Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MANUEL DOMINGOS FERNANDES | ||
Descritores: | ACERVO HEREDITÁRIO ACÇÃO DE PETIÇÃO DA HERANÇA PRESCRIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP20230327696/21.0T8PNF.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/27/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; DECISÃO ALTERADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - No acervo hereditário compreendem-se todos os bens, direito e obrigações que não sejam considerados intransmissíveis por sua natureza, por força da lei ou por vontade do autor da sucessão (cfr. artigos 2024.º e 2025.º do CCivil). II - É ao momento da abertura da sucessão-data da morte (cfr. artigo 2031.º do CCivil)-que se deve atender para saber quais os bens existentes no património do autor da sucessão e qual o valor desses bens para efeitos do cálculo da porção legitimária. III - Se no momento da abertura da sucessão já não existiam certos e determinados bens-saldos bancários-, não pode o interessado herdeiro lançar mão da acção de petição da herança (cfr. artigo 2075.º do CCivil) para pedir a sua restituição para posterior relacionação no âmbito do inventário. IV - Não obstante, sempre se poderá lançar mão da acção comum para obter o pagamento desse possível crédito da herança sobre o interessado que procedeu ao levantamento da totalidade do saldo, se for alegado e provado que tal levantamento foi feito contra a vontade do de cujus, cabendo o ónus da prova a quem pretenda obter o relacionamento de tal quantia. V - Os critérios gerais para a repartição do ónus da prova valem do mesmo modo para o ónus da afirmação, alegação (artigo 342.º do CCivil). VI - Por assim ser, a adução do material de facto a utilizar pelo juiz para a decisão da causa só compete, em princípio, às partes: a estas corresponde proporcionarem ao juiz, mediante as suas afirmações de facto (não notórias) a base da decisão, razão pela qual, a parte que invoca a excepção da prescrição cabe alegar os factos correspondentes e de acordo com a facti species da respectiva norma. VII - Não cumpre esse ónus se uma das partes (réus) se limita a alegar, para o preenchimento da facti species do nº 1 do artigo 498.º do CCivil, que decorreram mais de três anos sobre a prática dos factos, e a outra (a autora na invocação da prescrição ao pedido reconvencional), para o preenchimento da facti species do artigo 482.º do CCivil, que o direito de restituição com o fundamento alegado pelos Réus se encontra já prescrito. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 696/21.0T8PNF.P1-Apelação Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este-Juízo Central Cível de Penafiel-J2 Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Dr. Miguel Baldaia 2º Adjunto Des. Drª Fátima Andrade Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Acordam no Tribunal da Relação do Porto:I-RELATÓRIO AA, residente na Rua ..., ..., Amarante, veio intentar acção declarativa de condenação sob a forma comum contra BB e mulher CC, residentes na Rua ...-... Amarante formulando os seguintes pedidos: a)- Ser declarado que a A. é cabeça de casal e herdeira legal e testamentária no processo n.º ... do Cartório Notarial de Amarante, da Exma. Senhora Dr.ª DD; b) Ser declarado que a quantia de 49.628,99€, de que se apropriaram indevidamente os RR., pertence à herança aberta por óbito de EE e FF, declarando-se que a mesma pertence ao acervo patrimonial da herança dos inventariados no processo n.º ... do Cartório Notarial de Amarante, da Exma. Senhora Dr.ª DD; c) Serem os RR. condenados a restituir as supra referidas quantias à herança, no valor de 49.628,49€, acrescidas de juros calculados à taxa legal em vigor à data da apropriação, o que perfaz a quantia global à presente data de 81.748,08€. * Devidamente citados contestaram os Réus onde, além do mais, vieram invocar a excepção da prescrição do crédito e dos juros peticionados pela Autora.Deduziram igualmente reconvenção com intervenção principal provocada do marido da Autora- GG-onde formulam os seguintes pedidos: 1) ser declarado que o reconvinte BB é herdeiro na herança aberta por óbito dos seus pais EE e FF; 2) ser declarado que as quantias supra referidas de € 3.584,86, € 15.648,47, € 19.298,88, € 10.000,00, € 11.221,89, o que tudo perfaz € 59.783,80, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% contados desde 5/5/2004 até efectivo e integral pagamento, e que à presente data perfazem € 40.678,40, bem como a quantia de € 5.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% contados desde 31/3/2004 até efectivo e integral pagamento, e que à presente data perfazem € 3.423,01, e ainda a quantia de € 10.020,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% contados desde a data de pagamento de cada renda até efectivo e integral pagamento, e que à presente data perfazem € 1.125,27, e por fim a quantia de € 6.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% contados desde o dia 31 de Dezembro de cada ano até efectivo e integral pagamento, e que à presente data perfazem € 564,67, de que se apropriaram indevidamente os reconvindos, pertencem à herança aberta por óbito de EE e FF; 3) serem os reconvindos AA e marido GG condenados a reconhecer o constante da alínea anterior; 4) serem os reconvindos AA e marido GG condenados a restituir as quantias referidas na alínea anterior à herança; Caso assim não se entenda, 5) ser declarada a existência do direito de crédito da herança aberta por óbito de EE e FF, sobre os reconvindos AA e marido GG, respeitante às quantias referidas em f). 2. supra de que se apropriaram indevidamente os reconvindos; 6) serem os reconvindos AA e marido GG condenados a reconhecer o constante da alínea anterior. * Na resposta a Autora pedem a improcedência das excepções deduzidas pelos Réu, invoca a prescrição do crédito reclamado pelos Réus a nível reconvencional e, para o caso de assim não se entender pede a improcedência da reconvenção.* Após ter sido admitida a reconvenção bem como a intervenção provocada do marido da Autora, o processo seguido os seus regulares termos e, depois ter sido dispensada a audiência prévia, foi despacho saneador sentença onde, além do mais, se:a)- Julgou verificado erro insuprível na forma de processo relativamente a parte do pedido reconvencional, absolvendo da instância a Autora e; b)- Extintos por prescrição extintiva os direitos de crédito da herança sobre cada um dos Réus e Reconvindos reclamados, absolvendo-se reciprocamente dos pedidos. * Não se conformando com o assim decidido veio a Autora interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte:a) Os presentes autos dizem respeito a petição de herança, intentada nos termos do artigo 2075.º do Código Civil. b) Sendo requisitos da procedência da ação de petição de herança: a) que o autor tenha a qualidade de herdeiro; b) que as coisas peticionadas pertençam à herança; c) que o(s) réu(s) exerça(m) a posse sobre as coisas peticionadas. c) Acresce que, a restituição de bens que a referida ação de petição de herança comporta tem como fim fazer ingressar na herança bens que dela fazem parte, e nos termos do nº 2 daquele preceito legal, esta ação pode ser intentada a todo o tempo. d) Ademais, e de acordo com o artigo 306.º, nº 1 do Código Civil, o prazo de prescrição apenas se inicia quando o direito estiver em condições objetivas de o titular poder exercita-lo, isto é, desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação, sendo irrelevante a data em que o titular tem conhecimento da existência do direito. e) Releve-se que no caso pretende a ora recorrente fazer valer direitos patrimoniais que apenas advêm da sua qualidade de herdeira dos falecidos EE (falecido a 27 de julho de 2005) e FF (falecida a 14 de fevereiro de 2016). f) Exigindo somente a restituição e integração na herança dos bens (no caso o montante de €49.628,99) que os RR. mantêm em sua posse e que pertencem, sem margem para dúvidas, àquela herança. g) O que se pretende com a presente ação é uma restituição dos bens ainda não partilhados e não uma qualquer indemnização por responsabilidade extracontratual por facto ilícito ou fundamentada pelo enriquecimento sem causa. h) De facto, o R. BB subtraiu, de forma ilícita, a quantia peticionada como bem da herança, contra a vontade dos seus falecidos pais, pelo que tem de a devolver à herança, a fim de ser alvo de partilha. i) Como dispõe o já citado artigo 2075.º do Código Civil, o herdeiro pode pedir judicialmente a restituição de todos os bens da herança, ou de parte deles, contra quem os tenha em sua posse como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título. j) O pedido formulado pelo recorrente obedece, portanto, aos requisitos da ação interposta, ou seja, o reconhecimento da qualidade da recorrente como herdeira e a restituição de bens que estão na posse dos RR. ao acervo hereditário para serem partilhados posteriormente. k) Corre termos pelo Cartório Notarial de Amarante da Dra. DD o processo de inventário para partilha subsequente a óbito sob o nº ..., em que se procedeu à partilha dos bens deixados por óbito daqueles EE e FF. l) Em tal inventário foram apresentadas reclamações contra a relação de bens apresentada pela recorrente enquanto cabeça de casal, tendo sido proferido despacho pela Sra. Notária as considerar as dívidas como litigiosas, já transitado em julgado, a remeter as partes para os meios comuns nos termos do artigo 36.º do RJPI, entenda-se, tribunal judicial. m) O citado processo de inventário seguiu os seus termos relativamente às restantes verbas da relação de bens, tendo cabido à A. o somatório da quota disponível dos seus pais e o respetivo quinhão hereditário. n) Sendo que a verba exigida nos presentes autos é a única que se encontra por partilhar no âmbito daquele identificado processo de inventário com o nº .... o) O despacho e conferência preparatória que analisam as reclamações e fixam as dívidas como litigiosas, remetendo as partes para os meios judiciais comuns, datam, respetivamente, de 07 de novembro de 2019 e 19 de novembro de 2019. p) Ora, nos termos da al. c) do artigo 318.º do Código Civil o prazo de prescrição não se inicia entre pessoas cujos bens estejam sujeitos, por lei ou por determinação judicial ou de terceiro, à administração de outrem e aquelas que exercem a administração, até serem aprovadas as contas finais. q) Contas finais que, releve-se, no caso dizem respeito à partilha que corre os seus termos pelo Cartório Notarial de Amarante da Dra. DD o processo de inventário para partilha subsequente a óbito sob o nº ..., em que se procedeu à partilha dos bens deixados por óbito daqueles EE e FF. r) Daí que a ora recorrente ainda se encontra a tempo de intentar a petição de herança que deu origem aos presentes autos. s) Note-se, porém, que devemos ter em consideração todas as disposições que integram o regime da prescrição, pelo que, devem ser aplicáveis ao caso em concreto aquelas normas que se mostrem mais adequadas à natureza e caraterísticas do direito a que se reporta. t) Na descoberta dessas normas devemos ter em atenção que estamos perante um direito, cuja aquisição tem origem sucessória. u) Entende a recorrente que está em tempo para fazer valer direitos patrimoniais que apenas advêm da sua qualidade de herdeira dos falecidos EE (falecido a 27 de julho de 2005) e FF (falecida a 14 de fevereiro de 2016), entenda-se, exigir a restituição e integração na herança dos bens (no caso o montante de € 49.628,99) que os RR. mantêm em sua posse e que pertencem, sem margam para dúvidas, ao ativo daquela herança. v) Sempre com a certeza de que a recorrente pretende a restituição dos bens ainda não partilhados e não uma qualquer indemnização por responsabilidade extracontratual por facto ilícito ou fundamentada pelo enriquecimento sem causa, w) E que nos termos da al. c) do artigo 318.º do Código Civil o prazo de prescrição não se inicia entre pessoas cujos bens estejam sujeitos, por lei ou por determinação judicial ou de terceiro, à administração de outrem e aquelas que exercem a administração, até serem aprovadas as contas finais. x) Contais finais que no presente ainda não aconteceram. y) Pelo que, salvo o devido e merecido respeito, mal andou o Tribunal a quo na parte em que julgou extintos, por prescrição extintiva, os direitos de crédito da herança sobre os RR. z) Da matéria de facto dada como provada já citada, teria o Tribunal a quo que fazer uma diferente aplicação do direito, designadamente aplicando as regras da petição de herança constantes do artigo 2075.º do Código Civil. aa) Desta forma, ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 306.º, nº 1, 318.º al. c) e 2075.º, nº 1 e 2 do Código Civil, dos quais fez uma errada interpretação e/ou aplicação. * Devidamente notificados vieram os Réus recorrer de forma subordinada rematando com as seguintes conclusões:I – O presente recurso é interposto subordinadamente da parte desfavorável da douta sentença que declarou a prescrição do crédito da herança sobre os reconvindos, no valor de € 59.753,80, correspondente à soma das quantias ilicitamente apropriadas pelos reconvindos através de transferências bancárias e cheque sacado, em 5-5-2004, acrescido dos juros de mora contados à taxa de 4% desde 5-5-2004 até pagamento, e que em 7-5-2021 perfazia € 40.678,40, e ainda do crédito no valor de € 5.000,00, correspondente à quantia em numerário de que os reconvindos se apoderaram ilicitamente, em 31-3-2004, acrescida dos juros de mora contados à taxa de 4%, desde 31/3/2004 até pagamento, e que à data perfaziam € 3.423,01. II - O Tribunal a quo entendeu não se tratar de petição da herança, uma vez que não se trata do direito propriedade/posse sobre bens que existissem no património dos falecidos à data da morte destes, dado que já eram inexistentes os montantes alegados como abusivamente apropriados/levantados das contas bancárias e retirado da casa dos pais, pelo que tais quantias já não integravam a herança, já que esta nenhum montante possuía. III - O Tribunal a quo enquadrou as pretensões das partes como direito de crédito indemnizatório da herança, advindo de um acto ilícito, e determinou a prescrição dos invocados direitos de crédito da herança, quer se considerasse o prazo de prescrição de 3 anos, nos termos do disposto no artigo 498 n.º 3 do CC, quer se considerasse o prazo de prescrição de 10 anos resultante do alargamento de tal prazo para o prazo de prescrição do procedimento criminal, uma vez que os factos configurariam a prática de um crime. IV – Quanto a causas de interrupção ou suspensão da prescrição, o Tribunal a quo apenas refere a queixa crime apresentada como causa de interrupção, indicando, por lapso cremos, que tal queixa foi apresentada pela A., quando a queixa foi subscrita por mandatária com procuração com poderes forenses gerais alegadamente subscrita pelo pai, sucedendo porém que a queixa tem data de entrada no Ministério Público de 27/7/2005, o que apenas poderia ter sucedido após as 9h00, sendo que porém o pai já tinha falecida às 6h15 desse dia. E não consta dos autos documento em que a A. ou sequer a mãe desta, cônjuge meeira, tenham desejado procedimento criminal contra o R.. V - Assim, entende o Tribunal a quo que, iniciado nas datas das apropriações o decurso da prescrição do direito, nos termos do art. 306 nº 1 do CC, a prescrição continuou a correr, ainda que do direito tenham deixados de ser titulares os pais das partes e tenha passado a sê-lo a herança aberta por óbito destes, nos termos do artigo 308 nº 1 do CC. V - Quanto à causa de suspensão da prescrição do artigo 318 n.º 1 c) do CC, este não terá sido aplicado pelo Tribunal a quo, porquanto eventualmente entenderá que esta norma se refere à prescrição dos direitos e obrigações advindos dessa administração, entre quem administra e as pessoas cujos bens são administrados, ou seja, constituídos após o óbito, e que apenas com a aprovação das contas finais ficam definidas, não se tratando pois de créditos pré-constituídos entre os falecidos cujo património não se encontrava sob administração e recorrente e recorrida que não administravam os bens dos falecidos. VI – Face às prescrições dos créditos da herança invocados pela partes, e ao recurso interposto pela A., cabe ao R. interpor recurso subordinado porquanto as razões que determinariam a revogação da parte da douta sentença desfavorável aos AA., ou seja, que o alegado direito de crédito da herança sobre os RR. não se extinguiu por prescrição, também forçosamente determinariam a revogação da parte da douta sentença desfavorável aos RR., ou seja, que o alegado direito de crédito da herança sobre os AA. não se extinguiu por prescrição. VII - Nesses termos, enquadrar-se-á a presente pretensão reconvencional, não como crédito indemnizatório sobre a herança, mas na petição da herança, nos termos do artigo 2075 do CC, que dispõe no seu n.º 1 que, “O herdeiro pode pedir judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucessória, e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título.” VIII - A recorrida reconvinda retirou quantias de dinheiro que se encontravam depositadas nas contas bancárias dos falecidos e pertencentes a estes, e quantias de dinheiro em numerário da casa de habitação dos falecidos, e que eram propriedade dos falecidos, e sendo que tais quantias se encontram na posse dos reconvindos recorridos, visando-se, em última instância, a restituição de tais quantias à herança aberta por óbito dos pais do recorrente e da recorrida, sendo assim esta herança reintegrada nos seu direito de propriedade sobre tais bens. E o recorrente e a recorrida assumem a qualidade de herdeiro da herança em causa. IX - Nessa perspectiva, a acção pode ser intentada a todo o tempo, nos termos do disposto no artigo 2075 n.º 2 do CC, pelo que a reconvenção está em tempo. X - O pedido reconvencional formulado obedece portanto aos requisitos da reconvenção interposta, ou seja, o reconhecimento da qualidade de herdeira e a restituição de bens que estão na posse dos reconvindos ao acervo hereditário para serem partilhados posteriormente. XI - Por outro lado, mesmo que se entendesse que se trata de direito de crédito da herança sobre os reconvindos e portanto está sujeito à prescrição extintiva, sempre deveríamos atentar no início do prazo de prescrição, sendo que, a este respeito, determina o art. 306 nº 1 do CC que “O prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido”. XII – Se o pai faleceu em 27-07-2005, já a mãe faleceu em 14-02-2016, sendo que esta era herdeira daquele e meeira no património do dissolvido casal. Em 2018, foi instaurado pela reconvinda o processo de inventário para partilha, em que o reconvinte apresentou reclamação contra a relação de bens em 10-01-2019, onde invocou as apropriações ilícitas de dinheiro que fundam a reconvenção. O despacho e conferência preparatória que analisam as reclamações e fixam as dívidas litigiosas, remetendo as partes para os meios judiciais comuns, datam de 07 e 19-11-2019. A reconvenção foi deduzida em 10-05-2021. XIII – Ainda não decorreu o prazo prescricional de 10 anos, nem de 3 anos, porquanto a cônjuge meeira faleceu em 14/2/2016, foi apresentada reclamação contra a relação de bens em 10-01-2019, que interrompeu a prescrição, sendo que a prescrição voltou a correr com o trânsito em julgado da decisão que remeteu para os meios comuns e não voltaram a correr três anos até à nova interrupção ocorrida com a dedução de reconvenção em 10-05-2021. XIV – Nos termos do artigo 318 al c) do CC: “Entre as pessoas cujos bens estejam sujeitos, por lei ou por determinação judicial ou de terceiro, à administração de outrem e aquelas que exercem a administração, até serem aprovadas as contas finais”, pelo que sempre, desde a data de abertura da herança, até à partilha dos bens ocorrida no processo supra referido, esteve suspenso o decurso do prazo de prescrição, pelo que à data da dedução da reconvenção não se tinha completado o decurso do prazo de prescrição. XV - Nessa medida e termos, a douta sentença infringiu o disposto nos artigos 2075 n.º 1 e 2 do CC, artigo 306 n.º 1 do CC, e artigo 318 al. c) do CC. * Corridos os vistos legais cumpre decidir.* II- FUNDAMENTOSO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil. * No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:a)- saber se está, ou não, verificada a excepção da prescrição quer relativamente aos créditos da herança peticionados na acção quer relativamente aos créditos da mesma peticionados em via reconvencional. * A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOA dinâmica factual que releva para apreciar a questão supra enunciada é a que resulta do relatório supra, bem como os factos pertinentes que foram vertidos pelas partes nos respectivos articulados, dando-se uma e outros aqui integralmente por reproduzidos. * III. O DIREITOComo supra se referiu é apena uma a questão que importa apreciar e dicidir: a)- saber se está, ou não, verificada a excepção da prescrição quer relativamente aos créditos da herança peticionados na acção quer relativamente aos créditos da mesma peticionados em via reconvencional. Como se evidencia da decisão recorrida aí se propendeu para o entendimento de que, no caso, se verificava a exepção da prescrição, quer no que se refere aos créditos da herança peticionados na acção quer relativamente aos créditos da mesma peticionados em via reconvencional. É, pois, contra este entendimento que se insurge quer a apelante Autora quer os apelantes Réus reconvintes para quem a acção de petição da herança pode ser intentada a todo o tempo. Que dizer? O objecto da sucessão definia-o a antiga lei civil pela referência expressa a “todos os bens, direitos e obrigações do autor dela, que não forem meramente pessoais, ou exceptuados por disposição do dito autos ou da lei” (cfr. artigo 1737.º do CCivil de 1867), sendo que, este conceito formula-o, ainda por via negativa, o artigo 2025.º do actual CCivil. Portanto, no acervo hereditário compreendem-se todos os bens, direito e obrigações que não sejam considerados intransmissíveis por sua natureza, por força da lei ou por vontade do autor da sucessão (cfr. artigo 2024.º do CCivil). Como assim, a relação de bens a apresentar no inventário deve conter, no que concerne ao activo, os direitos patrimoniais do autor da herança e, no que concerne ao passivo, as obrigações do mesmo que não meramente pessoais, ou exceptuadas por lei, sendo que a titularidade de tais direitos e obrigações tem de ser determinada com referência à data da abertura da sucessão– data da morte do seu autor (cfr. artigo 2031.º do CCivil). Importa, aliás, enfatizar que o momento da abertura da sucessão tem uma importância primacial por a lei lhe ligar diversas consequências jurídicas relevantíssimas. Desde logo, é a esse momento que se atende para saber quais os bens existentes no património do autor da sucessão e qual o valor desses bens para efeitos do cálculo da porção legitimária (cfr. artigo 2162º CC). E sob este conspecto, importa salientar, como refere R. Capelo de Sousa[1] que naqueles bens se englobam só os deixados no momento da abertura da sucessão in integrum, os relicta, e já não as categorias de bens referidos no artigo 2069.º do CCivil, estes últimos, que surgem após tal abertura, terão de ser tomados em linha de conta, mais tarde, para efeitos de liquidação e partilha da herança. Isto dito, no caso em apreço, no processo nº ... que correu termos no Cartório Notarial de Amarante, da Dr.ª DD, procedeu-se à partilha dos bens dos falecidos pais da A. e do Réu marido, EE (falecido em 27 de julho de 2005) e FF (falecida em 14 de fevereiro de 2016). Como assim, os bens a partilhar no âmbito desse inventário seriam apenas os existentes, à data da abertura da sucessão de cada um dos referidos inventariados, ou seja, à data da sua morte. Ora, como resulta da petição inicial à data do decesso dos referidos inventariados as alegadas quantias em espécie (€ 2000, € 1510, € 230) que se encontravam em casa dos pais da Autora e do Réu marido e de que este, alegadamente se apoderou, bem como o vale postal que titulava um direito de crédito relativo a pensão de reforma por velhice no valor de € 288,99 e o direito de crédito sobre o banco no montante de € 45.000,00 no âmbito de um contrato de depósito bancário, já não integravam o património hereditário do falecido pai, e muito menos, da falecida mãe, já que todas elas (apropriações) estão reportadas aos anos de 2003 e 2004 (cfr. artigos 10º a 14º da petição inicial) ou seja anteriores à data do óbito de qualquer deles. Da mesma forma que os montantes de que a Autora alegadamente e de forma abusiva se terá apropriado ocorreram também antes dos referidos decessos (cfr. artigos 66º a 76º da pretensão reconvencional). Poder-se-á, então nestas circunstâncias falar em petição da herança como alegam os recorrentes? A acção de petição de herança reporta-se o artigo 2075.º do Código Civil que estatui do seguinte modo: “O herdeiro pode pedir judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucessória, e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título”. Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela[2], o que é essencial à petição de herança “(…) é o duplo fim que ela visa: por um lado, o reconhecimento judicial do título ou estatuto (de herdeiro) que o autor se arroga; por outro, a integração dos bens que o demandado possui no activo da herança ou da fracção hereditária pertencente ao herdeiro”, distinguindo-se da acção de reivindicação “(…) por virtude do carácter universal dela, visto visar, não uma coisa determinada, mas o universum jus defuncti”. Como refere Rodrigues Bastos[3] a petição da herança “é a acção por meio da qual aquele que pretende ser chamado a uma herança reclama o reconhecimento da sua qualidade de herdeiro. Esta acção não tende tanto à entrega das coisas como ao reconhecimento da qualidade de herdeiro, com o propósito de recuperar, no todo ou em parte, o que constituir o património hereditário” (negrito e sublinhados nossos). Já Cunha Gonçalves[4] ao tratar da natureza desta acção, opinava que ela não era pessoal, nem real, mas mista: “é pessoal, quanto ao reconhecimento da qualidade de herdeiro; é real, quanto à entrega do quinhão de herança, pertencente a este herdeiro”. Portanto, a causa de pedir desta acção é complexa, sendo integrada pelos seguintes elementos: - que o autor seja herdeiro do de cujus; - que o bem peticionado faça parte da herança do de cujus; - que o réu possua o bem peticionado. Daqui resulta que um dos elementos que integram a causa de pedir da referida acção é que o bem peticionado faça parte da herança. Acontece que, com o já supra se referiu os bens (valores monetários) que alegadamente quer o Réu marido quer a Autora se terão apropriado, já não faziam parte da herança à data da abertura da sucessão de qualquer dos inventariados. Isto não significa que não possa existir um crédito da herança sobre qualquer dos referidos interessados que, alegadamente se apropriaram das referidas quantias monetárias contra a vontade do de cujus cabendo, todavia, o ónus da prova a quem pretenda obter o relacionamento de tal quantia (cfr. artigo 342.º, nº 1 do CCivil), o que estava, aliás, em consonância, quanto às dívidas activas (como o foi o passivo relacionado pela Autora no âmbito do inventário supra referido) com o preceituado no artigo 37.º, nº 3 do RJPI em vigor à data da instauração do processo de inventário no citado Cartório Notarial e está hoje com o artigo 1105.º, nº 7 do CPCivil. O que não se pode é afirmar é que, quer os factos vertidos na petição inicial quer os vertidos na reconvenção, integram a factie sepcies da acção de petição da herança a que se refere o artigo 2075.º do CCivil. Importa, aliás, sopesar que, no caso em apreço, tendo já ocorrido a partilha de todos os bens da herança deixados pelos inventariados EE e FF (cfr. artigos 7º e 8º da petição inicial), não se divisa o interesse processual da Autora em lançar mão do pedido de reconhecimento judicial da sua qualidade sucessória de herdeira. É que, antes da partilha, o herdeiro usa a acção de petição de herança; partilhada a herança, quem quiser pedir a restituição de um bem que herdou há-de usar a reivindicação, porque então é já proprietário. Ora, não quadrando a presente acção no âmbito da factie species do artigo 2075.º, torna-se evidente não se poder afirmar, tal como fazem os apelantes (recurso independente e recurso subordinado) que a acção e reconvenção podiam se propostas a todo o tempo como preceitua o nº 2 do citado artigo 2075.º. Como assim, dúvidas não existem de que a questão controvertida quer na acção quer na reconvenção reside no facto de se apurar a ilicitude das alegadas apropriações das quantias identificadas nos articulados por parte do Réu e da Autora, e, por isso, se a herança tem um crédito indemnizatório sobre as respectivas partes. Atente-se que, por decisão transitada em julgado, se julgou não se verificar a ineptidão da petição inicial aí se exarando o seguinte: “Tudo para dizer que a petição inicial não é inepta, pese embora a formulação equívoca ou errónea do pedido, acertadamente objectada pelo Réu, porquanto nada obstando, em face da causa de pedir caracterizada e já enquadrada, que a final o tribunal viesse a decidir pela necessidade de relacionação do valor reclamado/peticionado, como crédito da herança sobre o herdeiro, com o que insubsistente a inconcludência alegada, o que mais justifica a não improcedência, sem mais, da pretensão”. Resulta, assim, do exposto que, no caso, há que chamar à colação o preceituado nos artigos 482.º e 498.º do CCivil sobre a questão da prescrição. Dispõe o segundo dos citados incisos sob a epígrafe “Prescrição” que: 1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso. 2. Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis. 3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. 4. A prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação nem da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra. O tribunal recorrido concluiu pela prescrição dos invocados direitos de crédito da herança, quer se considerasse o prazo de prescrição de 3 anos (n.º 1 do transcrito inciso), quer se considerasse o prazo de prescrição de 10 anos resultante do alargamento de tal prazo por os factos alegados configurarem a prática de um crime (nº 3 do mesmo normativo). Será assim? Resulta da norma transcrita que em matéria de indemnização por responsabilidade extracontratual importa ter em atenção dois prazos: o prazo de três anos a contar do conhecimento do direito e o prazo de vinte anos desde o facto danoso. O que está em causa é o prazo de três anos. Por “conhecimento do direito” deve entender-se o momento em que o lesado tem conhecimento do respetivo direito de indemnização que lhe compete, o que não significa que tenha de conhecer na perfeição e integralidade todos os elementos que fazem nascer na sua esfera jurídica o direito de indemnização, pois que não necessita de conhecer a identidade da pessoa responsável ou a extensão integral dos danos. Está em causa o conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e não a consciência da possibilidade do seu ressarcimento, sendo de salientar que não se trata de um conhecimento jurídico relativo ao preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil, mas antes um conhecimento empírico que permita a um lesado razoável formular um juízo subjetivo quanto à possibilidade de obter um ressarcimento pelos danos decorrentes de uma actuação de terceiro. O dies a quo do prazo prescricional coincide, portanto, com a constatação por parte do lesado da “ocorrência de um dano indemnizável (ainda que não completamente determinável) que proveio da prática de um facto ilícito e culposo”.[5] Assim, o prazo de prescrição de 3 anos começará a correr na data em que o lesado tomar conhecimento do facto danoso, isto é, do facto ilícito e culposo que tem a suscetibilidade de produzir danos na sua esfera jurídica. A justificação para esse encurtamento do prazo de prescrição encontra-se na própria natureza das acções judiciais destinadas a obter a condenação dos responsáveis pelo facto ilícito na satisfação do direito à indemnização dos lesados, uma vez que estas acções estão dependentes, sobretudo, da produção de prova testemunhal, que, com o decorrer do tempo, vai perdendo a sua credibilidade.[6] O legislador pretendeu, assim, aproximar o mais possível a data da instauração da acção judicial de responsabilidade civil extracontratual do momento em que se verificam todos os pressupostos desta forma de responsabilidade civil. Neste sentido e como refere o Professor Antunes Varela[7], o prazo é contado desde o “momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu”. Essa clara intenção do legislador de aproximar a data da instauração da acção da data em que o lesado tomou conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil é também notória na pouca relevância que é dada ao conhecimento da total extensão dos danos e da identidade do autor da lesão para o início da contagem do prazo prescricional. De resto e a propósito da extensão integral dos danos, o Professor Vaz Serra[8] sustenta que se deve distinguir entre “o dano que se vai produzindo no tempo (ao lesado é causado um dano cujos efeitos se prolongam por um tempo mais ou menos longo) e pode ser desde já calculado” e o dano novo que acresce ao dano primitivo, isto é, o dano que não era previsível que viesse a surgir como decorrência do já existente. Assim que o lesado tivesse conhecimento deste dano novo, correria um outro prazo de prescrição”. Postos estes breves considerandos, vejamos agora a questão do ónus da prova no que se refere à invocada excepção. A prescrição deduzida quer pelos Réus quer pela Autora reconvinda constitui excepção peremptória extintiva dos direitos de cada um deles (cfr. artigos 571.º, nº 2 e 576.º, nº 3 do CPCivil) e, portanto, cabe a quem alega a prova dos factos que a produzem (cfr. nº 2 do artigo 342.º do C.Civil). Significa, pois, que quer os Réus quer a Autora tinham, desde logo, que alegar os factos que, uma vez provados, levassem à verificação da facti species da norma correspondente. Efectivamente, em homenagem ao princípio dispositivo, a adução do material de facto a utilizar pelo juiz para a decisão da causa só compete, em princípio, às partes: a estas corresponde proporcionarem ao juiz, mediante as suas afirmações de facto (não notórias) a base factual da decisão. Cada uma das partes suporta, com resultado do princípio dispositivo, um ónus de afirmação (alegação). O problema do ónus de afirmação (quem corre o risco da falta de alegação dos factos indispensáveis para decidir o pleito em certo sentido) não deixa de ser idêntico ao do ónus da prova (quem corre o risco de o facto alegado se não considerar provado), uma vez que ambos têm na base os princípios da igualdade das partes e da exclusão do non liquet. À identidade do problema corresponde identidade de soluções, de tal sorte que estamos com Manuel Andrade[9] quando diz que os critérios gerais para a repartição do ónus da prova valem do mesmo modo para o ónus da afirmação. Estes critérios, em conformidade com o artigo 342.º do Código Civil, sintetizam-se no seguinte: - Ao autor cabe a afirmação dos factos segundo a norma substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito jurídico pretendido; - O Autor terá assim o ónus de afirmar os factos (constitutivos) correspondentes à situação de facto (Tatbestand) traçado na norma substantiva em que funda a sua pretensão; - Ao Réu incumbirá, por sua vez, a afirmação dos factos correspondentes à previsão (abstracta) da norma substantiva em que baseia a causa impeditiva, modificativa ou extintiva do efeito pretendido pelo Autor; - Compete-lhe, portanto, a prova (a afirmação) dos factos impeditivos ou extintivos da pretensão da contraparte determinados de acordo com a norma em que assenta a excepção por ele invocada. Posta assim a questão, quer do ónus da afirmação quer do ónus da prova, analisemos agora quer a alegação dos Réus quer a alegação da Autora reconvinda no que se refere à invocada excepção da prescrição. Na contestação à petição inicial aperfeiçoada alegam os Réus o seguinte: 1º A A. articula factos consubstanciadores de uma apropriação ilegítima de quantias por parte do R., porque sem autorização ou consentimento, em vida dos pais, e sua integração no património comum dos RR., configurando assim a causa de pedir da presente acção uma questão de responsabilidade civil por facto ilícito ou extracontratual, nos termos do disposto no artigo 483.º do Código Civil.2º Tanto assim é que a A. reconhece matéria criminal aos factos alegados, como alegado em 32 da petição inicial, sendo certo porém que é falso que o pai do A. e do R. tenha participado criminalmente contra o R. como infra melhor se explanará.3º Na verdade, já prescreveu quer o direito de indemnização por responsabilidade extracontratual por facto ilícito, nos termos do artigo 498.º do CC, quer, subsidiariamente falando, o direito de restituição com fundamento em enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 482.º do CC.4º De facto, a controvérsia dos presentes autos reside no facto de apurar a ilicitude da alegada apropriação do dinheiro por parte do R., e por isso se a herança tem um crédito indemnizatório sobre a herança, ou, subsidiariamente, se a apropriação do dinheiro constitui um caso de enriquecimento sem causa e, por isso, de apurar se existe obrigação de restituição.5.º Sendo certo que os factos que suportariam a obrigação de indemnização ou subsidiariamente de restituição nem sequer foram alegados, decorreram mais de 3 anos sobre os factos em causa, pelo que já ocorreu a prescrição quer do direito à restituição por enriquecimento sem causa prescreveu, nos termos do disposto no artigo 482.º do CC, quer do direito à indemnização com fundamento na responsabilidade extracontratual por facto ilícito nos termos do disposto no artigo 498.º do CC, excepções peremptórias estas que aqui expressamente se invocam, e que, em ambos os casos, implicam a absolvição do pedido, nos termos do disposto no artigo 576.º n.º 3 do CPC. Pergunta-se: os Réus cumpriram o referido ónus de alegação? A resposta é, como se evidencia da alegação transcrita, negativa. Efectivamente, os Réus limitam-se a alegar, para além das considerações jurídicas (cfr. artigos 1º a 4º) que decorreram mais de 3 anos sobre os factos em causa. Acontece que, essa alegação não preenche quer a factie species do nº 1 do artigo 498.º quer a do artigo 482.º do CCivil. Com efeito, os Réus ao defenderem-se invocando a excepção de prescrição do direito de indemnização da Autor deviam alegar o início do prazo (precisamente a data em que a Autora teve conhecimento do seu direito) o que não fizeram. É que, como supra se referiu, nos termos do citado artigo 498.º, nº 1, o prazo de prescrição de três anos aí assinalado, começa a correr desde a data que que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, conhecimento esse nos moldes que se deixaram expostos. Portanto, os Réus invocaram a excepção da prescrição sem, contudo, alegarem um dos elementos constitutivos dessa excepção: a data em que a lesada Autora ou os citados inventariados, atento o disposto no artigo 308.º do CCivil, tiveram conhecimento do seu direito a indemnização. É que uma coisa é data que terão ocorrido as alegadas apropriações monetárias, outra distinta, é o momento temporal em que a Autora ou os seus falecidos pais tiveram conhecimento dessas apropriações. Ora, como se extrai da decisão recorrida o tribunal a quo limitou-se, sob este conspecto a discorrer do seguinte modo: “Inequívoco que sobre os factos que suportariam a obrigação de indemnização decorreram mais de 3 anos, pelo que já ocorreu a prescrição do direito à indemnização com fundamento na responsabilidade extracontratual por facto ilícito nos termos do disposto no artigo 498.º do CC, excepção peremptória esta que por ambas as partes foi expressamente invocada, e que, em ambos os casos, implicam a absolvição do pedido, nos termos do disposto no artigo 576.º n.º 3 do CPC” e mais à frente: “A este respeito importa observar que o prazo de prescrição se iniciou no dia em que ocorreu cada um dos imputados comportamentos recíprocos”. Ou seja, também a decisão recorrida considerou verificada a excepção da prescrição, concluindo, sem mais, que sobre os factos que suportariam a indemnização decorreram mais de três anos, isto é, sem atentar que nem sequer foi alegado e muito menos provado, um dos elementos constitutivos dessa excepção, qual seja, a data em que a lesada Autora ou os sues falecidos pais tiveram conhecimento do seu direito a indemnização. É que, importa não esquecer que, nesta fase processual, para se tomar conhecimento da invocada excepção da prescrição tinha de estar provado um continente factual-no caso nem sequer esse continente foi alegado-que preenchesse a facti species do nº 1 do citado artigo 498.º, coisa que manifestamente não está, aliás, nem o tribunal recorrido alinha qualquer quadro factual nesse sentido como o deveria ter feito e não limitar-se a tecer um conjunto de considerandos jurídicos e citações de doutrina e jurisprudência, sem qualquer respaldo em factos concretos que estejam provados nos autos. E neste particular, importa enfatizar que os documentos que as partes juntaram com os respectivos articulados ou mesmo até posteriormente, não suprem a falta de concretização dos factos em que sustentam a sua pretensão. Na verdade, os documentos são apenas meios de prova cuja exclusiva função é a de demonstrar os factos (cfr. artigo 341.º do CCivil), ou seja, a junção de documentos não elimina a observação do chamado ónus da substanciação, isto é, a articulação dos factos que se inserem na previsão da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela jurisdicional se busca através do processo civil.[10] * E as mesmas considerações valem, mutatis mutandis, em relação à excepção da prescrição invocada pela Autora na réplica em relação à formulação do pedido reconvencional.Na verdade, no referido articulado a Autora alegou o seguinte: “42. Os RR. Reconvintes fundamentam claramente a alegada Reconvenção no enriquecimento sem causa, alegando falsamente que a A. e seu marido se apoderaram de quantias que destinaram a realizar interesses comuns e a enriquecer o património comum do casal. 43. Ora, o direito de restituição com o fundamento alegado pelos RR. encontra-se já prescrito, nos termos do artigo 482.º do CC, que dispõe que “o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos”. 44. O que desde já se invoca para todos os efeitos legais”. Como se extrai desta alegação, torna-se evidente que, também aqui, a Autora não alegou um elemento essencial constitutivo dessa excepção a que se refere a facti species do artigo 482.º do CCivil, qual seja, a data em que os Réus tiveram conhecimento do direito que lhes competia. * Resulta, assim do exposto, que perante a factualidade alegada, não tinha o tribunal recorrido elementos factuais assentes nos autos que lhe permitissem julgar procedentes as invocadas excepções da prescrição, tendo-se, pois, as mesmas por inverificadas.* Importa ainda salientar que, o que se acaba de expor, vale para as situações em que fosse de aplicar o nº 3 do artigo 498.º, isto é, em que o facto ilícito constituísse crime, ou seja, também aqui incumbe alegar e provar a data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete a que se refere o nº 1 do mesmo normativo.Aliás, diga-se, não vemos a razão de ser da ponderação que o tribunal recorrido fez da aplicação do citado nº 3, quando a mesma não foi invocada pela Autora na resposta à execepção da prescrição invocada pelos Réus. Efectivamente, o prazo previsto no nº 3 do artigo 498.º é excepcional e depende de um pressuposto, que é o de os factos constituírem crime e, por isso, é ao lesado (neste caso à Autora) que queira usufruir do direito à utilização desse prazo, que compete alegar e provar que se verificam os pressupostos em que a lei admite a sua utilização, como resulta da regra basilar do ónus da prova que consta do nº 1 do artigo 342º do Código Civil. Alegação que tanto, pode desde logo ser feita na respectiva petição inicial, como na resposta à excepção da prescrição invocada pelo Réu com fundamento no nº 1 da citado normativo. Ora, no caso, tal alegação não foi feita na petição inicial (na petição inicial aperfeiçoada apenas se alega, sob esse conspecto, o seguinte: “32. Em face do supra alegado, o inventariado EE participou criminalmente contra o Réu BB”), sendo que, em sede de réplica a Autora se limitou a invocar o disposto no artigo 2075.º do CCivil, para legar que a acção podia ser intentada a todo o tempo. * Procedem, assim, em parte, as conclusões formuladas quer pela apelante Autora quer pelos apelantes Réus e, com elas, os respectivos recursos.* IV-DECISÃOPelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar as apelações independente e subordinada procedentes por provadas e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida na parte em que julgou verificadas as excepções da prescrição invocadas pelos Réus e pela Autora, a qual deve ser substituída por outra que ordene a tramitação subsequente dos autos se outra causa a isso não obstar. * Custas da apelação independente pelos Réus e custas da apelação subordinada pela Autora (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).* Porto, 27 de Março de 2023.Manuel Domingos Fernandes Miguel Baldaia de Morais Fátima Andrade ________________ [1] In Direito das Sucessões, Coimbra Editora, Vol. II, pag. 161, nota 853. [2] Obra citada pág. 131. [3] In Direito das Sucessões, 1981, pág.158. [4] In Tratado, Vol. X, pag. 479. [5] Cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha–Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado, Coimbra Editora, 2008, pág. 96. [6] Nesse sentido, vide Professor Vaz Serra1, in “Prescrição do Direito de Indemnização”, Boletim do Ministério da Justiça n.º 87, Junho de 1959, pág. 37: “A razão está em que os elementos da responsabilidade civil, e, sobretudo, o dano, têm, em regra, de ser provados com testemunhas e, passado longo tempo sobre o facto ilícito, pode ser muito difícil apurar devidamente os factos. Convém, pois, que o prazo de prescrição seja curto.” No mesmo sentido, vide, igualmente, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p. 625 e seguintes. [7] Obra citada pág. 626. [8] Obra citada pág. 43 e ss. [9] In Noções Elementares de Processo Civil, pag. 196 e ss. [10] Cfr. Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil2, I Volume, 28 Edição, Almedina, pág. 193. |