Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ANA LUÍSA LOUREIRO | ||
| Descritores: | AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO CONTRATO DE CONSÓRCIO CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO PRESTAÇÃO DE CONTAS | ||
| Nº do Documento: | RP202511133024/18.8T8VFR.P2 | ||
| Data do Acordão: | 11/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A impugnação da decisão de facto visa alterar um ou mais concretos pontos da decisão de facto com fundamento na existência de um erro de julgamento na apreciação da prova. Não é de admitir uma impugnação da decisão de facto que apenas se destina a obter outras redações para uma realidade já constante do enunciado. Não é de admitir uma impugnação da decisão de facto que pretende a inclusão nos factos provados do juízo de discordância do recorrente face à motivação do julgador subjacente à decisão sobre determinado facto. II - O aditamento de factos não considerados na decisão recorrida integra uma ampliação da decisão da matéria de facto. Tal ampliação apenas pode ocorrer quando se considere indispensável a ampliação da decisão da matéria de facto, nos termos e moldes previstos na parte final da al. c) do n.º 2 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil (podendo ser efetuada pelo tribunal ad quem se do processo constarem os elementos que permitem essa ampliação), e apenas se pode reportar a factos já alegados pelas partes ou cuja consideração devesse ter sido efetuada pela decisão recorrida, designadamente, no âmbito e termos previstos no n.º 2 do art. 5.º do Cód. Proc. Civil. III - O DL n.º 231/81, de 28 de julho, que estabelece o regime jurídico dos contratos de consórcio e de associação em participação, não consagra qualquer regime especial que afaste ou introduza alterações ao regime geral do processo especial de prestação de contas, previsto e regulado nos arts. 941.º a 947.º do Cód. Proc. Civil. IV - A ação de prestação de contas visa o apuramento do montante das receitas e das despesas que efetivamente foram cobradas ou efetuadas e do saldo delas resultante, com a eventual condenação no pagamento do saldo apurado. V - Não cabe no âmbito da ação de prestação de contas a apreciação de questões atinentes ao direito da recorrente a remuneração (incluindo a sua fixação), ao (in)cumprimento do contrato de associação em participação ou à existência de enriquecimento sem causa. VI - Não podem ser consideradas, para apuramento do saldo, despesas estimadas (a título de retribuição pelo trabalho desenvolvido pela associante, titular de estabelecimento de farmácia que o explora como empresária em nome individual) que não foram efetivamente realizadas. VII - É no âmbito da ação de prestação de contas – nomeadamente, com a decisão judicial proferida em primeira instância – que se constitui a obrigação de pagamento do saldo apurado. Só com o apuramento do valor do saldo é que a obrigação de pagamento se torna líquida, havendo mora a partir da determinação (liquidação) do valor do saldo assim apurado. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo: 3024/18.8T8VFR.P2 *** Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… *** Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
Identificação das partes e indicação do objeto do litígio
AA instaurou ação especial de prestação de contas contra BB e marido, CC, e contra DD e mulher EE, pedindo a condenação dos réus a prestarem contas relativas ao contrato de associação em participação desde o ano de 2006 até ao presente e a entregarem à autora o que lhe pertencer, designadamente, “(…) os lucros que lhe dizem respeito pela exploração do estabelecimento referido no contrato ajuizado; acrescidas dos juros moratórios legais devidos, desde o apuramento dos lucros, no final de cada ano civil, respetivamente, até à respetiva entrega à autora; ou, se assim não for de entender, os juros serão devidos desde a citação até à efetiva entrega à autora das quantias que lhe pertencem (…)”.
Citados, os réus contestaram a obrigação de prestação de contas (os primeiros impugnando a existência da relação jurídica invocada pela autora como fundamento da obrigação de prestação de contas, e os segundos alegando ser a ré BB, atenta a sua qualidade de associante, que se encontra obrigada a prestar contas). Prosseguiram os autos nos termos previstos no n.º 3 do art. 942.º do Cód. Proc. Civil, tendo sido proferida, em 19-06-2019, sentença que decidiu: «(…) a) – Condenar a Ré BB a prestar contas à Autora relativas ao contrato de participação em associação ajuizado desde o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2006 até 31 de Dezembro de 2018 e, em consequência, ordeno a respectiva notificação para as apresentar dentro de 20 dias, sob pena de lhe não ser permitido contestar as que a autora apresente, prosseguindo ulteriormente os autos com vista ao julgamento das mesmas. b) – Absolver os demais Réus do peticionado. (…)».
Tal sentença foi confirmada por Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 20-02-2020, tendo transitado em julgado. Após notificação para prestar contas, e subsequente tramitação que aqui não releva, a ré BB procedeu em 21-01-2021 à apresentação das contas da exploração da ‘Farmácia ...’ no período de 2006 a 2018, sob a forma de conta-corrente, com um saldo final da conta corrente de € 244.528,65. Notificada das contas apresentadas, a autora AA requereu, em 05-04-2021, nos termos do artigo 944.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, a notificação da ré para lhe pagar € 81.509,55, correspondente a 1/3 do saldo final, sem prejuízo da dedução de oposição às contas apresentadas. Em 23-06-2021 foi proferido despacho ordenando a notificação da ré para, no prazo de 10 dias, pagar à Autora a quantia de € 81.509,55. Interposto pela ré BB recurso deste despacho, que foi admitido como apelação autónoma pelo tribunal de primeira instância, foi proferido em 07-02-2022 Acórdão que, não atendendo a reclamação apresentada pela apelante, confirmou a decisão singular proferida pelo Relator, na qual se determinou o não conhecimento do recurso interposto pela apelante, por não ser admissível apelação autónoma do despacho que constitui seu objeto.
Em 28-03-2022 a autora AA deduziu contestação às contas apresentadas pela ré, impugnando as seguintes verbas incluída nas contas apresentadas: a) A verba de € 926.800,00 atinente a ‘ordenado da ré’, por não se dever ficcionar um vencimento que, de facto, não existiu, uma vez que um empresário em nome individual retira no final de cada exercício o lucro que eventualmente exista e sobre o mesmo paga IRS. Tendo a ré efetuado tal pagamento de imposto sobre os lucros, defende que este deve ser descontado ao lucro final. b) A verba de € 24.214,53 referente a reserva legal de 5%, por não se estar perante uma sociedade comercial, sendo uma ficção a consideração dessa verba, dado que os empresários em nome individual não estão sujeitos à fixação de qualquer montante a título de reserva legal. Conclui que o valor do lucro foi de € 2.650.002,59 e que o valor da coleta foi de € 667.058,49, havendo um saldo positivo de € 1.982.944,10, do qual lhe cabe uma terça parte, correspondente a € 660.981,37, acrescida de juros de mora sobre o lucro de cada ano à taxa de 4% desde 31 de janeiro do ano seguinte, num total de € 248.642,55, e dos juros vincendos desde 29-03-2022 até integral pagamento ou, assim não sendo entendido, que são devidos juros de mora a partir da citação. Termina pela condenação da ré “(…) a pagar à autora o saldo (…) no montante de 909.623,92€ (…) acrescido dos juros vincendos, desde 29 de março de 2022 (o dia seguinte à entrada deste requerimento) até efectivo e integral pagamento.”
Em 24-05-2022 foi proferido despacho que, atento o teor do Acórdão de 07-02-2022, ordenou se entregasse à autora a quantia de € 81.509,55 (proveniente da caução prestada pela ré no âmbito do recurso interposto do despacho de 23-06-2021), o que foi cumprido em 14-06-2022.
Foi determinada a realização de prova pericial, consistente na realização de perícia à contabilidade da ré, tendo por objeto «(…) apurar o valor das receitas e das despesas apresentadas pelo estabelecimento denominado “Farmácia ...” durante o período de tempo compreendido entre 1 de Janeiro de 2006 até 31 de Dezembro de 2018 (…)» – despachos de 24-05-2022 e de 30-06-2022. Realizada a perícia, foram junto aos autos, em 17-11-2022, o relatório pericial inicial – Relatório de Peritagem à Contabilidade do estabelecimento “Farmácia ...” no período compreendido entre 2006.01.01 e 2018.12.31 – e, em 19-06-2023, um relatório complementar – Relatório relativo ao impacto fiscal em sede de IRS dos resultados obtidos pelo estabelecimento. Em 14-02-2024 foi proferido despacho que, considerando que «(…) [f]indos os articulados e atento o preceituado no art 945.º, n.º 1, do CPC, deverão os autos prosseguir os ulteriores termos do processo comum declarativo, impondo-se agora, em complemento do despacho proferido a 22.05.2022, designar data para produção de prova, tendo em vista apurar da exactidão e da justeza das receitas e das despesas apresentadas e, desse modo, do respectivo saldo, nomeadamente no que tange às despesas apresentadas como alegado ordenado da Ré BB e da pretendida retenção de uma reserva legal de 5%. (…)».
Após realização da audiência final, o tribunal a quo, em 06-10-2024, proferiu sentença, decidindo: «(…) 1. Julgo as contas prestadas relativas aos resultados líquidos do estabelecimento comercial “Farmácia ...” propriedade da empresária em nome individual BB entre 1 de Janeiro de 2006 e 31 de Dezembro de 2018 parcialmente boas porque provadas, fixando o saldo positivo em 1.489.839,69 € [um milhão quatrocentos e oitenta e nove mil oitocentos e trinta e nove euros e sessenta e nove cêntimos]; 2. Condeno a Ré BB a entregar à Autora AA o montante de 415.103,68 € [quatrocentos e quinze mil cento e três euros e sessenta e oito cêntimos] correspondente a 1/3 de 1.489.839,69 € menos 81.509,55 € já entregues, acrescido de juros de mora à taxa de 4% correspondente à taxa de juros legais [cfr. portaria n.º 291/2003, de 8 de abril] sobre 40.763,81 € desde 1 de Fevereiro de 2007; sobre 46.305,34 €, desde 1 de Fevereiro de 2008; sobre 43.552,58 € desde 1 de Fevereiro de 2009; sobre 48.274,56 €, desde 1 de Fevereiro de 2010; sobre 42.590,08 €, desde 1 de Fevereiro de 2011; sobre 40.620,70 €, desde 1 de Fevereiro de 2012; sobre 29.711,24 €, desde 1 de Fevereiro de 2013; sobre 33.276,09 €, desde 1 de Fevereiro de 2014; sobre 29.795,66 €, desde 1 de Fevereiro de 2015; sobre 33.605,43 €, desde 1 de Fevereiro de 2016; sobre 31.468,00 €, desde 1 de Fevereiro de 2017; sobre 35.171,29 €, desde 1 de Fevereiro de 2018; sobre 41.478,42 €, desde 1 de Fevereiro de 2019, tudo até integral pagamento [devendo considerar-se que 81.509,55 € foram entregues em 14.06.2022]. Fixo o valor da acção em 1.489.839,69 € [um milhão quatrocentos e oitenta e nove mil oitocentos e trinta e nove euros e sessenta e nove cêntimos] – cfr. artigo 298.º, n.º 4 do CPC. Custas a cargo da Autora e da Ré BB na proporção de 25% para a primeira e 75% para a segunda. (…)».
Inconformada, a autora apelou desta decisão, concluindo, no essencial: Primeira: O saldo destes autos de prestação de contas tem que ser encontrado na diferença entre as receitas e as despesas e tem que ter em consideração as despesas efectivamente realizadas pela ré e não as indicadas na douta sentença. (…) Quarta: Estas [as efetivamente realizadas] foram dadas a conhecer nos autos através do requerimento da ré de 3 de Setembro de 2020 (com a referência no Citius 10474870), ascendendo nos anos compreendidos entre 2006 e 2018 (os anos da prestação de contas deste processo) a, respectivamente, 45 749,98 + 55 814,62 + 53 791,20 + 61 313,62 + 53 280,36 + 56 171,70 + 26 371,41 + 52 077,37 + 40 727,46 + 53 439,53 + 46 563,49 + 55 115,69 + 66 642,06. Quinta: A soma destas despesas cifra-se em 667 058,49€ e não nos 1.170.858,84€ a que chegou a douta sentença e são estas que devem ser consideradas quando se conclui que «A diferença entre os rendimentos e os gastos não é, porém, um saldo líquido uma vez que sobre a diferença, a Ré BB pagou IRS correspondente aos rendimentos ilíquidos do estabelecimento comercial» - (página 17 de 22 da sentença). (…) Sétima: (…) [C]om esta alteração o saldo ascende a 1.993.640,04€ [2.660.698,53€ - 667.058,49€] (e não 1.489.839,69€) e a terça parte a que a autora tem direito a 664.546,68€. Oitava: (…) [C]omo a autora recebeu já da ré, por via destes autos, a quantia de 81.509,55€ tem, efectivamente, direito a 583.037,13€ [664.546,68 -81.509,55] e não aos 415.103,68€ constantes da sentença. (…) Décima-segunda: O que interfere, igualmente, no cálculo dos juros, já que estes computados anualmente como, e bem, a sentença fixou, o têm que ser sobre quantias superiores (por via da mesma diminuição das despesas), tal como discriminado no corpo destas alegações. Décima-terceira: Os valores discriminados na Tabela que a própria ré apresentou com o seu requerimento de 3 de Setembro de 2020, tendo sido indicados por ela como foram, habilitaram incontornavelmente os autos com a informação de que a sua colecta, e portanto aquilo que pagou de impostos, e portanto as despesas que suportou, foi exactamente e efectivamente aquela e foi aquela a despesa que, em cada ano, suportou. Décima-quarta: Sendo certíssimo, como a própria sra. Juíza discorreu na sua douta sentença (a páginas 14 de 22) que «… o prudente arbítrio do juiz previsto no n.º 5 do artigo 945.º do CPC não permite que o decisor possa criar novas verbas da receita ou da despesa que não tenham efectivamente existido.» e «… não pode o tribunal considerar um gasto do estabelecimento que não existiu …» - página 14 de 22 da sentença. Décima-quinta: E o conjunto de despesas que existiu foi aquele que aqui se deixou indicado, não tendo jamais existido as despesas que a sra. Juíza considerou e que não são mais do que um mero exercício do sr. Perito, uma versão no meio de outras, mas que não tem correspondência com a situação pessoal da ré e, sobretudo, não tem correspondência com a realidade acontecida. (…) Décima-oitava: Nada existindo que desaconselhe a troca das quantias efectivamente pagas por outras que o seriam (mas não foram) se a realidade da ré fosse outra (que não foi). Décima-nona: A douta sentença sob recurso, violou, designadamente, os artigos 413º, 941º e 945º do Código de Processo Civil.
A ré contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso ou, subsidiariamente, que seja considerado o valor de remuneração para a recorrida, defendendo ainda não haver lugar a juros de mora.
Igualmente inconformada com a sentença, também a ré apelou da sentença, concluindo nos seguintes termos: (…) 2.ª Em relação ao Erro quanto à Matéria de Facto, pretende-se a alteração de conteúdo e/ou de sentido dos factos de Pontos 2, 3, 8 e 9, dados como provados na Sentença, e, o aditamento de 06 (seis) novos que resultam da prova produzida, 05 (cinco) dos quais a serem dados como provados, e, 01 (um), a ser dado como não provado, conforme exposto na Parte III das presentes Alegações. 3.ª Em relação ao Erro quanto à Matéria de Direito (substantivo e adjetivo), pretende-se a revogação da decisão proferida e a sua substituição por outra a ser proferida por este tribunal ad quem. Isto porque, para decidir como decidiu, entendeu o tribunal a quo, além do mais, que o lucro gerado pela farmácia do ano de 2006 ao ano de 2018, entretanto apurado nos termos contabilística e fiscalmente aplicáveis a uma ENI, deveriam ser distribuídos – tout court – em três partes iguais (cabendo, assim, 1/3 para a Recorrida enquanto associada), sem que antes tivesse sido subtraído valor para remunerar a Recorrente do trabalho de gerente e de diretora técnica que sempre desenvolveu no estabelecimento comercial em causa. Tal abstração do direito da Recorrente a ver deduzido do saldo apurado conforme ENI, valor que corresponderia a justa remuneração se não fosse ENI viola o direito constitucional à justa remuneração pelo trabalho. Ora, a constituição da farmácia conforme ENI não decorreu de vontade da Recorrente, antes de imposição legal. O erro decorre ainda do facto de, no caso concreto, a prestação de contas ter na base um contrato de associação em participação regulado não só pelas respetivas disposições contratuais, mas, também, e sobretudo, pelo DL 231/81 de 28/07, conforme exposto na Parte IV das presentes Alegações. Decorrente deste Erro, foram violados os artigos 3.º, 9.º, 10.º, 219.º c/c 222.º e 223.º, n.º 1, 227.º, n.º 1, 236.º a 239.º, 334.º, 335.º, 344.º, n.º 2, 346.º, 405.º, n.º 1, 473.º, 762.º, n.º 2, 804.º, 805.º, n.ºs 1 e 3 e 806.º do Código Civil (“CC”); os artigos 941.º e 945.º, n.º 5 do CPC e os artigos 21.º, n.ºs 1 e 3, 22.º, n.º 2, 25.º, 26.º, n.º 1 alínea b) e 31.º do DL n.º 231/81 de 28/07, os artigos 13.º, n.º 1.º, 231.º, 232.º, 248.º e 249.º do Código Comercial e, os artigos 16.º, 17.º, 18.º e 59.º, n.º s 1 alínea a) e 3 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e, ainda, de determinados princípios e institutos como a vedação ao enriquecimento sem causa(artigo 473.º, n.º 1 do CC), ao abuso de direito (artigo 334.º do CC) e da boa-fé (artigo 227.º, n.º 1 e 762.º, n.º 2 do CC), que devem nortear a atuação das partes. (…) 5.ª O facto provado de Ponto 2 deve ser alterado, para que fique expressamente consignado o exercício da gerência pela Recorrente. Ora, a simples enunciação de determinados atos no Ponto4 dos factos provados não atesta que tenha sido dada como provado o exercício da gerência da farmácia pela mesma. E nem se diga que o facto de estar consignado no Ponto 2 dos factos provados que a Ré é titular do estabelecimento seja equivalente ao exercício da gerência. O pedido de alteração é sustentado no depoimento da Recorrente gravado (…); nos dos depoimento das testemunha FF, gravado (…); GG, gravado (…), e HH, gravado (…). Assim sendo, o facto provado de Ponto 2 deve passar a ter a seguinte redação: "2. É a Ré BB que exerce a actividade económica por ser a titular do estabelecimento comercial que explora a farmácia e é, também, a directora técnica e gerente da farmácia" 6.ª O facto provado de Ponto 3 deve ser alterado para que nele também fique a constar, expressamente, e de forma a serem também dadas como provadas, as disposições constantes das alíneas b) e c) da cláusula sétima, da cláusula nona, da cláusula décima e da cláusula décima quinta do Contrato. (…) Concorrem para a alteração o teor do Contrato celebrado por documento autêntico junto como documento 1 da petição inicial, DOC 01 e DOC 2 juntos com o requerimento da Recorrente de 19/04/2022 (ref.ª citius 12895950), depoimento testemunha Dra. FF, gravado (…), depoimento da Recorrente, gravado (…). 7.ª O facto provado de Ponto 9 deve ser alterado, porque a sua parte final contempla matéria de interpretação e, sobretudo, para que a questão sobre dever, ou não, ser considerado um ordenado para a Ré seja tratada no âmbito do direito, em particular na apreciação relativa à 2.ª questão que o tribunal a quo selecionou para apreciar. A alteração é pedida considerando a seguinte prova produzida: depoimento da testemunha Dr II, gravado (…); anexo 3 ao Relatório Explicativo da Conta Corrente junto com o requerimento da Recorrente de 21/01/2021 (ref.ª citius 11056074). Assim sendo, o facto provado de Ponto 9 deve passar a ter a seguinte redação: "9. Na prestação de contas apresentada a Ré BB considerou o gasto indicado no n.º 9.1 seguinte, que não foi efetuado, e a reserva indicada no número 9.2 seguinte, os quais não estão reflectidos na contabilidade da "Farmácia ...".". 8.ª O facto provado de Ponto 8 deve ser alterado e devem ser aditados dois novos factos sobre os seguintes temas: o lucro líquido a distribuir entre associante e associados é distinto conforme as variáveis a considerar e, efeito fiscal ao ser considerada a remuneração / ordenado à Ré, como diretora técnica da farmácia e gerente. Todas estas questões são conexas entre si e têm na base a mesma prova produzida. No caso concreto, resulta à saciedade dos autos e da prova produzida que por estar em causa uma ENI, por limitação legal decorrente do respetivo regime contábil e fiscal (desde que a farmácia foi constituída), nas contas anuais da farmácia apresentadas nunca foi possível incluir qualquer ordenado para a Ré, porquanto elaboradas atendendo às normas contabilísticas aplicáveis a uma ENI (vd Documentos 01 e 02 juntos com os requerimentos 19/04/2022 ref.ª citius 12895950). O facto provado de Ponto 8 está diretamente relacionado ao que foi dado como provado nos Pontos 5, 6 e 7 dos fatos provados. Contudo, sem embargo de o IRS ter sido pago conforme os valores ali indicados, não se pode aceitar que seja apenas dado como provado que o resultado líquido da farmácia para efeitos fiscais seja apenas o que consta do facto de Ponto 8. Isto porque, a se considerar uma remuneração para a Recorrente, o resultado líquido é –seria – distinto, e interfere no resultado final do saldo a ser apurado para efeito da presente prestação de contas. Acresce que, estando em causa uma prestação de contas que tem na base um contrato de associação em participação também regulado pelo DL 231/81, todas as contas e simulações apresentadas integram o objeto da ação, e não apenas a versão e o resultado que o tribunal a quo entendeu acolher como sendo o que entendeu ser o adequado ao caso concreto. Para a alteração deste facto e aditamento dos novos factos concorre a seguinte prova documental: documentos juntos com o requerimento da Ré de 21/01/2021 – ref.ª citius 11056074 -, em particular os Anexos 1 e 2 e depoimento do contabilista da Ré, Dr. II, gravado no sistema habilus (…), depoimento do Perito gravado no sistema habilus (…), Relatório Pericial apresentado em 17/11/2022 (1.º Relatório - ref.ª citius 13760815), Relatório Pericial Complementar apresentado em 19/06/2023 (ref.ª citius 14723908), no qual foram juntas seis versões de simulação das contas, das quais resultam resultados líquidos a distribuir distintos, conforme a variável que for considerada no apuramento do lucro. Assim sendo, (a) deve ser alterada a redação da parte inicial (corpo) do facto provado de Ponto 8, mantendo-se, sem alteração, a discriminação dos resultados líquidos considerados para efeitos fiscais em cada um dos anos ali indicados e a colecta líquida. Deste modo, a parte inicial do facto provado de Ponto 8 deve passar a ter a seguinte redação: “8. Considerando o IRS pago pela Ré, e a versão 3 das simulações feitas pelo Perito, sobre o resultado líquido considerado para efeitos fiscais, o valor pago pela Ré BB a título de IRS [colecta líquida mais sobretaxa extraordinária] referente apenas ao estabelecimento comercial "Farmácia ..." foi de 1.170.858,84 € assim discriminado: [mantém-se o restante, tal como consta da Sentença]”; (b) deve ser aditado um facto novo, a ser dado como provado, com a seguinte redação: “"O saldo líquido a distribuir entre associante e associados é distinto conforme as seguintes variáveis a considerar, Declarações Entregues pelo Agregado Familiar, Declarações Entregues mas excluindo os Rendimentos Obtidos pelo Estabelecimento, Declarações só com Rendimentos do Estabelecimento (Tributação Separada), Declarações só com Rendimentos do Estabelecimento (Tributação Conjunta), Declarações só com Rendimentos do Estabelecimento Líquidos da Remuneração Atribuída enquanto Gerente e Diretora Técnica (Tributação Separada), Declarações só com Rendimentos do Estabelecimento Líquidos da Remuneração Atribuída enquanto Gerente e Diretora Técnica (Tributação Conjunta), conforme os valores que constam dos seis quadros juntos aos autos, elaborados pelo Perito, dos quais resultam saldos positivos distintos a distribuir entre a associante e os associados."; (c) deve ser aditado um facto novo, a ser dado como provado, com a seguinte redação: "Ao ser considerada a remuneração / ordenado da Ré, como diretora técnica da farmácia e sua gerente, no valor indicado no facto provado de Ponto 9.1, o saldo líquido (lucro)a distribuir é no valor de€ 1.011.076,84,conforme Versão3 que consta do relatório do Perito de 19/06/2023". 9.ª Deve ser aditado um novo facto, a ser dado como provado, com a seguinte redação: “Como forma de "remuneração" a Autora retirava valor do caixa (ou seja, do capital disponível), para atender as necessidades próprias, e em correlação com o trabalho que lá exercia.”. O aditamento se justifica conforme exposto no ponto III.3.A.2,da Parte III das Alegações de recurso (…) Concorre para o adiamento, a seguinte prova produzida: depoimento do Dr. II, gravado (…); depoimento da recorrente (…); Relatório Explicativo” junto como Anexo 2 ao requerimento da Ré de 21/01/2021; 10.ª Deve ser aditado um novo facto, a ser dado como provado, com a seguinte redação: “No exercício de suas funções como diretora técnica da farmácia e sua gerente, a Ré BB não tinha limitação de horas de trabalho.”. O aditamento se justifica conforme exposto no ponto III.3.A.3, da Parte III das Alegações de recurso (…). Concorre para o adiamento, a seguinte prova produzida: depoimento da Recorrente gravado no sistema habilus (…); depoimento da testemunha Dra. FF, gravado no sistema habilus (…); 11.ª Deve ser aditado um novo facto a ser dado como provado, com a seguinte redação: “Em cumprimento do contrato de associação em participação previsto no ponto n.º 3, a Autora, enquanto trabalhou na farmácia, recebeu remuneração”. O aditamento se justifica conforme exposto no ponto III.3.A.4, da Parte III das Alegações de recurso (…). Concorre para o adiamento, a seguinte prova produzida: depoimentos da Ré gravado no sistema habilus (…) e da testemunha JJ, filho da Autora, gravado no sistema habilus (…); 12.ª Deve ser aditado um novo facto, a ser dado como não provado, com a seguinte redação: “A Autora AA nunca interpelou a Ré de KK a prestar contas da farmácia”. O aditamento se justifica conforme exposto no ponto III.3.B. da Parte III das Alegações de recurso (…). Concorre para o adiamento, a seguinte prova produzida: do depoimento da Recorrente gravado no sistema habilus (…) 18.ª Essencialmente, o Erro de Direito tem na base a má interpretação e aplicação do direito quanto as seguintes questões: (a) Regime da prestação de contas no caso concreto; (b) Direito à remuneração e valor a ser fixado; e, (c) Condenação em juros. 19.ª Quanto ao regime da prestação de contas aplicável ao caso concreto, existe suporte legal para o saldo positivo da prestação de contas, estar deduzido da “remuneração” a ser atribuída à Recorrente. Na cláusula décima quinta do Contrato as partes estipularam expressamente que, “Em tudo o mais aplicar-se-ão as disposições legais em vigor, designadamente as constantes do D. Lei n.º 231/81 de 26/6, na parte em que regula o contrato de associação em participação – bem como as do direito sucessório.”, o que significa dizer que as partes assumiram expressamente que este Decreto-Lei também conforma a relação contratual. Mas, mais do que isto, o Decreto-Lei se sobrepõe ao estipulado em um qualquer contrato de associação em participação (veja-se, em particular, o disposto no artigo 21.º, n.ºs 1 e 3 do referido DL). Acresce que, confrontado o disposto na parte final das cláusulas quarta e terceira, verifica-se que nessa é expressamente feita referência à contribuição de cada um na associação, devendo esta disposição ser lida em conjunto comas cláusulas primeira e segunda do mesmo Contrato, do que se extrai que cada um deles contribuiu com 1/3 do valor do negócio. Diferentemente, a cláusula quarta, ao estabelecer a participação de cada um dos contratantes nos lucros do estabelecimento, diz que ela – a participação nos lucros – será feita de forma proporcional à contribuição de cada um. Contudo, este conceito de “contribuição de cada um” previsto na cláusula quarta do Contrato há de ser conjugado, em particular, com o disposto no artigo 25.º do DL 231/81. Veja-se também o disposto no artigo 3.º do CC que autoriza a utilização dos usos, quando a lei assim o determine, e tais usos não sejam contrários à boa-fé. É este exatamente o caso dos autos! Acresce que, a cláusula sexta do Contrato e, bem assim, a cláusula quarta refletem parte do disposto na cláusula 31.ª do DL 231/81, de forma que do Contrato não resulta qualquer circunstância ou convenção que afaste o previsto nos artigos 25.º e 31.º do DL 231/81. 20.ª Assume particular relevância o disposto no n.º 6 do artigo 25.º do DL 231/81. Ora, no caso concreto, está em causa uma farmácia, cujo trabalho da Recorrente, diretora técnica e gerente, é essencial para o funcionamento da empresa. A particularidade está em que, sendo a empresa do tipo ENI, não é possível a remuneração ser contabilizada. No entanto, a lei é clara ao estabelecer que o apuramento da participação do associado nos lucros não está adstrito ao previsto de forma estrita na lei, mas há de também ser feito com base nos usos comerciais e por referência às circunstâncias da empresa. Em conformidade com isto, o n.º 3 do artigo 31.º do DL 231/81, que regula a prestação de contas tendente ao apuramento do valor dos lucros da associação, e estabelece como deve ser feita a prestação de contas neste âmbito, não estabelece que as contas devam ser prestadas apenas considerando os movimentos contabilísticos – receitas e despesas relevadas contabilisticamente –, conforme o tipo empresarial que realize a atividade comercial objeto da associação. Antes, a previsão permite que as contas sejam prestadas considerando as particularidades do negócio e da associação em concreto. O que importa é que as contas forneçam indicação - clara e precisa - de todas as operações essenciais ao desenvolvimento da atividade empresarial em concreto, e que seja justificado o montante da participação do associado nos lucros, atendendo às concretas circunstâncias da empresa. Outra não pode ser a interpretação das referidas disposições legais (artigo 9.º do CC). 21.ª Acresce que, quer a cláusula sexta do Contrato, quer o n.º 4 do artigo 31.º do DL 231/81, estabelecem que na falta de apresentação de contas pelo associante, ou não se conformando o associado com as contas apresentadas, será utilizado o processo especial de prestação de contas, atualmente regulado pelo artigo 941.º e seguintes do CPC. Sucede que, o facto de o Contrato e o artigo 31.º do DL 231/81 remeterem para o meio processual próprio – ação de prestação de contas – não significa dizer que devam ser afastadas as especificidades de prestação de contas feita ao abrigo de um contrato de associação em participação. Impõe-se antes uma necessidade de harmonização entre o regime da prestação de contas, em particular as especificidades atinentes à forma como se devem prestar contas aos associados e ao critério de apuramento dos valores previstos no DL 231/81 (v.g. em especial os artigos 25.º, n.ºs 1, 3 e 6 e 31.º, n.º 3 do DL 231/81) e as regras processuais relativas ao meio processual próprio, qual seja, ação de prestação de contas. Ademais, o meio processual é instrumento para se atingir um fim. E, neste plano, o juiz não estaria a julgar fora do que a lei lhe permite. O que significa dizer que havia fundamento legal para que do lucro apurado nos termos contabilísticos de uma ENI, tivesse sido retirada uma parte, antes de se obter o saldo final, para retribuir a Recorrente pelo seu trabalho. Foi este exercício que o tribunal a quo não fez, violando o específico regime legal aplicável à prestação de contas em concreto, incorrendo em Erro de Direito e decidindo não só com enorme sentido de injustiça, como desconsiderando a boa-fé contratual que levou a previsão expressa de remuneração para a Recorrente no Contrato, gerando assim um enriquecimento ilícito e injustificado da Recorrida, em detrimento do empobrecimento da Recorrente. (…) 24.ª Excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, que emerge do Contrato, que dos lucros apurados em conformidade com uma ENI, não seja deduzido valor correspondente a uma remuneração para a Ré, sob pena de se alcançar, por esta via, resultados opostos aos que razoavelmente se podem tolerar, inclusive à luz do Contrato celebrado, nos termos e no contexto em que foi celebrado. Sobretudo quando (a) da alínea e) da cláusula sétima do Contrato decorre o direito de a Recorrente ser remunerada pelas funções que exerce; (b) na cláusula sexta, 1.º, alínea b) do Contrato está previsto que a associante apresente uma proposta de distribuição dos lucros apurados (o que só se justifica pela dedução do montante da remuneração, senão bastaria a divisão do lucro por três); (c) enquanto trabalhou na farmácia, a Autora foi remunerada e sempre soube que a Ré “recebia” remuneração por via das retiradas “do caixa”; (d) os lucros gerados decorreram de esforço, competência e muita dedicação da Recorrente. 25.ª É no mínimo abusivo e violador da boa-fé que se impõe aos contratantes, inclusivamente durante a execução de um contrato, a Recorrida ter levado mais de 12 anos sem ter tido qualquer atitude ou praticado qualquer ato por referência ao Contrato, inclusivamente pedir a prestação de contas e acordar um valor de remuneração para a Recorrente, quando sabia, e bem, que essa trabalhava permanentemente na farmácia como gerente e diretora técnica, vindo a propor uma ação de prestação de contas sem que, ao longo dos anos, tivesse feito qualquer interpelação à Recorrente para as prestar e distribuir os lucros, na justa medida do Contrato, e com respeito ao direito da Recorrente a uma remuneração justa e compatível com as funções que sempre exerceu. 26.ª Se o Contrato previu remuneração à Recorrente, mas não previu já a respetiva forma de “contabilização” e o regime de ENI não permite contabilização formal, independentemente de tal remuneração não ter sido fixada, cabe ao julgador se socorrer dos usos, tal como autorizado pelo artigo 3.º do CC, que encontra assento no DL 231/81 (vd em especial n.º 6 do artigo 25.º) e no Código Comercial (vd, em particular, nos artigos 248.º e 249.º c/ 231.º e 232.º § 1.º), sendo, de resto, mister do julgador proceder à integração de lacunas da lei, tal como autorizado pelo artigo 10.º do CC. 27.ª Acresce que o que se discute é mais do que um direito que emerge do Contrato, é um direito constitucional que compreende uma garantia fundamental (artigos 16.º a 18.º e 59.º, n.º 1 alínea a) e 3 da CRP). Ora, a própria natureza das relações que entre si estabeleceram a associante e os associados na associação – e se vê refletida no Contrato - denota que a Recorrente deveria trabalhar para a farmácia tal como um qualquer trabalhador e, como tal, tem direito a uma remuneração. 28.ª Em particular, no que ao exercício da gerência diz respeito, tendo no Contrato a Recorrente ficado obrigada a exercer a gerência da farmácia em determinados moldes, estando em causa um contrato comercial aplicam-se as disposições do Código Comercial. Tal significa dizer que foi a mesma mandatada pelos associados para exercer a gerência. Assim sendo, esta relação contratual está sujeita ao disposto nos artigos 248.º e 249.º c/ 231.º e 232.º § 1.º do Código Comercial, de forma que a gerência é exercida ao abrigo de um mandato (comercial, diga-se). 29.ª E não pode a falta de acordo quanto ao valor e a impossibilidade de contabilizar o valor nas contas formais da ENI, serem elementos decisivos – como decorre da sentença em crise –, para não se reconhecer o direito a remuneração à Recorrente, a ser deduzido do valor dos lucros apurados nos termos contabilísticos, quanto mais quando está em causa uma ação de prestação de contas especial, também sujeita aos preceitos do DL 231/81. 30.ª Questão diferente é o tribunal, no seu prudente arbítrio, acolher, ou não, o valor que a Recorrente indicou como justo e adequado às funções de diretora técnica e gerente. 31.ª A decisão proferida de entregar à Recorrida, como se fosse parte do lucro a que a mesma tem direito, valor que, sabidamente, a mesma (e o tribunal) sabe pertencer à Recorrente, é também violadora dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim económico do direito, e do Contrato propriamente dito. Deste modo, a condenação da Recorrente a entregar todo o valor apurado como lucro contabilístico do ENI, sem que seja ressalvada remuneração para a mesma viola, inclusive, o disposto no artigo 334.º do CC, até porque, a lei considera “ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”. 32.ª Tenha-se presente que, na execução do Contrato, e aqui se inclui a prestação de contas, cada uma das partes deve agir com zelo, diligência e lealdade, tendo uma conduta correta e honesta, de modo a não prejudicar os legítimos interesses da contraparte (cfr. artigo 762.º, n.º 2, do CC). Sucede que, na Sentença, o tribunal a quo, ao decidir como decidiu, fazendo proceder a pretensão da Autora/Recorrida, permitiu que a Autora viesse a tirar proveito de um facto, violando os princípios da boa-fé contratual e ignorando que existindo colisão de direitos, o que é o caso claro que se coloca nestes autos, devem os titulares cederem na medida do necessário para que todos produzam o seu efeito, sem detrimento de qualquer das partes. E sendo isto uma imposição legal não pode o tribunal decidir em sentido contrário. 33.ª Acresce que, no caso concreto, nem se pode considerar que os direitos sejam iguais, pois enquanto a Autora tem direito contratual à sua parte nos lucros, a Ré tem direito a que destes lucros seja retirado valor para a sua remuneração enquanto trabalhadora que, de facto, foi. E sendo o direito à remuneração pelo trabalho um direito constitucionalmente assegurado, há então que prevalecer o direito da Ré, sob pena de a Autora estar a se locupletar e enriquecer sem que tenha causa para tanto, à custa do trabalho e esforço da Ré (vd artigos 335.º, 405.º, 473.º do CC e, 16.º e 59.º, n.º s 1 alínea a) e 3 da CRP). 34.ª Mais até. Atendendo ao caso concreto, não pode o tribunal ad quem deixar de também se socorrer do regime previsto nos artigos 236.º, 238.º e 239.º do CC, exercício este que o tribunal a quo não fez, e conduziu à prolação de decisão com Erro de Direito. 35.ª Foi muito simples e fácil ao tribunal a quo não percorrer o caminho da vontade dos contratantes e não extrair do Contrato o seu exato sentido, sobretudo aquele que tem correspondência, mesmo que mínima, no texto do documento autêntico assinado pelas partes, ainda que imperfeitamente expresso. Deste modo, errou o Tribunal a quo ao Negligenciar os termos dos artigos 236.º a 239.º do CC. 36.ª Conclui-se, por isso, que houve Erro o tribunal a quo ao sustentar que não assiste à Ré o direito a uma remuneração a ser deduzido do valor total dos lucros apurados, para ser repartido o valor do lucro que remanesça a esta dedução. 37.ª Quanto ao valor da remuneração, na respetiva prestação de contas a Recorrente indicou um valor de remuneração para as duas funções que exerce (de € 5.000,00 de 2006 a 2014 e de € 5.300, de 2015 a 2018). A Recorrida impugnou o valor. Um dos fundamentos foi que a Recorrente nunca lançou, declarou ordenado/vencimento nas suas contas. No entanto a própria Recorrida reconheceu, além do mais que: “A ré nunca o fez porque não poderia fazê-lo, já que legalmente, contabilisticamente, fiscalmente e verdadeiramente, a ré nunca por nunca obteve esse rendimento – obteve, isso sim, o rendimento inerente à actividade, o saldo da actividade da Farmácia”, “porque, os empresários em nome individual se regem pelas normas legais existentes no ordenamento jurídico, pelas normas de contabilidade aplicáveis e no quadro legal que conforma a figura jurídica empresário em nome individual.”. É com franco abuso de direito que a Recorrida impugnou o direito da Recorrente a ver deduzido, do saldo apurado contabilisticamente, um valor de remuneração para a Recorrente, excedendo, assim, manifestamente, e de forma reprovável, o direito, inclusivamente a boa-fé que deve permear a execução do Contrato. E nem se diga que a dedução de valor de ordenado/remuneração para a Recorrente é “em prejuízo dos associados e apenas e somente em benefício da associante”. A realidade é exatamente oposta. O benefício é dos associados em claro prejuízo e empobrecimento da Recorrente, que trabalhou anos a fio na farmácia com isenção de horário, permitindo a geração de lucro. E, entregar lucro aos associados à custa do trabalho da recorrente sem que este seja devidamente remunerado é abusivo! 38.ª O valor estimado pela Recorrente a título de remuneração é justo e adequado para a remunerar as duas funções, que a mesma sempre exerceu na farmácia, tem sustentação nos usos de comércio e no próprio resultado da farmácia, como é sustentado no ponto IV.3.B. da parte IV das presentes alegações de recurso, para onde se remete. 39.ª Quanto ao Erro de direito por condenação em juros, comece-se por dizer que uma ação de prestação de contas não comporta condenação no pagamento de juros, por exceder o seu objeto. 40.ª Acresce que, o pedido da Recorrida de a Recorrente ser condenada a prestar contas corresponde a uma obrigação de fazer pura; quanto ao pedido para lhe ser entregue o valor a que tem direito nos lucros que se viessem apurar, corresponde a uma obrigação de entrega futura de uma coisa (os lucros que viessem a ser apurados, na sequência do cumprimento daquela obrigação de fazer). Nenhuma destas obrigações contempla na sua estrutura e formulação, qualquer valor pecuniário já fixado. Não obstante, veio a Recorrida peticionar que, sobre o montante do valor do lucro (que viesse a ser apurado na prestação de contas), que lhe pertencesse, fossem acrescidos juros, a serem contabilizados desde o apuramento do lucro no final de cada ano civil ou, desde a citação. 41.ª Para condenar a Recorrente no pagamento de juros, o tribunal a quo teve em linha de conta as obrigações da Recorrida previstas na cláusula sexta do Contrato. Com o devido respeito, errou o tribunal a quo, na sua decisão. Desde logo porque na cláusula sexta foi estipulado que “§ 1 º - Até ao dia 31 de Janeiro de cada ano, deve a associante: a) -apresentar aos associados os resultados do exercício do ano findo, com indicação clara e precisa de todas as operações; b) -apresentar aos mesmos associados proposta de distribuição dos lucros, tendo em conta o critério de proporcionalidade estabelecido no artº 4. 2º - Caso qualquer dos associados não concorde com o modo como as contas foram prestadas, pode recorrer ao processo especial de prestação de contas, regulado nos artigos 1014 e seguintes do Cód. de Proc. Civil.".” (na parte final, leia-se artigos 941.º e ss o CPC). É por demais evidente que as referidas obrigações que do Contrato emergem para a Recorrida são obrigações de fazer. Esta realidade inquina logo a condenação em juros. As prestações de facto, ou de facere, são prestações de fazer, de prestar, de realizar um facto positivo ou um facto negativo de natureza fungível ou infungível. Daí que, a se considerar mora pelo atraso no cumprimento da referida obrigação de fazer, nunca incidiriam juros, no limite, direito a uma indemnização ou ao pagamento de uma sanção pecuniária contratual ou legalmente prevista, sendo certo que pedido desta natureza não é amoldável a uma ação de prestação de contas. 42.ª A condenação em juros só é possível se estivermos perante uma obrigação pecuniária. Ora, não é obrigação desta natureza que o § 1.º da aludida disposição contratual contempla! E esta impossibilidade resulta claramente dos artigos 804.º e 806.º, nº 1, do CC. 43.ª Errou o tribunal a quo ao, na Sentença, condenar a Recorrente a pagar juros moratórios (vencidos e vincendos), pois estes apenas são devidos na obrigação pecuniária, obrigação pecuniária esta que apenas se tornou líquida –pese embora o valor esteja a ser discutido neste recurso – com a fixação do valor do saldo positivo que a Recorrente foi condenada a pagar à Recorrida. 44.ª Acresce que, no que ao valor dos lucros diz respeito, estaria sempre em causa uma obrigação ilíquida, sendo certo que só a partir do momento em que o montante é conhecido e determinado é que a obrigação se torna líquida. É somente a partir desse momento, após interpelação, e em caso de incumprimento, que se pode invocar o regime de juros de mora. Também por isto não poderia o tribunal a quo ter condenado a Recorrente ao pagamento de juros de mora. 45.ª Mais. À luz do artigo 31.º, n.º 5doDL 231/81 só após o momento em que as contas foram prestadas judicialmente, é que se pode exigir o pagamento de juros de mora, caso haja incumprimento no pagamento do valor fixado. Neste sentido, andou mal o tribunal a quo a não ter em consideração o específico regime da prestação de contas destes autos, condenando a Recorrente no pagamento de juros de mora desde o dia 1 de fevereiro de cada ano, com início em 2006 até 2018. 46.ª Diga-se ainda que, na sua decisão, além de ter violado o regime das obrigações ilíquidas (artigo 805.º, n.º 3 do CC), que não admite a constituição em mora enquanto o crédito não for apurado, o tribunal a quo violou o regime de mora ex persona, que exige a interpelação prévia para a constituição em mora. 47.ª No entanto, se não se entender que inexiste mora antes da liquidação do crédito, deverá ser decidido, com a máxima prudência, que a condenação da Recorrente ao pagamento de juros de mora só deverá ocorrer a partir da citação da presente ação, por ter sido este o momento em que a mesma foi interpelada para prestar contas.
A autora contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso da ré.
Em 24-02-2025 foi proferido despacho de admissão do recurso interposto pela autora, como de apelação, com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo. Em 09-05-2025 foi proferido despacho que admitiu a prestação de caução requerida e o recurso interposto pela ré, como apelação, com efeito suspensivo (condicionado à efetiva prestação de caução pela apelante) e com subida imediata nos próprios autos.
Em 06-06-2025 a ré/apelante juntou ao processo os originais das cauções referidas no despacho de 09-05-2025.
Remetidos os autos a este tribunal, foram os autos aos vistos legais.
II – Objeto do recurso Questões suscitadas no recurso interposto pela ré:
Impugnação da decisão de facto – alteração dos pontos 2, 3, 8 e 9 dos factos provados e aditamento de 5 novos factos aos factos provados e de 1 novo facto aos factos não provados. Quanto à questão de direito, a invocada existência de erro da decisão recorrida: a) ao não ter considerado como despesa a ser deduzida ao saldo da prestação de contas o valor ficcionado pela apelante ré, nas contas por si apresentadas, referente à remuneração – de € 5.000,00 mensais de 2006 a 2014 e de € 5.300,00 mensais de 2015 a 2018 – que lhe devia ter sido fixada e atribuída, pelas funções de diretora técnica da farmácia e gerente do estabelecimento de farmácia que sempre exerceu; b) na condenação no pagamento de juros. Questões suscitadas no recurso interposto pela autora: Erro da decisão recorrida na consideração, no âmbito das despesas realizadas, do valor de € 1.170.858,84, ficcionadas pelo Sr. Perito, em vez de ter considerado o valor de € 667.058,49, que são as despesas efetivamente realizadas, com o inerente reflexo no cálculo dos juros de mora devidos. Acresce a responsabilidade quanto a custas.
III – Fundamentação
1. De facto É a seguinte a fundamentação de facto da sentença recorrida: Factos provados, rendimento global, total de gastos e colecta total do estabelecimento “Farmácia ...” no período compreendido entre 2006 e 2018: 1. A Ré BB é farmacêutica e exerce essa actividade no estabelecimento comercial denominado “Farmácia ...” sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho da Feira, enquanto empresária em nome individual. 2. É a Ré BB que exerce a actividade económica por ser a titular do estabelecimento comercial que explora a farmácia e é, também, a directora técnica da farmácia. 3. Por documento particular autenticado denominado «contrato de associação em participação», outorgado em 2 de Janeiro de 1986, no Primeiro Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, a ali primeira outorgante (BB), na qualidade de associante e a segunda (AA) e terceiro (DD) outorgantes, na qualidade de associados, declararam, além do mais, que “pelo presente escrito celebram entre si, com início em um de Janeiro de mil novecentos e oitenta e quatro e por tempo indeterminado, um contrato de associação em participação, que se regerá pelas cláusulas seguintes (entre outras): “- PRIMEIRO – A primeira é titular de um estabelecimento comercial, destinado à exploração de farmácia, com o respectivo alvará e direito ao arrendamento, instalado no rés do chão de um prédio sito no lugar ..., da freguesia ..., do concelho da Feira, a que de comum acordo atribuem o valor de 1.500.000$00. - SEGUNDO – Para a instalação daquele estabelecimento em equipamento, stock de medicamentos e fundo de maneio, os segunda e terceiro entregaram à primeira, a título de contribuição na associação, que ora constituem, cada um a quantia de 1.500.000$00, em dinheiro, que assim ingressou no património da associante e de que esta oportunamente deu quitação. - TERCEIRO – Associante (BB) e Associados (AA e DD) acordam em atribuir igual valor à contribuição de cada um na presente associação. - QUARTO – A participação da associante (BB) e de cada associado (AA e DD) nos lucros de exploração do estabelecimento é proporcional à contribuição de cada um. - QUINTO – A participação nas perdas é igualmente proporcional à contribuição de cada um, mas limitada, quanto aos associados, à sua contribuição. - SEXTO – Para efeitos do presente contrato, o ano económico coincide com o ano civil. 1º - Até ao dia 31 de Janeiro de cada ano, deve a associante: a) apresentar aos associados os resultados do exercício do ano findo, com indicação clara e precisa de todas as operações; b) apresentar aos mesmos associados proposta de distribuição dos lucros, tendo em conta o critério de proporcionalidade estabelecido no artº. 4. 2º - Caso qualquer dos associados não concorde com o modo como as contas foram prestadas, pode recorrer ao processo especial de prestação de contas, regulado nos artigos 1014 e seguintes do Cód. de Proc. Civil.”. À Associante (BB) compete em especial: a) Ser diligente no exercício da gerência e de nenhum acto de gerência praticar sem consentimento dos associados (…) d) Admitir a associada AA a exercer funções no estabelecimento a tempo inteiro e com caracter de permanência ou em regime de contrato de trabalho, ou como gerente, e, neste caso, mediante a outorga do respectivo mandato, conforme todos os contraentes acharem mais conveniente e mediante uma remuneração fixada por maioria; e) aceitar a remuneração que, pelo exercício das suas funções de gerente e direcção técnica da farmácia, lhe for fixada pela maioria dos contratantes.” 4. Entre 2006 e 2018 foi a Ré BB que procedeu às compras de medicamentos junto dos fornecedores para vender na farmácia, à compra dos restantes artigos e produtos vendidos no estabelecimento, que contratou os trabalhadores do estabelecimento, que procedeu às vendas dos medicamentos e demais produtos, que recebeu o dinheiro proveniente das vendas e de produtos e serviços, que procedeu ao pagamento aos fornecedores e trabalhadores do estabelecimento e que pagou os impostos e taxas. 5. Entre 2006 e 2018, a “Farmácia ...” obteve rendimentos globais de 17.916.670,51 € correspondentes a: - Vendas e serviços prestados: 17.342.170,07 €; - Subsídios à exploração: 9.442,29 €; - Outros rendimentos e ganhos: 565.058,15 €. 6. Entre 2006 e 2018, a “Farmácia ...” teve gastos globais de 14.940.805,74 € correspondentes a: - Custos de mercadorias vendidas e matérias consumidas: 12.937.394,25 €; - Fornecimentos e Serviços Externos: 549.721,68 €; - Gastos com o pessoal: 1.224.874,60 €; - Outros gastos e perdas: 228.815,21 €. 7. Entre 2006 e 2018, a “Farmácia ...” suportou gastos/reversões de depreciação e de amortização no valor de 315.912,95 € e suportou de juros e gastos similares 9.949,23 €. 8. Sobre o resultado líquido considerado para efeitos fiscais, o valor pago pela Ré BB a título de IRS [colecta líquida mais sobretaxa extraordinária] referente apenas ao estabelecimento comercial “Farmácia ...” foi de 1.170.858,84 € assim discriminado: - Resultado líquido considerado para efeitos fiscais no ano de 2006: 200.809,78 €; colecta líquida: 78.518,36 €; - Resultado líquido considerado para efeitos fiscais no ano de 2007: 228.438,39 €; colecta líquida: 89.522,37 €; - Resultado líquido considerado para efeitos fiscais no ano de 2008: 215.634,09 €; colecta líquida: 84.976,33 €; - Resultado líquido considerado para efeitos fiscais no ano de 2009: 238.281,55 €; colecta líquida: 93.457,85 €; - Resultado líquido considerado para efeitos fiscais no ano de 2010: 216.210,59 €; colecta líquida: 88.440,33 €; - Resultado líquido considerado para efeitos fiscais no ano de 2011: 220.815,10 €; colecta líquida: 98.953,00 €; - Resultado líquido considerado para efeitos fiscais no ano de 2012: 146.295,82 €; colecta líquida: 57.162,09 €; - Resultado líquido considerado para efeitos fiscais no ano de 2013: 196.203,91 €; colecta líquida: 96.375,64 €; - Resultado líquido considerado para efeitos fiscais no ano de 2014: 170.984,34 €; colecta líquida: 81.597,34 €; - Resultado líquido considerado para efeitos fiscais no ano de 2015: 202.132,39 €; colecta líquida: 101.316,10 €; - Resultado líquido considerado para efeitos fiscais no ano de 2016: 186.387,02 €; colecta líquida: 91.983,01 €; - Resultado líquido considerado para efeitos fiscais no de ano de 2017: 206.673,96 €; colecta líquida: 101.160,09 €; - Resultado líquido considerado para efeitos fiscais no de 2018: 231.831,59 €; colecta líquida: 107.396,33 €. * 9. Gastos considerados pela Ré BB na prestação de contas apresentada, mas que não foram efectuados e, por isso, não estão reflectidos na contabilidade da “Farmácia ...” e, portanto, não se mostram justificados: 9.1. Remuneração/ordenado estimada da Ré BB pelo exercício das funções de gerente e directora técnica no montante de 5.000,00 € mensais entre 2006 e 2014 e de 5.300,00 € mensais entre 2015 e 2018. 9.2. Montante de 24.214,53 € a título de reserva de 5% sobre o alegado valor do lucro apurado em cada um dos seguintes anos: - Ano de 2006: 2.544,30 €; - Ano de 2007: 3.742,19 €; - Ano de 2009: 3.886.75 €; - Ano de 2010: 3.078,66 €; - Ano de 2011: 3.855,20 €; - Ano de 2012: 1.938,44 €; - Ano de 2013: 2.637,10 €; - Ano de 2014: 773,76 €; - Ano de 2015: 2.877,61 €; - Ano de 2016: 1.899,81 €; - Ano de 2017: 1.078,38 €; - Ano de 2018: 2.188,81 €.
Factos não provados: a) – A Ré BB recebeu entre 2006 e 2015 a remuneração de 5.000,00 € e entre 2016 e 2018 a remuneração de 5.300,00 € pelo exercício das funções de directora técnica e de gerente do estabelecimento comercial “Farmácia ...”.
Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Discorda a ré apelante da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença apelada, pretendendo: - A alteração dos pontos 2, 3, 8 e 9 dos factos provados; - O aditamento aos factos provados da seguinte factualidade: 1.º) – O saldo líquido a distribuir entre associante e associados é distinto conforme as seguintes variáveis a considerar, Declarações Entregues pelo Agregado Familiar, Declarações Entregues mas excluindo os Rendimentos Obtidos pelo Estabelecimento, Declarações só com Rendimentos do Estabelecimento (Tributação Separada), Declarações só com Rendimentos do Estabelecimento (Tributação Conjunta), Declarações só com Rendimentos do Estabelecimento Líquidos da Remuneração Atribuída enquanto Gerente e Diretora Técnica (Tributação Separada), Declarações só com Rendimentos do Estabelecimento Líquidos da Remuneração Atribuída enquanto Gerente e Diretora Técnica (Tributação Conjunta), conforme os valores que constam dos seis quadros juntos aos autos, elaborados pelo Perito, dos quais resultam saldos positivos distintos a distribuir entre a associante e os associados. 2.º) – Ao ser considerada a remuneração / ordenado da Ré, como diretora técnica da farmácia e sua gerente, no valor indicado no facto provado de Ponto 9.1, o saldo líquido (lucro) a distribuir é no valor de € 1.011.076,84, conforme Versão3 que consta do relatório do Perito de 19/06/2023. 3.º) – Como forma de "remuneração" a Autora retirava valor do caixa (ou seja, do capital disponível), para atender as necessidades próprias, e em correlação com o trabalho que lá exercia. 4.º) – No exercício de suas funções como diretora técnica da farmácia e sua gerente, a Ré BB não tinha limitação de horas de trabalho. 5.º) – Em cumprimento do contrato de associação em participação previsto no ponto n.º 3, a Autora, enquanto trabalhou na farmácia, recebeu remuneração. - O aditamento aos factos não provados da seguinte factualidade: A Autora AA nunca interpelou a Ré de KK a prestar contas da farmácia.
1. Alteração dos factos provados
Pretende a ré apelante a alteração dos n.os 2., 3., 8. e 9. dos factos provados.
1.1. Alteração do n.º 2. dos factos provados
Pretende a ré apelante que este tribunal de recurso altere o n.º 2. dos factos provados [2. É a Ré BB que exerce a actividade económica por ser a titular do estabelecimento comercial que explora a farmácia e é, também, a directora técnica da farmácia.] para a seguinte redação: “É a Ré BB que exerce a actividade económica por ser a titular do estabelecimento comercial que explora a farmácia e é, também, a directora técnica e gerente da farmácia.” Fundamenta tal pretensão na pertinência da expressa referência ao exercício pela ré dessa atividade de gerência no âmbito do recurso interposto “(…) atendendo ao direito à remuneração que a Ré tem pela dupla função que exerce, de diretora técnica e de gerente.”, e indica como meios de prova que impõem tal pretendida alteração o depoimento prestado pela ré e pelas testemunhas testemunha FF, GG e HH – indicando resultar destes depoimentos que as funções de gestão e de diretora técnica são diferentes. Da transcrição que efetuou dos depoimentos que considera terem particular relevância (da ré e da testemunha FF), consta a descrição pela ré e pela referida testemunha das funções/responsabilidades quer enquanto diretoras técnicas das farmácias de que, simultaneamente, eram titulares, quer no exercício da atividade de exploração da farmácia. Tal descrição, diferentemente do que invoca a apelante, foi feita sem discriminação entre funções da competência exclusiva da diretora técnica e funções exclusivamente inerentes à qualidade de titular da farmácia. Basicamente, o que resulta das transcrições efetuadas é que, quer a ré, quer a testemunha FF, como diretoras técnicas e titulares das farmácias, são responsáveis por tudo – quer relacionado com a parte da gestão técnica, quer com a gestão económica da farmácia. É sabido que um empresário em nome individual é o único proprietário e assume diretamente todas as responsabilidades pela gestão, decisões e dívidas do negócio que explora. Tal é inerente ao facto de a ré ser a titular do estabelecimento de farmácia. Não há, no âmbito da atividade desenvolvida pela ré de exploração da farmácia como empresária em nome individual – que consta dos n.os 1. e 2. dos factos provados – um cargo de ‘gerente’. A gerência é atividade inerente ao exercício da atividade económica de exploração da farmácia desenvolvida pela ré, nos moldes que constam dos factos provados, contendo o n.º 4. dos factos provados uma descrição das atividades desenvolvidas pela ré no âmbito da gestão ‘económica’ do estabelecimento de farmácia que explora como empresária em nome individual. A impugnação da decisão de facto não se destina a obter outras redações para uma realidade já constante do enunciado. Improcede a requerida alteração do n.º 2. dos factos provados.
1.2. Alteração do n.º 3. dos factos provados
Pretende a ré apelante que este tribunal de recurso altere o n.º 3. dos factos provados, por forma a que nele se passe a transcrever também o teor das alíneas b) e c) da cláusula Sétima, a cláusula Décima e a cláusula Décima Quinta do «(…) documento particular autenticado denominado «contrato de associação em participação», outorgado em 2 de Janeiro de 1986, no Primeiro Cartório Notarial de Santa Maria da Feira (…)», aí referido. Fundamenta tal pretensão na alegação da relevância de tais cláusulas “para a economia do recurso” – defendendo que de tais cláusulas resulta a existência de um desequilíbrio contratual em favor da autora e detrimento da ré com relevância para a circunstância de que a “prestação de contas em concreto não pode ignorar que a Ré tem direito a uma remuneração a ser deduzida dos lucros apurados”. É absolutamente desprovida de sentido a presente impugnação. O que está provado no n.º 3. dos factos provados é a celebração e existência do referido contrato, junto aos autos – o que abrange todo o contrato, incluindo as cláusulas que a apelante pretende ver transcritas nos factos provados. Se tais cláusulas forem pertinentes para a decisão dos fundamentos da impugnação jurídica da decisão recorrida, efetuada pela ré apelante no recurso interposto, não é pelo facto de não estarem transcritas no n.º 3. dos factos provados que tais cláusulas não serão consideradas. Reitera-se que a impugnação da decisão de facto não se destina a obter outras redações para a realidade já constante do enunciado. Improcede a requerida alteração do n.º 3. dos factos provados.
1.3. Alteração do n.º 8. dos factos provados “8. Considerando o IRS pago pela Ré, e a versão 3 das simulações feitas pelo Perito, sobre o resultado líquido considerado para efeitos fiscais, o valor pago pela Ré BB a título de IRS [colecta líquida mais sobretaxa extraordinária] referente apenas ao estabelecimento comercial "Farmácia ..." foi de 1.170.858,84 € assim discriminado: (…)”.
Fundamenta tal pretensão na alegação de que “(…) sem embargo de o IRS ter sido pago conforme os valores ali indicados, não se pode aceitar que seja apenas dado como provado que o resultado líquido da farmácia para efeitos fiscais seja apenas o que consta do facto de Ponto 8. Isto porque, a se considerar uma remuneração paraa Recorrente, o resultado líquido é –seria - distinto, e interfere no resultado final do saldo a ser apurado para efeito da presente prestação de contas (…)”, defendendo que, por estar em causa “(…) uma prestação de contas que tem na base um contrato de associação em participação também regulado pelo DL 231/81, todas as contas e simulações apresentadas integram o objeto da ação, e não apenas a versão e o resultado que o tribunal a quo entendeu acolher como sendo o que entendeu ser o adequado ao caso concreto.” Indica como meios de prova que impõem tal alteração (e também o aditamento dos novos factos referidos nas als. b) e c) da conclusão 8.ª) os “(…) documentos juntos com o requerimento da ré de 21/01/2021 – ref.ª citius 11056074 –, em particular os Anexos 1 e 2 e depoimento do contabilista da Ré, Dr. II, gravado no sistema habilus com a ref.ª _3024-18.8T8VFR_2024-07-05_11-29-46.mp3 entre os minutos 00:35:01 e 00:36:46, depoimento do Perito gravado no sistema habilus com a ref.ª _3024-18.8T8VFR_2024-06-24_09-53-10.mp3, entre os minutos 00:10:36 e 00:14:53 e, 00:15:10 e 00:16:43, Relatório Pericial apresentado em 17/11/2022 (1.º Relatório - ref.ª citius 13760815), Relatório Pericial Complementar apresentado em 19/06/2023 (ref.ª citius 14723908), no qual foram juntas seis versões de simulação das contas, das quais resultam resultados líquidos a distribuir distintos, conforme a variável que for considerada no apuramento do lucro. (…)”.
Em primeiro lugar, o que a apelante chama de “(…) documentos juntos com o requerimento da ré de 21/01/2021 – ref.ª citius 11056074 –, em particular os Anexos 1 e 2 (…)” não constitui um meio de prova documental, mas sim a apresentação das contas (em conta-corrente) pela ré – que esta denominou de Anexo 1 –, e um Relatório Explicativo da Conta-Corrente apresentada – que a ré denominou de Anexo 2. Em segundo lugar, a alteração pretendida não acarreta qualquer alteração da factualidade considerada provada no n.º 8. dos factos provados. O que a apelante pretende é que se insira nos factos provados a referência ao meio de prova – pericial – no qual o tribunal a quo fundou a sua convicção quanto à factualidade provada. Tal é absolutamente desprovido de fundamento. A convicção do julgador quanto à prova da factualidade vertida no n.º 8. dos factos provados consta da motivação da sentença – como deve constar –, nos seguintes termos: Relativamente aos factos supra elencados, o tribunal teve em consideração o relatório pericial relativo ao impacto fiscal em sede de IRS dos resultados obtidos pelo estabelecimento e junto com a referência 14723908 de 19.06.2023. No referido relatório, foram apresentadas várias versões sendo que aquela que importa para apurar qual o lucro ou resultado líquido do estabelecimento comercial da “Farmácia ...” é a versão 3. De facto, a versão 3 apenas considera os rendimentos do estabelecimento para efeitos de IRS e, parece-nos, que é o que interessa para a presente prestação de contas. Na verdade, importa autonomizar o impacto em sede fiscal (IRS) dado pelos rendimentos obtidos pelo estabelecimento comercial “Farmácia ...”. Isto porque sendo o “Farmácia ...” explorado pela Ré BB enquanto empresária em nome individual, a tributação dos rendimentos obtidos pelo estabelecimento ocorre em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares. Assim, consta do relatório pericial que a versão 3 “apenas calcula o imposto (IRS) devido exclusivamente pelos rendimentos obtidos pelo estabelecimento e exclui todas as outras variáveis que pouco ou nada têm a ver com o mesmo.”. Parece-nos que é a única versão a ter em conta na presente prestação de contas. De facto, para apurarmos o lucro do estabelecimento comercial temos que considerar apenas a empresária como titular de rendimentos independentemente de quaisquer outras variáveis como a sua situação familiar.
A impugnação da decisão de facto visa alterar um ou mais concretos pontos da decisão de facto com fundamento na existência de um erro de julgamento na apreciação da prova. A alteração pretendida não constitui impugnação da factualidade provada sob o n.º 8., que se mantém incólume. O que a apelante pretende com a redação proposta é uma introdução no n.º 8. dos factos provados do seu próprio juízo de discordância face à motivação do julgador subjacente à decisão, como meio de justificação da sua pretensão de aditamento aos factos provados dos enunciados propostos nas als. b) e c) da conclusão 8.ª. A impugnação da decisão de facto não se destina a tal finalidade, não sendo admissível para tal. Improcede a requerida alteração do n.º 8. dos factos provados.
1.4. Alteração do n.º 9. dos factos provados
Pretende a ré apelante que este tribunal de recurso altere o corpo do n.º 9. dos factos provados [9. Gastos considerados pela Ré BB na prestação de contas apresentada, mas que não foram efectuados e, por isso, não estão reflectidos na contabilidade da “Farmácia ...” e, portanto, não se mostram justificados] para a seguinte redação: “9. Na prestação de contas apresentada a Ré BB considerou o gasto indicado no n.º 9.1 seguinte, que não foi efetuado, e a reserva indicada no número 9.2 seguinte, os quais não estão reflectidos na contabilidade da “Farmácia ...: (…)”.
Fundamenta tal pretensão na alegação, em síntese, de que a afirmação de que o gasto indicado no Ponto 9.1 e a reserva indicada no Ponto 9.2 não se mostram justificados é conclusiva, tendo o juízo sobre a justificação das despesas apresentadas – em concreto, sobre a questão da consideração do valor simulado para ordenado da ré como despesa – que ser efetuado no âmbito do direito.
Afigura-se-nos que, nesta parte, assiste razão à apelante. A ré procedeu à apresentação das contas e a autora contestou essas contas, impugnando – no que aqui releva – a existência da despesa aí lançada como “ordenado Dr.a BB”, alegando que se trata de uma verba ficcionada pela ré, como resulta do Anexo 2 junto pela ré com as contas apresentadas, subscrito e assinado pelo contabilista certificado, II (que veio a ser ouvido como testemunha em julgamento), o qual aí expressamente referiu reportar-se tal verba às “despesas/gastos com ordenado estimado para a directora técnica e gestora, de 5.000,00 euros mensais entre 2006 e 2014 e de 5.300,00€ de 2015 a 2018”, e do facto de a ré ter sempre, nas declarações de IRS, declarado como seus rendimentos os lucros da atividade como empresária em nome individual e nunca qualquer ordenado/vencimento que incluiu nas contas apresentadas. A posição da ré – cfr. requerimento de 20-04-2022, ref. 12895950 – é de que, atendendo a que a prestação de contas se insere no âmbito de um contrato de associação em participação, as particularidades do mesmo e do regime jurídico que o regula, bem como o regime legal regulador da constituição da farmácia e da sua detenção por farmacêutico, constituído como empresário em nome individual, e a atividade desenvolvida pela ré, tem que se considerar uma remuneração da ré a ser abatida ao lucro a distribuir, sob pena desta estar a trabalhar sem direito a remuneração pelo trabalho prestado, sendo os valores indicados os que correspondem aos valores de mercado. Saber se se deve considerar, no âmbito da presente ação de prestação de contas, como despesa a abater nos resultados, diminuindo o lucro, a ficcionada retribuição da ré como diretora técnica da farmácia e pessoa responsável pela gestão do estabelecimento, incluída pela ré nas contas apresentadas, constitui, a nosso ver, uma questão jurídica e não de facto. O que é factual é – como a própria ré refere nas suas alegações de recurso – que “(…) na conta corrente que apresentou, a Ré simulou gasto com ordenado nos valores identificados no Ponto 9.1 e a reserva indicada no Ponto 9.2 (…)”.
Em conformidade, é, nesta parte, de deferir a impugnação apresentada, determinando-se a seguinte alteração do corpo do n.º 9. dos factos provados:
2. Ampliação da matéria de facto - aditamentos aos factos provados
O aditamento de factos não considerados na decisão recorrida integra uma ampliação da decisão da matéria de facto. Tal ampliação apenas pode ocorrer quando se considere indispensável a ampliação da decisão da matéria de facto, nos termos e moldes previstos na parte final da al. c) do n.º 2 do art. 662.º do Cód. Proc. Civil (podendo ser efetuada pelo tribunal ad quem se do processo constarem os elementos que permitem essa ampliação), e apenas se pode reportar a factos já alegados pelas partes ou cuja consideração devesse ter sido efetuada pela decisão recorrida, designadamente, no âmbito e termos previstos no n.º 2 do art. 5.º do Cód. Proc. Civil. Assim, os aditamentos de nova factualidade apenas se justificarão se os factos em causa assumirem relevância indispensável para a decisão a proferir.
2.1. Aditamentos requeridos nas als. b) e c) da conclusão 8.ª
Pretende a ré apelante que se aditem aos factos provados os seguintes “(…) factos novos (…)”: 1.º) – O saldo líquido a distribuir entre associante e associados é distinto conforme as seguintes variáveis a considerar, Declarações Entregues pelo Agregado Familiar, Declarações Entregues mas excluindo os Rendimentos Obtidos pelo Estabelecimento, Declarações só com Rendimentos do Estabelecimento (Tributação Separada), Declarações só com Rendimentos do Estabelecimento (Tributação Conjunta), Declarações só com Rendimentos do Estabelecimento Líquidos da Remuneração Atribuída enquanto Gerente e Diretora Técnica (Tributação Separada), Declarações só com Rendimentos do Estabelecimento Líquidos da Remuneração Atribuída enquanto Gerente e Diretora Técnica (Tributação Conjunta), conforme os valores que constam dos seis quadros juntos aos autos, elaborados pelo Perito, dos quais resultam saldos positivos distintos a distribuir entre a associante e os associados. 2.º) – Ao ser considerada a remuneração / ordenado da Ré, como diretora técnica da farmácia e sua gerente, no valor indicado no facto provado de Ponto 9.1, o saldo líquido (lucro) a distribuir é no valor de € 1.011.076,84, conforme Versão3 que consta do relatório do Perito de 19/06/2023.
O enunciado vertido na al. b) da conclusão 8.ª não constitui matéria de facto, mas antes um resumo da metodologia adotada no Relatório relativo ao impacto fiscal em sede de IRS dos resultados obtidos pelo estabelecimento, apresentado pelo senhor perito na sequência do despacho de 25-01-2023 – despacho este, que, deferindo o requerimento da autora de 02-12-2022, determinou, face ao ponto 10, 4.º, al. a) das conclusões do Relatório de Peritagem à Contabilidade do estabelecimento Farmácia ..., para efeito de cálculo do Imposto sobre o Rendimento do Exercício, que o Sr. Perito efetuasse e juntasse «(…) aos autos os cálculos do imposto devido pelo agregado familiar em cada um dos anos com e sem os resultados do estabelecimento (isto é, com e sem os rendimentos da Categoria C do IRS) e efectuar os cálculos com e sem os rendimentos do estabelecimento e de outras variáveis que nada tenham a ver com os rendimentos do mesmo (…)». Deste modo, não estando em causa matéria de facto relevante para a decisão a proferir, indefere-se o requerido aditamento.
Já quanto ao enunciado da al. c), atendendo aos fundamentos da contestação da autora às contas apresentadas pela ré (quanto à consideração como despesa das verbas inseridas nas contas apresentadas pela ré sob a rubrica “Ordenado Dr.ª BB”) e ao facto de, em sede de instrução da causa, nomeadamente no âmbito da prova pericial realizada, se ter considerado relevante a emissão de pronúncia sobre “(…) o impacto do factor trabalho, máxime decorrente da actividade profissional pela Directora Técnica, no referido estabelecimento”, tendo sido determinado que o Sr. Perito “(...) efetuasse e juntasse aos autos os cálculos do imposto devido pelo agregado familiar em cada um dos anos com e sem os resultados do estabelecimento (isto é, com e sem os rendimentos da Categoria C do IRS) e os cálculos com e sem os rendimentos do estabelecimento e de outras variáveis que nada tenham a ver com os rendimentos do mesmo, conforme preconiza no ponto 10, 4.º, al. a) das conclusões do seu relatório”, e ainda “(…) para avaliar e filtrar o rendimento fiscalmente declarado pela Ré enquanto empresária em nome individual no âmbito da sua actividade profissional como Directora Técnica, que deve ser autonomizado” (cfr. despacho de 26-05-2023, ref. 127380392), afigura-se-nos que se impõe, em ordem à apreciação da questão suscitada de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, a inclusão nos factos provados do resultado da simulação efetuada pelo Sr. Perito, constante do Relatório relativo ao impacto fiscal em sede de IRS dos resultados obtidos pelo estabelecimento (junto ao processo em 19-06-2023), do cálculo do imposto devido pelos resultados obtidos pelo estabelecimento se se descontasse a remuneração indicada nas contas apresentadas pela ré (Tributação separada, considerando apenas os Rendimentos do Estabelecimento Líquidos da Remuneração Atribuída enquanto Gerente e Diretora Técnica – Versão 5 do aludido relatório). Em conformidade, é de julgar procedente nesta parte e (apenas) nesta medida a pretensão de ampliação da decisão de facto, mediante o aditamento aos factos provados de um novo n.º 10., com a seguinte teor: 10. Na hipótese de consideração, como despesa, da rubrica referida em 9.1. para o apuramento do resultado líquido da Farmácia ... considerado para efeitos fiscais, o valor a liquidar pela Ré BB a título de IRS [colecta líquida mais sobretaxa extraordinária] referente apenas ao estabelecimento comercial “Farmácia ...” seria de € 1.011.076,84, conforme consta da Versão 5 apresentada no Relatório relativo ao impacto fiscal em sede de IRS dos resultados obtidos pelo estabelecimento, junto ao processo em 19/06/2023.
2.2. Aditamento requerido na conclusão 9.ª
Pretende a ré apelante que se adite aos factos provados o seguinte “novo facto”: Como forma de "remuneração" a Autora retirava valor do caixa (ou seja, do capital disponível), para atender as necessidades próprias, e em correlação com o trabalho que lá exercia. Fundamenta tal pretensão na alegação de que “(…) a Ré sempre sustentou nos autos que a prestação de contas, em concreto, deveria tomar em consideração valor de ordenado para si, como forma de remuneração pelo seu trabalho de gerente e de diretora técnica da farmácia, sob pena de a Autora se locupletar à custa do seu trabalho (…)” e que tal tem que ser considerado no âmbito do disposto no n.º 6 do art. 25.º do DL 231/81, do qual decorre que “(…) a lei exige que a aferição do resultado tenha em consideração o negócio em concreto, ou seja, o que é essencial para o negócio funcionar, conforme as circunstâncias da empresa(…)”, e “(…) uma farmácia não pode funcionar sem diretora técnica, nem gerente”, aliado ao facto de, por estar em causa um ENI, o empresário em nome individual não obter uma remuneração pelo seu trabalho, sendo os resultados (positivos) que o estabelecimento obtenha que constituem a remuneração do seu trabalho. Indica como meios de prova que impõem tal pretendida alteração, o depoimento prestado pela ré e pelo contabilista da farmácia, testemunha Dr. II. Vejamos. Em primeiro lugar, o que a ré pretende agora ver aditado aos factos provados é claramente distinto daquilo que havia alegado. Inicialmente – designadamente, no Relatório de Gestão e Apresentação de Contas Farmácia ... que a ré juntou aos autos em 03-09-2020 (ref. 10474870), em resposta ao despacho de notificação para a apresentação de contas – a ré indicou nas contas apresentadas nesse requerimento, sob a rubrica ‘Salário mensal (Dir. Técnica* gestão) o salário mensal de € 5.000,00 nos anos de 2006 a 2014, inclusive, e de € 5.300,00 nos anos de 2015 a 2018, inclusive, como despesa realizada (veja-se que fez constar, no fim da tabela, o seguinte: “* Dados conforme IES e declaração IRS de cada ano.”). Alterou tal alegação no requerimento de 21-01-2021 (ref. 11056074) em que, em resposta ao despacho de 17-12-2020, procedeu à apresentação das contas em forma de conta-corrente, na medida em que aí alega que tais valores de € 5.000,00 e de € 5.300,00 inseridos nas contas apresentadas, correspondem a valores estimados. Fê-lo, designadamente, ao esclarecer ter-se subtraído ao resultado contabilístico/saldo apurado «As despesas/gastos com ordenado estimado, para a diretora técnica e gestora, de 5.000,00 euros mensais entre 2006 e 2014 e de 5.300,00 € de 2015 a 2018;».
No entanto, na resposta à contestação da autora às contas por si apresentadas[1] – requerimento em que alegou auferir remuneração pelas funções desempenhadas e recebê-la, apesar de a não poder lançar nas Declarações de Rendimentos e IES atendendo ao regime aplicável ao INE –, voltou a alegar que sempre auferiu e recebeu uma remuneração (embora não tenha nunca alegado qual era o valor dessa alegada remuneração) e que, enquanto os lucros foram distribuídos pelo associado DD, tal remuneração era deduzida do valor a distribuir. Não logrou fazer prova dessa factualidade – pelo contrário, a mesma resultou infirmada, desde logo, pelo seu próprio depoimento [2] –, e pretende agora, em sede de recurso, o aditamento aos factos provados de factualidade que consubstancia uma realidade distinta daquela que alegou – seja a alegação inicial (reiterada na resposta de 20-04-2022 - ref. 12895950) da efetiva receção de uma remuneração, seja a distinta alegação, efetuada com o requerimento de apresentação das contas sob a forma de conta-corrente, de ser tal valor de remuneração incluído como despesa um valor estimado (ficcionado). Em segundo lugar, os meios de prova indicados pela apelante (o seu próprio depoimento e as declarações prestadas pela testemunha Dr. II, que efetuava a contabilidade da Farmácia ...) não suportam a factualidade que a apelante pretende agora ver incluída nos factos provados, nomeadamente, quanto à consideração das retiradas de dinheiro do caixa como retribuição/remuneração do trabalho por si desenvolvido como diretora técnica e responsável pela gestão da Farmácia. O que resulta do depoimento prestado pela ré é que esta não auferia – nunca auferiu – qualquer vencimento e que nunca lhe foi fixada qualquer quantia a título de remuneração pelo trabalho por si desenvolvido na farmácia. A mesma, consoante precisava, levantava dinheiro / retirava dinheiro, como referiu, “sem considerar isso um salário”. De resto, ficou a constar da assentada efetuada na ata da sessão de julgamento realizada em 24 de junho de 2024 a confissão, pela ré, de que “nunca lhe foi fixado qualquer salário na qualidade de gerente e diretora técnica da farmácia e que retirava dinheiro da caixa sempre que necessitava.” Do depoimento prestado pela testemunha Dr. II o que resulta é que a ré, enquanto empresária em nome individual, por ser titular do rendimento positivo do estabelecimento, dele podia dispor como quisesse: “sai de caixa, credita caixa e debita capital adquirido”, “tirava da caixa ou do banco e debita no capital adquirido”, o capital adquirido “servia para o empresário dispor como quisesse”, era dinheiro de que a ré podia dispor. Resultou claramente do depoimento desta testemunha que os valores de € 5.000,00 e de € 5.300,00 incluídos nas contas apresentadas pela ré na rubrica ‘retribuição Dr.ª BB’ não têm qualquer correspondência com uma efetiva retirada mensal desses valores nos moldes vertidos nas contas apresentadas sob a forma de conta-corrente (requerimento de 21-01-2021, ref. 11056074), sendo antes uma estimativa daquilo que se consideraria ser a retribuição que poderia auferir pelas funções desempenhadas, a ter em consideração como despesa (custo inerente ao trabalho desenvolvido pela ré) para efeitos do justo apuramento do efetivo lucro a dividir pelos associados, ficcionando-se ser essa a retribuição devida pelo trabalho prestado pela ré. Assim, dos meios de prova produzidos apenas resulta que a ré retirava dinheiro do caixa – fundo de maneio/capital disponível – da Farmácia ... sempre que necessitava, para atender às necessidades próprias. Tal factualidade resulta da instrução da causa; por outro lado, o que resulta de tal factualidade instrumental (a ré retirava dinheiro da caixa sempre que necessitava) é a falta de corroboração da factualidade essencial alegada – como acima foi referido, que “a ré sempre auferiu e recebeu uma remuneração” e que “enquanto os lucros foram distribuídos pelo associado DD, tal remuneração era deduzida do valor a distribuir”. Ora, conforme é referido no Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 12-05-2025, proc. 5008/21.0T8PRT.P1, «(…)[p]or força da sua função probatória da factualidade essencial, a factualidade instrumental não deve constar nos fundamentos de facto, antes deve operar em sede de motivação da decisão da matéria de facto para justificar a prova ou a não prova de algum facto essencial que haja sido alegado por qualquer das partes. (…)». Se assim é com factualidade instrumental relevante para a prova da factualidade essencial, por maioria de razão tal sucede quando a factualidade instrumental apurada não corrobora a factualidade essencial alegada. Em conformidade, improcede o requerido aditamento de tal factualidade à decisão de facto.
2.3. Aditamentos requeridos nas conclusões 10.ª e 11.ª
Pretende a ré apelante que se aditem aos factos provados os seguintes “novos factos”: No exercício de suas funções como diretora técnica da farmácia e sua gerente, a Ré BB não tinha limitação de horas de trabalho. Em cumprimento do contrato de associação em participação previsto no ponto n.º 3, a Autora, enquanto trabalhou na farmácia, recebeu remuneração.
Fundamenta tal pretensão – quanto ao aditamento do primeiro facto – na alegação de que tal factualidade se mostra essencial para a questão da necessidade de dedução aos lucros apurados conforme o regime de ENI, de uma remuneração para a ré, antes de ser fixado o valor líquido a distribuir, defendendo ainda que «(…) não existindo um valor de remuneração fixado à Ré, compete ao tribunal ad quem aferir da propriedade e adequação do valor que a Ré estimou para tanto (€ 5.000,00 de 2006 a 2014 e € 5.300, de 2015 a 2018) (…) [sendo] a ponderação do tempo que a Ré despendeu com o trabalho que realizou na farmácia (de gerente e de diretora técnica) (…) elemento factual que ajuda o Tribunal no seu mister de decidir sobre esta questão (…)». De igual modo, sustenta a necessidade de aditamento do segundo facto para a apreciação da questão da necessidade de dedução aos lucros apurados de uma remuneração para a ré, porque o contrato previa remuneração para a autora e para a ré e só aquela – autora – recebeu remuneração enquanto trabalhou na farmácia. Indica como meios de prova que impõem o requerido aditamento do 1.º facto os depoimentos prestados pela ré e pela testemunha FF, farmacêutica e também titular de uma farmácia e, quanto ao requerido aditamento do 2.º facto, além do depoimento prestado pela ré, o depoimento prestado pela testemunha JJ, filho da autora – transcrevendo as partes de tais depoimentos que considera suportarem a prova da alegada factualidade.
A questão suscitada e discutida na presente ação de prestação de contas, face à contestação da autora às contas apresentadas pela ré e ao que foi considerado provado no n.º 9. dos factos provados, é saber se o valor indicado nas contas apresentadas pela ré sob a rubrica ‘ordenado Dr.ª BB’, apesar de não constituir um gasto efetivamente realizado mas sim a estimativa da retribuição pelo trabalho desenvolvido pela ré como titular do estabelecimento de farmácia, gerindo o mesmo, e como diretora técnica, pode/deve ser considerado justificado no âmbito do julgamento a efetuar nos termos previstos no n.º 5 do art. 945.º do Cód. Proc. Civil. Quanto ao aditamento do primeiro facto, está-se aqui, novamente, perante factualidade instrumental que, pelas razões acima expostas, não pode nem deve ser incluída nos factos provados. A não se entender tal caráter instrumental da factualidade essencial alegada e já incluída nos factos provados – a atividade desenvolvida pela ré como diretora técnica e na gestão da Farmácia ... – ter-se-ia que concluir tratar-se de factualidade nova, que não foi anteriormente alegada pela ré, não sendo, nessa medida, admissível a sua serôdia alegação. Improcedente, por conseguinte, o requerido aditamento aos factos provados da aludida factualidade.
Quanto à pretensão de aditamento do segundo facto, também improcede, por falta de preenchimento do requisito da sua indispensabilidade para a decisão. O cerne da questão sujeita à apreciação deste tribunal de recurso reporta-se ao erro da decisão do tribunal a quo quanto à inadmissibilidade de consideração, no âmbito da ação de prestação de contas, do valor que a apelante considera dever ser considerado como despesa, correspondente à estimada retribuição da atividade por si desenvolvida como diretora técnica e responsável pela gestão do estabelecimento de farmácia (sendo esta a factualidade relevante a considerar, a qual consta já dos n.os 1., 2. e 4. dos factos provados da sentença recorrida), a subtrair aos rendimentos gerados, não obstante não lhe ter sido fixada uma retribuição e a mesma a não ter recebido (cfr. n.º 9. dos factos provados e a al. a) dos factos não provados). Sendo esta a questão objeto do recurso interposto, é irrelevante para sua apreciação saber se a autora trabalhou ou não trabalhou na farmácia e se enquanto aí trabalhou auferiu ou não auferiu remuneração. Está-se aqui perante a apreciação das contas apresentadas pela ré, em cumprimento da já anteriormente reconhecida e declarada existência da obrigação de prestação de contas – sentença proferida em 15-07-2019 (ref. 107442993), confirmada pelo Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 20-02-2020 (ref. 13532096). A finalidade da ação especial de prestação de contas é o apuramento do montante resultante das receitas e das despesas que foram cobradas ou efetuadas, com a consequente condenação no pagamento das mesmas, e não verificar se houve ou não (in)cumprimento do contrato. Não se estando, assim, perante factualidade relevante para o julgamento das contas apresentadas, improcede igualmente a pretensão da apelante quanto ao requerido aditamento aos factos provados de tal factualidade.
3. Aditamento aos factos não provados
Por fim, pretende a ré apelante o aditamento aos factos não provados do seguinte “novo facto”: A Autora AA nunca interpelou a Ré de KK a prestar contas da farmácia. Não se percebe qual é a finalidade, alcance ou interesse desta pretensão. Os factos não provados não assumem nenhum papel ou relevância na decisão da causa – ou na apreciação do recurso de apelação apresentado –, pelo que se mostra desprovido de sentido pretender, no âmbito da impugnação da decisão de facto em sede de recurso, a inclusão de nova factualidade nos factos não provados. O que não está provado é uma inexistência, pelo que é insuscetível de ser considerado, designadamente, no âmbito da apreciação das questões jurídicas suscitadas no recurso interposto pela apelante. Em conformidade, rejeita-se esta parte da impugnação da decisão de facto.
4. Conclusão sobre a impugnação da decisão de facto
Em consequência da procedência parcial da impugnação da decisão sobre a matéria facto, procedemos à seguinte alteração da fundamentação de facto da decisão do mérito da causa, integrando na mesma a alteração e o aditamento acima determinados:
Factos provados: 1. A ré BB é farmacêutica e exerce essa atividade no estabelecimento comercial denominado “Farmácia ...” sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho da Feira, enquanto empresária em nome individual. 2. É a ré BB que exerce a atividade económica por ser a titular do estabelecimento comercial que explora a farmácia e é, também, a diretora técnica da farmácia. 3. Por documento particular autenticado denominado «contrato de associação em participação», outorgado em 2 de Janeiro de 1986, no Primeiro Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, a ali primeira outorgante (BB), na qualidade de associante e a segunda (AA) e terceiro (DD) outorgantes, na qualidade de associados, declararam, além do mais, que “pelo presente escrito celebram entre si, com início em um de Janeiro de mil novecentos e oitenta e quatro e por tempo indeterminado, um contrato de associação em participação, que se regerá pelas cláusulas seguintes (entre outras): “- PRIMEIRO – A primeira é titular de um estabelecimento comercial, destinado à exploração de farmácia, com o respetivo alvará e direito ao arrendamento, instalado no rés do chão de um prédio sito no lugar ..., da freguesia ..., do concelho da Feira, a que de comum acordo atribuem o valor de 1.500.000$00. - SEGUNDO – Para a instalação daquele estabelecimento em equipamento, stock de medicamentos e fundo de maneio, os segunda e terceiro entregaram à primeira, a título de contribuição na associação, que ora constituem, cada um a quantia de 1.500.000$00, em dinheiro, que assim ingressou no património da associante e de que esta oportunamente deu quitação. - TERCEIRO – Associante (BB) e Associados (AA e DD) acordam em atribuir igual valor à contribuição de cada um na presente associação. - QUARTO – A participação da associante (BB) e de cada associado (AA e DD) nos lucros de exploração do estabelecimento é proporcional à contribuição de cada um. - QUINTO – A participação nas perdas é igualmente proporcional à contribuição de cada um, mas limitada, quanto aos associados, à sua contribuição. - SEXTO – Para efeitos do presente contrato, o ano económico coincide com o ano civil. 1º - Até ao dia 31 de Janeiro de cada ano, deve a associante: a) apresentar aos associados os resultados do exercício do ano findo, com indicação clara e precisa de todas as operações; b) apresentar aos mesmos associados proposta de distribuição dos lucros, tendo em conta o critério de proporcionalidade estabelecido no artº. 4. 2º - Caso qualquer dos associados não concorde com o modo como as contas foram prestadas, pode recorrer ao processo especial de prestação de contas, regulado nos artigos 1014 e seguintes do Cód. de Proc. Civil.”. - SÉTIMO – À Associante (BB) compete em especial: a) Ser diligente no exercício da gerência e de nenhum acto de gerência praticar sem consentimento dos associados (…) d) Admitir a associada AA a exercer funções no estabelecimento a tempo inteiro e com caracter de permanência ou em regime de contrato de trabalho, ou como gerente, e, neste caso, mediante a outorga do respectivo mandato, conforme todos os contraentes acharem mais conveniente e mediante uma remuneração fixada por maioria; e) aceitar a remuneração que, pelo exercício das suas funções de gerente e direcção técnica da farmácia, lhe for fixada pela maioria dos contratantes.” * 9.1. Remuneração/ordenado estimada da ré BB pelo exercício das funções de gerente e diretora técnica no montante de 5.000,00 € mensais entre 2006 e 2014 e de 5.300,00 € mensais entre 2015 e 2018. 9.2. Montante de 24.214,53 € a título de reserva de 5% sobre o alegado valor do lucro apurado em cada um dos seguintes anos: - Ano de 2006: 2.544,30 €; - Ano de 2007: 3.742,19 €; - Ano de 2009: 3.886.75 €; - Ano de 2010: 3.078,66 €; - Ano de 2011: 3.855,20 €; - Ano de 2012: 1.938,44 €; - Ano de 2013: 2.637,10 €; - Ano de 2014: 773,76 €; - Ano de 2015: 2.877,61 €; - Ano de 2016: 1.899,81 €; - Ano de 2017: 1.078,38 €; - Ano de 2018: 2.188,81 €. 10. Na hipótese de consideração, como despesa, da rubrica referida em 9.1. para o apuramento do resultado líquido da Farmácia ... considerado para efeitos fiscais, o valor a liquidar pela ré BB a título de IRS [coleta líquida mais sobretaxa extraordinária] referente apenas ao estabelecimento comercial “Farmácia ...” seria de € 1.011.076,84, conforme consta da Versão 5 apresentada no Relatório relativo ao impacto fiscal em sede de IRS dos resultados obtidos pelo estabelecimento, junto ao processo em 19/06/2023.
2. Análise dos factos e aplicação da lei
São as seguintes as questões de direito parcelares a apreciar:
1. Recurso interposto pela ré
Defende a ré apelante, quanto ao julgamento das contas relativas aos resultados do estabelecimento comercial “Farmácia ...” entre 01/01/2006 a 31/12/2018, existir erro da decisão apelada na fixação do saldo positivo em € 1.489.839,69 e na subsequente condenação da ré no pagamento à autora da quantia de € 415.103,68, correspondente a 1/3 daquele valor, já deduzido do montante de € 81.509,55 anteriormente entregues, pelos seguintes fundamentos: a) a falta de dedução ao saldo apurado de acordo com o regime de empresário em nome individual, do valor estimado a título de remuneração do trabalho prestado pela ré, decorrente da indevida desconsideração das especificidades da prestação de contas no caso concreto – prestação de contas efetuada ao abrigo de um contrato de associação em participação –, por não ter a decisão apelada tido em conta as especificidades decorrentes do regime legal regulador do contrato de associação em participação (DL n.º 231/81, de 28 de julho), consistindo o erro na falta de aplicação do regime de prestação de contas especial previsto no referido diploma; b) a decisão de condenação da ré a entregar 1/3 do valor apurado como lucro contabilístico do ENI, sem ter sido ressalvado o seu direito a remuneração, fazendo proceder a pretensão da autora, é violadora dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim económico do direito e do contrato de associação em participação, integra um abuso de direito nos termos previstos no artigo 334.º do Cód. Civil e ignora a existência de uma situação de colisão de direitos; a impugnação pela autora do direito da recorrente a ver deduzido do saldo apurado contabilisticamente um valor de remuneração para a recorrente, obtendo lucro à custa do trabalho da associante, constitui um abuso de direito; c) o direito da ré a remuneração decorre do contrato – e da Constituição da República Portuguesa –, omitindo a decisão recorrida a interpretação da vontade dos contraentes (o que deveria ter efetuado em aplicação do regime previsto nos artigos 236.º a 239.º do Cód. Civil) e a integração das lacunas da lei (art. 10.º do Cód. Civil) para determinação da remuneração prevista no contrato mas não fixada, por recurso aos usos, tal como autorizado pelo artigo 3.º do Cód. Civil, que encontra assento no DL 231/81 (em especial n.º 6 do artigo 25.º) e no Código Comercial (em particular, nos artigos 248.º e 249.º c/ 231.º e 232.º § 1.º), existindo erro da decisão recorrida ao sustentar que «(…) não assiste à Ré o direito a uma remuneração a ser deduzido do valor total dos lucros apurados, para ser repartido o valor do lucro que remanesça a esta dedução . (…)». d) o valor estimado a título de remuneração é justo e adequado porque sustentado nos usos de comércio e no próprio resultado da farmácia.
Defende ainda a ré apelante, quanto à decisão de condenação no pagamento de juros, existir erro da decisão apelada, apenas se vencendo juros após a prestação judicial das contas e incumprimento do pagamento do valor fixado, nos termos do disposto no art. 31.º, n.º 5, do DL n.º 231/81 (ou subsidiariamente, a partir da citação da ré para a ação de prestação de contas), com os seguintes fundamentos: a) a condenação no pagamento de juros excede o objeto da ação de prestação de contas; b) a obrigação de prestar contas é uma obrigação de prestação de facto e ao pedido de condenação na entrega do valor a que tem direito nos lucros a apurar corresponde «(...) uma obrigação de entrega futura de uma coisa (…)», não se estando aqui perante obrigações pecuniárias, não sendo essa a natureza da obrigação prevista na cláusula sexta do contrato, invocada pelo tribunal a quo para a afirmação da existência de mora; c) sempre está em causa uma obrigação ilíquida, não havendo mora enquanto não se tornar líquida e enquanto não ocorrer interpelação e incumprimento.
1.1. Ação de prestação de contas – regime aplicável
Decorre das alegações apresentadas pela apelante alguma confusão na definição do regime aplicável à ação de prestação de contas, parecendo defender a apelante a existência, no DL n.º 231/81 de 28 de julho, que estabelece o Regime Jurídico dos Contratos de Consórcio e de Associação em Participação, de um regime especial de prestação de contas (enquadrável na referência efetuada na sentença apelada à existência de processos especialíssimos de prestação de contas)[3]. Está a apelante claramente equivocada.
A lei processual civil prevê duas formas de processo: o processo comum e o processo especial – art. 546.º do Cód. Proc. Civil. A ação de prestação de contas constitui um processo especial cuja tramitação se encontra prevista e regulada no Título X (Da prestação de contas) do Livro V (Dos processos especiais) do Cód. Proc. Civil, prevendo e regulando os arts. 941.º a 947.º (Capítulo I – Contas em geral) o regime geral do processo especial de prestação de contas, e os arts. 948.º a 952.º (Capítulo II – Contas dos representantes legais de incapazes e do depositário judicial) processos especialíssimos de prestação de contas. Os processos especialíssimos de prestação de contas são, assim, os que se encontram previstos e regulados nos arts. 948.º a 952.º do Cód. Proc. Civil, «(…) na medida em que só regem para a prestação de contas por parte das pessoas aí mencionadas (…)», consagrando estas disposições legais «(…) desvios, ditados sobretudo por razões de proteção dos incapazes, ao regime geral de prestação de contas, aplicando-se residualmente este em tudo o que não seja infirmado pelos arts. 948.º a 952.º. (…)» – cfr. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 401 e 402. Diferentemente do que a ré apelante parece sustentar, o DL n.º 231/81, de 28 de julho, que estabelece o regime jurídico dos contratos de consórcio e de associação em participação, não consagra qualquer regime especial que afaste ou introduza alterações ao regime geral do processo especial de prestação de contas, previsto e regulado nos arts. 941.º a 947.º do Cód. Proc. Civil.
O disposto no art. 31.º (Prestação de contas) [4] do referido DL n.º 231/81, de 28 de julho apenas dispõe sobre a obrigação do associante de prestação de contas decorrente do contrato de associação em participação, e não sobre o processo judicial de prestação de contas. Antes remete expressamente, no caso de falta de cumprimento pelo associante da obrigação aí consagrada de prestar contas (ou de discordância face às contas apresentadas pelo associante), para o recurso ao processo especial de prestação de contas previsto e regulado no Código de Processo Civil (designadamente, para o regime geral de prestação de contas – atualmente – constante dos arts. 941.º a 947.º do Cód. Proc. Civil), como resulta do n.º 4 do referido art. 31.º deste DL.
Daqui decorre que à presente ação de prestação de contas se aplica o regime dos arts. 941.º a 947.º do Cód. Proc. Civil. Destes artigos resulta que esta ação comporta duas fases distintas: uma primeira fase, destinada à apreciação da existência da obrigação de prestação de contas, e uma segunda fase – que apenas ocorre no caso de ser de afirmar a existência da obrigação de prestar contas (no caso, a afirmação da existência de tal obrigação foi efetuada na sentença proferida em 19-06-2019, ref. 107442993, transitada em julgada) – destinada ao julgamento das contas prestadas. O recurso interposto pela apelante versa sobre a decisão proferida no âmbito desta segunda fase, destinada ao julgamento das contas apresentadas pela associante. A este julgamento das contas apresentadas aplica-se o regime previsto nos arts. 944.º e 945.º do Cód. Proc. Civil. Dispõe o n.º 3 do art. 944.º do Cód. Proc. Civil que “As contas são apresentadas em duplicado e instruídas com os documentos justificativos”. Daqui se retira recair sobre o réu – parte obrigada à apresentação das contas, nos termos da decisão proferida na primeira fase da ação, destinada à apreciação da existência da obrigação de prestação de contas (art. 942.º, n.os 3 a 5, do Cód. Proc. Civil) – o ónus da prova da exatidão das verbas das receitas e das despesas. No entanto, na ação de prestação de contas, independentemente da existência de impugnação/contestação pelo autor das contas apresentadas pelo réu (contestação essa que pode ter os fundamentos previstos no n.º 2 do art. 945.º do Cód. Proc. Civil), cabe sempre ao juiz julgar as contas de acordo com o critério do prudente arbítrio, após a produção dos meios de prova para tanto necessários – n.os 3, 4 e 5 do art. 945.º, Cód. Proc. Civil. Dispõe o n.º 5 do art. 945.º do Cód. Proc. Civil que «O juiz ordena a realização de todas as diligências indispensáveis, decidindo segundo o seu prudente arbítrio e as regras da experiência, podendo considerar justificadas sem documentos as verbas de receita ou de despesa em que que não é costume exigi-los.». Da conjugação do disposto nos referidos n.º 3 do art. 944.º e n.º 5 do art. 945.º do Cód. Proc. Civil emerge a relevância probatória da apresentação dos documentos justificativos das despesas apresentadas (designadamente, quando está em causa a apresentação de contas pela parte obrigada a tal apresentação). É a prova documental um meio probatório essencial para a justificação das despesas apresentadas. Com efeito, sendo certo que a «(…) falta de junção de documentos justificativos não constitui fundamento para a rejeição da contas (…)», tal falta de junção pode «(…) conduzir a julgar-se não justificadas as despesas apresentadas por não se verificar a hipótese prevista na parte final do artigo 945.º, n.º 5, ou seja, serão consideradas injustificadas as despesas salvo se se tratar de despesas em que não seja costume exigir documento comprovativo/de quitação.» – cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, Almedina, 2017, pág. 154. O critério de julgamento das contas exige a existência/apresentação de «(…) elementos dotados de um mínimo de consistência. (…) O prudente arbítrio do julgador tem de ser entendido como pressupondo uma apreciação jurisdicional necessariamente “não arbitrária”, efetuada segundo critérios de ponderação e razoabilidade, que oriente os critérios de conveniência e de oportunidade que estão na sua base sempre em função da realização dos fins do processo (a justa composição do litígio com respeito pelos direitos e garantas processuais das partes).» – Luís Filipe Pires de Sousa, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, Almedina, 2017, pág. 149. Como é referido no Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 20-02-2025, proc. 6191/07.2TBVNG-A.P1, «(…) prudente arbítrio não é livre arbítrio, não só pela razão de que a prudência pressupõe um cuidado e uma atenção que a plena liberdade de actuação recusa, mas essencialmente pela razão de que nenhuma decisão judicial pode ser proferida com base no livre arbítrio. Cremos também que não se deve confundir prudente arbítrio com equidade. O juízo de equidade contrapõe-se ao juízo de legalidade, sendo por isso ambos conceitos que nos dizem se o juiz deve aplicar a legalidade estrita ou procurar a solução jurídica ajustada ao caso concreto, afastando-se, se necessário, da solução legal se tal for necessário para alcançar uma solução equidistante, ajustada, modelada pelas particularidades do caso. Já o juízo de prudente arbítrio reporta-se à apreciação da materialidade subjacente e, portanto, tem mais a ver com o apuramento dos factos do que propriamente com a aplicação do direito aos mesmos. Assim, para decidir se determinada despesa ou receita foi praticada ou recebida, o juiz deve actuar com prudente arbítrio, mas já será de acordo com critérios de legalidade estrita que lhe caberá decidir se a mesma, uma vez averiguada a verba, está compreendida no âmbito da obrigação. Cremos pois que o prudente arbítrio a que a lei se reporta significa essencialmente que perante matéria que pode ser difícil de apurar, em que é relativamente frequente que não haja documentação de suporte e em que, de acordo com as regras da experiência, é possível admitir com relativa facilidade a ocorrência de receitas ou despesas de determinada índole mesmo que não documentadas por serem comuns no exercício da administração, o juiz deve ser ponderado, razoável, cuidadoso, não especialmente exigente ou condescendente, usar abundantemente as regras da experiência e os ensinamentos da vida e procurando com elas suprir as dificuldades probatórias inseparáveis da matéria em jogo, abstraindo das regras do ónus da prova e procurando aproximar o mais possível a decisão daquilo que é normal que aconteça, sem submeter a posição de qualquer das partes a riscos especiais. Não lhe cabe decidir como quer, livremente e sem critério que não o próprio, cabe-lhe decidir fazendo especial apelo a regras de experiência, à prudência, à razoabilidade. (…)». Este critério do prudente arbítrio reporta-se, assim, à decisão sobre a prova da existência de receitas e/ou da realização de despesas impugnadas, ou seja, no âmbito da «(…) apreciação das provas pelo juiz, devendo este utilizar dados da experiência comum, permitindo-lhe valorar a prova trazida para os autos em termos bastante mais flexíveis do que numa mera análise estrita da prova, segundo os critérios de certeza judicial (…)» – assim, Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-12-2015, proc. 423/08.7TBLMG.C1. No caso em análise, atenta a configuração que a questão assume no processo – (in)admissibilidade de consideração, no âmbito da ação de prestação de contas, do valor que a apelante considera dever ser considerado como despesa, correspondente à estimada retribuição da atividade por si desenvolvida como diretora técnica e gerente do estabelecimento de farmácia –, não se está perante uma questão de apreciação dos meios de prova da realização dessa despesa, a valorar de acordo com o critério do ‘prudente arbítrio’ plasmado no n.º 5 do art. 945.º do Cód. Proc. Civil, mas antes – de resto, como a apelante defende no recurso de apelação – perante uma questão jurídica. Acresce que, diferentemente do que a apelante defende, o critério de julgamento previsto no n.º 5 do artigo 945.º do Cód. Proc. Civil não permite o que a apelante defende ao longo das suas extensas alegações: corrigir o alegado desequilíbrio contratual emergente do contrato de associação em participação celebrado e do regime jurídico regulador da atividade desenvolvida pela associante mediante a consideração como despesa realizada de despesas ficcionadas – a estimada retribuição da associante, aqui ré apelante –, ou seja, de despesas que não ocorreram efetivamente. Daqui resulta ser correta a afirmação, efetuada na decisão recorrida e impugnada pela aqui apelante no recurso em apreciação, de que «(…) o prudente arbítrio do juiz previsto no n.º 5 do artigo 945.º do CPC não permite que o decisor possa criar novas verbas da receita ou da despesa que não tenham efetivamente existido (…)».
Feitas estas considerações, passamos a apreciar, em concreto, se dos termos da relação jurídica da qual emerge a já afirmada obrigação de prestação de contas – contrato de associação em participação – e da circunstância da ré explorar o estabelecimento como empresária em nome individual, resulta existir erro da decisão recorrida quanto à não consideração como despesa da remuneração estimada da ré (despesa essa incluída nas contas por si apresentadas e impugnada pela autora) .
1.2. Prestação de contas decorrente de contrato de associação em participação
Defende a ré apelante, sumariamente, que a decisão recorrida errou por desconsideração do regime legal regulador do contrato de associação em participação do qual resulta a obrigação de prestação de contas, defendendo ainda que a mesma decisão, ao “desconsiderar que o trabalho da associante, a Recorrente, farmacêutica, e titular do estabelecimento comercial – farmácia –, não influi no valor a distribuir entre a associante – a Ré – e os associados – entre os quais a Autora”, viola o direito da ré apelante à remuneração do trabalho por si desenvolvido – direito esse previsto no contrato celebrado. Já acima se deixou devidamente esclarecido que o DL n.º 231/81, de 28 de julho, que estabelece o regime jurídico dos contratos de consórcio e de associação em participação, não consagra qualquer processo especial de prestação de contas. Acresce que, diferentemente do que sustenta a apelante, nem o contrato de associação em participação celebrado nem o regime regulador de tal contrato constante do DL n.º 231/81, de 28 de julho, permitem que na presente ação de prestação de contas se considere uma retribuição que não existiu e que não foi paga. A apelante sustenta a sua discordância na invocação do seu direito a remuneração, no âmbito da relação jurídica emergente do contrato celebrado, considerando o trabalho por si desenvolvido na atividade de exploração do estabelecimento “Farmácia ...”. Emerge do contrato de associação celebrado que a ré apelante, como associante, e a autora e o terceiro contraente, DD, como associados, celebram um contrato de associação em participação que se rege pelas cláusulas aí estabelecidas. Nas cláusulas primeira e segunda é estabelecido que a ré apelante é a titular de um estabelecimento comercial destinado à exploração de farmácia, com alvará e direito de arrendamento, a que as partes atribuem o valor de 1.500.000$00 e que para a instalação de tal estabelecimento em equipamento, stock de medicamentes e fundo de maneio, os associados entregaram à associante, a título de contribuição na associação que constituem, cada um a quantia de 1.500.000$00 em dinheiro, que aquela recebeu. Na cláusula terceira as partes acordam em atribuir igual valor à contribuição de cada um na associação e na cláusula quarta estabelecem que a participação da associante e dos associados nos lucros da exploração do estabelecimento é proporcional à contribuição de cada um. Daqui resulta que, de acordo com o contrato celebrado, cada um contribuiu para a associação com o valor de 1.500.000,00 e a participação de cada um nos lucros corresponde a 1/3. É este, e só este, o significado da cláusula quarta do contrato. Não só são irrelevantes como nem fazem sentido, no âmbito do contrato de associação em participação que foi celebrado, todas as considerações expendidas pela ré quanto ao facto de ser à custa do trabalho por si desenvolvido na farmácia que são obtidos os lucros a dividir nos termos estipulados no contrato, parecendo procurar retirar dessa circunstância ser a sua contribuição distinta da dos associados – e tal dever ser tido em consideração para efeitos de distribuição dos lucros da atividade (no caso, retirando aos lucros a distribuir o valor que considera dever ser a justa remuneração da apelante pela atividade de exploração da farmácia por si desenvolvida, como diretora técnica da farmácia e na gestão desta). É que o contrato de associação em participação consiste precisamente na associação de uma ou mais pessoa/s – no caso, dos associados AA e DD – à atividade económica desenvolvida por outra pessoa – no caso, à atividade económica de exploração do estabelecimento “Farmácia ...” pela autora (associante) –, ficando os associados a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que resultarem dessa atividade económica desenvolvida pela associante (art. 21.º, n.º 1 e n.º 2, do DL n.º 231/81, de 28 de julho). De acordo com o regime jurídico do contrato de associação em participação, sobre o associante recaem inúmeros deveres, inclusive para com os associados (art. 26.º do DL n.º 231/81, de 28 de julho); já a contribuição do associado é a prestação ou obrigação a prestar uma contribuição de natureza patrimonial (art. 24.º do DL n.º 231/81, de 28 de julho). Assim, é inerente à própria essência do contrato de associação em participação que o desenvolvimento da atividade económica gerador dos lucros a distribuir seja efetuada pelo associante.
Não tem, pois, qualquer fundamento a invocação da possibilidade de consideração de uma despesa estimada – não realizada – com fundamento no disposto no arts. 25.º e no n.º 3 do art. 31.º do DL n.º 231/81, de 28 de julho, nem estas disposições legais consagram qualquer desvio ao regime geral de prestação de contas estabelecido no Cód. Proc. Civil.
Defende ainda a apelante que a decisão recorrida desconsidera a “previsão expressa de remuneração para a Recorrente no Contrato” e que o não abatimento ao lucro contabilisticamente apurado da parte correspondente configura “enriquecimento ilícito e injustificado da Recorrida, em detrimento do empobrecimento da Recorrente”. Prevê o contrato, quanto a remuneração da associante, na al. e) da sua cláusula Sétima, que «[à] Associante (…) compete em especial (…) e) – aceitar a remuneração que, pelo exercício das suas funções de gerente e direcção técnica da farmácia, lhe for fixada pela maioria dos contraentes.”».
O que a ação de prestação de contas visa é o apuramento do montante das receitas e das despesas que efetivamente foram cobradas ou efetuadas e do saldo delas resultante, com a eventual condenação no pagamento do saldo apurado [5], conforme resulta do disposto no art. 941.º do Cód. Proc. Civil. Conforme é referido por Luís Filipe Pires de Sousa, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, Almedina, 2017, pág. 140, «[a]penas pode discutir-se na ação de prestação de contas o valor ou a inscrição de receitas alegadamente efetivas e não de receitas ou despesas não realizadas efetivamente, virtuais.» – que é o que a aqui apelante pretende. Escapam ao âmbito e escopo da ação de prestação de contas questões atinentes à apreciação do direito da recorrente a remuneração (incluindo a sua fixação), ao (in)cumprimento ou ao invocado enriquecimento sem causa. Acresce que não havendo qualquer pronúncia sobre o alegado direito da mesma a retribuição, por ser questão cuja apreciação não cabe no âmbito da presente ação, falecem os argumentos da violação desse direito, com proteção legal e constitucional, pela decisão recorrida. Concluímos, deste modo, pela improcedência do recurso quanto à requerida subtração ao saldo contabilístico da pretendida despesa virtual consistente no estimado valor de remuneração ‘justa’ da apelante pelo exercício das funções de direção técnica e de gestão do estabelecimento “Farmácia ...” – neste sentido, Acórdão do STJ de 16-02-2016, proc. 17099/98.0TVLSB.L1.S1.
1.3. Condenação no pagamento de juros
A sentença recorrida, considerando o teor da cláusula sexta do contrato, entendeu serem devidos juros de mora sobre a parte da autora no resultado líquido de cada ano “desde a data em que deviam ser prestadas as contas uma vez que a Ré BB estava obrigada a prestar contas até ao dia 31 de Janeiro de cada ano”. Defende a apelante existir erro nesta decisão, por: - Não caber no objeto da ação de prestação de contas a condenação no pagamento de juros; – A obrigação de prestar contas ser uma obrigação de facere; – O pedido “para lhe ser entregue o valor a que tem direito nos lucros que se viessem apurar” ser uma obrigação de entrega de coisa futura; – Só há obrigação pecuniária líquida com a fixação do valor do saldo positivo que a recorrente foi condenada a pagar à recorrida; – Por força do disposto no artigo 31.º, n.º 5, do DL n.º 231/81, só após a prestação judicial das contas é que se pode exigir o pagamento de juros de mora, caso haja incumprimento no pagamento do valor fixado. – Só há mora após interpelação, pelo que sempre os juros só seriam devidos a partir da citação para a ação, por ser esse o momento da interpelação da ré para prestar contas.
Não colhe a primeira objeção da apelante à decisão de condenação no pagamento de juros. Como já ficou dito na nota 5, «(…) a ação de prestação de contas é, por natureza, uma ação de condenação que segue a forma de processo especial (…)», sendo, por conseguinte, a condenação no pagamento de juros compatível com o pedido de condenação no pagamento da quantia correspondente ao saldo apurado.
A mora consiste no atraso no cumprimento da obrigação, gerando o direito a indemnização – art. 804.º do Cód. Civil. Sobre o momento ad constituição em mora, dispõe o art. 805.º do Cód. Civil.
Da Cláusula Sexta, § 1.º, do contrato celebrado, resulta que sobre a associante recai a obrigação de, até ao dia 31 de janeiro de cada ano, apresentar aos associados os resultados do exercício do ano findo, com indicação clara e precisa de todas as operações (al. a)) e de apresentar aos mesmos associados proposta de distribuição dos lucros, tendo em conta o critério de proporcionalidade estabelecido no art. 4.º (al. b)). Há, pois, atraso da ré no cumprimento da obrigação de prestar contas. No entanto, esta mora reporta-se à obrigação de prestar contas. No caso em apreciação, a autora recorreu à ação judicial de prestação de contas, com vista ao cumprimento dessa obrigação de apresentação das contas. É no âmbito da ação – nomeadamente, com a decisão judicial proferida em primeira instância – que se constitui a obrigação de pagamento do saldo apurado. Só com o apuramento do valor do saldo é que a obrigação de pagamento se torna líquida, havendo mora a partir da determinação (liquidação) do valor do saldo assim apurado. Neste sentido, cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-12-2012, proc. 3944/04.7TVLSB.L2-7 – “(…) [O] incumprimento da obrigação de prestar contas não determina, por si só, que o cabeça-de-casal incorra em mora pela não distribuição de eventual saldo positivo que decorra da administração dos bens da herança. O incumprimento de tal dever submete-o, sim, desde logo, à situação de ser forçado a fazê-lo através de um processo que tem por finalidade a sua condenação no pagamento de eventual saldo que no âmbito desse processo venha a ser apurado Só após esse apuramento se mostra líquida a obrigação de pagamento do saldo e, como tal, a partir daí poderá o devedor incorrer em mora. (…)». Como é referido no Acórdão do STJ de 25-03-2025, proc. 1510/14.8TMLSB-D.L1.S1, «[a] existência de mora pressupõe (…) o incumprimento de uma obrigação que, no caso [das ações de prestação de contas], não existe até ao momento do apuramento de um saldo credor, havendo sempre que contar com a possibilidade de não vir a apurar-se um saldo credor mas um saldo devedor em prejuízo do interessado na prestação de contas. Assim, até ao momento do apuramento de um saldo credor não existe qualquer mora que possa justificar uma contagem de juros, sendo que estes apenas serão de contabilizar após o apuramento do saldo credor que ocorre aquando da prestação de contas (cfr. art. 806º, nº 1, do CC). (…)».
No caso em análise, há ainda que ter em consideração o disposto no art. 31.º, n.º 5, do DL n.º 231/81, de 28 de julho, que expressamente estabelece que «(…) A participação do associado nos lucros ou nas perdas é imediatamente exigível, caso as contas tenham sido prestadas judicialmente; (…)». Tal ocorre na data em que foram julgadas as contas apresentadas e fixado o saldo em cujo pagamento a ré foi condenada (sentença proferida pela primeira instância), sendo essa a data a partir da qual a obrigação pecuniária assim liquidada vence juros – neste sentido, cfr. Ac. deste Tribunal da Relação do Porto de 25-01-2022, proc. 26582/17.0T8PRT-B.P1. Em conformidade, procede nesta parte a apelação quanto ao momento a partir do qual são devidos juros de mora, sendo de alterar a decisão recorrida no sentido de os juros de mora serem devidos desde a data do apuramento do saldo credor (data da sentença proferida em primeira instância) até efetivo e integral pagamento.
2. Recurso interposto pela autora
Defende a autora que a sentença recorrida errou ao considerar que a ré pagou em impostos (IRS) relativamente aos anos fiscais de 2006 a 2018 a quantia de € 1.170.858,84 e não o valor de € 667.058,49, que é o valor que a própria ré indicou no requerimento apresentado em 03-09-2020 (ref. 10474870), alegando que estas são as despesas reais de impostos que deviam ter sido consideradas, em vez do valor de € 1.170.858,84 resultante de uma ficção – por ter sido retirada da versão 3 do relatório pericial complementar, que “(…) apenas calcula o imposto (IRS) devido exclusivamente pelos rendimentos obtidos pelo estabelecimento e exclui todas as outras variáveis que pouco ou nada têm a ver com o mesmo (…), [considerando] apenas a empresária como única titular de rendimentos e como não casada (…)”.
2.1. Falta de impugnação da decisão de facto 2.2. Manifesta falta de fundamento do recurso
3. Responsabilidade pelas custas
A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art. 25.º do Regulamento das Custas Processuais). A responsabilidade pelas custas do recurso de apelação da ré cabe a ambas as partes, na proporção de 70% para a ré apelante e de 30% para a autora apelada (art. 527.º do Cód. Proc. Civil). A responsabilidade pelas custas do recurso de apelação da autora cabe à autora apelante, por ter ficado vencida (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).
IV – Dispositivo:
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso de apelação interposto pela autora e parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela ré e, em consequência, acorda-se em alterar a decisão recorrida quanto aos termos da condenação no pagamento de juros de mora, determinando-se que os juros de mora à taxa de juros legais, nos termos fixados na sentença apelada, se vencem a partir da data da sentença apelada sobre a quantia de € 415.103,68 e até integral pagamento, no mais se mantendo a sentença apelada. Custas do recurso de apelação interposto pela autora apelante a cargo desta, por ter ficado vencida. Custas do recurso de apelação interposto pela ré apelante a cargo de ambas as partes, na proporção de 70% para a ré apelante e de 30% para a autora apelada.
Notifique. *** Ana Luísa Loureiro Manuela Machado António Carneiro da Silva ________________ [1] Alegou no requerimento de 20-04-2022 (ref. 12895950) designadamente, que “(…) desde que a Farmácia foi aberta a Ré BB é a Diretora Técnica e Gerente da Farmácia ..., tendo sempre recebido remuneração pelas duas funções que exerce (o que de resto decorre do contrato de associação em participação. Vd alínea e) da cláusula sétima do contrato).”; que “(…) a Ré sempre apresentou Declarações de Rendimentos e IES como ENI, nos termos legais, o que significa dizer que, pese embora receba remuneração pelas referidas funções, atendendo ao regime aplicável a uma empresária em nome individual a sua remuneração não era e nem poderia ser lançada/refletida em tais Declarações.”, e que “(…) até certa altura, era o associado Pai da Ré e da Autora quem distribuía os valores entre associados e associante, tendo sempre deduzido do valor a distribuir, o montante da remuneração da Ré que por limitação legal não era lançado nas Declarações de Rendimentos da Ré e de IES (…).” – realce e sublinhado nossos. [2] Veja-se a transcrição de parte do seu depoimento efetuada nas alegações de recurso: [00:00:19] Meritíssima Juiz: (…) uma das questões que foram levantadas para a D. BB esclarecer, é relativamente ao vencimento que auferia ou não auferia por trabalhar na... por ser gerente e diretora técnica da farmácia. O que é que me quer dizer sobre isso? Recebia, não recebia? Havia algum vencimento? [00:00:50] BB: Não havia vencimento. Eu retirava dinheiro conforme necessitava. [00:00:55] Meritíssima Juiz: Mas isso correspondia a um vencimento ou não? [00:00:57] BB: Não, não. [00:00:59] Meritíssima Juiz: Então, não havia vencimento? [00:01:00] BB: Não havia vencimento. Consoante precisava, levantava dinheiro, como sempre assim fiz. Durante 40 anos de atividade, assim fiz. (…) [00:02:46] Meritíssima Juiz: ...nunca foi fixado salário nenhum... [00:02:47] BB: Não, não. [00:02:48] Meritíssima Juiz: ...e, portanto, nunca retirou um salário da farmácia, então? Quer dizer, retirava o dinheiro, mas... [00:02:52] BB: Não. Eu retirava consoante precisava. [00:02:54] Meritíssima Juiz: ...mas sem considerar isso um salário. Para si, não era um salário? [00:02:57] BB: Sem considerar isso um salário. [00:03:00] [3] Veja-se a acentuação, efetuada pela apelante, às referências efetuadas no trecho inicial da fundamentação de direito da sentença apelada, à existência de um «(…) processo especial “geral” de prestação de contas (…)» e aos «(…) processos “especialíssimos” dessa prestação.», e a subsequente afirmação de que «(…) o tribunal a quo considerou a prestação de contas destes autos uma normal prestação de contas, e não uma prestação de contas especial, regulada, também, pelo [DL 231/81] (…)». [4] Artigo 31.º (Prestação de contas) 1 - O associante deve prestar contas nas épocas legal ou contratualmente fixadas para a exigibilidade da participação do associado nos lucros e nas perdas e ainda relativamente a cada ano civil de duração da associação. 2 - As contas devem ser prestadas dentro de prazo razoável depois de findo o período a que respeitam; sendo associante uma sociedade comercial, vigorará para este efeito o prazo de apresentação das contas à assembleia geral. 3 - As contas devem fornecer indicação clara e precisa de todas as operações em que o associado seja interessado e justificar o montante da participação do associado nos lucros e perdas, se a ela houver lugar nessa altura. 4 - Na falta de apresentação de contas pelo associante, ou não se conformando o associado com as contas apresentadas, será utilizado o processo especial de prestação de contas regulado pelos artigos 1014.º e seguintes do Código de Processo Civil. 5 - A participação do associado nos lucros ou nas perdas é imediatamente exigível, caso as contas tenham sido prestadas judicialmente; no caso contrário, a participação nas perdas, na medida em que exceda a contribuição, deve ser satisfeita em prazo não inferior a quinze dias, a contar da interpelação pelo associante. [5] «O pedido de prestação de contas envolve necessariamente um pedido de condenação no eventual saldo final, podendo dizer-se que a ação de prestação de contas é, por natureza, uma ação de condenação que segue a forma de processo especial.» - cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, p. 165 |