Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1348/14.2TAGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: LEGITIMIDADE
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INTERESSE EM AGIR
CO-ARGUIDO
Nº do Documento: RP201704261348/14.2TAGDM.P1
Data do Acordão: 04/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 715, FLS.72-82)
Área Temática: .
Sumário: Um recorrente arguido carece de legitimidade para impugnar matéria de facto provada que apenas contribuiu para a absolvição de coarguido (artigo 401º, 1, b), a contrario sensu, do Código de Processo Penal), por carecer de interesse em agir (nº 2 do mesmo artigo).

(Sumário elaborado pelo Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1348/14.2TAGDM.P1
Data do acórdão: 26 de Abril de 2017

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem: Comarca do Porto
Instância Local de Gondomar | Secção Criminal

Sumário:
Um recorrente arguido carece de legitimidade para impugnar matéria de facto provada que apenas contribuiu para a absolvição de coarguido (artigo 401º, 1, b), a contrario sensu, do Código de Processo Penal), por carecer de interesse em agir (nº 2 do mesmo artigo).
Acordam, em conferência, os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B…;
I – RELATÓRIO
1. Por sentença datada de 28 de Setembro de 2016, o arguido ora recorrente – entre outros – foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros).
2. No mesmo dispositivo o arguido C… foi absolvido da acusação pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples de que vinha acusado.
3. Inconformado com a decisão, o arguido recorreu da mesma, terminando a motivação do recurso com a formulação das conclusões seguidamente reproduzidas:
"O Recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de injúria agravada[1], previsto e punido pelo artigo 143°/1 do Código Penal na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €5,00.
O Tribunal a quo deu como provados, entre outros e com relevo para apreciação do presente recurso, os seguintes factos:
"No dia 15 de Outubro de 2013, cerca das 17:00 horas, no interior do estabelecimento comercial de supermercado sito na Rua …, n°. …, em …, o arguido B… munido de uma vassoura desferiu diversas pancadas nos braços de C….
Em resposta imediata às pancadas nos braços, (restringindo-se aa impugnação à parte sublinhada) o arguido C… desferiu um murro na face de B…, ao que caíram e se envolveram, de forma não concretamente apurada, no chão.
Os arguidos B… e D… agiram livres, deliberada e conscientemente com intenção de se ferirem e molestarem fisicamente o corpo de C…, o que conseguiram.
Sabiam esses arguidos que as suas condutas eram punidas e proibidas por lei.
O arguido C… agrediu B… para repelir agressões no seu corpo de que estava a ser alvo naquele momento." (impugnando-se o facto na parte sublinhada).
Para dar como provados aqueles factos, o Tribunal a quo formou a sua convicção no depoimento das testemunhas indicadas pela acusação e nas declarações do ofendido/arguido C….
Com o devido respeito, face à prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, não aceita o recorrente que se tenham provado aqueles factos.
Os arguidos C… e B… negaram os factos que lhes são imputados e apresentaram versões diferentes dos mesmos, afirmando, em suma, cada um deles terem sido vítimas e não agressores. Assim é que,
Na versão do ofendido/arguido C… resulta que quando entrou no estabelecimento comercial de supermercado, o arguido B… dirigiu-se a si com um pau de vassoura e desferiu-lhe duas pancadas no braço. Refere que levantou o braço para se defender de agressões na cabeça e que lhe deu um murro na cara como reação às agressões que estava a ser vítima naquele momento, conforme resulta das suas declarações gravadas no sislema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do Tribunal e por referencia à ata de audiência de discussão c julgamento de 20.09.2016, com início de gravação às 10:01:52 e fim de gravação às 10:11,37, no período de 00:02 a 02:05.
Por sua vez, na versão do ofendido/arguido B… resulta que se encontrava no supermercado com D…, junto à secção do talho, quando sentiu um murro na face e um empurrão, tendo caído no chão. Nesse momento, refere ter visto o arguido C… com uma vassoura no ar dirigida a si, tendo conseguido agarrar o cabo da mesma e dessa forma, segurando cada um dos arguidos por uma ponta da vassoura, foi arrastado até à porta da loja - conforme resulta das declarações gravadas no sistema integrado de gravação digital daquele Tribunal, com início de gravação às 10:11:29 c Hm de gravação às 10:22.21, mais precisamente no período de tempo de 00:49 a 03:11.
O Tribunal a quo acolheu a versão de C… por entender que embora grosso modo concordantes, não tiveram suporte na restante prova produzida, confirmando as testemunhas inquiridas a versão de C….
Sucede que, nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento foi capaz de relatar ao Tribunal em que parte do corpo C… terá sido atingido pela vassoura, não obstante a douta decisão recorrida dá como provado que aquele foi atingido nos braços.
Para tanto, assentou a convicção do Tribunal unicamente nas declarações do ofendido C…, pessoa claramente interessada no desfecho dos presentes autos.
Até porque não consta dos autos nenhum relatório médico ou boletim clínico que ateste a existência de lesões nos braços de C…, nem em qualquer outra parte do seu corpo.
Além disso, os depoimentos das testemunhas E… e F… deveriam ter sido valorados pelo Tribunal a quo de forma crítica de acordo com o previsto no artigo 127° do CPP, ponderando-se que devido ao facto destas testemunhas terem uma relação de amizade com C… (dado outrora lerem sido funcionárias do filho deste c por isso o conhecerem há alguns anos), depuseram de forma parcial.
Tanto assim que ambas as testemunhas revelaram uma memória muito seletiva sobre os factos ocorridos no dia 15 de Outubro de 2013, apenas se recordando de factos que apenas beneficiam o ofendido/arguido C….
Nesse sentido, a testemunha E… no seu depoimento (gravado no sistema áudio do Tribunal e por referência à ata da audiência de julgamento de 20.09.2016, com início de gravação 10:30:31 e fim de gravação 10:39:57, concretamente no período de 01:15 a 03:54) referiu ter presenciado o arguido B… a bater com uma vassoura no corpo de C…, mas não conseguiu explicar como reagiu C… para afastar a alegada agressão, bem como não conseguiu identificar qual a parte do corpo em que o mesmo terá sido atingido,
Escudando-se, assim, na falta de memória e no alegado pânico vivenciado no que concerne aos factos imputados ao arguido C…, respondendo de forma vaga e com recurso a expressões, tais como "enrolados", convenientemente sem concretizar - como resulta ainda do seu depoimento gravado no CD dc 05:37 a 06:13 c de 07:15 a 07:41.
O que não é de todo normal face às regras da experiência comum, não corroborando o depoimento daquela testemunha a versão do ofendido/arguido C…, o qual, aliás, confessou ter dado um murro na face do arguido/ofendido B… como reação às alegadas ofensas.
Acresce que, do depoimento da testemunha F…, não resulta que aquela tenha presenciado pancadas com a vassoura no corpo de C…, muito menos que aquele tenha sido atingido nos braços. Na verdade,
A referida testemunha quando questionada acerca do que se passou, referiu ao Tribunal que viu o senhor G… com um pau de vassoura dirigido ao senhor C… tentando-o agredir e que, nesse ato, este levantou a mão para se defender, tendo começado os dois a agredir-se, não conseguindo, porém, concretizar tais agressões - cfr. depoimento, gravado no sistema áudio do Tribunal e por referência à ata de audiência e julgamento com inicio de gravação às 10:39:59 e fim de gravação às 10:46:25, mais concretamente no período de 01:25 a 03:06.
O depoimento da testemunha F… embora não totalmente coincidente com o da testemunha E…, é em tudo igual quanto à "falta de memória" relativamente aos factos que são imputados ao arguido C…, ressaltando à evidência que tais depoimentos foram produzidos de forma parcial e ensaiada, não tendo sequer reportado ao Tribunal o murro desferido por C… no ofendido B….
Constando dos autos boletins clínicos e exames médicos de avaliação do dano corporal que atestam a presença de lesões/escoriações no corpo do arguido B…, pese embora, s.m.o e a nosso ver mal, o Tribunal a quo tenha dado por não provado que as lesões verificadas em B… advieram de agressões do arguido C…. Acresce que,
O depoimento da testemunha H… também não confirma, em nenhum momento a descrição dos factos trazida aos autos por C… relativamente aos factos imputados ao aqui recorrente B…, pois este apenas assistiu a uma pequena parte da contenda, não tendo presenciado o início da mesma, tendo a testemunha referido ao Tribunal que quando chegou ao estabelecimento viu dois homens envolvidos no chão "agarrados um ao outro" e uma senhora a desferir murros e pontapés e a rasgar a camisola de um deles - conforme depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital do tribunal a quo por referência à ata da audiência de julgamento de 20.09.2016 com inicio da gravação às 10:46:27 e fim da gravação às 10:52:03.
Pelo que, não restam dúvidas que o Tribunal a quo deu como provado que "o arguido B… munido de uma vassoura desferiu diversas pancadas nos braços de C… e que em resposta imediata a essas pancadas aquele desferiu um murro na face de B…", apenas com base nas declarações do ofendido C….
Sendo que, na ausência de relatórios médicos (relativamente à pessoa de C…), os depoimentos das testemunhas presentes no local em que ocorreram os factos – E… e F… - no seu todo e da forma parcial como o fizeram, não poderiam nunca servir para que o Tribunal a quo formasse a sua convicção no sentido que o arguido cometeu o crime de ofensa à integridade física simples em que foi condenado.
Resultando, outrossim, do depoimento da testemunha F… gravado no CD no período de 01:25 a 03:06., a confirmação da versão do arguido B…, pois que como referiu aquela testemunha C… para se defender da agressão com o pau de vassoura, levantou a mão.
Na verdade, C… não se defendeu com um murro em resposta imediata às pancadas e para repelir as agressões no seu corpo, como o próprio assim fez crer ao Tribunal, e que nenhuma das testemunhas inquiridas confirmou – C… defendeu-se com a mão e posteriormente, com animus ofendendi e não defendendi, desferiu um murro na cara de B….
Não se podendo aceitar, com o devido respeito, que seja imputado ao arguido para efeitos de condenação os factos que se consideram incorretamente julgados apenas com base nas declarações do ofendido/arguido C…, interessado no desfecho dos presentes autos e,
Cujas declarações estão impregnadas de inverdades como, desde logo, se constata do confronto entre o contrato de trespasse junto aos autos a fls. 223 e as declarações do arguido C…, no que diz respeito à titularidade do estabelecimento comercial de supermercado — cfr. declarações gravadas no sistema integrado de gravação digital do Tribunal por referenda à ata de audiência e julgamento de 20.09.2016, com inicio da gravação às 10:01.52 e fim da gravação às 10:11.37, mais precisamente no período de 05:42 a 06:00 e de 06:35 a 06:50 e no que diz respeito à identificação da entidade patronal das funcionárias — E… e F… - cfr. declarações gravadas no Cd no período de 00:47 a 00:57. Assim,
Tendo os arguidos negado os factos que lhes são imputados e apresentado versões diferentes dos mesmos, afirmando, em suma, cada um deles terem sido vitimas e não agressores, e
Resultando da prova produzida em julgamento que os arguidos se envolveram fisicamente, não existindo, porém, um único depoimento credível que, quanto à dinâmica da contenda, permitisse ao Tribunal a quo concluir, com segurança, pela versão trazida aos autos por C…, não há prova que permita imputar o crime de ofensa à integridade física ao arguido B….
Em consequência, deveria o Tribunal a quo ter concluído pela falta de prova para condenar o arguido B…, ou, pelo menos, pela dúvida fundamental quanto à forma como ocorreram os factos, dúvida, essa, inultrapassável e que portanto impunha o recurso ao princípio "in dubio pro reo".
Pois, no nosso ordenamento jurídico, está soberanamente consagrado o princípio da presunção da inocência, estabelecido no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual ninguém pode ser punido ou sujeito a uma pena ou sanção acessória sem que a sua culpabilidade fique demonstrada inequivocamente e sem margem para dúvidas.
Ora, contrariando tal disposição, o Tribunal a quo não aplicou tal princípio com rigor, uma vez que os meios de prova em que se baseou para decidir que a versão do ofendido/arguido C… é mais consistente do que a do ofendido/arguido B… não são suficientes para decidir com a certeza que é exigível que o arguido praticou o crime de que era acusado.
E, tais dúvidas, salvo o devido respeito, não podiam deixar de ser analisadas pela MMª Juiz ao proferir a decisão, sendo que as mesmas deveriam ter funcionado a favor do arguido B…, como assim o impõe o princípio "in dúbio pro reo", impondo- se a sua absolvição.
Ao assim não decidir, o Tribunal a quo errou na apreciação da prova e violou o principio in dúbio por reo, violando, por conseguinte, o disposto no artigo 127° do CPP e 3271 da Constituição da República Portuguesa e 143°/1 do C P.
Sem prescindir e por hipótese aventada à cautela, a entender-se que o arguido cometeu o crime de ofensa à integridade física simples em que foi condenado, se bem andou o Tribunal a quo ao dar primazia à aplicação ao arguido de uma pena de multa em detrimento da pena privativa da liberdade, já o mesmo não se pode dizer, s.m.o., no que concerne aos dias de multa fixados pelo tribunal, que se considera excessiva.
Em sede de determinação da medida concreta da pena considerou o tribunal a quo considerou ajustada a pena de 100 dias de multa (cuja moldura penal para o crime em apreço se situa no seu limite mínimo em 10 dias e máximo 360 dias), por considerar adequada à culpa elevada do arguido, na modalidade de dolo direto e ao caráter elevado da ilicitude e à ausência de reciprocidade de agressões.
A favor do arguido o Tribunal a quo apenas levou em consideração o facto do arguido não ter antecedentes criminais e as medianas consequências para o lesado.
Ora, pese embora nenhuma das testemunhas inquiridas tenha esclarecido o que sucedeu entre os dois arguidos no chão, decorre das regras da experiência comum que, num contexto de animosidade como o dos autos, expressões como "enrolados", "envolvidos" e "agarrados" evidenciam a existência de hostilidade/confrontos físicos.
Circunstância que, s.m.o., deveria ter sido levada em linha de conta pelo Tribunal a quo na determinação da medida concreta da pena, não obstante dela não terem sido retiradas consequências jurídicas.
Além disso, mesmo que se admita que C… sofreu dores (até porque mais não fosse andou envolvido no chão com o arguido B…), não existiram quaisquer consequências ao nível da sua afetação da capacidade de trabalho geral ou profissional, pelo que as consequências foram reduzidíssimas.
Circunstâncias que a ser levadas em linha de conta diminuiriam a gravidade e o grau de censurabilidade da conduta do arguido B….
Assim, sendo certo que as necessidades de prevenção geral assumem expressão, pois há que repor a confiança na sociedade na vigência e imposição das normas que protegem a integridade física das pessoas, punindo quem as põe em causa,
Não há necessidades de prevenção especial de monta, dado que o arguido não tem antecedentes criminais, está inserido socialmente, faz voluntariado, e não mantém qualquer contacto com o ofendido.
Desta forma, o Tribunal a quo ao fixar os dias de multa não ponderou devidamente os critérios apontados pelo artigo 71° do Código Penal.
Pelo que a considerar-se que o arguido praticou o crime de ofensa à integridade física simples porque foi condenado, entende-se adequada a fixação de uma pena de multa situada no limite mínimo da moldura penal.
Desta forma a douta Decisão que se recorre violou os artigos 32° da CRP, 127° do CPP, 14371, 71° e 40° do Código Penal. (…)"

4. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
5. O Ministério Público respondeu à motivação do recurso, pugnando pela sua improcedência, concluindo a peça processual com a formulação das seguintes conclusões:
"Não merece qualquer censura a decisão da matéria de facto efectuada pelo Tribunal a quo, encontrando-se a matéria de facto fixada de acordo com um raciocínio lógico e coerente, não tendo o mesmo incorrido em qualquer violação do princípio "in dúbio pro reo"
A decisão recorrida fixou a pena de multa aplicada ao recorrente forma criteriosa e adequada."
6. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer, pugnando, igualmente, pela improcedência do recurso e confirmação da sentença, do qual se extraem as seguintes passagens:
a. "Parece-nos (…) inatacável a convicção formada pelo tribunal a quo e objetivada no texto da sentença, no sentido da prova da agressão física infligida pelo recorrente ao ofendido C… [diversas pancadas nos braços com uma vassoura], e, assim, improcedente o alegado erro de julgamento";
b. "Quanto à invocada violação do princípio in dubio pro reo, diremos apenas que, consabidamente, tal princípio encerra uma imposição dirigida ao julgador no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa." O que significa que, uma vez considerados provados, para além de qualquer dúvida razoável, todos os factos relevantes e preenchidos os elementos essencialmente constitutivos do tipo incriminador em presença, não é confígurável a violação desse princípio."
c. "Ora, no caso em apreço, como flui do acima exposto, não há evidência de que o tribunal a quo tenha sido confrontado com qualquer dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade do recorrente ou dos concretos contornos da sua atuação, que deva ser valorada a seu favor, o que vale por dizer que improcede manifestamente a invocada violação do princípio in dubio pro reo."
d. "Subsidiariamente - considerando que a pena de multa que lhe foi aplicada é desadequada e demasiado severa, quer em virtude do que considera ser a menor gravidade e censurabilidade da sua atuação quer em virtude das suas condições pessoais e da sua inserção social - pretende o recorrente que a mesma seja reduzida ao mínimo da moldura abstratamente aplicável."
e. "Cremos que, também nesta parte, deverá improceder o recurso e que a pena de multa aplicada, e ora impugnada, deve ser confirmada. Em nossa opinião, a sentença recorrida fundamenta e esclarece de forma satisfatória as razões da escolha da pena de multa e da determinação da sua medida, equacionando, analisando e valorando adequadamente o grau de ilicitude dos factos, o modo de execução do crime e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, bem como as exigências da prevenção, nenhuma censura merecendo, portanto, também neste particular."

7. Não houve resposta ao parecer.
8. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos do Código de Processo Penal].
Questões a decidir
Do thema decidendum dos recursos:
Para definir o âmbito do recurso, a doutrina [2] e a jurisprudência [3] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Tendo em conta o teor do relatório que antecede, importará, à partida, solucionar as seguintes questões:
a) Impugnação ampla da decisão da matéria de facto;
b) Alegada violação da presunção de inocência do arguido; e
c) Alegada excessividade da pena concreta aplicada.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Para a apreciação das questões acima enunciadas, interessa recordar o teor da fundamentação em matéria de facto da sentença recorrida, bem como aquela que sustenta juridicamente a determinação da pena concreta:
"II - FUNDAMENTAÇÃO
Apreciada a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
No dia 15 de Outubro de 2013, cerca das 17:00 horas, no interior do estabelecimento comercial de supermercado sito na Rua …, n.º …, em …, o arguido B… munido de uma vassoura desferiu diversas pancadas nos braços de C….
Em resposta imediata às pancadas nos braços, o arguido C… desferiu um murro na face de B…, ao que caíram e se envolveram, de forma não concretamente apurada, no chão.
Nessa altura, D… cravou as unhas na camisola de C…, rasgando-a, e desferiu-lhe murros e pontapés no corpo.
Em 15-10-2013, pelas 20:45 horas, D… apresentava traumatismo crânio encefálico, sem perda de consciência, traumatismo na face com lesão abrasiva na pirâmide nasal, traumatismo do braço direito com hematoma, traumatismo da mão esquerda com ferida corto-contusa da falange proximal do 5º dedo.
Apresenta como sequelas no membro superior direito dor à mobilização do punho nos arcos finais dos movimentos sem limitação da amplitude dos mesmos.
Tais lesões determinaram 08 dias de doença, com afetação da capacidade de trabalho profissional em 05 dias e de trabalho geral em 05 dias. A data da cura das lesões fixou-se em 23/10/2013.
Em 15-10-2013, pelas 20:43 horas, B… apresentava escoriações várias do antebraço esquerdo, hematomas palpebrais, zona malar da face esquerda, braço direito e cotovelo direito.
Tais lesões determinaram 10 dias de doença com afetação da capacidade de trabalho geral em 04 dias. A data da cura fixou-se em 25/10/2013.
Por via das agressões sofreu C… dores.
Os arguidos B… e D… agiram livres, deliberada e conscientemente com intenção de se ferirem e molestarem fisicamente o corpo de C…, o que conseguiram.
Sabiam esses arguidos que as suas condutas eram punidas e proibidas por lei.
O arguido C… agrediu B… para repelir agressões no seu corpo de que estava a ser alvo naquele momento.
Os arguidos B… e D… não têm antecedentes criminais.
O arguido C… foi já condenado no âmbito do processo comum singular n.º 1404/12.1TDPRT da ILC da Maia-J3, por sentença proferida em 10-03-2015 e transitada em julgado em 20-04-2015, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €5,00 pela prática, em Maio de 2001, de dois crimes de abuso de confiança contra a segurança social, já extinta pelo pagamento.
O arguido C… está desempregado e vive de poupanças; vive sozinho em casa emprestada; toma as refeições em casa de uma irmã; tem 3 filhos, uma delas menor a quem não paga pensão de alimentos.
O arguido B… está desempregado; faz voluntariado; recebe €160,00 por mês de RSI; vive sozinho em casa penhorada por falta de pagamento de prestação; não tem filhos.
A arguida D… trabalha num restaurante em Mondim de Basto e aufere €530,00 por mês; vive sozinha na casa da filha.
*
Não resultou provado que (…).
Motivação
Para dar como provados os factos supra referidos, baseou-se o Tribunal nos depoimentos conjugados das testemunhas, nas declarações dos arguidos e nos documentos e relatórios periciais juntos aos autos. Vejamos:
Desde logo se diga que não há dúvidas quanto à data, hora e local dos factos, no que todos os inquiridos foram coincidentes.
Já quanto ao que se passou, o arguido B… alegou que se encontrava no supermercado com D…, junto à secção do talho, quando, sem qualquer conversa prévia, sentiu um murro na face e um empurrão, ao que caiu, tendo visto nesse momento o arguido C…, já com uma vassoura no ar, dirigida a si, tendo conseguido agarrar o cabo e dessa forma, segurando cada um por uma ponta da vassoura, foi arrastado até à porta da loja. A dada altura, depois de D… o ter tentado ajudar a levantar-se, viu-a caída no chão. Negou ter agredido C….
A arguida D…, junto ao talho, afirmou ter-se apercebido, sem qualquer discussão ou conversa prévia, de um barulho, ao que se voltou e viu B… no chão; nesse momento C… puxou-a pelo pulso e desferiu-lhe duas bofetadas na face, que a fizeram cair ao chão atordoada; só se recorda de ver então os outros dois arguidos agarrados a uma vassoura arrastados até à porta da loja, sem nunca C… ter caído ao chão. Mais afirmou que é possível que tenha cravado as unhas na roupa de C… para evitar cair e que ficou muito magoada física (no pulso) e psicologicamente.
No entanto, estas versões, grosso modo concordantes, não tiveram o menor espelho na restante prova produzida, tendo as testemunhas inquiridas confirmado a versão trazida por C…. Este afirmou que, após uma discussão (que o tribunal não percebeu se ocorreu ainda no exterior do supermercado), e quando C… se encontrava também no supermercado, o arguido B… dirigiu-se a si e desferiu-lhe duas pancadas no braço, que havia levantado para se defender de agressões na cabeça; assume que ter-lhe-á dado aí um soco na face para se defender ou, cremos da prova produzida, para travar a agressão. Nessa altura caíram ambos ao chão e “enrolaram-se” (sic), momento em que D… lhe desferiu pontapés. Ao serem separados, a arguida cravou-lhe as unhas na camisola, que rasgou, mas não sofreu qualquer arranhão no corpo, nem em algum momento agrediu D….
Este relato coincide com os das testemunhas inquiridas, as quais não suscitaram qualquer reserva ao tribunal no que tange à sua credibilidade e seriedade.
E…, funcionária da loja da secção do talho, que todos dão como presente no momento dos factos, foi peremptória: a arguida D… chegou ao supermercado com o arguido B…, dirigiram-se ao talho e, quando o arguido C… entrava na loja, B… exclamou “Aí vem ele! Aí vem ele!”, pegou numa vassoura e bateu com ela no corpo de C…; aí andaram “envolvidos” (sic) não sabe exactamente como. Agressões a D… não viu, embora a tenha visto a rasgar a camisola de C….
F…, outra funcionária que também e encontrava no talho, relatou o início da contenda da mesma forma de E…, tendo saído da loja em busca de ajuda já depois de C… ter sido agredido com a vassoura.
E H…, pessoa alheia a esta situação que estava no café em frente ao supermercado e foi chamado para acudir, viu dois homens envolvidos no chão, “agarrados um ao outro” (sic) e uma senhora a desferir murros e pontapés e puxar e rasgar a camisola de um deles, o qual, como também afirmou I…, era C… e saiu depois da loja com a camisola rasgada.
Estes depoimentos confirmam em pleno a descrição de C… e descredibilizam em absoluto as declarações dos demais arguidos, pelo que se deu como provado que aquele foi inicialmente agredido por B… e depois por D….
Agressões de C… a esta ninguém viu.
Os arranhões de D…, como o próprio visado confirmou, não passaram da sua roupa, pese embora se prove que a arguida o vinha agredindo com pontapés e murros. Este enquadramento permite-nos concluir que a intenção da arguida seria alargar as agressões para os arranhões, o que apenas não conseguiu por razões alheias à sua vontade, talvez falta de força ou resistência da vítima. Por isso, cremos estar perante uma ofensa física frustrada e não já um dano pretendido.
O que sucedeu entre os dois arguidos no chão não ficou minimamente esclarecido. As expressões usadas, como enrolados, envolvidos, agarrados, não configuram só por si agressões físicas. E por isso nãos e deu como provado que as lesões de B… tenham advindo de agressões de C….
E a conduta confessada deste ao esmurrar aquele quando era agredido com a vassoura está, a nosso ver, justificada como meio de fazer cessar a agressão de que era vítima.
Já a intenção dos arguidos D… e B…, ao pontapear e agredir C…, é bem revelada pelos seus atos, e não foi outra se não a de magoar o corpo deste.
As dores por este sentidas resultam das regras da experiência comum.
As lesões observadas a D… e B…, nos termos dados como provados, estão documentadas e apreciadas nos relatórios de urgência e médico-legais de fls. 40-42, 56-57, 58-59, mas não ficou provado que tenham resultado de agressões de C….
E pela mesma razão não se deu como provado que eventuais humilhações, vergonhas e despesas alegados pela demandante tenham resultado de um ato daquele. Em todo o caso, acrescenta-se, nenhuma testemunha, para além da própria demandante, depôs sobre este estado psíquico alegado.
A ausência de antecedentes criminais dos arguidos D… e B… está expressa nos CRC de fls. 449 e 450 e os antecedentes criminais de C… no CRC de fls. 451-453.
Valoraram-se também as declarações dos arguidos quanto às suas condições económicas e familiares, já que em nada se prendiam com imputações de cariz criminal e, nessa medida, nenhuma razão se antevê para que faltassem à verdade.
ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL DOS FACTOS
Preceitua o artigo 143º, n.º 1 do Código Penal: “Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
(…)
NATUREZA E MEDIDA DAS PENAS
(…)
Dispõe o artigo 70º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” que são, segundo o artigo 40º, n.º 1 do mesmo diploma, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Uma vez que os arguidos não têm antecedentes criminais e a situação não foi tão grave que justifique, por si só, penas privativas da liberdade, mostra-se suficiente a aplicação de penas de multa.
Tais penas de multa serão fixadas entre 10 e 360 dias de acordo com os artigos 47º, n.º 1 e 143º, n.º 1 do Código Penal.
Relativamente à medida das penas, dispõe o artigo 71º, n.º 1 do Código Penal que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo, nomeadamente, às circunstâncias que depuserem a favor do agente ou contra ele constantes do n.º 2 do mesmo artigo.
A culpa estabelece o limite máximo da pena concreta que não poderá em caso algum ser ultrapassado e que se revele ainda compatível com as exigências da dignidade da pessoa, tendo em conta o disposto nos artºs 1.º, 13.º, 40.º, n.º 2, todos do Código Penal e art.º 25.º da Constituição da República Portuguesa.
Dentro do limite máximo permitido pela culpa, e tendo em atenção como limite mínimo a defesa do ordenamento jurídico e a reposição da confiança da comunidade na validade das normas, será determinada a medida da pena de acordo com considerações de prevenção geral e especial.
No caso concreto teremos que atender ao carácter elevado da ilicitude, com atos violentos, ao facto de dois agressores se dirigirem à mesma vítima, agindo em reforço um do outro, e à ausência de reciprocidade de agressões.
As culpas foram muito elevadas, na modalidade de dolo directo.
A conduta de B… é mais grave, pois foi quem iniciou a contenda e usou um objecto com potenciais lesivos evidentes, pese embora seja de frisar o aproveitamento da arguida da fragilidade e da posição da vítima.
O desvalor do resultado é mediano, atentas as consequências advenientes para o ofendido – apenas dores.
Em termos de prevenção especial, as necessidades fazem-se sentir de forma elevada, pois não houve o menor sinal de arrependimento dos arguidos, o que foi bem patente em audiência.
A taxa diária das multas fixar-se-á entre €5,00 e €500,00 tendo em atenção a situação financeira dos arguidos e os seus encargos, nos termos do artigo 47º, n.º 2 do Código Penal.
Deste modo, atendendo à moldura penal abstractamente aplicável e às circunstâncias expostas, e tendo em conta os rendimentos dos arguidos condenados (B… recebe €160,00 por mês de RSI e vive em casa que não paga; D… recebe €530,00 de salário mensal e não paga casa), julga-se adequada a fixação das penas em:
- 100 dias de multa à taxa diária de €5,00 quanto ao arguido B…;
(…)"
Perante o exposto, importa apreciar e decidir as questões submetidas à apreciação deste Tribunal – sem prejuízo das questões de apreciação oficiosa -.
*
Questão prévia:
Da ilegitimidade ativa do recorrente para a impugnação ampla da decisão da matéria de facto concretizada no recurso:
(1ª questão) Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
Inconformado com a decisão da matéria de facto, o recorrente limitou-se a impugnar algumas das circunstâncias que foram consideradas provadas, relacionadas com a conduta de um coarguido, a saber:
a) Que o coarguido C… tenha desferido um murro na face do ora recorrente em resposta imediata às pancadas que sofreu deste; e
b) Que o coarguido C… apenas agrediu o ora recorrente para repelir agressões no seu corpo de que estava a ser alvo naquele momento.
Para contrariar a formação da convicção do Tribunal a quo, o recorrente (B…) entende que oito segmentos de prova oralmente produzida em julgamento impõem decisão diferente, devendo ser consideradas não provadas as circunstâncias factuais acima sublinhadas.
Cumpre apreciar.
O arguido recorrente (B…) pretende que sejam considerados não provadas determinadas circunstâncias relativas à conduta provada de coarguido (C…) que, a merecer provimento, excluiria a situação de legítima defesa apurada pelo tribunal a quo e, em consequência, determinaria a condenação penal deste último.
Por conseguinte, o arguido recorrente carece de legitimidade para recorrer desta parte da decisão em matéria de facto relativa à sentença absolutória do arguido C… (artigo 401º, 1, b), a contrario sensu, do Código de Processo Penal), uma vez que a sua pretensão recursória em apreço não é dirigida contra a sua condenação penal: a legitimidade de qualquer recorrente, em qualquer recurso, se afere, decisiva e determinantemente, pelo denominado interesse em agir, conforme resulta do estatuído no número 2 do citado artigo. O interesse processual relevante para os arguidos, nesta fase, é de recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhes forem desfavoráveis [artigo 61º, 1, i), ainda do mesmo texto legal], carecendo o recorrente, por conseguinte, de interesse processual em recorrer de decisões que forem favoráveis a outro arguido.
Da procedência desta pretensão recursória o recorrente não extrai qualquer consequência positiva para a sua posição processual (por exemplo, a sua absolvição da acusação – por não se ter provado a sua própria conduta provada, que não impugna - ou diminuição da pena aplicada – em decorrência de se ter provado uma agressão deliberada, ilícita e culposa de coarguido no contexto dos factos -).
Por conseguinte, não se verificando o necessário pressuposto processual positivo, este Tribunal de recurso não poderá apreciar a pretensão recursória de impugnação ampla da decisão da matéria de facto, uma vez que o recorrente carece de legitimidade para a deduzir.

2ª questão: Da alegada violação do princípio da presunção de inocência;
O recorrente também motiva o seu recurso numa alegada violação, pelo Tribunal a quo, da garantia constitucional e processual penal acima citada.
Para tanto, refere que o Tribunal a quo "não aplicou tal princípio com rigor, uma vez que os meios de prova em que se baseou para decidir que a versão do ofendido/arguido C… é mais consistente do que a do ofendido/arguido B… não são suficientes para decidir com a certeza que é exigível que o arguido praticou o crime de que era acusado (…), impondo-se a sua absolvição".
Apreciando.
Assinala-se, primeiramente, a manifesta incongruência da motivação de recurso: não obstante não impugnar os factos provados que lhe dizem diretamente respeito e que integram a prática do crime pelo qual foi condenado e não identificar qualquer erro notório na apreciação da prova, respeitante a essa matéria, o arguido afirma que o tribunal recorrido violou a sua presunção de inocência.
Dito de outro modo: ao mesmo tempo que o arguido recorrente aceita pacificamente que tenha sido considerada provada a agressão que praticou, também clama pela sua absolvição, uma vez que o tribunal da primeira instância violou a sua presunção de inocência, ao considerar provados os factos com que o recorrente se conformou.
A argumentação do recorrente não faz, assim, o menor sentido, por ser incongruente.
Importa relembrar a relevância da garantia processual penal invocada pelo recorrente: numa atividade de reconstituição histórica de factos, como é o caso do julgamento em matéria de facto, a certeza judicial não pode ser confundida com a certeza absoluta, constituindo, antes, uma certeza empírica e histórica. Toda a decisão penal em matéria de facto constitui, não só, a superação da dúvida metódica, mas também da dúvida razoável sobre a matéria da acusação e da presunção de inocência do arguido. Tal superação é sujeita a controlo formal e material rigoroso do processo de formação da decisão e do conteúdo da sua motivação, a fim de assegurar os padrões inerentes ao Estado de Direito moderno.
É neste contexto, precisamente, que se situa o âmbito de aplicação do princípio in dubio pro reo.
A "livre convicção" e a "dúvida razoável" limitam e completam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção e da valoração da prova e da sua apreciação, em obediência ao critério estatuído no artigo 127º do Código de Processo Penal, exigindo, ainda, uma apreciação da prova motivada, crítica, objetiva, racional e razoável. No caso de tal apreciação resultar numa dúvida razoável, esta conclusão deve beneficiar o arguido.
A existência de uma violação do princípio in dubio pro reo pressupõe um estado de dúvida no julgador, emergente do próprio texto da decisão recorrida, do qual se concluiria que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido (ou seja, numa situação de dúvida sobre a realidade dos factos decidiu em desfavor do arguido). Porém, a sentença recorrida evidencia exatamente o contrário, tendo o tribunal singular manifestado uma certeza em relação aos factos provados, baseada numa apreciação objetiva e coerente da prova produzida em julgamento.
De tal modo, aliás, que o arguido recorrente não impugnou os factos provados que geraram a sua responsabilidade penal consubstanciada no dispositivo da sentença recorrida.
Por conseguinte, improcede, manifestamente, a alegada violação da presunção de inocência do arguido.

3ª questão: Da alegada excessividade da pena concreta aplicada;
1. Finalmente, o recorrente pretende ver reduzida a pena de multa aplicada, devendo ser fixada no seu limite mínimo.
Para tanto, alega, em suma, o seguinte:
a) As consequências diretas emergentes da prática do crime para o ofendido foram reduzidas (apesar do ofendido ter sofrido dores emergentes da agressão, não existiram quaisquer consequências ao nível da afetação da sua capacidade de trabalho geral ou profissional);
b) As preocupações de prevenção especial não são significativas, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais, encontra-se inserido socialmente, faz voluntariado e não mantém qualquer contacto com o ofendido.
Mais admite que as necessidades de prevenção geral assumem expressão, pois há que repor a confiança na sociedade na vigência e imposição das normas que protegem a integridade física das pessoas, punindo quem as põe em causa,
Desta forma, o Tribunal a quo ao fixar a pena concreta em cem dias de multa não ponderou devidamente os critérios apontados pelo artigo 71° do Código Penal, entendendo ser adequada a fixação de uma pena de multa situada no limite mínimo da moldura penal.
2. Por seu turno, a sentença condenatória concretizou na sua fundamentação os seguintes critérios que determinaram a fixação da pena concreta:
a) Elevado grau de ilicitude dos factos (uma vez que o arguido beneficiou da existência de outro agressor que atingiu a mesma vítima e não houve reciprocidade de agressões);
b) Intensidade dolosa (dolo direto);
c) Foi o arguido quem iniciou a contenda e usou um objeto para agredir o ofendido;
d) O arguido não manifestou o menor arrependimento em audiência;
3. O Ministério Público pugnou pela confirmação da decisão.
Cumpre apreciar.
De jure
A lei penal geral define que “A determinação da medida da pena deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” - artigo 71º, 1, do Código Penal -.
Conclui-se da ratio desta estatuição, que a culpa possui a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena e a prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos - dentro do que é considerado pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
Conforme explicitado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Novembro de 2009, relatado pelo Juiz-Conselheiro Santos Cabral, no processo nº 137/07.5GDPTM, "são fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa)".
A ilicitude e a culpa são, como se sabe, conceitos graduáveis.
Para o efeito, o tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor ou contra o agente, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, 2, do mesmo texto legal).
Em suma, impõe considerar que é a culpa concreta do agente que impõe uma retribuição justa, devendo ser respeitadas as exigências decorrentes do fim preventivo especial, referentes à reinserção social do delinquente, para além das exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade.
Tendo em consideração tais regras, importa graduar a pena, de acordo com os critérios legais.
O crime (ofensa à integridade física simples) é punível com uma pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa (artigo 143º, 1, do Código Penal).
Apenas se discute, neste recurso, a medida da pena de multa aplicada, sendo pacífica a opção por tal pena não privativa da liberdade.
O limite mínimo é de 10 dias e o máximo de 360 dias de multa, por força do estatuído no artigo 47º, nº 1, do Código Penal, ex vi do artigo 143º, nº 1, do mesmo Código.
Aplicando as regras ao caso concreto:
Considerando as especificidades do caso concreto, importa considerar, no essencial:
- como fatores agravantes da pena dotados, em conjunto, de eficácia média:
a) A elevada intensidade dolosa manifestada na prática do crime (dolo direto), dotada de reduzida eficácia agravante da pena [artigo 71º, 2, b), do Código Penal];
b) O circunstancialismo em que o crime foi cometido, tendo o arguido utilizado uma vassoura para agredir a vítima, o que fez num local público, na presença de outras pessoas [artigo 71º, 2, a), do Código Penal];
- como fatores atenuantes da pena dotados de elevada/média eficácia:
c) O grau reduzido de lesão do bem jurídico protegido pelo tipo legal de crime, uma vez que o ofendido apenas sofreu as dores inerentes à agressão, não tendo ficado com sequelas, nem sequer com algum período de incapacidade parcial ou total para o trabalho [artigo 71º, 2, a), do Código Penal];
d) A ausência de antecedentes criminais do arguido [artigo 71º, 2, e) do Código Penal];
e) A prática de voluntariado por parte do arguido, evidenciando uma atitude positiva de integração social [artigo 71º, 1 e 2, d), do Código Penal]
À luz de tais fatores de ponderação, conclui-se que a pena concreta aplicada – 100 dias de multa - corresponde, de facto, à aplicação dos critérios legais acima enunciados, sendo ainda adequada a satisfazer as exigências de prevenção especial e geral do crime. Mais se conclui que a pretensão recursória (fixação da pena no mínimo legal) não tem sustentação nos factos provados, dos quais resultam fatores de agravação da pena que inviabilizam, de forma flagrante, tal solução.
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Das custas:
Sendo o recurso interposto pelo arguido julgado integralmente não provido, o recorrente deverá ser condenada no pagamento das custas [artigos 513º, nº 1, do C.P.P. e 8º, nº 9, do R.C.P., tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal], fixando-se a taxa de justiça, tendo em conta o seu objeto, em 4 (quatro) unidades de conta.
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III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam em conferência os juízes subscritores em:
a) negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B…; e
b) condenar o recorrente no pagamento das custas, fixando a taxa de justiça em 4 UC (quatro unidades de conta).

Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, 26 de Abril de 2017.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
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[1] Trata-se de um manifesto lapso de escrita do recorrente, uma vez que o crime em causa é de ofensa à integridade física simples.
[2] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[3] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1, este pesquisável, nomeadamente, através do aplicativo de pesquisa de jurisprudência disponibilizado, pelo ora relator, em http://www.langweg.blogspot.pt.