conformidade com a motivação expressa na página 11 (2º parágrafo), tal resulta confirmado pela conjunção do constante, nos documentos 33 e 34 juntos aos autos e o depoimento de AA, de 00.48.27 a 00.50.21. 34 – Deve também dar-se como provado, em novos números a abrir na matéria provada que, - Este Condomínio é um prédio com elevada qualidade de construção, tendo as respectivas fracções sido adquiridas e habitadas ou utilizadas por pessoas ou empresas de situação económica e social elevada, existindo nas mesmas bens de qualidade e valor significativo, como foi alegado no Artº 23 da P.I.. - A generalidade das pessoas que ali vivem, com as suas famílias, têm profissões de natureza liberal (médicos, economistas, engenheiros…), empresários a gestores de empresas, e possuindo, naturalmente nas suas habitações, bens móveis e de arte de valor elevado, como foi alegado no Artº 24 da P.I.. - E as empresas que se encontram instaladas nas respectivas fracções (por ex. D..., E..., F..., Agência ..., Advogados, G..., C..., H..., Clínica ..., têm nelas colocados bens, instrumentos e materiais bastante valiosos, são prósperas e muito conhecidas e conceituadas no mercado, como foi parcialmente alegado no Artº 25 da P.I.. 35– Esta matéria, também relevante, com motivação expressa nas páginas 12, 13 e 14 antecedentes, encontra-se abundantemente provada pela conjugação dos documentos nºs 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28 e plantas sob os nºs 29 e 30 juntos com a P.I., com a prova testemunhal, decorrente dos depoimentos de AA, de 00.28.04 a 00.30.44 e de 00.13.52 a 00.15.42 e de FF em 00.09.31 e 00.15.40. Pág. 39 36 – Deve, da mesma forma, dar-se como provado, em novo número a abrir nos factos provados, que: Em 3.11.2020, a C..., em mail enviado á Administração do A., expendeu que não tinha qualquer dúvida, que a preocupação maior do A. é a segurança de pessoas e bens, tanto que desde o início da ocorrência que a colocaram no topo da necessidade”. – como foi alegado no Artº 39 da P.I. -, pois, conforme motivação na página 15 antecedente, este facto consta provado no mail de 3.11.20 que constitui o documento com o nº 54 junto com a Petição. 37 – Deve dar-se como assente em novos números na matéria provada que, - Em 05.10.2020, a A. apresentou um segundo orçamento à I..., efectuado pela J..., no montante de 2 340,00€ + IVA - como foi alegado no Artº 45/P.I.. - A A., procurando que a reparação do meio portão se efectuasse o mais rápidamente possível, encetou o contacto com as empresas consultadas, e perante a aceitação de uma delas de apenas substituir uma folha e um braço (a J...), foi-lhe solicitado novo orçamento. – como foi alegado no Artº 48 da P.I., pois estes factos encontram-se demonstrados pelos documentos juntos sob os nºs 39 e 40 juntos com a P.I., e pelo depoimento de AA em 00.57.03, de FF em 00.27.22 e de EE de 00.31.21 a 00.15.33 e Relatório junto com a Contestação, tudo conforme motivação a páginas 15, 16 e 17 antecedentes. 38– Deve dar-se como assente em novo número a abrir na matéria provada que, A I..., voltou então, a questionar a necessidade da substituição dos braços, pedindo a respectiva demonstração e solicitando envio de meio probatório, o que tudo levou ao contacto pela A. com as empresas consultadas.- conforme consta alegado no Artº 51 da P.I., matéria esta, conforme motivação de página 17, provada pelo documento nº 45 junto com a P.I., elaborado pelo perito da R., e confirmado igualmente pela testemunha FF em 00.27.22. 39 – Deve dar-se como provado em novo número a abrir nos factos provados, que, - As insistentes questões e obstáculos colocados pela R., através da I..., estavam a impossibilitar e adiar a célere reparação do meio portão e, consequentemente, a agravar os custos de vigilância especial, o que foi referido à Sociedade C..., a quem foi pedida intervenção para a agilização e rapidez no desfecho da situação – como consta alegado no Artº 52 da P.I., matéria esta, também com motivação na página 17 antecedente, que decorre do teor do documento nº 46 junto com a Petição, e confirmado pela testemunha FF em 00.27.22. Pág. 40 40 – Deve dar-se como provado em novo número a abrir na matéria provada, que Esta afirmou, então, à A. ter apresentado á I... estas questões, mas não receber resposta positiva, pois esta punha em causa ter que assumir a despesa da vigilância – como foi alegado no Artº 53 da P.I., o que com motivação na página 17 antecedente, é confirmado pela própria C... no Doc. nº 47 junto com a P.I.. 41 – Deve dar-se como provado em novo número a abrir nos factos provados, que O Perito da Mediadora da R., I..., pretendeu apenas pagar os custos associados à reparação do Portão (no total de 1 960,00€), não incluindo qualquer valor relativo aos encargos da vigilância especial, tendo antes enviado documento (acta) para ser assinado pela A..,- ver facto alegado no Artº 55/P.I., matéria esta, que conforme motivação de fls. 18, se encontra confirmada pelos documentos nºs 48 e 49 anexos á P.I. e corroborado pelas testemunhas AA em 01.01.02. 42 – Deve dar-se como provado em novo número a abrir nos factos provados que, A A. ainda tentou a rectificação da Acta de Acordo que incluísse todos os encargos associados à vigilância até à efectiva conclusão dos trabalhos, com conhecimento a C..., mas a R., através da dita mediadora, manteve a posição de não ter, no âmbito da responsabilidade civil a obrigação de pagar a referida vigilância específica, referindo apenas estar disponível para ressarcir à A. o valor de 1 960€ S/IVA,- como é alegado no Artº 56º da P.I., pois, conforme motivação de fls. 18, estes factos estão demonstrados pelo teor dos documentos nºs 50 e 56 juntos com a P.I., e depoimento de AA em 01.07.42. 43 – Deve dar-se como provado em novo número a abrir nos factos provados que, - Nesse mesmo dia, a A. comunicou à I..., que o valor que esta dava como “acordado” havia apenas decorrido da iniciativa do perito por ela incumbido de tratar deste assunto, e reafirmou a necessidade de vigilância especial, repetiu a natureza do edifício já antes explicitado á C..., e pediu a resolução do assunto com a máxima rapidez, bem como a respectiva resposta, dado o tempo decorrido, como foi alegado no Artº 59 da P.I, já que, conforme motivação de página 18 antecedente, este facto encontra-se patente no Documento nº 53 junto com a Petição. 44 – Deve dar-se como provado em novo número a abrir na matéria provada que, A A. respondeu à C... não ter tido resposta da I... e apresentou-lhe duas facturas no total de 8 114,31€ com IVA incluído, por serviços de vigilância especial, desde a data do sinistro até 30.10.2020, e a imperatividade do seu pagamento, ao mesmo tempo que, dada a posição da Mediadora, lhe solicitou o pagamento também dos encargos futuros associados à vigilância, como foi alegado no Artº 62 da P.I., pois, motivado a página 18, está suportado no Documento nº 55 junto com a Petição. Pág. 41 45 – Deve dar-se como provado em novo número a abrir nos factos provados, que, - A A. não podia aceitar qualquer pagamento da Seguradora relativo à reparação de meio portão, porquanto teria que dar completa quitação e abdicar dos valores que teve que dispender para que se efectuasse a descrita vigilância especial enquanto o meio portão esteve inutilizado e aberto, como foi alegado no Artº 67 da P.I., o que também, conforme motivação de página 18, se encontra claramente comprovado pelos documentos 48 e 49 já referidos juntos com a P.I.. 46 – Efectuadas estas alterações da matéria de facto, manter-se-iam preenchidos os requisitos para a procedência da acção. 47 – Estando demonstrada a qualidade do prédio, habitado e utilizado por pessoas e entidades de situação social e económica elevada, existindo nas suas fracções bens de qualidade e valores significativos, justifica-se inteiramente que os respectivos condóminos sempre tenham tido a maior preocupação com a efectiva segurança do prédio, das suas fracções e dos seus bens, sempre atentos a que a mesma se mostrasse assegurada e garantida. 48 – E este prédio, à semelhança de outros idênticos existentes na Cidade e no País, foi preparado para, sem descurar a sua estética, garantir tal segurança, através de sucessivos portões numa escala ascendente de inviolabilidade e de portas e entradas com fechaduras seguras, a que acrescia e, completava, uma vigilância feita por pessoal especializado, e ainda vídeos na portaria, controlados por vigilante e por rondas nocturnas e diurnas. 49 – Tornou-se, pois, imprescindível, para garantir a exigência prioritária de segurança, a colocação de vigilância especial à Zona do meio portão esventrado. 50 – O sinistro produzido foi a causa normal e a adequada à reparação de ambos os danos – os do portão esventrado e paralisado e a perda total da segurança no local obrigando à imediata vigilância especial, logo chamada, e que era essencial para ali a assegurar. 51 – Por força do disposto no Artº 563 do Código Civil, a R. tem obrigação de indemnizar o A., pois se não fora o sinistro, não teria sido necessário chamar a vigilância e o A. não teria que custear os respectivos custos, o que tudo determina a procedência da acção relativamente a este pedido. 52 - Na douta sentença recorrida entende-se que o A. deveria ter mandado reparar o portão logo que a R. lhe comunicou que se recusava a assumir os danos decorrentes da vigilância especial. 53 – Este entendimento constitui, desde logo, violação da lei, pois, face ao disposto no Artº 562 do Código Civil, quem tinha obrigação de reparar o meio portão era a R.. 54 – Decorre dos autos, que o A. sempre actuou com a maior diligência, só tendo a R., em 5.11.2020, confirmado a recusa de pagamento dos custos da segurança especial, tendo o A., logo de seguida, encomendado à empresa que fizera o orçamento a reparação do portão, o que terá acontecido em 12 ou 13 de Novembro, e conduziu à sua reparação em 17.11.20. 55 – Não foi, pois, o A. quem deu causa a qualquer dano, devendo a R. ser condenada a pagar ao A. o custo da vigilância especial desde 9.9. a 17.11.2020. Por fim, 56 – A Meritíssima Juiz a Quo, também errou ao decidir que os juros de mora pedidos (no caso da sentença, restritos ao custo da reparação do portão), só eram devidos desde a data do trânsito em julgado da presente sentença, esquecendo o conteúdo dos documentos nºs 48 e 49 juntos com a Petição Inicial, em que a R. aceitou o pagamento do custo do portão, mas condicionando-o à abdicação pelo A. de exigir mais qualquer outra indemnização!!! Por todo o exposto, 57 – Devem ser julgados procedentes e provados os pedidos formulados pelo A. relativamente ao pagamento pela R. da quantia de 10 638,27€, decorrentes das despesas com vigilância especial à Zona onde o meio portão se encontrava aberto e inutilizado e pelo período de 9.9.2020 a 17.11.2020 (já com IVA incluído) bem como o pagamento dos juros, á taxa legal de 4% ao ano, sobre o valor total dos danos (13 099,07€) desde a data de citação até integral pagamento. 59 – A douta sentença recorrida violou, entre outros, os Artºs 596 e 607, 3 e 4 do C.P.C., e os Artºs 562 e 563 do Código Civil Conclui pelo provimento do recurso e pela procedência total da acção, subsidiariamente aduzindo a hipótese de se se entender que, com a matéria dada como provada na sentença recorrida, o recurso não estará em condições de proceder, devendo então ser alterada a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto nos termos propostos, julgando-se a acção totalmente procedente e provada, e consequentemente condenando-se a R. a indemnizar o A. também na quantia de 10 638,27€ (dez mil, seiscentos e trinta e oito euros e vinte e sete cêntimos) pelas despesas com a vigilância especial à Zona onde o meio portão se encontrava aberto e inutilizado e pelo respectivo período de 9.9.2020 até 17.11.2020, e ainda no pagamento dos juros, à taxa legal de 4% ao ano, sobre a quantia de 13 049,07€, desde a data de citação até integral pagamento.
Contra-alegou a Ré, pugnando pela improcedência do recurso, já que: não ficou demonstrado que o nível de insegurança com o meio portão aberto tenha aumentado, não ficou demonstrado que o prédio tenha ficado, em consequência do facto ilícito, devassado, não ficou demonstrado que o acesso ao seu interior se tenha tornado mais fácil, não ficou demonstrado que o portão fechado, por si só, fosse um elemento de segurança essencial à proteção do prédio, não ficou demonstrado que o portão fosse um elemento determinante na manutenção da segurança do prédio, impedindo a entrada de alguém indesejado, apenas dissuasor do ingresso no seu interior a indivíduos mal-intencionados. Além do mais, tal como explanado na sentença posta em crise, o prédio possuía e possui outras barreiras de segurança essas sim, oferecendo um nível de segurança superior ao dado por um portão que permite a visão para o interior do prédio e até, como o afirmaram algumas testemunhas, permitindo que se salte por cima dele. * Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a decidir: As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões: ii. e i. Cabe, desde logo, ter presente a matéria de facto provada e não provada. Tiveram-se como provados os seguintes factos: 1. O edifício do condomínio autor é composto por 194 frações autónomas, divididas em 3 blocos, com duas entradas habitacionais, uma entrada para escritórios e outra entrada para as garagens e lugares de estacionamento. 2. Das 194 frações autónomas 28 são destinadas a habitação, 8 a lojas comerciais, 25 a serviços (escritórios), 102 a estacionamento, estas distribuídas por 3 pisos (-1, -2 e -3, este apenas para habitações) e pelo logradouro, e 31 a arrumos. 3. O acesso ao logradouro e seus lugares de estacionamento, aos portões das garagens existentes nos pisos -1, -2 e -3 e às portas traseiras das lojas situadas no rés-do-chão (piso de entrada) é feito através do portão situado na Rua ..., o qual não veda toda a entrada permitindo, mesmo fechado, pelo menos, a visão para o interior do edifício. 4. As lojas, situadas no rés-do-chão, têm, ainda, portas com comunicação direta para a rua. 5. O edifício do condomínio autor possui segurança e vigilância, durante os dias da semana e vigilância vídeo existente na portaria, controlada pelo segurança, que engloba o logradouro e o portão referido em 3., entre as 7horas e 30 minutos e as 22horas. 6. Após as 22 horas existem rondas efetuadas por elementos da K..., o que aos fins de semana e feriados ocorre também uma vez durante cada um desses dias. 7. Após as 22 horas, aos fins de semana e feriados a segurança é, ainda, garantida pelas portas e portões fechados e muros. 8. A sociedade C..., Unipessoal, Lda, para o desenvolvimento da sua atividade, possui escritórios no edifício do condomínio autor, ocupando várias frações autónomas e lugares de estacionamento (no logradouro e no piso -2). 9. Mostra-se inscrito na conservatória do registo automóvel a favor da sociedade L..., SA o veículo automóvel da marca Peugeot, com a matrícula ..-ZH-... 10. O ZH é utilizado pela sociedade C..., Unipessoal, Lda, no desenvolvimento da sua atividade 11. A C..., Unipessoal, Lda transferiu a sua responsabilidade civil pelos danos causados pela circulação do ZH para a ré através da apólice n.º .... 12. No dia 9/9/2020, cerca das 12h30m, no portão exterior do edifício do condomínio autor, situado na Rua ..., ..., ocorreu um acidente de viação onde foi interveniente o ZH, conduzido por um funcionário da C... e no interesse desta, quando saía do logradouro do edifício para a Rua ... a uma velocidade reduzida; o piso estava seco. 13. Nesse dia e hora, a parte lateral direita da frente do ZH embateu no bordo do meio portão do lado direito, atento o sentido do ZH. 14. Em consequência da colisão referida o meio portão e o braço do motor ficaram estragados, ficando amolgado e deixando de funcionar, sem possibilidade de ser movimentado elétrica ou manualmente, ficando aberto em permanência. 15. Após o referido em 14. a administração do condomínio autor decidiu colocar, e colocou, entre as 22horas e as 7horas e 30 minutos dos dias da semana, e aos fins de semana e feriados, durante 24 horas, um vigilante na entrada do edifício pela Rua ..., onde se situa o portão, o que manteve até à data da reparação do portão. 16. A administração do autor tomou conhecimento do sucedido logo de imediato através do serviço de portaria do próprio edifício e, no mesmo momento, entrou em contato com a C... a quem comunicou o sucedido solicitando que fossem tomadas as medidas necessárias à reparação do portão e que havia contratado serviços de vigilância extraordinária (noturna e fins de semana) para o local cujos custos lhe imputaria, repetindo esta comunicação no dia 15/9. 17. A C... respondeu comunicando ter reportado a situação à ré e que deveria ser o autor a fazer a participação junto desta. 18. A ré, que assumiu a responsabilidade pelos estragos ocorridos, solicitou à autora dois orçamentos para reparação do portão, o que a autora fez, tendo o perito da ré, no dia 7/10/2020, questionado a necessidade de substituição das duas folhas do portão e dos braços automáticos, o que o autor informar ter sido a solução apresentada pelos técnicos consultados. 19. Por email de 9/10/2020, a administração do condomínio autor comunicou à ré a necessidade de serem pagos os custos da vigilância do local e a urgência da sua reparação. 20. Em 13/10/2020, a administração do condomínio autor comunicou à ré um novo orçamento, no valor de 1.960,00 euros, acrescido de IVA, o qual contemplava a substituição de uma folha do portão e do braço mecânico, tendo a ré solicitado novos elementos quanto à necessidade de substituição do braço. 21. Por email de 20/10/2020 a ré aceitou o custo da reparação do portão nos valores referidos, enviando a documentação para assinatura. 22. O autor não aceitou, comunicando essa não aceitação quer à ré, quer à C..., solicitando a esta que intercedesse junto da ré, no que não foi bem-sucedida. 23. Por email de 5/11/2020, a ré reafirmou a sua recusa em liquidar a quantia despendida com a segurança. 24. A C..., por email de 6/11/2020, assumiu posição igual à da ré. 25. O autor procedeu à reparação do meio portão em 17/11/2020, despendendo a quantia de 2.410,80 euros (1.960,00 euros +IVA) 26. Desde 9/9/2020 a 17/11/2020 o autor em vigilância despendeu a quantia global de 10.638,27 euros, já com IVA. 27. O autor reclamou a sua liquidação junto da C... que remeteu o autor para a ré.
Quanto aos factos não provados, consignou-se na sentença que todos os restantes factos descritos nos articulados, bem como os aventados na instrução da causa, distintos e em oposição com os considerados provados – discriminados entre os “factos provados” ou considerados na “motivação” (aqui quanto aos instrumentais), resultaram não provados. * A primeira questão a afrontar, logicamente, vista a subsidiariedade da impugnação da matéria de facto, prende-se com a suficiência dos factos assentes a determinar uma decisão de procedência da pretensão do recorrente. Na sentença sob recurso entendeu-se que: «Quanto ao nexo de causalidade entre o acidente e os custos suportados com a vigilância extra, a sua verificação já não é assim tão evidente. Não há dúvidas que o meio portão, em consequência da atuação do ZH, ficou impossibilitado de ser fechado, que só foi reparado a 17/11/2020, embora a ré desde 20/10 negasse assumir outros custos para além do relativo à reparação do meio portão, e que o autor decidiu contratar vigilância extra para aquele local. “A causalidade é de apreciar em duas perspectivas. A naturalística, ou seja, no averiguar se o processo sequencial foi, ou não, factor desencadeador, ou gerador do dano. Trata-se de apurar uma mera relação de causa-efeito, ou seja, no percurso do “iter” causal-naturalistico verificar se a conduta do lesante foi desencadeadora do resultado lesivo. Esta perspectiva naturalística insere-se num plano puramente factual (cf., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 1998, P.º 660/98-2.ª; de 11 de Junho de 2002 – P.º 1810/02, 2.ª; e, desta Conferência, os Acórdãos de 13 de Março de 2008 – 08 A369; e de 17 de Junho de 2008 – 08 A1700). E a (causalidade) legal, resultando da pura aplicação dos princípios do artigo 563.º do Código Civil (cf. Prof. Pereira Coelho, “O nexo de causalidade na responsabilidade civil”, in “Revista de Direito e Estudos Sociais”, VI, 1, 2, 3, 113 e ss, e “A causalidade na responsabilidade civil em direito português”, cit., “R.D Estudos Sociais”, XII, 3, 39 e ss, e 4, 1 ss) que consagra a teoria da causalidade adequada afirmando “uma ligação positiva, em termos de juízo de probabilidade entre o facto jurídico e o dano.” (Prof. Pessoa Jorge, in “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 413 e nota 374 a citar o Prof. Vaz Serra – BMJ – 100-127, nota 269). (…) A propósito, disse-se no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 2006, deste Colectivo: “Como já se insinuou, o artigo 563.° do Código Civil consagra o princípio da causalidade adequada na sua formulação negativa. E este Supremo Tribunal vem entendendo que ‘o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente (gleichgultig) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercedam no caso concreto.’ (cf. ainda os Acórdãos de 4 de Novembro de 2004 — P.° 2855/04-2.ª, de 13 de Janeiro de 2005 — P.° 4063/04-7°; Prof. A. Varela, in ‘Das Obrigações em Geral’, 10.ª ed, 1, 893, 899, 890/1 — ‘... do conceito de causalidade adequada pode extrair-se, desde logo, como corolário, que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano.’). É a consagração do ensinado por Enneccerus-Lehman, que para o Dr. Ribeiro de Faria, conduz a que ‘a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu ‘pelas referidas circunstâncias excepcionais ou extraordinárias’. (apud ‘Direito das Obrigações’, 1, 502) e que o Prof. Almeida Costa diz dever interpretar-se no sentido de que ‘o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais sendo que a citada doutrina da causalidade adequada ‘não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o dano.’ (in ‘Direito das Obrigações’, 632). Parte-se, pois, de uma situação real, posterior ao facto, e até ao dano, e afirma-se que o segundo decorreria daquele perante um desenvolvimento normal, ou seja, o dever de indemnizar existe em relação aos danos que terão provavelmente resultado da lesão. Ou como julgou este Supremo Tribunal ‘a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias’ (Acórdão de 20 de Outubro de 2005 — 05B2286). O facto terá de ser, em concreto, ‘conditio sine qua non’ do dano mas também ser, em abstracto, causa normal, ou adequada da sua verificação. E o que a doutrina que o direito Norte-Americano chama de “substantial factor formula.” Também aí, dano só não se considera causado pelo facto se este apenas o produziu por circunstâncias anómalas e imprevisíveis. Mas é-o ainda que causado indirecta, ou mediatamente, pelo facto. Este entendimento resulta da conjugação dos artigos 562.° (‘...a situação que existiria...’) e 563.° (‘...danos que o lesado provavelmente não teria sofrido...’) do Código Civil. (cf Prof. Pessoa Jorge, ‘Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil’, 410-nota 373; Prof. Galvão Telles, ‘Direito das Obrigações’, 409 ss).” – acórdão do STJ de 2/11/2010, consultável em www.dgsi.pt. E é isto que questionamos, os custos suportados com a vigilância extraordinária são uma consequência natural do facto ilícito e adequada ao mesmo? Entendemos que não. Na verdade, não ficou demonstrado que o nível de insegurança com o meio portão aberto tenha aumentado, que o prédio tenha ficado, em consequência do facto ilícito, devassado, que o acesso ao seu interior se tenha tornado mais fácil, que o portão fechado, por si só, fosse um elemento de segurança essencial à proteção do prédio. Dissuasor do ingresso no seu interior a indivíduos mal-intencionados acreditamos que sim, agora um elemento determinante na manutenção da segurança do prédio, impedindo a entrada de alguém indesejado, não cremos. Ademais, o prédio possuía e possui outras barreiras de segurança essas sim, oferecendo um nível de segurança superior ao dado por um portão que permite a visão para o interior do prédio e até, como o afirmaram algumas testemunhas, permitindo que se salte por cima dele. Assim, somos do entendimento que a contratação de vigilância extraordinária foi uma opção do autor, que nada tem de censurável, só não pode ser considerada como uma consequência adequada e natural do facto ilícito e daí não indemnizável por ausência de verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil.» A questão prende-se, pois, com a causalidade enquanto pressuposto da responsabilidade civil. Adiante-se que seguiremos de muito perto a posição de Mafalda Miranda Barbosa, Do nexo de causalidade ao nexo de imputação; Responsabilidade civil extracontratual: novas perspetivas em matéria de nexo de causalidade, Principia, 2014, obra para a qual nos remetemos para maiores desenvolvimentos. Tradicionalmente[1], o nexo de causalidade era entendido de forma unívoca, estabelecendo a ligação entre a conduta ilícita e culposa e os danos sofridos pelo lesado. Fruto da boa influência sofrida de além-fronteiras, a doutrina portuguesa passou a distinguir, mais recentemente, dois nexos de causalidade. De forma mais rigorosa, o nexo de causalidade comunga, afigura-se-nos, de uma natureza binária. A um tempo numa determinada situação concreta concorrem a causalidade fundamentadora da responsabilidade e a causalidade preenchedora da responsabilidade[2]. A primeira liga o comportamento do agente à lesão do direito ou interesse protegido; a segunda liga a lesão do direito ou interesse protegido aos danos consequenciais (segundo dano) verificados. Resolvido que esteja, com apelo a um quadro axiológico que permite o recorte de esferas de risco, o problema da imputação da lesão do direito ou do interesse (protegido por uma norma) ao comportamento do agente, a questão que resta é a de saber se um concreto dano pode ou não ser reconduzido àquela lesão. E, para tanto, haveremos de ter em consideração o direito violado ou o interesse preterido. É inerente ao direito subjetivo absoluto um dado conteúdo patrimonial, que se traduz numa nota de utilidade. Sempre que ela não possa ser realizada, fruto da intervenção de um estranho à esfera de domínio traçado pelo direito, desenha-se um dano. Este importa a consideração da repercussão que a lesão teve, já não no titular abstratamente configurado, mas na esfera da pessoa realmente lesada, uma vez que esse impacto é variável. Do ponto de vista representativo ou explicativo, podemos desenhar duas esferas. Uma esfera de utilidade geral — traduzida no valor patrimonial do bem objecto do direito e, mais especificamente, compreendida pela análise das diversas faculdades inerentes ao conteúdo do direito — e uma esfera de utilidade particular — presente na função ou destino que o concreto titular da posição subjetiva absoluta, dentro do primeiro círculo definido, se propõe realizar. É, pois, na intersecção destas duas esferas podemos encontrar a noção juridicamente relevante do que é o dano. E, decisivamente, podemos achar o critério de recondução dos danos subsequentes — dos segundos danos — ao dano evento (dano primário ou violação do direito subjetivo que, ao nível da primeira modalidade de ilicitude, se assume como o cerne do problema imputacional)[3]. A despesa terá de dizer respeito à utilidade perdida (fim frustrado), que, por seu turno, se terá de reconduzir à utilidade geral potenciada pelo direito que foi violado. É já a partir deste critério que conseguimos, de facto, saber em que medida é que o que a pessoa perdeu ou aquilo que deixou de ganhar se inscreve ou não na esfera do direito cuja lesão já tinha sido imputada a um determinado sujeito. Note-se que a perda de utilidades do bem se poderá traduzir tanto no prejuízo diretamente sofrido pelo lesado (desvalorização do bem, despesas que teve de efetuar para repor a utilidade do bem, ou reparando-o ou encontrando uma alternativa que, momentaneamente ou não, satisfaça a mesma utilidade[4]), como naquilo que deixou de ganhar, e incluir, ainda, o impacto não patrimonial que gerou. Convoca-se, portanto, a distinção entre os danos emergentes e os lucros cessantes e lembra-se, embora não de forma coincidente com a dicotomia entre o dano evento e o dano subsequente, a lição tradicional que separa o dano real (“a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (…) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar”; “a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtração ou deterioração de certa coisa material ou incorpórea”[5]) e o dano patrimonial (“o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado”[6]). Como é sabido, o dano patrimonial mede-se “em princípio, por uma diferença: a diferença entre a situação real atual do lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria, se não fosse o facto lesivo”[7]. O critério, assente na hipótese da diferença, acaba por se revelar, contudo, “um conceito inadequado de dano e um método insuficiente para a sua determinação, ao esconder as considerações teleológicas ou valorativas decisivas”, como muito bem anota Paulo Mota Pinto, em Interesse contratual negativo, p. 810. Aqui nos remetemos às conclusões/síntese crítica de Paulo Mota Pinto, a propósito da “fórmula da diferença”[8], no lugar citado, anotando que foram sobretudo questões como a perspetivação contabilística do dano (a levantar problemas acrescidos à indemnização de danos como o dano da perda de uso), como a da relevância da causa virtual ou da compensação de vantagens (“determinada decisivamente por pontos de vista valorativos que a hipótese da diferença deixa escapar”[9]) que justificaram o olhar crítico sobre a fórmula assumida genericamente para efeitos de determinação do dano. Agora com Mafalda Miranda Barbosa, loc. cit, temos para nós que é ao impor-se, por meio dela, a comparação de situações patrimoniais globais que o jurista esbarra em dificuldades acrescidas, entre as quais se conta o tópico da causalidade. Ora, a partir do momento em que a questão imputacional fica solucionada a montante, e a partir do momento em que o esquema delitual se estrutura com base no direito subjetivo absoluto, podemos encontrar uma baliza que delimite o cotejo patrimonial. Ela passará exatamente pela consideração da esfera de possibilidades aberta pela titularidade daquele direito. Será, aos nossos olhos, dentro desse círculo que se jogarão as coordenadas básicas da determinação da indemnização[10]. Na situação decidenda, o Autor é o proprietário do portão danificado, em termos de perder a sua aptidão funcional, fechar ou vedar uma entrada no prédio. A ilicitude do comportamento do lesante é desvelada na violação do direito dotado de eficácia erga omnes, emergindo que o lesante não conformou a sua conduta com o respeito devido à esfera de autonomia alheia, actuando antijuridicamente. Acresce que actuou com culpa. A esta imputação subjetiva, fundada no carácter culposo do seu comportamento, alia-se uma imputação objetiva. Mas a imputação não é agora a imputação do comportamento ilícito ao agente. A imputação de que se cura liga o comportamento tido como ilícito a um resultado, em termos tais que se possa afirmar que este lhe pertence. O resultado é a destruição do portão (de um painel deste) que, em si mesmo, é um dano real, porque traduzido, afinal, na impossibilidade de retirar do bem a utilidade para que o mesmo foi concebido. Essa perda de utilidade refrate-se numa série de pequenas repercussões. Como estabelecer, então, a conexão? Segundo um critério funcional. O direito de propriedade desenha um círculo de interesses que com ele podem ser satisfeitos. Dentro desse círculo encontramos um mais pequeno, homocêntrico, identificando os interesses que, em concreto, aquele proprietário costuma ou quer satisfazer com o seu bem. Deixando de o fazer, sofre um prejuízo. Tendo de os satisfazer por outra via, sofre outro prejuízo. Sempre o núcleo central agregador das esferas que assim se desenham/sobrepõem é um ponto determinado, representado pelo objeto do direito que projeta aquelas zonas de utilidade, abstrata e concreta, ao qual é atribuído um determinado valor patrimonial. Para estabelecer a subtração comparativa a que se alude, não temos de hipotizar uma qualquer situação, dependente do curso virtual dos acontecimentos, mas antes olhar para o que em concreto o direito potenciaria ao seu titular (fruto da recondução do seu interesse específico ao núcleo de faculdades que compõem o seu conteúdo) e o que ele potencia: a pessoa não consegue satisfazer a necessidade, a pessoa tem de lançar mão de outros mecanismos alternativos para o fazer, tendo com isso despesas, a pessoa tem de reparar o bem objeto do direito, a pessoa deixa de obter uma vantagem que era assegurada por aquele direito[11]. Esta é a situação patrimonial do lesado, que deve ser fixada no último momento processualmente possível. A situação que a vítima teria se nessa data não existissem danos seria a situação decorrente da plena realização do seu interesse, para o que se deverá atender às circunstâncias concretas detidas pelo titular do direito. Quer isto dizer que se dispensa, assim, um novo olhar sobre a fórmula da diferença consagrada no artigo 566.º/2 do CC, quando em causa esteja a lesão de um direito subjetivo absoluto. Continuando a seguir o método aventado: há que, em primeiro lugar, saber se os prejuízos experimentados — os danos consequenciais que se verificam — podem ou não ser reconduzidos à violação do direito subjetivo absoluto. É que a compreensão do dano sob a óptica do interesse/utilidade propicia-nos um importante expediente categorial no sentido da justeza da aferição do prejuízo. Reconheça-se agora, por outro lado, a necessidade de algumas cautelas, afastando-se o risco de funcionalização do direito. Donde, o juízo a fazer há-de basear-se em duas grandezas: numa perspectiva, elencamos as faculdades inerentes ao tipo subjetivo em causa; sob outro enfoque, consideramos o concreto interesse do lesado (a utilidade particular), para depois concluir se a utilidade perdida se integra ou não no círculo de utilidades potenciadas pelo direito. Neste confronto comparatístico, pode suceder que haja, da parte do titular da posição jus-subjetiva vantajosa, um interesse específico que ultrapasse a comum utilização que se faz do bem. Desde que não extrapole as faculdades inerentes ao conteúdo do direito, a não realização do interesse não pode deixar de ser vista como um dano reconduzível ao evento lesivo. No fundo, o que se pretende dizer é que a ponderação probabilística típica do critério da adequação cede lugar a um juízo funcional de pertinência à esfera de influência do direito. Pode, contudo, suceder que — de acordo com as características próprias da situação sub iudice — a utilidade perdida, integrante das faculdades pertencentes ao conteúdo do direito absoluto, não possa ser fruída pelo seu titular, ou porque não tem interesse concreto nisso, ou porque outras circunstâncias exteriores àquele âmbito de domínio não o permitem. Neste caso, poderá chegar-se à conclusão pela inexistência do próprio dano. Lidando-se, aqui, com o problema da avaliação deste, a solução para ele passa por uma ideia de concretude. A própria determinação da existência do dano deve fazer apelo ao impacto que a preterição de uma utilidade tem na esfera do lesado. Ou seja, não basta saber se o dano se integra, ou não, na esfera de potencialidades abertas pela titularidade do direito, havendo de aferir qual a efetiva utilização que o lesado lhe tinha destinado. É esta intersecção de interesses — objetivamente considerado e subjetivamente titulado — que nos oferecerá os contornos do dano indemnizável. Ora, esta perspectiva tem manifesto reflexo no que tange à questão do ónus da prova… Em conclusão: A ressarcibilidade do dano subsequente é, pois, função da indagação da pertinência funcional da lesão do direito à esfera de responsabilidade que se erige e assume, sem prejuízo da necessidade de ter em conta, no juízo imputacional, uma ideia de controlabilidade do dado real pelo agente. Esta controlabilidade há-de, pois, ser entendida no sentido da evitabilidade do evento lesivo. Com isto, exclui-se a possibilidade de indemnização dos danos que resultem de acontecimentos fortuitos ou de casos de força maior. No fundo, o que se procura com as categorias é retirar da esfera de risco edificada algumas das consequências que, pertencendo-lhe em regra, pela falta de controlabilidade (inevitabilidade, extraordinariedade, excecionalidade e invencibilidade), não apresentam uma conexão funcional com o perigo gerado. No caso decidendo: O que se problematiza é se a despesa com a contratação de segurança que acautele o risco de intrusão que o portão cujo dano parcial tornou inoperante efectivamente cumpria/desempenhava pode ser tida como um dano que se reconduz ao comportamento ilícito e, em caso afirmativo, qual o critério para apurar o montante ressarcitório. Para que a indemnização possa ter lugar, nos termos que sufragamos, importa que o prejuízo em causa possa ser reconduzido ao núcleo de utilidade do direito de propriedade que foi violado. Como referido, há que saber se a utilidade que o lesado invoca se integra ou não dentro das potencialidades inerentes ao conteúdo do direito preterido; em segundo lugar, há que estabelecer uma subtração entre o que o lesado teria, dispondo de tal utilidade, e o que tem agora. No juízo de pertinência funcional, baseado numa lógica comparativa polarizada no direito subjetivo e nas esferas de utilidade (abstrata e concreta) que ele nos permite desenhar, há, como referido, um núcleo central representado pelo objeto ao qual é atribuído um determinado valor patrimonial. Ora, manifestamente, a utilidade de um portão é a de impedir a intrusão, a introdução num espaço vedado de pessoas que lhe são alheias… E não cabe, ressalvada a hipótese de um portão meramente “decorativo” ou imprestável a cumprir uma função mínima de vedação (sempre a alegar e provar pelo responsável, vista a presunção natural de que um portão se constitui como um modo comum ou natural de vedar ou tapar uma entrada) indagar se essa utilidade é absoluta, sabido que é que não há (sequer em cofres-fortes) sistema em si inviolável. Por isso que se tem como caracterizado, de acordo com o critério que sufragamos, o nexo de imputação do dano correspondente à despesa com a segurança ao dano primeiro do portão… E, consequentemente, como indemnizável… sem a necessidade de consideração de outros factos, mormente daqueles cuja ampliação vinha pretendida ou da revisão de outros tidos como provados… Na verdade, como se adiantou, a posição que sufragamos quanto ao ajuizamento do dano indemnizável tem implicações óbvias ao nível da repartição do ónus probatório. Com efeito, o lesado apenas tem que provar que o dano subsequente, hoc sensu secundário, se inscreve no domínio ou âmbito finalístico (no quadro da utilidade ou gozo comum ou específico[12]) do direito violado (com referência obviamente ao objecto imediato do dano); cabendo já ao lesante a alegação e prova de factos que excluam a aptidão serviente ou o uso concreto… Justificada, pois, a suficiência dos factos provados a justificar a atribuição ao Autor, a título de ressarcimento do dano, do valor despendido com a contratação de segurança, vista a frustração da utilidade do portão danificado e sempre a não demonstração de factos que infirmem a aptidão comum daquele, de acautelar a entrada de pessoas estranhas ao prédio na área reservada/privada deste. Donde a desnecessidade de apreciação da pretensão subsidiária de alteração da matéria de facto. Afirmada a necessidade de indemnização do dano indirecto ou derivado, nos termos que vêm de justificar-se, contudo, não se apresenta que o valor a conceder o tenha de ser com a amplitude ou extensão pretendida pela demandante, sendo que os próprios termos da matéria assente e já os da afirmação em sede de recurso quanto ao lapso de tempo demandado para a reparação do portão mesmo permitem a determinação do dano a indemnizar e o cálculo deste… Na verdade, na medida em que não está em causa a impossibilidade económica do Autor adiantar o valor da reparação do portão, em termos de acautelar a utilidade deste e evitar a despesa atinente ao pagamento de segurança extra, sendo que dos factos assentes se infere que, não obstante a assunção pela Ré da responsabilidade pelo evento, não foi linear o processo de avaliação/determinação do valor a satisfazer, bem assim destes resulta que desde sempre a Ré recusou o pagamento da despesa atinente à contratação de vigilância para o local onde se situava o portão danificado. Ora, ainda quando a Autora a ele tenha direito, nos termos expostos, temos para nós que a boa fé exigia à Autora um comportamento activo no sentido de não adensar o dano ou prejuízo e, assim, prontamente reparar o portão, após a avaliação por peritagem do dano, naturalmente, pela Ré… Donde, não se encontra justificação para o protelar da ordem de reparação pela Autora mesma, sendo que, nos termos das alegações e como sempre o imporiam juízos de normalidade, a reparação mesma do portão demandou já o tempo de 5/6 dias. Neste sentido milita desde logo a regra geral subjacente ao princípio do ressarcimento dos danos, que demanda sempre que exista uma razão de justiça, da qual resulte que o dano deva ser suportado por outrem. Por outro lado, a boa fé não se exige apenas ao nível de um padrão de conduta adequada. Também vale quando se impõe uma conduta subjetiva da boa fé. Mesmo que não haja uma permissão específica, a regra é a de que a conduta, tanto do credor como do devedor, se deve pautar por um padrão de conduta adequado. Na situação decidenda afigura-se-nos estarmos perante uma das hipóteses de operância da boa fé que o Prof. Menezes Cordeiro, na investigação que dedicou ao tema, classificou como de primazia da materialidade subjacente, nos termos da qual se impõe avaliar as condutas não apenas pela conformidade com os comandos jurídicos, mas também de acordo com as suas consequências materiais para efeitos de adequada tutela dos valores em jogo. Efectivamente, bem assim a exigência da obrigação de indemnizar (ainda quando transferida contratualmente) não se pode dissociar do princípio geral da boa fé consagrado no artigo 762.º do Código Civil que, no seu n.º2, prescreve que " no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé". A boa fé no exercício do direito correspondente pressupõe já um dever de mitigação ou de não ampliação dos danos/perdas ocorridos. O princípio duty to mitigate the loss conduz à ideia de dever, fundado na boa-fé objetiva, de mitigação pelo credor dos seus próprios prejuízos, procurando, ainda quando diante do inadimplemento do devedor, adoptar medidas razoáveis, considerando as circunstâncias concretas, para diminuir as suas perdas. Sob o enfoque da boa fé, configurável um dever geral de mitigação das próprias perdas pelo lesado, por forma a não agravar, pela inércia ou omissão, a situação do responsável/lesante[13]. É claro que não se pode exigir que o credor se prejudique na tentativa de mitigação da perda ou que atue contrariamente à sua atividade empresarial, porquanto aí não haverá razoabilidade. Em causa, assim, a eliminação das perdas evitáveis, envidando o lesado esforços razoáveis para afastar o próprio prejuízo. Tem-se, pois, por justificada a concessão do valor despendido com a vigilância contratada para o local do portão apenas e só pelo período de 9 dias, a englobar o lapso de tempo necessário às averiguações e peritagem e à reparação mesma. Assim, o valor a conceder, visto outrossim o facto sob 26. (10.638, 27 EUR corresponde ao preço, IVA incluído, de 70 dias), ascende a 1.367,78 EUR, o preço relativo a 09 dias necessários à cessação do dano. Cabe ademais apreciar a questão relativa ao momento a partir do qual são devidos juros de mora. Discorda-se absolutamente da tese da sentença recorrida, de que está caracterizada a mora do credor… Sem necessidade agora, novamente, da ampliação da matéria de facto, sequer necessário atermo-nos ao teor do documento remetido pela Ré ao oferecer o pagamento e à questão da declaração de quitação da indemnização, como suscitada nas alegações, na medida da operância do princípio da integralidade da prestação, do art. 763º do CC. De acordo com o art.º 813º do Código Civil, “o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação”. A mora do credor pressupõe, portanto, a verificação de dois requisitos cumulativos: a) A recusa do credor ou a não realização pelo mesmo da colaboração necessária para o cumprimento da prestação; e b) A ausência de motivo justificado para essa recusa ou omissão. Contrariamente ao que acontece quanto à mora do devedor, a mora do credor, a que alude o artigo 813º do Código Civil, não depende de existência de culpa, ou seja, não se exige que a sua não aceitação da prestação ou a omissão da sua colaboração sejam censuráveis. O nosso sistema jurídico-processual reparte o ónus da prova entre autor e réu pelo modo como este princípio geral está consignado no art.º 342º do Código Civil: - a quem invoca um direito em juízo incumbe fazer a prova dos factos, positivos ou negativos, constitutivos do direito alegado ("actore non probante reus absolvitur"); - à parte contrária compete provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito ("reus excipiendo fit actor"). Segundo Vaz Serra, “a prova deve caber àquele que carece dessa prova para que o seu direito seja reconhecido. É que o juiz não pode aplicar uma norma jurídica, se não se fizer a prova dos requisitos constitutivos da hipótese de facto (Tabestand) pressuposta por essa norma para sua aplicação; e, portanto, o ónus da alegação e da prova pertence à parte a cujo direito, para se efectivar, deve aplicar-se a norma, donde deriva que cada uma das partes tem esse encargo relativamente aos factos de que depende a aplicação das normas que lhe são favoráveis. Por conseguinte, se a lei contém uma regra e uma excepção, a parte, cujo direito se apoia na regra, deve provar os factos integradores da hipótese nela prevista, e não já os integradores da hipótese prevista na excepção. Este critério faz com que o encargo da prova caiba precisamente à parte que se encontra em melhor situação para a produzir, e, assim, constitui um estímulo para que a prova seja produzida pela parte que mais perfeitamente pode auxiliar a descoberta da verdade: mostra a experiência, que, em regra, quem tem a seu favor certo facto se acautela com meios de prova dele”. Na situação decidenda, oferecido pela Ré o pagamento apenas parcial da indemnização devida, não estando em causa regime convencionado ou imposto por lei ou pelos usos de admissibilidade de pagamento apenas parcial, o credor podia recusar o seu recebimento sem incorrer em mora. Por isso que se têm como devidos os juros de mora desde a citação, como reclamados/peticionados. III. Termos em que se decide do parcial provimento da apelação, consequentemente condenando a Ré a satisfazer ao A., para além da quantia arbitrada na sentença recorrida, que se mantém, nessa parte, a quantia de 1.367,78 EUR (mil trezentos e sessenta e sete euros e setenta e oito cêntimos), acrescidas ambas ( a ora arbitrada e a decidida em primeira instância) de juros de mora à taxa legal das obrigações civis desde a citação e até integral pagamento. Custas da apelação e da acção na proporção do decaimento. Notifique. |