Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1349/22.7T8PNF-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: DECISÃO SOBRE RECLAMAÇÃO APRESENTADA À PERÍCIA MÉDICA
NÃO INTEGRAÇÃO NA PREVISÃO DAS ALÍNEAS D) E K)
DO N.º 2
DO ARTIFGO 79
º-A
DO CPT
Nº do Documento: RP202403181349/22.7T8PNF-B.P1
Data do Acordão: 03/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A decisão que conheça de reclamação apresentada à perícia médica, acolhendo ou denegando aquela, não é uma decisão de admissão ou rejeição de um meio de prova, suscetível de ser enquadrada na previsão da alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º-A do CPT.
II - Essa decisão também não se integra na previsão da alínea k), do n.º 2 do mesmo artigo, pois que a inutilidade a que essa se reporta há de produzir um resultado irreversível quanto ao recurso, retirando-lhe toda a eficácia dentro do processo, não bastando, por isso, uma inutilização de atos processuais para justificar a subida imediata do recurso.
III - Em face do regime referido em I e II, tal decisão cai então no regime que se encontra previsto nos n.ºs 3 a 5 desse mesmo normativo, apenas podendo ser impugnada com o recurso que venha a ser interposto da decisão final.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação / processo n.º1349/22.7T8PNF-B.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo do Trabalho de Penafiel - Juiz 4

Recorrente: A..., Unipessoal, Lda.,

Recorrido: AA

_______

Nélson Fernandes (relator)

Teresa Sá Lopes

Rui Penha

Conferência – artigo 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

1.

1. Nos presentes autos de processo especial por acidente de trabalho, determinada a abertura do apenso para fixação de incapacidade, proferido despacho a designar data para tais efeitos, despacho esse em que se fixou o respetivo objeto, veio a realizar-se a junta médica, em 11 de maio de 2023, na qual os Peritos responderam aos quesitos que haviam sido formulados, nos termos constantes do respetivo auto.

Notificada, apresentou a Entidade responsável, A..., Unipessoal, Lda.,, em 23 de maio de 2023, requerimento solicitando que fossem notificados “os Srs Peritos para responderem aos esclarecimentos acima solicitados, complementando e esclarecendo o relatório da junta médica, com as legais consequências.”

Com data de 18 de setembro de 2023 o Tribunal de 1.ª instância proferiu decisão com o teor seguinte:

“O presente apenso foi aberto por decisão proferida nos autos principais, nos termos do disposto nos artigos 132º nº 1 e 131º nº 1 alínea e) do CPT.

Realizada a junta médica, consideraram os Ex.mos peritos por unanimidade que o sinistrado, por força do acidente sofrido, é portador de lesões que lhe determinam uma incapacidade permanente absoluta.

Cumpre proferir decisão, nos termos do estabelecido no artigoº 140º nº 2 do CPT.

Tendo em conta o parecer unânime dos peritos, bem como a resposta aos quesitos formulados, e atendendo aos demais elementos trazidos ao processo, nada há que habilite o tribunal a discordar da conclusão a que chegaram os Ex.mos Peritos, pelo que é de subscrever o grau de incapacidade por eles arbitrado. Assim, considero o sinistrado portador de incapacidade permanente parcial desde o dia imediato ao da alta.

Custas a determinar a final.

Notifique.”

Notificada da referida decisão, apresentou a Entidade responsável, com data de 22 de setembro de 2023, requerimento em que arguiu a nulidade dessa decisão.

2. Com data de 17 de outubro de 2023 o Tribunal proferiu despacho com o teor seguinte:

“Assiste razão à entidade responsável, relativamente à omissão de pronúncia relativamente ao seu pedido de esclarecimentos de 23/05/2023 (ref.ª 8804514), que se passa a suprir de imediato.

A resposta por remissão, por parte dos peritos, é esclarecedora, sendo certo que a nota de alta discrimina a história clínica, e as sequelas atuais encontram-se descritas na resposta ao quesito 2, de fls. 122, mais se verificando que a IPA não foi atribuída por valorização da mesma, mas sim por força do período de ITA.

Quanto ao mais, as respostas dos peritos são cabais e unânimes, configurando o requerimento da entidade responsável uma manifestação de discordância.

Contudo, conforme já se deixou expresso, nada há que habilite o Tribunal a discordar de tais conclusões, sendo o relatório explícito e suficiente para a fixação da incapacidade de que sofre o sinistrado.

Pelo exposto, indefere-se o pedido de esclarecimentos.

Suprida a omissão de pronúncia e verificado que a mesma não teve influência na prolação do despacho de 18/09/2023, indefere-se a arguição de nulidade do mesmo.

Sem custas, atenta a simplicidade.

Notifique.”

2.1. Dizendo-se inconformada com a decisão, apresentou a Entidade responsável requerimento de interposição de recurso, invocando para a admissibilidade o disposto nas alíneas d) e j) do n.º 2 do artigo 79.º-A do Código de Processo do Trabalho (CPT), finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1- O despacho datado de 17/10/2023 com a ref.ª citius 93256484 contém uma incorreta aplicação do Direito na parte onde indeferiu o articulado de pedido de esclarecimentos formulado nos autos por requerimento de 23/05/2023, com a ref.ª citius 8804514, violando o disposto nos art.º 341.º CC e art.ºs 3.º, n.º 3, 5.º, 410.º. 411.º, 484.º e 485°, n° 2, todos do CPC, e bem assim os princípios do contraditório e do processo justo e equitativo, ínsitos nos art.ºs 20.º, n.º 4 da CRP e do já aludido art.º 3.º do CPC.

2- A recorrente, após notificação judicial para o efeito, reclamou do auto de junta médica, em tempo, pedindo os esclarecimentos constantes do requerimento de 23/05/2023, ref.ª citius 8804514, imputando ao relatório “deficiências, contradições e falta de fundamentação das respostas dadas, as quais impedem a compreensão do mesmo”.

3- Por via do despacho recorrido o Tribunal indeferiu essa diligência de prova por entender verificar-se uma desnecessidade dos esclarecimentos pretendidos, entendendo verificada a suficiência das respostas já prestadas em sede de auto de exame de junta médica, como se infere do despacho proferido e aqui em crise.

4- A elaboração de um tal juízo de utilidade ou necessidade de prova por parte do Meritíssimo Juiz a quo quando se coloca em causa uma perícia que se socorre (única e exclusivamente) da reconversão legal (e não clínica) da ITA em IPA, apesar do processo constar uma alta hospitalar do Centro Hospitalar ..., EPE datada de 17/11/2020 (para que remete a própria junta médica!), bem assim um anterior exame médico-legal atribuindo incapacidade permanente parcial de 21,5325%; com data de consolidação médico-legal das lesões em 06/07/2021, põe à evidência a fragilidade do decidido indeferimento da admissão daquela diligência de prova.

5- Mostrando-se no presente caso os esclarecimentos solicitados uteis, necessários e essenciais para a descoberta da verdade e boa decisão da causa e para necessária perceção das razões de ciência dos Srs. peritos nas respostas dadas.

6- Resulta da leitura do auto de junta médica que os Srs Peritos, por unanimidade, respondem aos quesitos baseando-se exclusivamente no decurso do tempo (a que alude o art.º 22.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 4/9) – tempo esse que ficcionam -, sem contudo fundamentarem do ponto de vista médico/clínico as suas respostas, que se revestem, assim, meramente genéricas e conclusivas e sem sustento fático e/ou clínico, e nessa medida deficientes e impercetíveis para o sinistrado.

7- Isto porque os Sr.s Peritos no relatório apenas “descrevem” as lesões que o sinistrado sofreu com o acidente por mera remissão para o relatório de alta hospitalar;

8- Os Srs. Peritos “concluem”, sem mais, ou seja, sem qualquer juízo clínico ou objetivo - sequer de (re) avaliação do sinistrado, por exame objetivo -, que este se encontra em ITA desde 30/10/2020, sem igualmente fundamentarem do ponto de vista médico/clínico e bem documental tal resposta, tal hiato temporal e inclusive contrariando o prévio juízo médico-legal singular;

9- O relatório apresentado pelos Srs Peritos é completamente omisso quanto à resposta aos quesitos 1, in fine e 3.º do Tribunal e bem assim quanto à resposta aos quesitos 3.º, 4.º e 5.º da recorrente, não atribuindo sequer incapacidade ao sinistrado, nem integrando as sequelas na TNI, conforme lhes competia, nem indicando as razões por que o não fez.

10- Ora, na junta médica os Srs Peritos têm o dever de fixar as sequelas e fixar o grau de incapacidade para o trabalho, operações incindíveis, e que não foram realizadas pelos Sr.s peritos!

11- O exposto nas conclusões anteriores foi questionado aos Sr.s peritos no requerimento de reclamação ao mesmo acima indicado, e indeferido pelo despacho recorrido.

12- Conforme requerido pela recorrente, e indeferido pelo despacho recorrido, os Sr.s peritos não fundamentam a aplicação do art.º 22.º da Lei n.º 98/2009 de 4/9, que diz respeito à conversão da incapacidade temporária em permanente, dispositivo esse que prescreve que «a incapacidade temporária converte-se em permanente decorridos 18 meses consecutivos, devendo o perito médico do tribunal reavaliar o respetivo grau de incapacidade (n.º 1)», mais prescrevendo que «aquele prazo pode ser prorrogado pelo Ministério Público até ao máximo de 30 meses, a requerimento da entidade responsável, ou do sinistrado, se se verificar que a este está a ser prestado o tratamento clínico necessário (n.º 2)».

13- Conforme requerido pela recorrente, e indeferido no despacho recorrido, os Sr.s peritos deviam explicar porque razão determinaram o estado de ITA ao sinistrado, a sua duração e bem assim o grau de incapacidade atribuído, na (re)ponderação da sua situação atual no âmbito da eventual designada IPA.

14- Conforme requerido pela recorrente, e indeferido no despacho recorrido, os Sr.s peritos deveriam explicar, porque não se percebe sequer, nem tem qualquer sustento nos autos, a referência aos aludidos “30 meses ininterruptos de ITA”, “fixada” assim ao arrepio da lei, posto que inexiste qualquer prorrogação de qualquer prazo por parte do MP, muito menos esse pedido por parte da entidade responsável ou do próprio sinistrado!

15- Dos autos principais, desde o início do processo, até à data de entrada do petitório, datada de 10/1/2023 (para além das referências insertas no relatório médio legal, como de disse, datado de 13/10/2022), nenhum tratamento médico ou clinico é mencionado nos autos justificativo do enquadramento de ITA de 18 meses, muito menos nos aludis 30 meses (cujos requisitos legais não estão de todo cumpridos!), revestindo-se assim o auto de junta médica contraditório, deficiente e impercetível para o sinistrado.

16- Ademais, do citado preceito art.º 22.º da Lei n.º 98/2009 de 4/9 não decorre que a conversão do grau de incapacidade temporária em permanente seja automática, uma vez que exige que o perito médico reavalie o respectivo grau de incapacidade, significando isto que tal reavaliação produz os mesmos efeitos da determinação da alta, nomeadamente quanto aos vencimentos das respetivas pensões (Cfr. n.º 1 do artigo 22.º da citada lei).

17- O que se converte por força do regime estabelecido no citado art.º 22º da Lei n.º 98/2009 de 4/9 é a natureza da incapacidade (que passa de temporária a permanente), mas não o grau dessa incapacidade, que tem de ser fixado!

18- A aludida passagem de incapacidade temporária absoluta para incapacidade permanente absoluta pelo decurso do tempo, resulta da lei, nada tem de juízo técnico médico, tratando-se antes de uma ficção jurídica, subtraída à apreciação dos Sr.s peritos!

19- Não é do todo despicienda essa questão, na medida em que o cálculo a efetuar é diverso quer esteja em causa uma situação de IPA para qualquer trabalho ou IPATH, ou seja, apenas para o trabalho, e bem assim o próprio grau de incapacidade que também tem repercussões no valor da pensão e na sua possibilidade ou não de remissão.

20- Assim, resulta claro que as respostas dos Sr.s peritos constantes do relatório e que foram objecto do pedido de esclarecimentos agora indeferido são obscuras, imprecisas e deficientes, nada esclarecedoras daquilo que constitui os quesitos apresentados e o objeto da junta médica assim determinada, em especial até pelos quesitos elencados pelo Tribunal!

21- Todos os esclarecimentos peticionados no requerimento formulado pela recorrente consubstanciam a prática de uma diligência totalmente pertinente e essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, e cuja decisão de rejeição ora em crise contende com os princípios do contraditório e com a admissibilidade dos meios probatórios, inclusive, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 630.º, n.º 2 do CPC.

22- Em face das obscuridades, imprecisões, contradições e deficiências de que o relatório da junta médica padece, e que se pretendiam ver esclarecidas, as quais foram tomadas por unanimidade, s.m.o. e salvo o devido respeito, entende a recorrente que deveria o Tribunal a quo oficiosamente ter requerido a prestação desses mesmos esclarecimentos (cfr. art. 485.º, n.º 4 do CPC), e nunca decidir pelo seu indeferimento.

23- Violou assim o despacho recorrido o disposto nos art.º 341.º CC e art.ºs 3.º, n.º 3, 5.º, 410.º. 411.º, 484.º e 485°, n° 2, todos do CPC, e bem assim os princípios do contraditório e do processo justo e equitativo, ínsitos nos art.ºs 20.º, n.º 4 da CRP e do já aludido art.º 3.º do CPC, sendo que a procedência do presente recurso sempre acarretará a anulação dos atos processuais posteriores, com as legais consequências.

24- Incluindo a decisão final do incidente, inserta no (prévio) despacho datado de 18/09/2023, ref.ª citius 92922659, que deve também ser revogada, assim se colocando em crise por inerência o segmento do despacho ora recorrido onde se lê que a (reconhecida) omissão de pronúncia do Tribunal não teve influência na prolação do aludido despacho final, tudo com as legais consequências.

Nestes termos e nos mais de Direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se o despacho datado de 17/10/2023, ref.ª citius 93256484, nos termos e fundamentos expostos nas alegações e conclusões supra, com as legais consequências, nomeadamente a anulação dos atos processuais posteriores, incluindo a decisão (final) do incidente que a antecede,

Fazendo-se, desta forma, a costumada JUSTIÇA!”

2.1.1. Não foram apresentadas contra-alegações.

2.2. Foi proferido depois em 1.ª instância despacho com o seguinte teor:

“Por padecer a mesma de manifesto lapso no seu segmento decisório, cumpre corrigir a decisão proferida em 18/09/2023, determinando que, onde consta: “incapacidade permanente parcial”; passe a constar: “incapacidade permanente absoluta”.

Notifique e anote no local próprio.


*

Fixo provisoriamente o valor da ação em €187 695,62 (cento e oitenta e sete mil, seiscentos e noventa e cinco euros e sessenta e dois cêntimos), considerando os pedidos deduzidos pelo autor e o disposto no artigo 120.º do CPT.

*

Admite-se o recurso interposto sob refª 9166582, o qual é de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo, nos termos do disposto nos artigos 79º-A nº 2 alínea d), 83º e 83º-A nº 2 do CPT.

Notifique.


*

Percorrido o recurso, sustenta-se, salvo o devido respeito, a decisão em crise, por força dos respetivos fundamentos, que aqui se dão por reproduzidos.

V. Exas., no entanto, decidirão como for de inteira justiça.


*

Instrua o apenso com certidão dos elementos processuais indicados pela Recorrente nas respetivas alegações de recurso.

Após, remeta o apenso ao Venerando Tribunal da Relação do Porto.

Notifique.”

2.3. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu, pronunciou-se a final “no sentido de não ser admitido o recurso ou de ser negado provimento ao recurso”.

2.3.1. Respondeu a Recorrente, discordando do parecer emitido, mais referindo, designadamente, que o recurso apresentado não incide sobre a decisão final do incidente de revisão, mas sim sobre um outro despacho, proferido depois da decisão final, e que assim deve ser admitido, nos termos e para s efeitos previstos no art.º 79-A, n.º 1 al. d) e j) do CPT”, e que, “ainda que assim não fosse, sempre o recurso interposto deveria ser admitido ao abrigo do disposto no art.º 79-A, n.º 2 al k) do CPT”.

2.3.2. Também o Apelado respondeu ao mesmo parecer, evidenciado a sua concordância.

3. Apresentados os autos ao também aqui relator, após cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 655.º do CPC, foi proferida então decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, que não admitiu o recurso interposto.

3.1. Notificada da referida decisão singular do aqui relator de não admissão de recurso que interpusera, invocando o disposto no artigo 652.º, n.ºs 3 e seguintes, do CPC, veio a Recorrente requerer que sobre a matéria da decisão reclamada recaia acórdão, invocando o seguinte (transcrição):

“Contrariamente ao entendimento plasmado no despacho agora proferido, e sempre com o devido e mais elevado respeito, entende a recorrente que a decisão recorrida se enquadra na previsão de qualquer uma das normas invocadas quer pela recorrente, quer pelo Tribunal a quo, pelo que o recurso interposto deverá ser admitido e apreciado por este Colendo Tribunal.

O despacho proferido pelo Tribunal de 1.ª instância no apenso de fixação de incapacidade é datado de 18 de setembro de 2023.

Este despacho é uma decisão final nos termos e para os efeitos previstos na alínea j) do n.º 2 do art.º 79-A do CPT.

E é uma decisão final pelo facto de pôr fim a esse apenso, o qual foi aberto por via do desdobramento dos autos imposto pelo art.º 118.º b) do CPT.

A fixação da incapacidade apenas e só poderá ser apreciada neste apenso, ficando as demais questões controvertidas reservadas para o processo principal.

A alínea j) do n.º 2 do art.º 79-A do CPT refere-se a decisão final e não a sentença final.

Por força do art.º 135.º do CPT o juiz, na sentença final, deve integrar essa decisão do incidente de fixação de incapacidade na sua parte decisória, reproduzindo-a.

A decisão final proferida no apenso de fixação só é passível de recurso à luz do art.º 135.º do CPT, ou seja, com a sentença final.

Ora, a decisão impugnada por via do recurso interposto, não é a decisão final proferida no incidente, porque essa, como se disse, apenas e só, em regra, é recorrível com a decisão final.

O despacho recorrido é datado de 17/10/2023, com a ref.ª citius 93256484 e, portanto, a decisão aí plasmada é proferida depois da decisão final, nos termos da alínea j) do n.º 2 do art.º 79-A do CPT.

Sendo o mesmo recorrível, deveria o recurso ter sido admitido.

Sem prescindir do que acima se expôs, também pela alínea d) do n.º 2 do art.º 79-A do CPT, deveria ter sido admitido o recurso interposto, quer pelos fundamentos no mesmo invocados, quer ainda por o despacho recorrido rejeitar o articulado de esclarecimentos. E, por isso, deveria o mesmo ser admitido.

Sem prescindir do que acima se expôs, de acordo com o n.º 1 do art.º 611.º do CPC, a sentença deve corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão em 1ª instância.

Este normativo tem particular importância e aplicação aos autos de acidente de trabalho, pois é fundamental conhecer-se a situação clínica real do sinistrado no momento do encerramento da discussão em primeira instância. E, para tanto, o relatório da Junta Médica realizada não pode conter deficiências, contradições e falta de fundamentação às respostas dadas pelos sr.s Peritos, sob pena de impedirem a sua compreensão.

Tanto mais que não é admissível o recurso à realização de segunda perícia, nos termos do disposto no art.º 487.º do CPC, devendo todas as questões suscitadas serem esclarecidas na junta médica, assim como as respostas aos quesitos formulados pelas partes, sob pena de violação do direito ao contraditório (art.º 3.º e 415.º do CPC), do direito à prova e do direito à tutela jurisdicional efetiva (art.º 20.º da CRP).

O pedido de esclarecimentos é portanto um meio de reação legalmente previsto ao relatório pericial.

O apenso de fixação de incapacidade aprecia e decide vários direitos indemnizatórios concedidos aos sinistrados, como por exemplo a fixação da data de consolidação médico-legal e o consequente pagamento das ITAs ou ITPs respetivas, assim como as IPPs que ao caso se apliquem, com fixação da data do seu início.

Os quais poderão ser erradamente exigidos à recorrente, com todos os prejuízos daí decorrentes.

Ora, nos termos da alínea k) do n.º 2 do art.º 79-A do CPT, cabe ainda recurso de apelação «Da decisão cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil».

A doutrina e a jurisprudência vêm considerando que as decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final é absolutamente inútil são apenas as decisões cuja retenção poderia ter um efeito material irreversível sobre o conteúdo do decidido, e não aquelas que acarretem apenas mera inutilização de atos processuais.

O despacho recorrido é datado de 17/10/2023, com a ref.ª citius 93256484, sendo que, caso seja dado provimento ao recurso, a decisão proferida no apenso de fixação deixará de ter qualquer conteúdo útil, independentemente da decisão que recaia sobre o recurso a interpor da sentença final.

Por isso, também pela alínea k) do n.º 2 do art.º 79-A do CPT, deveria ter sido admitido o recurso interposto.”

3.1.1. Notificada, a contraparte não se pronunciou.

Cumpridas as formalidades legais, cumpre apreciar e decidir

II. Questões a apreciar

A única questão a decidir prende-se com saber se, diversamente do que foi considerado na decisão reclamada, o presente recurso deve ser admitido.

III – Fundamentação

A) Os factos relevantes para a decisão resultam do relatório que antes se elaborou.

B) Apreciação.

Cumprindo pronúncia sobre a questão colocada pela Recorrente, desde já diremos que, com a natural salvaguarda do respeito devido, não lhe assiste razão, desde já se dizendo que para tal conclusão basta atentar, sem necessidade de quaisquer outras considerações, no que se fez constar da decisão singular proferida, nos termos que seguidamente se transcrevem:

«Como nota inicial, importa dizer que, no caso, a questão da admissibilidade ou não do recurso já foi plenamente sujeita ao contraditório, pois que, tendo sido levantada pelo Ministério Público, ambas as partes se pronunciaram a esse respeito nas respostas que apresentaram, razão pela qual de seguida procederemos à sua apreciação.

Importando, pois, como questão prévia, antes de mais verificar da admissibilidade do recurso, nos termos e momento em que foi interposto, tendo também presente que o despacho proferido pelo tribunal a quo, que admitiu o presente recurso, não vincula este Tribunal da Relação (n.º 5 do artigo 641.º, do CPC), apreciando da referida questão, desde já se adianta que o presente recurso é nesta fase inadmissível, pois que a decisão proferida e que é seu objeto não é passível de recurso neste momento.

Senão, vejamos:

Como é consabido, aliás à semelhança do que ocorre no CPC após a vigência do DL n.º 303/07 de 24/8 (que procedeu à reforma do regime de recursos), as decisões interlocutórias, por regra, apenas são impugnáveis com o recurso da decisão final, sendo exceções a essa regra, no que aqui importa, precisamente os casos elencados no n.º 2 do artigo 79.º-A do CPT (no CPC, agora no n.º 2 do seu artigo 644.º).

Há, pois, que distinguir as decisões sujeitas a recurso imediato, daquelas cuja impugnação é relegada para momento ulterior.

A Recorrente invocou, no requerimento de interposição do recurso, para a admissibilidade do recurso, o disposto nas alíneas d) e j) do n.º 2 do artigo 79.º-A do Código de Processo do Trabalho (CPT), sendo que o Tribunal a quo esse admitiu apenas com base na alínea d) do mesmo normativo. Na resposta ao parecer do Ministério Público, em que foi defendido que o recurso não deveria ser admitido, vem ainda invocar sua alínea k).

Dispõe o artigo 79º-A, do CPT, intitulado «Recurso de apelação»:

“1 - Cabe recurso de apelação:

a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;

b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou a alguns dos pedidos.

2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:

(…)

d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;

(…)

j) De decisão proferida depois da decisão final;

k) Da decisão cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil; (…)

3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.

4 - No caso previsto no número anterior, o tribunal só dá provimento às decisões impugnadas conjuntamente com a decisão final quando a infração cometida possa modificar essa decisão ou quando, independentemente desta, o provimento tenha interesse para o recorrente.

5 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão.”

Tendo então por base a norma chamada à aplicação pela Recorrente, assim desde logo as alíneas d) e j) no n.º 2 do artigo antes citado que invocou no requerimento de interposição, começando-se pela última, claramente que aí se não integra a decisão recorrida pois que, como facilmente se extrai dos autos, essa decisão, tendo sido proferida no apenso de fixação de incapacidade, é certo depois de aí ser proferida a decisão que fixou a incapacidade a que alude o artigo 140.º do CPC – que de resto, como resulta do seu n.º 2,  “só pode ser impugnada no recurso a interpor da sentença final” –, no entanto, salvo o devido respeito, esta não se assume como a sentença final, já que esta última é aquela a que alude o artigo 135.º do mesmo Código – “Na sentença final o juiz considera definitivamente assentes as questões que não tenham sido discutidas na fase contenciosa, integra as decisões proferidas no processo principal e no apenso, cuja parte decisória deve reproduzir, e fixa também, se forem devidos, juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso.”

Apreciando-se agora a alínea também indicada e que foi considerada pelo Tribunal recorrido na decisão em que admitiu o recurso, assim a alínea d) do n.º 2 do artigo citado, em que se alude a “despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova”, constata-se, porém, também, que, no caso, a decisão que foi objeto de recurso por parte da Recorrente aí se não integra, pois que não admitiu ou rejeitou um meio de prova.

Na verdade, comportando o procedimento probatório da prova pericial fases distintas, a saber, a da sua proposição, a da sua admissão, a da sua preparação (fixação do objeto da perícia) e a da sua produção e assunção[1], a decisão que venha a ser proferida sobre reclamações que porventura venham a ser apresentadas – assim ao abrigo do disposto no artigo 485.º do Código de Processo Civil (CPC) –, de modo que temos por claro, não se insere na segunda das referidas fases, ou seja da admissão ou rejeição da perícia enquanto meio de prova.

Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27 de setembro de 2016[2] – aí por com referência ao artigo 644.º, n.º 2 do  atual Código de Processo Civil, mas com clara aplicação à alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º-A do CPT –, entendimento que acompanhamos, “em tese, será nas fases de admissão ou de preparação que será proferida a decisão de admissão ou de rejeição (total ou meramente parcial) da prova pericial”, sendo que “as reclamações apresentadas pelas partes em relação ao relatório pericial (art. 485º/2 do NCPC) e a decisão que sobre as mesmas recair inserem-se na fase da produção e assunção da prova pericial, logo fora daquelas duas fases em que necessariamente se inscreve a decisão de admissão ou rejeição dessa prova”, para depois se concluir que, “como assim, do ponto vista técnico-jurídico a decisão que conheça daquelas reclamações, acolhendo-as ou denegando-as, não é uma decisão de admissão ou rejeição de um meio de prova susceptível de ser enquadrada no art. 644º/2/d do NCPC.”.

Deste modo, não se enquadra a decisão recorrida, como se disse, na previsão da norma invocada, assim da alínea d) do n.º 2 do artigo 79.º-A do CPT.

Como não se enquadra, diga-se por último, na previsão da sua alínea k), que foi invocada na resposta ao parecer do Ministério Público.

É que, importando então verificar, para efeitos de integração da previsão dessa alínea, quais as decisões aí integradas, em resposta a essa questão, aqui se acompanha Abrantes Geraldes[3], desde logo quando começa por referir, face à utilização do advérbio (“absolutamente”) na norma, que esse “assinala bem o nível de exigência imposto pelo legislador, em termos idênticos ao que se previa no art. 734.º, n.º 1, al. c), do CPC de 1061, para efeitos de determinar ou não a subida imediata do agravo”, como ainda, seguidamente, ao acrescentar que, “deste modo, não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final”, sendo antes, mais do que isso, “necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso da decisão interlocutória não passará de uma “vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da ação ou na esfera jurídica do interessado”. Mantém-se pois atual, como aliás o salienta também Abrantes Geraldes[4], a jurisprudência fixada, por exemplo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de maio de 1997[5], segundo a qual “a inutilidade há-de produzir um resultado irreversível quanto ao recurso, retirando-lhe toda a eficácia dentro do processo, não bastando, por isso, uma inutilização de actos processuais para justificar a subida imediata do recurso”[6]. Deste modo, aplicado tal regime ao caso, por se ter por ajustado, não pode assim ter-se por verificada a previsão da analisada alínea, pois que, a estarmos perante decisão recorrível (volta a dizer-se), da procedência do recurso apenas poderão decorrer os efeitos antes enunciados, ou seja de eventual inutilização de atos praticados no processo, e não pois, como se exigiria, qualquer efeito, utilizando as expressões do citado Aresto, “irreversível quanto ao recurso, retirando-lhe toda a eficácia dentro do processo”.

Assim, também não se preenche no caso a previsão da referida alínea.

Em conformidade, não se integrando a decisão recorrida nos casos previstos no n.º 2 do artigo 79.º-A citado, assim nas alíneas invocadas, mas nos termos antes expostos – e não por outras razões, que sequer importa apreciar, em que se inclui o que no mais foi invocado pelo Ministério Público no parecer emitido –, caindo então no regime que se encontra previsto nos n.ºs 3 a 5 desse mesmo normativo, apenas poderá ser impugnada com o recurso que venha a ser interposto da decisão final, se esse houver, com sujeição aos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso dessa decisão, sendo que, em caso de não interposição desse recurso, então exigir-se-á a verificação do pressuposto previsto no n.º 5, ou seja, que tenha interesse para o apelante independentemente daquela decisão.»

Concordando-se, como se referiu anteriormente, com a citada fundamentação que se fez constar da decisão singular, que de resto está em conformidade com o que tem sido decidido em situações similares – assim, relatado pelo aqui relator e com intervenção deste mesmo Coletivo, o recente Acórdão de 13 de novembro de 2023[7] –, a mesma se acompanha neste momento, por responder, como já dito, plenamente às questões levantadas pela Reclamante.

São estes os fundamentos por que, no caso, sem necessidade de outras considerações, improcede a presente reclamação.


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IV - DECISÃO

Acordam os juízes que integram a Secção social do Tribunal da Relação do Porto em desatender a reclamação, confirmando a decisão reclamada.

Custas da reclamação a cargo da Reclamante.

Porto, 18 de março de 2024

(acórdão assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Teresa Sá Lopes
Rui Penha
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[1] A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pp. 584 a 586
[2] In www.dgsi.pt
[3] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª ed., 2017, pág. 203, e em particular quanto ao CPT, pág. 533/4, em termos idênticos.
[4] Obra e loc. cit., nota 325.
[5] BMJ, 467.º, pág. 536.
[6] Vejam-se, ainda: na Doutrina, Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, Código Anotado, 3º-I, 2ª ed., pág. 81; na Jurisprudência, entre outros, apenas desta Relação, entre outros, os Acs de 10 de Março de 2015 e 10 de setembro de 2018, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] Processo n.º 2548/21.4T8VNG-B.P1, ao que se sabe não publicado.