Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | NELSON FERNANDES | ||
Descritores: | ACOMPANHAMENTO DE PESSOA IDOSA CONTRATO DE TRABALHO CELEBRADO POR OUTREM ÓBITO CADUCIDADE DO CONTRATO | ||
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Nº do Documento: | RP20221049200/20.1T8AVR.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/24/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Sendo objeto do contrato de trabalho o acompanhamento de pessoa idosa e / ou doente, mas tendo sido o contrato de trabalho celebrado não com essa e sim por outrem, o óbito daquela, ainda que retire a razão de ser ao contrato, não tem como efeito imediato a caducidade do contrato, por depender essa de comunicação expressa do empregador ao trabalhador nesse sentido, sendo assim a data de tal comunicação que releva para efeitos da data da caducidade. II - Sendo o pagamento facto extintivo do direito, o ónus da respetiva prova impende sobre a parte a quem aproveita – n.º 2, do artigo 342.º do Código Civil. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 900/20.1T8AVR.P1 Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro Recorrente: AA Recorrida: BB _______ Nélson Fernandes (relator)Rita Romeira Teresa Sá Lopes Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I – Relatório 1. BB intentou a presente ação comum contra Herança Indivisa Aberta por óbito de CC e AA, pedindo que seja julgado ilícito o despedimento da autora e que os réus sejam condenados, em substituição da reintegração, a pagar-lhe, a titulo de indemnização, por via da ilicitude do despedimento, quantia nunca inferior a €4.800,00(Quatro mil e oitocentos euros); a titulo de créditos vencidos (referente a horas suplementares/extras) a quantia de €57.868.61,( cinquenta e sete mil oitocentos e sessenta e oito mil e sessenta e um cêntimos); a titulo de danos patrimoniais, devido aos salários não pagos a quantia de €2.133,00( dois mil cento e trinta e três euros ); e a titulo de danos não patrimoniais e morais a quantia nunca inferior a €5.000,00 (cinco mil euros), tudo no valor total €69.801,61 (sessenta e nove mil oitocentos e um euros e sessenta e um cêntimos), acrescido das quantias devidas até trânsito em julgado da sentença, de juros vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento, e do que demais impuser a lei. Pede, ainda, a condenação da ré a fazer os descontos para a segurança social desde agosto de 2019 até fevereiro de 2020. Para tanto alegou, em síntese: que foi admitida por CC a 1 de agosto de 2019, tendo nessa data assinado contrato de trabalho e que, posteriormente, a 25 de Agosto de 2019, assinou contrato de trabalho com a filha AA, para, sob as ordens, fiscalização e direção de ambos, exercer as funções de terapeuta ocupacional, mediante a retribuição de €1.600,00; para além das funções de terapeuta ocupacional no sentido de habilitar CC de aptidões para realizar a sua atividade do dia a dia, tanto fisicamente, como intelectualmente, tinha ainda as funções de zelar pela limpeza da casa, cuidar da roupa de CC, fazer compras de géneros alimentares, roupas e medicamentos para este e acompanhá-lo nas várias consultas e tratamentos a que o mesmo estava sujeito; exerceu as funções descritas de forma ininterrupta desde o dia 1 de Agosto de 2019 até ao dia 20 de janeiro de 2020, data em que, com o consentimento de CC e de AA, foi gozar os proporcionais de dias de férias, atendendo aos meses de trabalho que prestou, tendo deixado uma pessoa da sua confiança a cuidar daquele, assim como o filho deste que também estaria com ele uma vez que estaria de férias em Portugal; durante o período de férias, no dia seguinte, recebeu um e-mail do filho do Sr. CC a informar que estava despedida, que não necessitava mais dos seus serviços e a dar conta de não podia mais entrar na habitação e que os seus objetos pessoais haviam sido colocados em caixas que se encontravam na garagem; posteriormente, a 2 de fevereiro de 2020, a ré AA enviou-lhe carta a informar que estava despedida, não tendo respeitado o aviso prévio e tão pouco apresentando um motivo para a verificação do despedimento; tal despedimento é ilícito, por inexistência de motivo e não ter sido respeitado o aviso prévio, sendo devida a sua reintegração ou, em sua substituição, o pagamento de uma indemnização, em montante não inferior a €4.800,00; por carta de 3 de fevereiro de 2020, a ré AA informou que o seu pai havia falecido; não lhe foram pagos o salário referente ao mês de janeiro de 2020, no valor de €1.600,00, nem o valor proporcional até ao dia 10 de fevereiro de 2020, no valor de €533,00; prestou trabalho suplementar, quer diurno, quer noturno, quer ainda em dia de descanso semanal obrigatório e/ou compensatório, sendo-lhe devido o montante global de €57.868,61; com esta situação a autora ficou ansiosa e nervosa, não conseguindo dormir, sentindo que estavam a colocar em causa o seu bom nome e sentiu-se humilhada, razão pela qual entende que deve ser indemnizada, a titulo de danos morais, com a quantia de €5.000,00. Concluiu pela procedência da ação. Por despacho proferido a 1.07.2020 foi determinado que a ação prosseguisse apenas contra a Ré AA, tendo-se ali considerado que a Autora, com o requerimento que apresentou a 29.06.2020, desistiu do pedido relativamente à herança do falecido CC Realizada sem êxito a audiência de partes, apresentou a Ré contestação: por exceção, invocou a ineptidão da petição inicial, por ali se cumularem pedidos substancialmente incompatíveis, bem assim a sua ilegitimidade, por não ter celebrado com a Autora qualquer contrato de trabalho, contrato esse que foi celebrado com CC, tendo sido este que pagou as remunerações e os subsídios de Natal e de ferias, como ainda o pagamento das contribuições devidas à Segurança Social, relativas aos meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2019, bem como os relativos aos subsídios de natal, no valor mensal de €278,00, por transferência bancária, valores estes de que a Autora se apossou e não entregou à Segurança Social, assim como não pagou o valor correspondente às suas quotizações; mais invocou que o contrato de trabalho celebrado entre a Autora e CC nunca foi revogado pela Ré e pelo seu irmão e sempre se manteria válido até à sua morte, ocorrida a 26 de Janeiro de 2019; no que respeita ao despedimento, alega que não o fez, nem tinha legitimidade para o fazer, pois não era a sua entidade patronal, assim como o irmão não a tinha; a autora foi gozar doze dias de férias no dia 20 de janeiro de 2020, encontrando-se gravemente doente o seu patrão, pois sofria de pneumonia e foi internado no Hospital ... no dia 21 de Janeiro de 2020, por falta de cuidados da Autora; tendo CC falecido a .../.../2020, o contrato cessou por caducidade nessa data, de imediato, não tendo ocorrido qualquer despedimento ilícito e, como tal, não tem a Autora direito a ser reintegrada no seu posto de trabalho, nem a receber quaisquer salários até à data da reintegração, que obviamente não poderá existir; quanto ao valor do salário do mês de janeiro de 2020 e ao valor proporcional até ao dia 10 de fevereiro de 2020, desconhece se a Autora recebeu esses valores; o valor de €1.600,00 foi estabelecido para que a Autora cuidasse a tempo inteiro do Sr. CC, o que se percebe, porque uma cuidadora no horário normal, apenas aufere normalmente um salário máximo de €700,00, quando muito €800,00; ignora as alegadas horas de trabalho suplementar, sendo que a Autora não informa qual o seu verdadeiro horário de trabalho, pois se limita a indicar as horas de trabalho, ao longo dos meses de agosto de 2019 a janeiro de 2020 e não se sabe em cada dia de trabalho quando iniciava e terminava; veio a tomar conhecimento de que a Autora maltratava o seu pai, sob diversas formas, morrendo esse de pneumonia no Hospital devido a desleixo da autora, segundo informações prestadas, tendo ido gozar ferias com o seu pai já gravemente doente; não tem a Autora direito a receber o valor por si peticionado, a titulo de danos morais, pois nada sofreu. Conclui pela procedência das exceções e improcedência da ação. Respondeu a Autora à matéria das exceções. Fixado o valor da ação em €69.801,61, foi de seguida proferido despacho saneador, no qual se julgaram improcedentes as exceções invocadas da ineptidão da petição inicial e da ilegitimidade da Ré, dispensando-se, de seguida, a realização da audiência prévia e a enunciação dos temas de prova. Prosseguindo os autos os seus termos subsequentes, realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta: “Nestes termos, e em face do exposto, decido julgar a ação parcialmente procedente, e consequentemente condenar a ré AA a pagar à autora BB a quantia global de €1.760,00 (mil setecentos e sessenta euros), correspondente à retribuição de Janeiro e a 3 dias da de Fevereiro de 2020, bem assim a proceder aos descontos para a segurança social, relativos a tal quantia, absolvendo-a do demais peticionado. Custas da ação pela autora e pela ré, na proporção do decaimento, sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário, de que goza a autora (artigo 527.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho). Valor da acção: o estabelecido aquando da elaboração do despacho saneador (folhas 102)- €69.801.61. Registe e notifique.” 2. Não se conformando com o decidido apresentou a Ré requerimento de interposição de recurso, fazendo constar, no final das suas alegações, as conclusões que seguidamente se transcrevem: “1. A recorrente entende que a Meritíssima Juiz a quo na douta sentença, tendo na generalidade julgado bem tudo o que foi colocado à apreciação do Tribunal, a verdade é que não analisou adequadamente, quer em termos de facto quer em termos de direito, a questão do pagamento à Autora da retribuição de Janeiro de 2020 e a 3 dias de retribuição de Fevereiro de 2020, assim como a questão dos descontos para a segurança social, relativos a tal quantia. 2. Considera a Recorrente que, no caso vertente, não foi adequadamente cumprida a obrigação que lhe cabia de, analisando criticamente as provas produzidas e especificando as razões que foram decisivas para a sua convicção, fundamentar e explicar de forma convincente e clara o motivo ou motivos que a levaram a dar como provados o que consta do ponto 1.1.15; do ponto 1.1.16; do ponto 1.1.18 e do ponto 1.1.20 da relação de factos provados. 3. Não se demonstra desde logo, na aludida fundamentação a razão pela qual não se considerou provado que a Recorrente tenha efectuado o pagamento da quantia de €1.000,00 no dia 02 de Janeiro de 2020 (conforme decorre do doc. 15 da contestação), assim como não se demonstra a razão pela qual não se considerou efectuado o pagamento da quantia de €600,00 no dia 02 de Janeiro de 2020 (conforme decorre do doc. 16 da contestação), num total de €1.600,00 (correspondente à retribuição do mês de Janeiro de 2020). 4. A ser como referido na fundamentação para os pontos 1.1.16 e 1.1.17, devia então também ter sido dado como provado o pagamento da quantia total de €1.600,00 (€1.000,00 acrescidos de €600,00) e uma vez que o mesmo decorre, igualmente, dos comprovativos de transferências juntos aos autos pela Recorrente, por duas vezes: aquando da contestação e por requerimento datado de 13 de Janeiro de 2022. 5. No que a pagamentos efectuados pela Recorrente diz respeito, diga-se que a Autora refere (artigo 45º da Petição Inicial) que não lhe foi pago o salário referente ao mês de Janeiro de 2020, no valor de €1.600,00. Refere ainda que não foi pago o valor proporcional até ao dia 10 de Fevereiro, que perfaz o montante €533,00, uma vez que estaria a gozar férias até esse dia. Sendo que, no pedido efectuado, a Autora solicita o pagamento de €2.133,00 correspondente aos salários alegadamente não pagos (€1600,00 e €533,00). 6. Mas, no documento 12 da Petição Inicial (o qual corresponde, pelo menos, a um email datado de 31/07/2019 remetido pela Recorrente) pode ler-se, nomeadamente, o seguinte: “Diga-me então quanto devo depositar na sua conta bancária dos dias 25-31. E depois então seria 1200 por mês, não é? Eu vou tentar fazer os depósitos automaticamente no dia 23 do mês de pagamento. Portanto para lhe pagar para o mês de Setembro, irei estabelecer transferência de pagamento para o dia 23 de Agosto… Para o mês de Agosto, eu posso transferir nesta segunda feira. Depois se for mais alguns serviços adicionais, a BB podia me dizer para eu pagar então o adicionalmente. Poderia ser assim?”. Ou seja, a Recorrente informa a Autora que irá efectuar o pagamento do dia 25 a 31 de Julho. E, que os demais meses seriam pagos no próprio mês. Isto é, daria ordem de transferência, por exemplo, a 23 de Agosto para efectuar o pagamento do mês de Setembro. Afirmando ainda que iria, no dia 05 de Agosto (segunda-feira seguinte ao envio do email) efectuar o pagamento do mês de Agosto de 2019. 7. A Autora nunca colocou tal facto em causa, que a Recorrente tenha efectuado o pagamento do mês de Agosto, no mês de Agosto; o pagamento de Setembro, no mês de Setembro; o pagamento do mês de Outubro, no mês de Outubro; o pagamento do mês de Novembro, no mês de Novembro; o pagamento do mês de Dezembro, no mês de Dezembro e, por consequência, o pagamento do mês de Janeiro de 2020, no mês de Janeiro de 2020 (conforme documentos 15 e 16 da Contestação). 8. A Recorrente efectuou, entre outras, as seguintes transferências: no dia 21/08/2019, efectuou uma transferência no valor de €90,00; no dia 22/08/2019, efectuou uma transferência no valor de €325,00; no dia 29/08/2019, efectuou uma transferência no valor de €324,00; no dia 18/09/2019, efectuou uma transferência no valor de €1.000,00; no dia 19/09/2019, efectuou uma transferência no valor de €600,00; no dia 18/10/2019, efectuou uma transferência no valor de €1.000,00; no dia 18/10/2019, efectuou uma transferência no valor de €600,00; no dia 22/10/2019, efectuou uma transferência no valor de €400,00; no dia 04/11/2019, efectuou uma transferência no valor de €400,00; no dia 06/11/2019, efectuou uma transferência no valor de €790,00; no dia 18/11/2019, efectuou uma transferência no valor de €1.000,00; no dia 19/11/2019, efectuou uma transferência no valor de €1.000,00; no dia 19/11/2019, efectuou uma transferência no valor de €10,00; no dia 20/11/2019, efectuou uma transferência no valor de €335,00; no dia 22/11/2019, efectuou uma transferência no valor de €278,00; no dia 09/12/2019, efectuou uma transferência no valor de €1.000,00; no dia 09/12/2019, efectuou uma transferência no valor de €600,00; no dia 18/12/2019, efectuou uma transferência no valor de €800,00; no dia 18/12/2019, efectuou uma transferência no valor de €278,00; no dia 19/12/2019, efectuou uma transferência no valor de €332,00; no dia 24/12/2019, efectuou uma transferência no valor de €200,00; no dia 02/01/2020, efectuou uma transferência no valor de €1.000,00; no dia 02/01/2020, efectuou uma transferência no valor de €600,00; no dia 02/01/2020, efectuou uma transferência no valor de €278,00; no dia 07/01/2020, efectuou uma transferência no valor de €1.112,00. 9. A Meritíssima Juiz a quo faz referência às transferências, mas não contabilizou nem considerou, os documentos 15 e 16 da contestação e que provam, sem qualquer margem de dúvida, as transferências relativas ao pagamento do mês de Janeiro de 2020, inexistindo qualquer fundamento que justifique tal omissão. 10. A Autora junta ainda aos autos os recibos de vencimento por ela emitidos, onde admite ter recebido todas remunerações até Dezembro. E, por não ter sido emitido recibo de pagamento relativamente ao mês de Janeiro de 2020, vem a Autora peticionar o seu Janeiro e os proporcionais de 10 dias do mês de Fevereiro. 11. Assim, impõe-se, pelo exposto, que seja julgado provado o pagamento relativo ao mês de Janeiro de 2020 e adicionado aos factos constantes do ponto 1.1.16. 12. Resulta igualmente do ponto 1.1.20 dos factos dados como provados que a Recorrente não pagou à Autora os proporcionais dos 10 dias do mês de Fevereiro. E, mais uma vez inexiste qualquer fundamentação que sustente cabalmente este facto, dado como provado. 13. A Recorrente se não pagou (o que não corresponde à verdade) também não o tinha que fazer atendendo a que estamos perante a cessação do contrato por caducidade, por ter ocorrido um facto alheio a qualquer umas das partes, que tornou impossível a continuação e manutenção do contrato. A data da ocorrência do facto é que determinará o fim do contrato, ou seja, o dia do falecimento do Sr. CC. 14. Assim, também quanto a esta questão, se impõe que seja julgado provado e adicionado aos factos dado como provados um novo ponto, ponto 1.1.21, com a seguinte redacção: “No dia do falecimento do Sr. CC, o contrato celebrado com a Autora cessou por caducidade, por ter ocorrido um facto alheio a qualquer uma das partes, que tornou impossível a continuação e manutenção do contrato.” 15. No que diz respeito à condenação no pagamento da contribuição relativa à remuneração do mês de Janeiro de 2020, e como decorre dos próprios factos provados, resulta que no dia 02 de Janeiro de 2020 a Recorrente transferiu para a Autora a quantia de €278,00 para pagamento do desconto desse mês. Pelo que, também aqui se impõe que seja julgado provado e adicionado ao facto dado como provado no ponto 1.1.18 o seguinte: “A ré diligenciou por remeter à Autora as quantias necessárias para esta liquidar os descontos junto da Segurança Social, incluindo a quantia referente à contribuição do mês de Janeiro de 2020”. 16. Sem prescindir do que se deixou dito, considera-se também que a matéria vertida nos pontos 1.1.15; 1.1.16; 1.1.18 e 1.1.20 da relação de factos provados, não foi ainda concretamente apreciada face à prova que foi produzida em audiência de julgamento, não tendo sido a decisão sobre tal matéria a mais consentânea com os depoimentos ali prestados, principalmente com as declarações de parte prestadas pela Autora BB (Ficheiro nº 20220114141333_3959808_2870430, datado de 14/01/2022, de 00m00s a 01h51 00s). Impugna-se para todos os devidos efeitos essa douta decisão, solicitando-se em consequência a reapreciação da prova gravada. 17. No que diz respeito ao pagamento da retribuição do mês de Janeiro de 2020, constata-se pelas próprias declarações da Autora, supra transcritas e para as quais se remete, que a Recorrente ainda no mês de Janeiro (e aquando do último email), referiu: “BB, já que você, eu enviei mais, ainda enviei mais”. E isto, porque segundo a própria Autora, a Recorrente havia já transferido €1.112,00. Tendo, por esse motivo e tal como transcrito, a Autora utilizado as seguintes expressões para com a Recorrente: “Poxa AA Obrigada” (…) “estou com medo de depois vir com o DD” (…) “DD vai vir comigo e eu vou esvaziar o cartão de crédito.” (cfr. minuto 01:46:39 a 01:47:11 das respectivas declarações). 18. Admite também a própria Autora ter solicitado à Recorrente um adiantamento aquando da sua ida para o Brasil, conforme supra transcrito. Ou seja, a Autora admite que para além de tudo o mais, a Recorrente ainda lhe transferiu a quantia de €375,00 de adiantamento para a comida de Fevereiro, valor esse que chegaria perfeitamente para pagar os três dias de retribuição do mês de Fevereiro a que a Recorrente foi condenada, visto que não foram utilizados para o efeito pretendido aquando da transferência e uma vez que, entretanto, o Sr. CC faleceu. Tendo a Autora se apropriado dessa quantia, sem qualquer justificação para tal. 19. Decorrente, assim, da prova gravada (para alem da documental junta aos autos) que a retribuição relativa ao mês de Janeiro de 2020 não é devida à Autora, visto ter sido paga e ainda lhe ter sido adiantado dinheiro relativo ao mês de Fevereiro, como a própria Autora admite. 20. No que diz respeito ao pagamento dos 3 dias do mês de Fevereiro de 2020 a que a Autora foi condenada a pagar, importa – pois - apurar quando é que a Autora teve efectivamente conhecimento do falecimento do Sr. CC (não obstante tal quantia não ser devida atenta a data do falecimento). 21. Das afirmações proferidas (cfr. minuto 00:38:44 a 00:42:46 das respectivas declarações), a Autora confirma ter tido conhecimento do falecimento do Sr. CC quando ainda se encontrava no Brasil (portanto antes do dia 10 de Fevereiro). 22. A Autora afirma ainda nas suas declarações (cfr. minuto 00:46:50 a minuto 00:48:00 das respectivas declarações) que a sua sogra levou lírios em seu nome ao funeral do Sr. CC. Ora, se a mesma não tivesse conhecimento falecimento do Sr. CC como poderia ter a sua sogra, mãe do marido, ido ao “enterro” do Sr. CC e levado lírios em nome da Autora? 23. A Autora soube, quer na sequência do email remetido pelo Sr. CC (filho), quer através da carta enviada a 28 de Janeiro, quer através de contactos efectuados com o Sr. EE e com a própria sogra, que o Sr. CC havia falecido no dia em que faleceu, ou seja, a .../.../2020. 24. Como complemento do anteriormente referido, a Autora acaba igualmente por admitir, nomeadamente que lhe constou que o falecimento ocorreu no dia do aniversário do seu filho. 25. Atentas as próprias declarações da Autora que, nesta matéria, têm igualmente que ser reapreciadas, não restam dúvidas de que teve conhecimento do falecimento do Sr. CC muito antes do referido dia .../.../2022. 26. Não obstante o dia do conhecimento do facto por parte da Autora, a Recorrente considera que – de facto – o dia que deverá ser considerado é o dia do falecimento e não do conhecimento. Ou seja, o dia .../.../2020. Motivo pelo qual não pode a Recorrente ser condenada ao pagamento da retribuição dos três dias do mês de Fevereiro, e por consequência, da contribuição correspondente. 27. Mesmo que assim não se entendesse, o que não se aceita, a verdade é que – quanto ao pagamento dos dias de Fevereiro – também decorre das próprias declarações da Autora, que a Recorrente havia efectuado um pagamento/adiantamento no valor de €375,00 para pagamento da comida de Fevereiro. 28. Face ao exposto e decorrente da prova gravada supra transcrita, dúvidas não restam que a retribuição relativa aos três dias do mês de Fevereiro de 2020 não é devida à Autora. E, caso fosse (o que por mera hipótese de patrocínio se coloca), o valor encontrava-se já pago (em dobro!) atenta a transferência efectuada pela Recorrente, no valor de €375,00, que a própria Autora admite ter recebido. 29. Por fim, e no que diz respeito às contribuições efectuadas para a Segurança Social, confirma a Autora, ao analisar o extracto de Janeiro, ter recebido uma transferência no valor de €278,00. O qual corresponde ao valor que a Recorrente transferia mensalmente e conforme instruções indicadas pelo Sr. EE. Sendo aquela quantia em particular, e atenta a data da transferência, referente ao mês de Janeiro de 2020. 30. Não pode, portanto, a Recorrente ser condenada no pagamento de um valor que já pagou e cujo documento comprovativo se encontra junto aos autos e que é confirmado pela própria Autora através das suas declarações, conforme prova gravada. 31. O que ficou registado, decorrente de afirmações expressas pela própria Autora conjugadas com a prova documental junta aos autos, assim como com as regras da experiência, terá de levar a concluir que a Recorrente efectuou o pagamento da retribuição do mês de Janeiro de 2020; da contribuição correspondente ao mês de Janeiro de 2020. E que, efectuou ainda adiantamentos relativos ao mês de Fevereiro. Pelo que não poderá ser condenada no seu pagamento uma vez mais. 32. Face principalmente às declarações de parte, gravadas e registadas no sistema de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal durante os períodos que acima ficaram assinalados (e supra transcritos), não podia deixar de ter sido dada como provada a matéria já referida e, por consequência, ter sido a Recorrente absolvida de tudo o que foi peticionado pela Autora. Deve, por isso, ser alterada a decisão sobre a matéria de facto em conformidade com o que se deixou registado. 33. Quanto à deficiente apreciação da questão de direito relativa à data da caducidade do contrato de trabalho, entende a Recorrente que esteve bem a Meritíssima Juiz ao determinar a caducidade do contrato e não o despedimento ilícito. Não há dúvidas que, por ter ocorrido um facto alheio a qualquer umas das partes, se tornou impossível a continuação e manutenção do contrato. Sendo a data da ocorrência do facto que determina o fim do contrato, a caducidade. 34. Deve, portanto, ser o dia do falecimento (.../.../2020) do Sr. CC a ser considerado como data de fim do contrato e uma vez que, foi nesse dia, que ocorreu a impossibilidade superveniente absoluta e definitiva da trabalhadora prestar o seu trabalho, enquanto cuidadora. Não poderá por isso, e salvo o devido respeito, ser considerada a data do “suposto” conhecimento do facto por parte da Autora. 35. Face a tudo o que ficou dito entende a Recorrente, sempre com o devido respeito, que não se apreciaram devidamente os elementos existentes nos autos e a prova produzida em audiência, bem como não se tomaram em devida conta, nem se interpretaram adequadamente, face ao quadro factual em presença, os preceitos legais aplicáveis. 36. Deve por isso ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos moldes acima relatados, julgando-se, sempre e em qualquer caso, improcedente a ação e, por consequência, deverá ser a Recorrente absolvida de todos os pedidos peticionados pela Autora na sua Petição Inicial. NESTES TERMOS E MELHORES DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, ALTERANDO-SE A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO, BEM COMO SE REVOGANDO A SENTENÇA RECORRIDA, DECLARANDO-SE A ACÇÃO TOTALMENTE IMPROCEDENTE E, POR CONSEQUÊNCIA, SER A RECORRENTE ABSOLVIDA DE TODOS OS PEDIDOS PETICIONADOS PELA AUTORA, TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS. DESSE MODO SERÁ FEITA, como sempre serena e OBJECTIVA JUSTIÇA.” 2.1. Contra-alegou a Autora, concluindo do modo seguinte: “A- Nenhuma censura merece a sentença recorrida, não tendo sido violado qualquer preceito legal, normas ou princípios. B- A motivação da Sentença é exaustivamente convincente, onde se mencionam a prova documental, a prova testemunhal, as razões de ciência e todo o processo de formação da convicção do Tribunal. C- Pelo que, nenhuma censura merece a sentença recorrido e muito bem andou o M.ª Juiz “a quo”, quando condenou a Ré-Recorrente, D- Porquanto se fez prova, em sede de julgamento dos factos invocados pela autora, tendo o Tribunal “a quo” feito uma análise crítica e objectiva da prova, alias salvo o devido respeito, muito mal andaria o tribunal “a quo” se não condenasse a Ré-recorrente. E- A apreciação da prova foi realizada de forma e de maneira absolutamente adequada, em respeito pela liberdade de que o julgador sempre dispõe na apreciação da matéria de facto e em claro respeito pelo art. 607º, nº 5 do CPC (princípio da livre apreciação da prova). F- Da motivação resulta que a convicção do Tribunal, não é puramente subjectiva, intuitiva e imotivável, antes resultou da análise crítica e objectiva da prova. Em toda a sua motivação há uma latente intenção de objectividade. G- Em face de tudo quanto foi exposto, cabe concluir pela falta manifesta, completa e absoluta de fundamento do presente recurso que, assim, deve ser julgado improcedente. H- Deverá assim ser mantida a decisão agora em crise, considerando-se a não procedência do recurso interposto pela Ré -Recorrente. Termos em que, e nos mais de direito que Vexas mui doutamente suprirão, deverá negar-se provimento ao Recurso ora interposto, devendo ser julgado improcedente, por não provado, o alegado pela Ré- Recorrente, devendo ser confirmada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, nos precisos termos em que foi formulada na sentença recorrida e com todos os efeitos legais, fazendo, desta forma, o Venerando Tribunal da Relação do Porto e Vossas Excelências a habitual JUSTIÇA!” 2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito devolutivo. 3. Subidos os autos a este Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procuradora-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da não admissão do recurso, ou, se assim se não entender, que o mesmo deve improceder, parecer esse a que respondeu a Recorrente, sustentando que o recurso é admissível. * Cumpridas as formalidades legais, cumpre apreciar e decidir:II – Questões prévias No parecer que emitiu junto desta Relação, começa o Ministério Público por defender que o recurso não deve ser admitido, no essencial, por se entender que o valor da sucumbência é inferior ao estabelecido na lei para a admissibilidade do recurso. Defende a Recorrente, por sua vez, que o recurso é admissível. Apreciando, sendo verdade que o valor da sucumbência não preenche o pressuposto de admissibilidade a que alude o artigo 629.º, n.º 1, do CPC –“O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa” –, importando no entanto ter presente o regime especial que resulta do artigo 79.º, alínea a) – “Sem prejuízo do disposto no artigo 629.º do Código de Processo Civil e independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação: a) Nas ações em que esteja em causa (…) o despedimento do trabalhador por iniciativa do empregador, independentemente da sua modalidade, a reintegração do trabalhador na empresa e a validade ou subsistência do contrato de trabalho” –, consideramos que, salvo o devido respeito, dada a natureza da presente ação e em particular o seu objeto, a mesma enquadra-se na previsão deste último normativo. Do exposto resulta que o recurso, no caso, é de admitir, o que se decide. III – Questões a resolver Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º/4 e 639.º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87.º/1 do CPT –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) recurso dirigido à matéria de facto / reapreciação; (2) sobre o dizer de direito, saber se ocorre fundamento para concluir que a sentença aplicou inadequadamente o direito. IV – Fundamentação A) Fundamentação de facto Pronunciando-se em sede de matéria de facto, consta da sentença (transcrição): 1.1. Factos provados 1.1.1 A autora BB, terapeuta ocupacional, foi admitida por AA (a aqui ré), para sob as suas ordens, fiscalização e direcção exercer as funções de cuidadora do pai CC, com inicio a 1 de Agosto de 2019, mediante a retribuição mensal de €1.600,00. 1.1.2 Tais funções seriam exercidas na fracção autónoma da ré, sita na Praceta ..., ... ..., onde residia CC. 1.1.3. Desde o inicio da sua admissão a autora passou a viver na morada acima referida, para poder prestar cuidados de saúde e outros a CC, que deles necessitava de dia e de noite, acompanhando-o de forma permanente. 1.1.4. CC não tinha a residir em Portugal nenhum familiar próximo, estando ambos os filhos a residir nos Estados Unidos da América. 1.1.5. A autora dormia e passava os fins de semana e os feriados na casa onde residia CC. 1.1.6. A autora realizava actividades/ exercícios com CC com vista a estimular o aumento da sua força, mobilidade, e equilíbrio e as suas funções cognitivas. 1.1.7. Para além destas funções, cabia à autora zelar pela limpeza da casa, e cuidar da roupa de CC; 1.1.8. Fazer compras de géneros alimentícios, roupas, medicamentos para CC; 1.1.9. A autora tinha ainda a obrigação de acompanhar CC nas consultas e tratamentos a que o mesmo estava sujeito. 1.1.10. A autora cuidou de CC desde 1 de Agosto de 2019 até 20 de janeiro de 2020. 1.1.11. De 20 de Janeiro a 10 de Fevereiro de 2020, a autora foi gozar os proporcionais dos dias de férias, considerando o período referido em 1.1.10. 1.1.12. Durante o período referido em 1.1.10, a autora contratou uma pessoa para limpar a casa e outra ou outras para ficarem, nas suas ausências, com CC. 1.1.13. A 20 de Janeiro de 2020, perante a sua ausência, a autora contratou uma pessoa para ficar com CC. 1.1.14. No dia 21 de Janeiro de 2020 o filho de CC, que se encontrava em Portugal, remeteu à autora o e-mail de folhas 17-17 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 1.1.15. Posteriormente, com data de 28 de janeiro de 2020, a ré remeteu à autora, que recebeu a 3 de Fevereiro de 2020, a carta de folhas 18-18 verso, de onde consta que CC teria falecido e que a autora estava despedida, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 1.1.16. Durante o período referido em 1.1.10. da conta titulada por CC para a autora foram feitas as seguintes transferências bancárias: a) a 21.08.2019 da quantia de €90,00- folhas 119; b) a 22.08.2019 da quantia de €325,00, com a indicação “comida etc”- folhas 127; c) a 29.08.2019 da quantia de €324,00, com a indicação de “fraldas”- folhas 127 verso; d) a 18.09.2019 da quantia de €1.000,00- folhas 119 verso; e) a 19.09.2019 da quantia de €600,00- folhas 120; f) a 18.10.2019 da quantia de €1.000,00 – folhas 120 verso; g) a 18,10.2019 da quantia de €600,00- folhas 121; h) a 22.10.2019 da quantia de €400,00, com a indicação “comida, etc”- folhas 128; i) a 04.11.2019 da quantia de €400,00, com a indicação “comida etc”- folhas 128 verso; j) a 06.11.2019 da quantia de €790,00, com a indicação “ subsidio de natal – prop.7/15 a 12/31/19”- folhas 129; k) l) a 18.11.2019 da quantia de €1.000,00- folhas 121 verso; l) k) a 19.11.2019 da quantia de €600,00- folhas 122; m) m) a 19.11.2019 da quantia de € 10,00, com a indicação “quantia restante de férias e natal”- folhas 129 verso; n) a 20.11.2019 da quantia de € 335,00, com a indicação “FF/GG”- folhas 130; o) a 22.11.2019 da quantia de €278,00, com a indicação “segurança social”- folhas 125; p) a 09.12.2019 da quantia de €1.000,00- folhas 122 verso; q) a 09.12.2019 da quantia de €600,00- folhas 123; r) a 18.12.2019 da quantia de €800,00, com a indicação “férias”- folhas 124 verso; s) a 18.12.2019 da quantia de €278,00, com a indicação “segurança social”- folhas 125 verso; t) a 19.12.2019 da quantia de €335,00, com indicação “FF”- folhas 130 verso; u) a 24.12.2019 da quantia de €200,00, com indicação “natal despesas”- folhas 131; v) a 02.01.2020 da quantia de €278,00- folhas 131 verso; w) a 07.01.2020 da quantia de 1.112,00, com a indicação “agosto etc. subsídios”- folhas 132, o que perfaz o valor global de €12.432,00. 1.1.17. A 4.12.2019 foi, ainda, feita para a autora a transferência da quantia de €200,00, com a indicação “comida etc”- folhas 20. 1.1.18. A ré diligenciou por remeter à autora as quantias necessárias para esta liquidar os descontos junto da Segurança Social. 1.1.19. Tais descontos constantes dos recibos de vencimento de folhas 42-48, não foram efectuados. 1.1.20. A ré não pagou à autora a retribuição do mês de Janeiro, nem os proporcionais dos 10 dias do mês de Fevereiro. 1.2. Factos não provados A) A autora foi, ainda, admitida por CC; B) A autora desempenhou as funções identificadas nos factos provados com zelo, rigor, competência, assiduidade, ininterruptamente e com elevado nível de profissionalismo atendendo a todas as necessidades e solicitações de CC e de AA. C) A autora prestava assistência a CC durante 24 horas por dia e durante 7 dias semanais ininterruptamente, como havia sido acordado com a ré AA. D) De 1 de Agosto de 2019 a 20 de Janeiro de 2020, a autora prestou 3136 horas de trabalho suplementar, as quais se encontram elencadas o artigo 50º da petição inicial. E) Com esta situação a autora ficou ansiosa e nervosa, não conseguindo dormir. F) Sentiu que estavam a colocar em causa o seu bom nome e sentiu-se humilhada. G) A ré tenha incumprido com a obrigação de pagar os descontos junto da Segurança Social. * O demais alegado na petição inicial e na contestação e que não consta nem dos Factos Provados nem dos Factos Não Provados é conclusivo e/ou consubstancia considerações de direito e/ou irrelevantes para a decisão da causa. B) Discussão 1. Recurso na parte dirigida à impugnação da matéria de facto Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do CPC que a relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente. Nestes casos, impõe-se, porém, ao recorrente o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º, no qual se dispõe: “1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[1]. Contudo, como também sublinha o mesmo autor, “(…) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[2]. Em face, pois, do supra citado dispositivo legal, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[3] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[4]. Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe que o mesmo concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”. No caso, tendo em consideração o regime antes indicado, de seguida verificaremos se foram ou não cumpridos os ónus legais, procedendo-se à apreciação se a resposta for positiva. Apreciação: Ponto 1.1.15 da factualidade provada: “1.1.15. Posteriormente, com data de 28 de janeiro de 2020, a ré remeteu à autora, que recebeu a 3 de Fevereiro de 2020, a carta de folhas 18-18 verso, de onde consta que CC teria falecido e que a autora estava despedida, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.” Em face das conclusões que apresentou, importa assinalar que, diversamente do que se imporia, não cuidou a Recorrente de separar, desde logo, os argumentos de facto dos argumentos de direito, pois que esses mistura, sendo que, desde logo, diversamente do que lhe era imposto, acaba por não indicar nas conclusões, de forma inequívoca e que não deixasse dúvidas, sequer a redação que deveria ser dada ao ponto de facto impugnado, o que nos leva a questionar se cumpriu efetivamente os ónus legais antes indicados – incumprimento que, como o dissemos, leva à rejeição do recurso na parte afetada. Não obstante, numa leitura claramente menos formalista quanto ao que será exigível em termos de cumprimento desses ónus, sempre diremos, conhecendo do recurso, que sequer o que a Recorrente argumenta levaria à procedência do recurso, pois que, manifestando é certo a sua discordância em relação ao pagamento em que foi condenada de três dias de fevereiro, a prova que de seguida indica tem em vista evidenciar que a Autora teria tido conhecimento do falecimento do Sr. CC e não, já, ao conteúdo do facto que impugna, pois que esse se reporta ao momento do recebimento da carta que aí se indica e, mas apenas, o que dessa carta constaria, o que é coisa diversa de se afirmar o momento em que a Autora teria tido conhecimento desse falecimento. Ou seja, a Recorrente, referindo designadamente que “soube, quer na sequência do email remetido pelo Sr. CC (filho), quer através da carta enviada a 28 de Janeiro, quer através de contactos efectuados com o Sr. EE e com a própria sogra, que o Sr. CC havia falecido no dia em que faleceu, ou seja, a .../.../2020”, ou que a Autora teria acabado “igualmente por admitir, nomeadamente que lhe constou que o falecimento ocorreu no dia do aniversário do seu filho”, para concluir que “atentas as próprias declarações da Autora que, nesta matéria, têm igualmente que ser reapreciadas, não restam dúvidas de que teve conhecimento do falecimento do Sr. CC muito antes do referido dia .../.../2022”, a que acrescesse, importa tê-lo em, conta, que o Tribunal recorrido se pronunciou, de modo expresso, na motivação sobre a prova do facto aqui em causa, ao ter feito constar que “as comunicações escritas de folhas 17-17 verso e 18-18 verso permitiram a prova dos factos descritos em 1.1.14 e 1.1.15, sendo que no que respeita a este último facto valorou-se, quanto à recepção, na ausência de outra prova, a admissão que a autora faz no artigo 42º de que foi informada do falecimento a 3 de Fevereiro de 2020”. Improcede assim o recurso nesta parte. Pontos 1.1.16 e 1.1.20 da factualidade provada e aditamento de um novo ponto Depois de algumas considerações e afirmações sobre o que diz ter resultado provado sobre pagamentos e transferências para a conta bancária da Autora, indicando estas na conclusão 8.ª, percebe-se, em confronto com o que resulta do ponto 16.º da factualidade provada, que pretenderá a Recorrente (conclusão 11.ª) que, nesse, para além das que aí se referem, se inclua/adite o seguinte: “no dia 02/01/2020, efectuou uma transferência no valor de €1.000,00; no dia 02/01/2020, efectuou uma transferência no valor de €600,00”, como depois, relacionado com essa factualidade que se pretende aditar, agora na conclusão 12.ª, quanto ao ponto 1.1.20 dos factos dados como provados, que não existe qualquer fundamentação que sustente cabalmente este facto, dado como provado, adiantando, quanto a este, que se não pagou (o que não corresponde à verdade) também não o tinha que fazer, atendendo a que estamos perante a cessação do contrato por caducidade, por ter ocorrido um facto alheio a qualquer umas das partes, que tornou impossível a continuação e manutenção do contrato – a data da ocorrência do facto é que determinará o fim do contrato, ou seja, o dia do falecimento do Sr. CC, para concluir (conclusão 14.ª) que seja aditado “adicionado aos factos dado como provados um novo ponto, ponto 1.1.21, com a seguinte redacção: “No dia do falecimento do Sr. CC, o contrato celebrado com a Autora cessou por caducidade, por ter ocorrido um facto alheio a qualquer uma das partes, que tornou impossível a continuação e manutenção do contrato.” Entendemos que nesta parte foram cumpridos minimamente, mas de modo bastante, os ónus legais antes indicados. Pronunciando-se a Apelada pela manutenção do julgado, no que é acompanhada pelo Ministério Público junto desta Relação, da motivação constante da sentença resulta o seguinte: “(…) Já a prova dos factos 1.1.16 e 1.1.17 decorreu dos comprovativos das transferências de folhas 119- 131 e do extracto da conta bancária da autora de folhas 20. A prova do facto 1.1.18 resulta, mais uma vez, dos comprovativos de transferência e do próprio extracto bancário apresentado nos autos pela autora. Efectivamente, dos comprovativos de folhas 125 e 125 verso e do extracto de folhas 20 resulta que a ré remeteu à autora as quantias necessárias para que esta liquidasse a Segurança social, a verdade é que o pagamento de tais descontos não veio a acontecer, dai a prova do facto 1.1.19. A prova deste facto baseou-se nos recibos de folhas 4148 e nas comunicações de folhas 57 a 59 verso. (…)” Apreciando, quanto ao pretendido aditamento ao ponto 16.º, tendo aliás presente a ºprópria pronúncia do Tribunal antes transcrita, assim em termos da prova que indica, teremos de atender, pois que razão não se invoca e por esta Relação não é detetada, para, precisamente em face de tal prova, desde logo o teor dos documentos juntos aos autos referentes a transferências, já com a contestação, mas ainda posteriormente com o requerimento de 13 de janeiro de 2022, estes mais percetíveis, não terem sido atendido ao conteúdo dos documentos que se referem às transferências referentes ao dia 02/01/2020, no valor de €1.000,00, e ao dia 02/01/2020, no valor de €600,00. Na verdade, em face da prova produzida e que foi considerada, já que nenhuma razão foi mencionada para distinguir uns documentos dos outros, assim os que foram expressamente referidos e os que o não foram, o que parece resultar é que a sua inclusão se deveu a mero lapso, desde logo porque os documentos em causa não foram juntos por ordem do dia a que se referia a transferência. Do exposto decorre, na procedência do recurso, mantendo-se o que já consta do analisado ponto, que será aditado ao mesmo, sob as alíneas x) e z) o seguinte: “(…) x) no dia 02/01/2020, efectuou uma transferência no valor de €1.000,00; y) no dia 02/01/2020, efectuou uma transferência no valor de €600,00”. Analisando agora o conteúdo do ponto “1.1.20”, cuja redação é “A ré não pagou à autora a retribuição do mês de Janeiro, nem os proporcionais dos 10 dias do mês de Fevereiro”, importa salientar, desde logo, salvo o devido respeito, para além de se tratar de afirmação negativa que contraria o ónus da prova, que também esse conteúdo se traduz exclusivamente numa mera conclusão, que de resto, também com relevância, envolve já a aplicação do direito, assim o saber se pagou ou não a retribuição e proporcionais a que aí se alude. Ora, como evidencia Anselmo de Castro[5], sendo “factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”, porém, “só, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos)”, do que resulta “não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste”. Do mesmo modo, no âmbito da Jurisprudência, designadamente dos tribunais superiores, incluindo o Supremo Tribunal de Justiça, tem sido entendimento que as conclusões ou juízos valorativos, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa, apenas devem / podem extrair-se de factos materiais, devidamente concretizados, que, tendo sido alegados, tenham sido objeto da instrução e discussão da causa, sendo como base nesses que, mas já em momento posterior, assim aquando da aplicação do direito, devem depois ser formuladas tais conclusões ou juízos valorativos. Refere-se no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de julho de 2021[6], a esse respeito, citando-se Helena Cabrita[7], que “[o]s factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta”. Do exposto decorre que o analisado ponto deve ser excluído do elenco factual, o que se decide. As considerações anteriores são, diga-se, de resto ainda com maior evidência, aplicáveis quanto ao aditamento daquilo a que a Recorrente designa por ponto “1.1.21”, pois que, sendo a redação oferecida a de que “No dia do falecimento do Sr. CC, o contrato celebrado com a Autora cessou por caducidade, por ter ocorrido um facto alheio a qualquer uma das partes, que tornou impossível a continuação e manutenção do contrato”, tal traduz-se numa mera conclusão, que envolve claramente, e apenas, a aplicação do direito no caso, não se traduzindo, pois, em facto que deva constar da factualidade provada. Por decorrência do exposto, improcedendo no mais, exclui-se o ponto “1.1.20” e o ponto “1.1.16” passa a ter a redação seguinte: “Durante o período referido em 1.1.10. da conta titulada por CC para a autora foram feitas as seguintes transferências bancárias: “(…) x) no dia 02/01/2020, efectuou uma transferência no valor de €1.000,00; y) no dia 02/01/2020, efectuou uma transferência no valor de €600,00”. Ponto 1.1.18, da factualidade provada Este ponto tem a seguinte redação: “1.1.18. A ré diligenciou por remeter à autora as quantias necessárias para esta liquidar os descontos junto da Segurança Social.” Em face do que resulta das conclusões quanto a este ponto constata-se que a Recorrente se limita a dizer que, no que diz respeito à condenação no pagamento da contribuição relativa à remuneração do mês de janeiro de 2020, e como decorre dos próprios factos provados, resulta que no dia 02 de Janeiro de 2020 transferiu para a Autora a quantia de €278,00 para pagamento do desconto desse mês, para concluir que “também aqui se impõe que seja julgado provado e adicionado ao facto dado como provado no ponto 1.1.18 o seguinte: “A ré diligenciou por remeter à Autora as quantias necessárias para esta liquidar os descontos junto da Segurança Social, incluindo a quantia referente à contribuição do mês de janeiro de 2020”. Pronunciando-se a Apelada pela manutenção do julgado, no que é acompanhada pelo Ministério Público junto desta Relação, tendo desde logo presente o que consta da motivação da sentença – assim, que “a prova do facto 1.1.18 resulta, mais uma vez, dos comprovativos de transferência e do próprio extrato bancário apresentado nos autos pela autora”, pois que “Efectivamente, dos comprovativos de folhas 125 e 125 verso e do extracto de folhas 20 resulta que a ré remeteu à autora as quantias necessárias para que esta liquidasse a Segurança social, a verdade é que o pagamento de tais descontos não veio a acontecer, dai a prova do facto” –, como ainda o que consta do pontoem análise, bem como, diga-se, do ponto seguinte (1.1.19), assim que “tais descontos constantes dos recibos de vencimento de folhas 42-48, não foram efectuados”, extrai-se que o sentido dado ao ponto anterior, ao referir-se que a Ré diligenciou por remeter à autora as quantias necessárias para esta liquidar os descontos junto da Segurança Social, deve ser o de que o Tribunal recorrido se está aqui a referir aos descontos que constam dos recibos e, pois, apenas até dezembro de 2019, estando assim excluídos quaisquer descontos referentes ao mês de janeiro e fevereiro, sendo que, diga-se, é afinal esse sentido, assim limitado, que está na base da pretensão da Recorrente em ver aditado, no ponto 1.1.18, o texto “incluindo a quantia referente à contribuição do mês de janeiro de 2020”. Sendo assim, sem prejuízo de se impor verificar se a prova dá sustento à alteração pretendida pela Recorrente, as respostas terão de ser claras, no sentido de se extrair o facto que deva constar. Ora, baseando-se a Recorrente no essencial em termos de prova na circunstância de ter sido realizada uma transferência no dia 02 de janeiro da quantia de €278,00, sendo verdade que essa ocorreu, no entanto, salvo o devido respeito, já não poderemos dizer que efetivamente essa transferência se refira à contribuição do mês de janeiro, pois que, afinal, não poderemos afirmar, com base na prova, que não se possa referir ao período anterior, tanto mais que, em face do que resulta do ponto 1.1.16, a respeito de transferências, apenas em dois casos se encontra a indicação “segurança social, assim as de 22.11.2019 e 18.12.2019, ambas no valor de €278,00, a que acresce, mesmo considerando-se que a transferência realizada no dia 02.01.2020, apesar de não constar indicação, por ser de valor igual (€278,00- folhas), tenha tido essa finalidade, porque afinal totalizariam apenas três transferências, nada nos permite dizer, em termos de divergirmos da convicção do Tribunal recorrido, que tivesse de dizer respeito ao mês de janeiro de 2020, até porque, mesmo por referência aos momentos em que ocorreram as transferências, se considerarmos as indicações que se fizeram constar, não disseram necessariamente respeito a pagamentos para o mês em que ocorreram. Em face do exposto, improcedendo o recurso nesta parte, alteramos, porém, oficiosamente, a redação do ponto 1.1.18, em termos de constar o sentido que deve ter, nos termos antes mencionados, passando esse a ter a redação seguinte: “1.1.18. A ré diligenciou por remeter à autora, até ao mês de dezembro de 2019, as quantias necessárias para esta liquidar os descontos junto da Segurança Social”. 1.3. Da matéria de facto a atender Por decorrência do anteriormente decidido, o quadro factual provado a atender, para dizermos o direito do caso, é aquele que o Tribunal a quo considerou provado, com as alterações antes decididas. * Em face das conclusões apresentadas pela Recorrente, que como já o dissemos acabam por misturar argumentos dirigidos à impugnação da matéria de facto com argumentos de direito, percebe-se, ainda assim, que dirige o recurso, divergindo do decidido, ao ter sido condenada no “pagamento à Autora da retribuição de Janeiro de 2020 e a 3 dias de retribuição de Fevereiro de 2020, assim como a questão dos descontos para a segurança social, relativos a tal quantia” (conclusão 1.ª), para defender que deve ser declarada improcedente a ação e, por consequência, deverá ser “absolvida de todos os pedidos peticionados pela Autora na sua Petição Inicial” (conclusão 36.ª) Dentro da mencionada menor clareza e arrumação das questões que coloca no âmbito da aplicação do direito, percebe-se, ainda assim, que invoca designadamente o seguinte: - no que a pagamentos efetuados pela Recorrente diz respeito, a Autora refere (artigo 45º da Petição Inicial) que não lhe foi pago o salário referente ao mês de janeiro de 2020, no valor de €1.600,00, referindo ainda que não foi pago o valor proporcional até ao dia 10 de fevereiro, que perfaz o montante €533,00, uma vez que estaria a gozar férias até esse dia, sendo que, no pedido efetuado, solicita o pagamento de €2.133,00 correspondente aos salários alegadamente não pagos (€1600,00 e €533,00); a retribuição relativa ao mês de janeiro de 2020 não é devida à Autora, visto ter sido paga e ainda lhe ter sido adiantado dinheiro relativo ao mês de fevereiro, sendo que, acrescenta ainda, não obstante o dia do conhecimento do facto por parte da Autora, o dia que deverá ser considerado é o dia do falecimento e não do conhecimento, ou seja, o dia .../.../2020, motivo pelo qual não pode ser condenada ao pagamento da retribuição dos três dias do mês de fevereiro, e por consequência, da contribuição correspondente – “se não pagou (o que não corresponde à verdade) também não o tinha que fazer atendendo a que estamos perante a cessação do contrato por caducidade, por ter ocorrido um facto alheio a qualquer umas das partes, que tornou impossível a continuação e manutenção do contrato. A data da ocorrência do facto é que determinará o fim do contrato, ou seja, o dia do falecimento do Sr. CC”. Defendendo a Recorrida o julgado, no que é acompanhada pelo Ministério Público junto desta Relação, constata-se que da sentença recorrida, com exclusão das questões que não foram objeto de recurso e que por essa razão transitaram em julgado, no que aqui importa se fez constar o seguinte (transcrição): “(…) Tendo como pano de fundo a matéria de facto dada como provada, encontra-se demonstrada, de forma clara, a cessação da relação laboral existente entre a autora e a ré, sendo que o que a terá despoletado foi a missiva, com data de 28.01.2020, referida no ponto 1.1.15. Visto o teor da referida missiva, constata-se que apesar de lá se referir a actuação da autora para com CC, o certo é que ali se menciona, com relevância, para a situação dos autos que CC “faleceu há uns dias”. A este propósito, estipula o artigo 343º do Código do Trabalho que “o contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente: (..) b) por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber.” E estabelece o artigo 346º do Código do Trabalho, aplicável com as devidas adaptações à situação dos autos, que “1. A morte do empregador em nome individual faz caducar o contrato de trabalho (..)” No caso em apreço, com o falecimento de CC não era possível a manutenção do contrato de trabalho, não obstante este não ser o empregador, mas antes o “objecto” do contrato. Na verdade, visando o contrato a prestação de cuidados a CC, com o seu falecimento esvaziou-se o seu conteúdo, terminando, assim, a sua razão de ser. Como assim, independentemente da descrição do tratamento e dos motivos exarados naquela missiva, o certo é que não ocorreu qualquer despedimento, que sempre pressuporia essa justificação, mas antes a cessação do contrato por caducidade, por ter ocorrido um facto alheio a qualquer umas das partes, que tornou impossível a continuação e manutenção do contrato. De todo o modo, não seria possível a reintegração, e como tal, por maioria de razão, não é admissível a indemnização substitutiva daquela. A cessação do contrato por caducidade ocorreu no momento em que chega ao conhecimento da autora o facto que a despoletou, a saber 3 de Fevereiro de 2020. Falece, assim, o pedido de julgar ilícito o despedimento da autora, uma vez que o contrato de trabalho cessou por outro fundamento que não esse. A autora não tem, assim, direito a ser indemnizada nos termos dos artigos 389º e 391º do Código do Trabalho. Posto isto, importa, agora, averiguar se a autora tem direito aos créditos salariais que peticiona, que não constituem consequência directa do despedimento, já que estes últimos, atento o acima referido, não serão devidos. (…) Por último, resta averiguar se a autora terá direito aos salários não pagos, bem assim se a ré deve ser condenada a pagá-los e a fazer os descontos para a Segurança Social desde Agosto de 2019 a Fevereiro de 2020. A este propósito, refere a autora que não recebeu a retribuição de Janeiro de 2020, bem assim o valor proporcional dos 10 dias de retribuição do mês de Fevereiro de 2020. Como referimos supra, o contrato cessou, por caducidade a 3 de Fevereiro de 2020. E se atentarmos na matéria de facto dada como provada, mormente aos pagamentos que foram efectuados verificamos que, efectivamente não foi liquidada a retribuição de Janeiro de 2020. Já que no valor global transferido temos também de considerar o valor dos subsídios, o que foi remetido para pagamento dos descontos à Segurança Social, alimentação, contratação de outras pessoas, entre outros. Na medida do exposto, é devida a autora a retribuição do mês de janeiro de 2020, no valor de €1.600,00, bem assim a correspondente a 3 dias do mês de Fevereiro de 2020, no valor €160,00. De outra banda, e já quanto aos descontos da segurança social, tendo resultado provado que a ré diligenciou pela entrega à autora dos valores devidos à segurança social e que foram efectuadas transferências com essa indicação, não pode a ré ser condenada a proceder a tais descontos. Com efeito, se a autora recebeu os valores para esse efeito era a ela que incumbia liquidar tais descontos, se não o fez terá de acarretar com as consequências legais. De todo o modo, apesar do acima referido, e no que respeita às retribuições em falta – janeiro de 20202 e 3 dias do mês de Fevereiro de 2020-, a ré terá de liquidar os respectivos descontos devidos à segurança social. À luz do exposto, a acção procede, apenas, parcialmente, nos exactos termos acima referidos, impondo-se a condenação e a absolvição da ré, respectivamente.” Cumprindo-se apreciar, na consideração, também, diga-se, das alterações a que procedemos anteriormente em sede de matéria de facto, não divergimos, adiante-se desde já, da solução a que chegou o Tribunal recorrido. Na verdade, e em primeiro lugar, não sendo objeto do presente recurso o modo como ocorreu o fim da relação laboral, ou seja, por caducidade, limitada então a apreciação ao que é objeto do recurso, assim o momento em que essa caducidade ocorreu, importa ter presente, o que a Recorrente parece esquecer, que era ela a empregadora e não o seu falecido pai, circunstância essa que nos leva a concluir, como o tribunal a quo, que esse falecimento não produz, por si só, a caducidade do contrato – como ocorreria, nesse caso sim, caso aquele fosse o empregador, mas não o era (“1. A morte do empregador em nome individual faz caducar o contrato de trabalho (…)” –, razão pela qual, ainda que o contrato visasse a prestação de cuidados àquele, esvaziando-se com o falecimento esse seu conteúdo e terminando, assim, a sua razão de ser, como referido na sentença, pressupunha, como aí se considerou, para a caducidade ocorrer, que essa fosse comunicada ao trabalhador, assim no caso à Autora, o que, em face da factualidade provada, sendo que é essa que releva para se dizer o direito, apenas ocorreu, como afirmado, no momento em que chega ao conhecimento daquela a comunicação, assim no dia 3 de fevereiro de 2020. Também, agora em segundo e último lugar, no que se refere aos pagamentos em que a Ré foi condenada a factualidade provada não dá suporte à pretensão da Recorrente. Na verdade, mais uma vez tendo presente apenas o que resulta do quadro factual provado, diversamente do que defende a Recorrente não se pode concluir, sendo que se trata de facto em relação ao qual sobre a mesma impende o ónus da prova enquanto extensivo da obrigação, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil – “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita” –, que esteja demonstrado, cumprindo tal ónus, o pagamento que defende, pois que, na consideração do que resulta das transferências que constam da factualidade provada, até porque essas tinham afinal várias finalidades, da mera circunstância de terem aquelas resultado provadas, não se extrai, no que aqui importa, assim quanto aos pagamentos referentes a janeiro e/ou fevereiro de 2020, que esses se possam considerar demonstrados. Aliás, mesmo na consideração do valor do salário, assim de €1600,00, apesar de resultar provado que no dia 02/01/2020 efetuou uma transferência no valor de €1.000,00 e outra no valor de €600,00, o que totalizaria o montante daquele salário, tal não permite concluir, até por apelo ao mais que se provou, assim o momento em que as anteriores transferências foram feitas e as várias finalidades que visariam, que efetivamente tivessem visado o pagamento do salário de janeiro, como ainda os dias em falta de fevereiro. Aliás, vistas todas as transferências, assim aquelas que de algum modo poderiam permitir extrair uma conclusão no sentido de que se referiam a pagamentos do referido salário, como se disse no valor de €1.600,00, apenas se encontram, por apelo à factualidade, em cinco casos: em 18.09.2019, da quantia de €1.000,00 e em 19.09.2019d a quantia de €600,00; a 18.10.2019 da quantia de €1.000,00 e da quantia de €600,00; a 18.11.2019 da quantia de €1.000,00 e a 19.11.2019 da quantia de €600,00; a 09.12.2019 da quantia de €1.000,00 e da quantia de €600,00; a 02/01/2020, da quantia de €1.000,00 e da quantia de €600,00”. Ou seja, tendo o contrato tido o seu início em agosto de 2019, permitindo essas dizer que ficaria demonstrado o pagamento dos salários até dezembro de 2019 e não, pois, a qualquer outro ou outros, sendo que, como se disse, o ónus da prova impendia sobre a Ré/recorrente, do que decorre, tal como se concluiu na sentença, serem devidos o salário do mês de janeiro de 2020 e dos dias de fevereiro em que o contrato vigorou. O que se referiu anteriormente é também aplicável à questão dos descontos para a Segurança Social em que a mesma sentença condenou a Recorrente, pois que, do mesmo modo, sendo que esse facto fica agora mais esclarecido em face da alteração a que se procedeu neste recurso quanto ao ponto 1.1.18, apenas está demostrada a entrega à Autora do devido até dezembro de 2019, estando assim em falta o demais afirmado na sentença. Improcede, por decorrência do exposto, totalmente o recurso no âmbito do direito. No que se refere a custas, a responsabilidade impende sobre a Recorrente (artigo 527.º do CPC). * Sumário, a que alude o artigo 663.º, n.º 7, do CPC, da responsabilidade exclusiva do relator:………………….. ………………….. ………………….. *** V - DECISÃO Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, procedendo parcialmente quanto à impugnação da matéria de facto, em julgar no mais improcedente o recurso. Custas pela Recorrente. Porto, 24 de outubro de 2020 (assinado digitalmente) Nelson Fernandes Rita Romeira Teresa Sá Lopes ___________________ [1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222 [2] Op. cit., p. 235/236 [3] cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt [4] cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt [5] Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, págs. 268/269 [6] Processo 19035/17.8T8PRT.P1.S1. Conselheiro Júlio Gomes, disponível em www.dgsi.pt [7] A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pp. 106-107 |