Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MANUELA MACHADO | ||
Descritores: | PROCURAÇÃO DOCUMENTO PARTICULAR AUTENTICADO INVALIDAÇÃO DO NEGÓCIO | ||
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Nº do Documento: | RP202405093371/21.1T8VFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/09/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O Tribunal da Relação, nos termos do art. 662.º, nº 1 do CPC, apenas deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. II - Não beneficiando a pessoa incapaz de entender a declaração, do estatuto de maior acompanhado, apenas por via da incapacidade acidental, nos termos do disposto no art, 257.º do Código Civil, poderá ver anulado qualquer ato que tenha praticado sem ter capacidade para o efeito, conforme resulta do disposto no art. 154.º, nº 3 do mesmo diploma legal. III - A procuração outorgada como documento particular, que, posteriormente, foi submetido a autenticação, goza, em princípio, da força probatória plena conferida aos documentos autênticos – arts. 372.º, nº 1, e 377.º do CC. Contudo, tendo sido suscitada a questão de a procuração ser nula, o certo é que a força probatória do documento particular autenticado não abrange a materialidade das declarações que aí se encontram plasmadas, como, se estas estão ou não conformes à realidade, ou ainda, se quem as emitiu se encontrava plenamente consciente e capaz para compreender o conteúdo do seu comportamento declarativo. IV - Quando forem exercidos os poderes conferidos ao procurador, deixa de caber o recurso à revogação da procuração, impondo-se impugnar, antes, o negócio principal ou representativo, e não a procuração, uma vez que é naquele primeiro que se repercute o vício da procuração, enquanto ato de outorga de poderes representativos. V - Do art. 259.º, n.º 1, do CC, decorre a possibilidade de invalidar o negócio principal, sem necessidade de se invalidar a procuração. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação 3371/21.1T8VFR.P1 Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO AA e mulher BB intentaram ação declarativa na forma de processo comum contra CC, pedindo que seja declarada nula, ou se assim não se entender anulada, a procuração outorgada em 14.11.2018 por DD e EE a favor do Réu e a escritura de doação lavrada em 14.11.2018 pelo Notário do Primeiro Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, bem como seja determinado o cancelamento da inscrição de aquisição a favor do Réu, correspondente à Ap. ..., com todas as consequências legais. Alegam, em síntese, que o pai do autor e réu (conjuntamente com a sua mãe), doou (por intermédio de procuração prévia) ao réu, por conta da quota disponível, a nua propriedade de um prédio urbano. Todavia, à data o pai de ambos sofria de demência de Alzheimer, num estádio avançado, pelo que não tinha capacidade para aquele ato, invocando a nulidade da procuração (com base na falsidade intelectual, nos termos do artigo 372º do Código Civil) ou a sua anulabilidade (com base na incapacidade acidental – art. 257.º, do CC). O réu apresentou contestação, alegando, em síntese, que (para além da ilegitimidade ativa do autor), o direito do autor caducou uma vez que decorreu mais de um ano sobre a data em tomou conhecimento da escritura de doação. Por outro lado, o pai de ambos estava lúcido no momento da doação e tinha capacidade para entender a decisão que estava a tomar. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, onde se decidiu anular o contrato de doação mencionado na alínea 9) dos factos provados. * Não se conformando com o assim decidido, veio o réu interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, formulando as seguintes conclusões:“1) O Recurso vem interposto da Douta Sentença proferida nos Autos em 22/06/2023, nos termos da qual o Meritíssimo Juiz do tribunal a quo decidiu anular o contrato de doação mencionado na alínea 9) dos factos provados e condenar o Réu nas custas do processo, por o Recorrente discordar da mesma, entendendo que o Tribunal ad quo efetuou uma errada apreciação e valoração da prova documental e testemunhal existente nos autos e produzida na audiência de julgamento e efetuou uma errada apreciação da matéria de direito. 2) O Meritíssimo Juiz do Tribunal recorrido entendeu dar como provados e não provados determinados factos quando, em função da prova, efetivamente, produzida na audiência de julgamento se impunha, como se impõe, que a decisão vertida sobre a matéria de facto dada como provada fosse necessariamente outra e, consequentemente, que conduzisse à absolvição do Recorrente do pedido formulado pelos Autores. 3) Nos termos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea a) do CPC considera-se que foram, incorretamente, julgados provados, na medida em que se verifica que há factos incorretamente dados como provados, factos que padecem de erros, alguns dos quais grosseiros, e factos que carecem totalmente de prova, e outros que deveriam ter sido dados como provados, atenta a prova produzida, designadamente os seguintes: os Artigos 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º e 23.º dos factos dados como provados, os quais deverão ser dados como não provados ou ver a redação alterada/aditada no sentido que se deixará sumariamente explicitado, e alínea b) dos factos dados como não provados, o qual deverá ser dado como provado nos termos explanados infra. 4) Era o Recorrente e a sua companheira quem viviam diariamente com os falecidos, quem providenciavam e prestavam todo o tipo de apoio e cuidado, designadamente apoio financeiro e cuidados/acompanhamento a nível de consultas médicas e tratamentos, e outros, auxiliando-os na alimentação, na sua higiene pessoal, levando-os a consultas médicas, contratando os serviços de apoio domiciliário e pagando os respetivos serviços. 5) Foram os falecidos que quiseram, e inclusive insistiram, em fazer a procuração e a escritura de doação como compensação pelo facto de o Réu/Recorrente ter acedido aos seus pedidos para tomar conta deles até ao final da vida e fosse viver para a sua casa, sendo, assim, perfeitamente normal que o falecido DD fizesse a doação em causa nos autos ao Recorrente e não aos outros filhos que não o cuidavam, daí a sua declaração de vontade. 6) Tal facto consta até da Escritura de Doação que “disse ainda o outorgante, na qualidade de procurador dos doadores, que impõe ao donatário, ele próprio, o encargo de os tratar e zelar, tanto no estado de saúde, como no de doença, as expensas deles doadores até seiscentos euros por mês e a expensas do donatário em tudo o que exceder este valor”, conforme consta do documento n.º 3 junto à Petição Inicial. 7) No que respeita aos artigos 9.º e 10.º dos factos dados como provados, para cujo teor remete e dá aqui por integralmente reproduzido, deveria ter sido dado como provado que, aditando a seguinte matéria ao artigo 10.º dos factos dados como provados: “disse ainda o outorgante, na qualidade de procurador dos doadores, que impõe ao donatário, ele próprio, o encargo de os tratar e zelar, tanto no estado de saúde, como no de doença, as expensas deles doadores até seiscentos euros por mês e a expensas do donatário em tudo o que exceder este valor”, conforme consta do documento n.º 3 junto à Petição Inicial. 8) Quanto aos artigos 11.º a 23.º dos factos dados como provados, para cujo teor remete e dá aqui por integralmente reproduzido, a matéria de facto dada como provado não tem correspondência com a prova documental e testemunhal produzida nos autos. 9) O falecido DD era seguido em consulta de neurologia desde 2015. 10) Nas consultas médicas de 07/04/2015 e de 09/07/2015, o médico verificou que o falecido DD se encontrava nas condições relatadas nos artigos 12.º e 14.º, respetivamente, dos factos dados como provados. 11) Ao contrário do que consta no artigo 13.º dos factos dados como provados, o falecido DD não foi, nessa altura, diagnosticado com “demência vascular e depressão”. 12) Consta do relatório de 07/04/2015 que, após o exame do falecido, o médico coloca no relatório um campo denominado “Impressão”: colocando, assim, a hipótese de haver “demência vascular e depressão ou DA (Doença de Alzheimer) interposta?”, mas em nenhum lado desse relatório consta que o falecido tenha sido, nessa altura, diagnosticado com qualquer doença. 13) O facto constante do artigo 13.º encontra-se em manifesta contradição com o facto constante do artigo 15.º, pois o falecido DD não pode ter sido “diagnosticado com demência vascular e depressão” em 07/04/2015 e depois em 03/12/2015 ter sido diagnosticado com “doença de Alzheimer”. 14) O Dr. FF questionado enquanto testemunha nos presentes autos, refere, em primeiro lugar, após ter sido confrontado com os relatórios médicos juntos aos autos em 01/01/2023, que os relatórios não tinham sido feitos por ele, mas antes por colegas seus que passaram receitas ao doente. 15) O médico, no seu depoimento, que supra se deixou transcrito, e que se dá aqui por integralmente reproduzido, é claro ao relatar que, inicialmente o estado da doença do falecido DD estava agravado pela toma de medicamentos e que quando se retirou os medicamentos o senhor melhorou temporariamente e depois assistiu-se à degradação natural e típica da doença, tendo referido que “houve uma melhoria grande do estado de atenção dele”, explicando que levantava a dúvida a ele próprio em 03/12/2015, que “se ele melhorou muito com a retirada da medicação, isto normalmente prova que as demências podem estar agravadas pela medicação” (cfr. Depoimento de Dr. FF, gravado em CD – Sessão de Julgamento de 31/03/2023, com Início: 10:52:26h e Fim: 11:14:03h, (Minutos 00:00:00 a 00:21:37 por referência à Ata de Audiência de Julgamento), gravação com referência: 20230331105224_4107376_2870481, Minutos 00:01m a 08:12m e Minutos 14:01m a 21.23m supra transcritos e que aqui se deixam integralmente reproduzidos). 16) No relatório de 03/12/2015 juntos aos autos em 01/01/2023 é referido o seguinte “muito melhor. Vem de cadeira”, “tem períodos em que caminha pelo pé dele”. “já muito acordado, colaborante”, “sabe onde está, que estamos em dezembro”, “Muito melhor!”, “Fez muita fisioterapia, acupuntura”. 17) No relatório seguinte de 09/06/2016, o médico não relata que o estado de saúde do falecido DD se tenha agravado, pelo contrário refere que além de um pouco de sonolência “mantém o resto”. 18) Esse quadro mantém-se em 20/10/2016, pois apesar de ser referido que “vem de cadeira de rodas”, só é aí aludido que está “bem cuidado. Bem disposto”, e que “mantemos tudo”. 19) Tal quadro se mantém em 10/05/2017, 03/11/2017 e 07/09/2018, sendo referido, nesses relatórios que o falecido DD está “bem acordado, diz me bom dia”, “diz que anda muito, que sabe o que está a fazer”, “de resto tem andado bem. Mantemos”. 20) No seu depoimento que supra se deixou transcrito, e que se dá aqui por integralmente reproduzido, o médico referiu, a este propósito, quando questionado acerca da expressão constante do relatório de 03/11/2017 “diz que anda muito, que sabe o que está a fazer”, (relatório esse elaborado em data próxima à realização da escritura em causa nos autos), o falecido DD foi capaz de dizer a este médico como se encontrava, que caminhava muito, que andava muito a pé e que sabia o que estava a fazer – facto que permite atestar que o mesmo se encontrava lúcido e tinha capacidade de compreensão (cfr. Depoimento de Dr. FF, gravado em CD – Sessão de Julgamento de 31/03/2023, com Início: 10:52:26h e Fim: 11:14:03h, (Minutos 00:00:00 a 00:21:37 por referência à Ata de Audiência de Julgamento), gravação com referência: 20230331105224_4107376_2870481, Minutos 00:01m a 08:12m e Minutos 14:01m a 21.23m supra transcritos e que aqui se deixam integralmente reproduzidos). 21) Apenas a 29/05/2019, parece existir alguma alteração desse quadro, sendo referido que o falecido DD está “mais parado”. 22) Verifica-se que a matéria de facto constante dos artigos 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º não tem correspondência com a realidade, pois a 03/12/2015, o falecido DD não se encontrava nas condições ali descritas, mas pelo contrário, no relatório de 03/12/2015 junto aos autos em 01/01/2023 é referido o seguinte “muito melhor. Vem de cadeira”, “tem períodos em que caminha pelo pé dele”. “já muito acordado, colaborante”, “sabe onde está, que estamos em dezembro”, “Muito melhor!”, “Fez muita fisioterapia, acupuntura”. 23) A matéria de facto constante dos artigos 21.º e 22.º não tem correspondência com a realidade, pois a 03/11/2017, o falecido DD é capaz de dizer ao próprio médico que “anda muito, que sabe o que está a fazer”. 24) O Recorrente entende que a convicção do Tribunal ad quo, a propósito do depoimento dos autores, réu e demais testemunhas carece de lógica, porquanto o Douto Tribunal ad quo, por um lado, deu relevância às declarações de parte dos autores e dos co-autores e dos depoimentos das testemunhas GG, nora dos falecidos HH, filha dos Autores e II, neto do falecido, e por outro, considerou que as testemunhas arroladas pelo Réu, seus familiares, incluindo a colaboradora do Notário e o próprio Notário, eram tendenciosas e parciais. 25) Os Autores, cônjuges e filhos estavam incompatibilizados com o Réu, como tal os depoimentos dos primeiros são logicamente parciais e tendenciosos, devendo, pelo contrário ter sido privilegiada a demais prova produzida nos autos. 26) As razões apresentadas pelo Douto Tribunal ad quo para afastar a relevância dos depoimentos das testemunhas, JJ, colaboradora do Notário (de que prestou depoimento genérico “se não estivessem bem não assinavam”) e Dr. KK, Notário, (“ao arrepio das regras de cuidado e cautela, que o mesmo afirmou ser-lhe indiferente que o doador estivesse diagnosticado com alzheimer, relevando isso sim o seu procedimento (no fundo, declarou que o prévio diagnóstico da doença de alzheimer não lhe suscitaria dúvidas sobre a integridade das faculdades mentais do doador)”, pessoas alheias às relações familiares em causa, e que como tal sem nenhum interesse na decisão em causa nos presentes autos, raiam, salvo o devido respeito o absurdo. 27) Tendo passado mais de cinco anos sobre a data da realização do termo de autenticação da procuração, o estranho seria se a colaboradora do Notário, que certamente, realiza dezenas, senão centenas de escrituras por ano, se recordasse da concreta situação, sendo que a própria testemunha quando questionada se se recorda da realização de uma procuração e de uma deslocação à casa do falecido DD em 14/11/2018, utiliza a seguinte expressão “sr. dr. é tanta gente que é impossível de saber” (cfr. Depoimento de JJ, gravado em CD – Sessão de Julgamento de 31/03/2023, com Início: 15:17:01h e Fim: 15:32:19h, (Minutos 00:00:00 a 00:15:17 por referência à Ata de Audiência de Julgamento), gravação com referência 20230331151700_4107376_2870481, Minutos: 00:01m a 08:14m e Minutos 11:37m a 15:12m supra transcritos e que são aqui por integralmente reproduzidos). 28) A testemunha foi clara, ao relatar o procedimento que tem em todas as situações do género, tendo cuidado em ver se as pessoas estão em condições de outorgar o documento, e se não estivessem em condições, não fazia a procuração, tem cuidado de ler a procuração e de perguntar se confirma o conteúdo, afirmando perentoriamente, que, neste caso se fez a procuração é porque a pessoa estava consciente daquilo que queria fazer (cfr. Depoimento de JJ, gravado em CD – Sessão de Julgamento de 31/03/2023, com Início: 15:17:01h e Fim: 15:32:19h, (Minutos 00:00:00 a 00:15:17 por referência à Ata de Audiência de Julgamento), gravação com referência 20230331151700_4107376_2870481, Minutos: 00:01m a 08:14m e Minutos 11:37m a 15:12m supra transcritos e que são aqui por integralmente reproduzidos). 29) A testemunha Dr. KK, Notário relatou que, independentemente do diagnóstico que a pessoa tem, importa é verificar no momento em que a pessoa em causa está a realizar o negócio se esta percebe aquilo que está a fazer, ou seja, tem de verificar “se a alzheimer daquela pessoa a impede de perceber aquilo que está a fazer ou não” e que “quando não temos dúvida nenhuma fazemos, o que me interessa é que no momento em que eu estou a explicar ela perceba o que está me diga sempre o que quer” (cfr. Depoimento de Dr. KK, gravado em CD – Sessão de Julgamento de 31/03/2023, com Início: 15:33:07h e Fim: 15:52:00h, (Minutos 00:00:00 a 00:18:53 por referência à Ata de Audiência de Julgamento), gravação com referência 20230331153307_4107376_287048, Minutos 00:01m a 17:02m supra transcritos e que se dão aqui por integralmente reproduzidos). 30) A testemunha JJ, colaboradora do Notário, relatou que teve todos os cuidados para verificar o estado do falecido DD, não tendo dúvidas em dizer que “se eu fiz a procuração é porque a pessoa estava consciente daquilo que queria fazer” (cfr. Depoimento de JJ, gravado em CD – Sessão de Julgamento de 31/03/2023, com Início: 15:17:01h e Fim: 15:32:19h, (Minutos 00:00:00 a 00:15:17 por referência à Ata de Audiência de Julgamento), gravação com referência 20230331151700_4107376_2870481, Minutos: 00:01m a 08:14m e Minutos 11:37m a 15:12m supra transcritos e que são aqui por integralmente reproduzidos). 31) A razão apresentada pelo Douto Tribunal ad quo para desvalorizar o depoimento da testemunha Dr. KK, Notário, encontra-se em frontal contradição com a motivação da Sentença, nos termos da qual o Tribunal menciona doutrina, citando os ensinamentos de Castro Mendes, Teoria Geral do direito civil, I, AAFDL, reimp. De 1995, p. 244-245, alude que “Se, portanto, um maior demente, não interditado nem inabilitado, vende um objecto a outra pessoa, temos de ver se ele no momento daquele acto estava lúcido ou não. Se estava, o acto é válido (…). 32) Deverão os factos dados como provados nos artigos 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 22.º e 23.º serem dados como não provados e deverá ser alterada/aditada a matéria de facto constante dos artigos 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 14.1, 15.º e 22.º dos factos dados como provados, passando a ter a redação que infra se irá aludir: 11) DD era seguido em Consulta de Neurologia desde 2015. 12) Na consulta médica realizada a 07.04.2015, foi relatado que DD, há cerca de 1-2 anos, “ia tendo dificuldades na memória, começou a enervar-se facilmente e discutia com as pessoas sem grande legitimidade”, que “há cerca de 3 meses teve uma queda, mal esclarecida e desde então está muito apático, com alguma anorexia, pouco falador e com progressiva dificuldade em caminhar”, encontrando-se “apático, com baixa iniciativa verbal, nomeando, repetindo e evocando 1/3 palavras, estando com a atenção e memória de trabalho deterioradas e não apresentado reflexos primitivos despertáveis”. 13) Nesta altura, consta do relatório “impressão: demência vascular e depressão. DA interposta?”. 14) Na consulta de 09 de Julho de 2015, constatou-se que DD “piorou muito com múltiplas vindas à urgência, por agitação”, vinha à consulta de maca e, embora acordado, tinha o “discurso desorientado”. 14.1) O estado de saúde descrito nos artigos 12.º, 13.º, e 14.º estava agravado pela toma de medicamentos, quando se retirou os medicamentos, DD melhorou temporariamente e depois assistiu-se à degradação natural e típica da doença, tendo havido “melhoria grande do estado de atenção dele”. 15) A 03 de Dezembro de 2015, o médico FF constata o estado de saúde de DD, referindo que “muito melhor. Vem de cadeira”, “tem períodos em que caminha pelo pé dele”. “já muito acordado, colaborante”, “sabe onde está, que estamos em dezembro”, “Muito melhor!”, “Fez muita fisioterapia, acupuntura”, quadro que se mantém a 09/06/2016, 20/06/2016. 21) A 10/05/2017, 03/11/2017 e 07/09/2018, o médico FF constata o estado de saúde de DD, referindo que “bem acordado, diz me bom dia”, “diz que anda muito, que sabe o que está a fazer”, “de resto tem andado bem. Mantemos”. 22) Por força do supra descrito, aquando da outorga da procuração, DD se encontrava capacitado de compreender o teor da declaração plasmada na procuração supra referida. 33) Quanto à alínea b) dos factos dados como não provados, a argumentação expedida pelo Douto Tribunal para dar como não provado esse facto carece de fundamento fático e de direito. 34) A procuração foi outorgada em 14/11/2018, data em que se inicia a contagem do prazo de um ano a contar da cessação do vício que lhe serve de fundamento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 257.º e 287.º, n.º 1 do Código Civil, que os Autores dispunham para fazer valer o correspondente direito à anulação daquele negócio jurídico, pelo que, tendo decorrido há muito esse prazo (considerando a data da propositura da presente ação), para o exercício desse direito – se este existisse, o que só se admite por mera cautela e hipótese académica – o mesmo já caducou, caducidade essa que expressamente se invoca para todos os devidos efeitos legais, designadamente para efeitos da improcedência da ação. 35) Pela análise da fatura/ recibo do pedido de cópia desses documentos no Cartório Notarial de Santa Maria da Feira onde foram outorgadas a procuração e a escritura de doação, constata-se que o Autor, pelo menos, teve conhecimento da outorga desses documentos, em 16/01/2020. 36) Dos documentos juntos aos autos pelo Cartório Notarial do Dr. KK em 02/05/2023, consta uma listagem de todos os documentos pedidos pelo Autor junto daquele Cartório, constatando-se que, em 16/01/2020, o Autor AA pediu fotocópia autenticada de dois documentos junto daquele Cartório, a que correspondem as faturas ... e ..., sendo estes os únicos documentos pedidos por aquele no referido Cartório, para além dos pedidos em 2008 e que se referem a escrituras de compra e venda de imóveis e cessão de quotas, que nada tem a ver com os autos. 37) A testemunha JJ, nas suas declarações que supra se deixaram transcritas, quando questionada sobre a fatura junto sob o documento n.º 2 à contestação, que é a mesma que foi junta pelo Cartório aos autos em 02/05/2023 referiu expressamente que se trata de uma fatura referente a cópia autenticada pedida, sendo que o n.º 67 é o número do registo da certificação da cópia, pelo que teria de haver no documento n.º 3 junto à Petição Inicial (escritura de doação) uma folha na parte da frente que é a certificação da cópia com o número 67 de registo, curiosamente tal folha não foi junta pelo Autor aos autos, tendo sido perentória ao afirmar que o documento n.º 3 junto à Petição Inicial corresponde a uma fotocópia autenticada e não a uma fotocópia simples, porque estas últimas ao contrário das primeiras não vêm numeradas e levam carimbo de fotocópia simples, ou seja, o documento n.º 3 junto à petição inicial é uma fotocópia autenticada a qual o Autor, de má-fé, retirou a folha da frente com a certificação da cópia e número de registo (cfr. Depoimento de JJ, gravado em CD – Sessão de Julgamento de 31/03/2023, com Início: 15:17:01h e Fim: 15:32:19h, (Minutos 00:00:00 a 00:15:17 por referência à Ata de Audiência de Julgamento), gravação com referência 20230331151700_4107376_2870481, Minutos 08:15m a 11:33m, supra transcritas e que aqui se dão por integralmente reproduzidas). 38) A Escritura de Doação junta com a Petição Inicial, não se trata de uma mera fotocópia, conforme foi explicado pela testemunha JJ de uma certidão extraída de uma escritura original, tanto mais que todas as folhas estão rubricadas e carimbadas pelo funcionário que emitiu essa certidão, pois se se tratasse de uma mera fotocópia teria em cada uma das folhas um carimbo a dizer fotocópia. 39) Tratando-se de uma certidão, obrigatoriamente o documento em causa teria de possuir uma primeira folha, a emissão e data de certificação – documento que o Autor quer ocultar, uma vez que foi obtido pelo Autor junto do Cartório Notarial em 16/01/2020. 40) O Autor, nunca poderia ter tido conhecimento da realização da escritura de doação com o falecimento da mãe, que ocorreu em 12/10/2021, pelo “cangalheiro” (diga-se que curiosamente tal testemunha nunca foi arrolada nestes autos), quando até é o próprio que afirma, no seu depoimento que ia ao Cartório muitas vezes apenas para fazer Escrituras, mas não para levantar documentos, o que permite confirmar que o levantamento de fotocópias autenticadas em 16/01/2020 corresponde à procuração e escritura de doação em causa nos autos (cfr. Depoimento de AA, gravado em CD – Sessão de Julgamento de 31/03/2023, com Início: 10:04:06 e Fim: 10:12:02h, (Minutos 00:00:00 a 00:07:55 por referência à Ata de Audiência de Julgamento), gravação com referência 20230331100406_4107376_2870481, Minutos 05:55m a 07:54m supra transcritas e que se são aqui por integralmente reproduzidas). 41) Atendendo às regras da experiência comum e de lógica, e até por recurso a presunção judicial com base nos documentos juntos pelo Cartório, é manifestamente claro que os Autores tiveram conhecimento do ocorrido em 6) a 10) a 16/01/2020. 42) Deverá o facto dado como não provado na alínea b) dos factos dados como não provados ser dado como provado – o que se requer. 43) Conforme resulta da própria motivação da Sentença, e atenta a aplicação das regras previstas no artigo 257.º do Código Civil, citando os ensinamentos de Castro Mendes, Teoria Geral do direito civil, I, AAFDL, reimp. de 1995, p. 244-245, alude que “Se, portanto, um maior demente, não interditado nem inabilitado, vende um objecto a outra pessoa, temos de ver se ele no momento daquele acto estava lúcido ou não. Se estava, o acto é válido; se não estava, das três uma: ou o comprador sabia que o vendedor não estava lúcido, ou então dever-se-ia ter apercebido dessa circunstância, e nestes dois casos o acto é anulável; ou o comprador não sabia nem tinha de saber que o vendedor não estava lúcido, e neste caso o acto é válido”. 44) De acordo com esse regime, esses actos só são anuláveis se se verificarem os seguintes requisitos: que, no momento do acto, haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade; que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (nos contratos, a contraparte), entendendo-se notória a incapacidade (n.º 2 do art. 257º) quando uma pessoa de normal diligência a teria podido notar. 45) Não basta, assim, para a anulabilidade destes actos, a prova da incapacidade natural, sendo ainda necessária a prova da cognoscibilidade da incapacidade. E, por outro lado, não basta demonstrar um estado habitual de insanidade de espírito, na época do negócio. Torna-se necessário provar a existência de uma perturbação psíquica no momento em que a declaração de vontade foi emitida, pois só serão inválidos se, acidentalmente, na altura em que são praticados, o declarante está incapacitado, nos termos do artigo 257ºdo Código Civil, uma vez que a doença de Alzheimer, sem mais pormenorizada caracterização, não permite concluir pela perda da faculdade de entender, nem afasta a possibilidade de, em determinados momentos, se verificar uma situação de lucidez (cfr. Acórdão do STJ de 16/01/2014, processo n.º 1556/08.5TBVRL.P1.S1, Acórdão do TRL de 22/05/2018, processo n.º 2414/15.2T8CSC.L1-7, Acórdão do TRC de 29/05/2012, proc. 37/11.4TBMDR.C1, Ac. TRC de 29/05/2012, proc. 37/11.4TBMDR.C1). 46) Tendo sido demonstrado através do depoimento das testemunhas JJ, colaboradora do Notário e do Dr. KK, Notário, supra transcrito, pessoas alheias à relação material em causa, e como tal imparciais, que o falecido DD, à data da outorga da procuração em causa, estava capacitado de compreender o teor da declaração plasmada na procuração, e como tal não padecia de qualquer incapacidade acidental, não poderia o Douto Tribunal ad quo ter presumido que o falecido DD, atenta a doença de que se padecia se encontrava incapacitado, pelo que deveria, pelo contrário, aplicando a doutrina e jurisprudência supra mencionadas, e que o próprio Tribunal cita, ter considerado o negócio totalmente válido – o que ora se requer para todos os devidos efeitos legais. 47) A simples presença do Notário, que é funcionário que goza de fé pública é uma primeira e qualificada garantia de que o falecido DD gozava ainda, no momento em que foi relevado a sua vontade, de capacidade anímica para querer e para entender o que afirmou ser a sua vontade e as declarações efetuadas pelos falecidos EE e DD plasmadas na procuração em causa nos Autos, têm a validade que lhe é conferida pelo ato em si e pelas circunstâncias em que a mesma foi outorgada, pois que tal documento foi elaborado perante o respetivo Notário, num ato revestido de solenidade e no cumprimento de todas as formalidades legais a que se encontra adstrito, tendo o mesmo explicado e lido em voz alta, o conteúdo da mesma, confirmado o seu conteúdo, e que exprime a sua vontade. 48) Estando provado da matéria de facto constante dos autos que a procuração foi outorgada perante funcionária especializada que goza de fé pública, e tendo a mesma presenciado o acto, e declarado que o falecido DD gozava, ainda no momento em que foi revelada a sua vontade, de capacidade para querer e entender o que afirmou ser a sua vontade, não pode deixar de se entender que existe uma forte presunção de que o falecido DD tem aptidão para entender o que declara. Sendo certo que, não foi posta em causa pelos Autores a autenticidade da procuração, nem foi posta em causa o que consta desse documento a respeito da leitura e explicação do seu conteúdo, temos que por força da procuração configurar um documento autêntico que a invalidade suscitada nos presentes autos teria necessariamente de improceder – o que ora se requer para todos os devidos efeitos legais (cfr. Acórdão do TRL, Processo n.º 2414/15.2T8CSC.L1-7; Ac. TRC de 29/05/2012, proc. 37/11.4TBMDR.C1, e Ac. Do TRL de 26/05/2009, proc. 100/2001.L1-7 e Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. VI, pág. 336). 49) O Meritíssimo juiz ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 257.º, 344.º, 342.º, n.º 1, 349.º, 351.º, 287.º, n.º 1, 371.º e 372.º do Código Civil (…) Termos em que deverá ser revogada a decisão recorrida e determinada a alteração das respostas à matéria de facto da douta sentença recorrida nos termos sobreditos e, em consequência, ser julgada a acção totalmente improcedente.”. Os autores /recorridos apresentaram contra-alegações, concluindo que deve ser negado provimento ao recurso * Após os vistos legais, cumpre decidir.* II - DO MÉRITO DO RECURSO 1. Objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil. Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, são as seguintes as questões a apreciar: - Se ocorre erro de julgamento, por errada apreciação das provas, e consequente alteração da decisão da matéria de facto; - Decidir se em conformidade, face à alteração, ou não, da matéria de facto e subsunção dos factos ao direito, deve ser alterada a análise jurídica, nomeadamente, decidindo-se pela verificação da caducidade do direito dos recorridos ou pela total improcedência da ação. * 2. Recurso da matéria de facto2.1. Factualidade considerada provada na sentença 1) DD e EE casaram a 11 de Setembro de 1955, na Igreja ... da freguesia ..., concelho de Feira. 2) Do seu assento de casamento consta “Casamento: Católico, no regime de Comunhão Geral de bens”. 3) Os Autores AA, LL e DD, assim como Réu CC, encontram-se registados como filhos de DD e EE. 4) DD faleceu no dia 18 de Setembro de 2019, à Rua ..., união de freguesias ... e ..., concelho de Santa Maria da Feira, encontrando-se casado com EE. 5) EE faleceu no dia 12 de Outubro de 2021, como viúva de DD, na Rua ..., união de freguesias ... e ..., concelho de Santa Maria da Feira. 6) A 14 de Novembro de 2018, DD e EE outorgaram documento intitulado “Procuração”, no qual declararam “que constituem procurador, seu filho, CC, NIF ..., divorciado, natural da freguesia ..., aí residente na Rua ..., a quem lhe concedem poderes para: doar ao próprio mandatário, por conta da quota disponível dos doadores, com reserva do usufruto simultâneo e sucessivo a favor dos mandantes, o seguinte: a nua propriedade de um prédio urbano composto por casa de cave, rés do chão, destinado à habitação, com anexo e logradouro, sito em ... à Rua ..., freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número ..., da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da união de freguesias ... e ..., outorgar e assinar a respectiva escritura.”. 7) Este documento tem anexado um outro designado “Termo de Autenticação”, elaborado na mesma data. 8) Aí consta que “perante mim, JJ, funcionária e autorizada pelo Notário KK, neste concelho de Santa Maria da Feira, com Cartório à Rua ..., n.º ..., 1.º Direito, na cidade de Santa Maria da Feira, compareceram como outorgantes: DD (…) e mulher EE (…). Verifiquei a identidade dos outorgantes face aos seus documentos de identificação atrás referidos. E declararam que leram o documento que estão a submeter a autenticação (Procuração) e confirmam o seu conteúdo, bem como este exprime a sua vontade. Foi feita a leitura e a explicação deste termo de autenticação”. 9) No mesmo dia (14 de Novembro de 2018), CC compareceu no Cartório Notarial, a cargo do Licenciado KK, na Rua ..., n.º .... 1.º dto, cidade de Santa Maria da Feira, onde declarou “que outorga por si e na qualidade de procurador dos seus pais” e que “em nome dos seus representação que, pela presenta escritura, doa a si próprio, por conta da quota disponível dos doadores, com reserva do usufruto simultâneo e sucessivo a favor dos doadores, o seguinte: a nua propriedade de um prédio urbano composto por casa de cave, rés do chão, destinado à habitação, com anexo e logradouro, sito em ... à Rua ..., freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número ..., da freguesia ..., aí registado a favor dos doadores, pela apresentação vinte e dois, de treze de Fevereiro de dois mil e oito, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da união de freguesias ... e ..., com o valor patrimonial de 21.600,00€.”. 10) Mais declarou que “agora em seu nome pessoal, que aceita a presente doação nos termos exarados.”. 11) DD era seguido em Consulta de Neurologia desde 2015 por quadro compatível com Demência de Alzheimer. 12) Na consulta médica realizada a 07.04.2015, foi relatado que DD, há cerca de 1-2 anos, “ia tendo dificuldades na memória, começou a enervar-se facilmente e discutia com as pessoas sem grande legitimidade”, que “há cerca de 3 meses teve uma queda, mal esclarecida e desde então está muito apático, com alguma anorexia, pouco falador e com progressiva dificuldade em caminhar”, encontrando-se “apático, com baixa iniciativa verbal, nomeando, repetindo e evocando 1/3 palavras, estando com a atenção e memória de trabalho deterioradas e não apresentado reflexos primitivos despertáveis” 13) Nessa altura, foi diagnosticado com demência vascular e depressão. 14) Na consulta de 09 de Julho de 2015, constatou-se que DD “piorou muito com múltiplas vindas à urgência, por agitação”, vinha à consulta de maca e, embora acordado, tinha o “discurso desorientado”. 15) A 03 de Dezembro de 2015, o médico FF diagnosticou, a DD, a doença de Alzheimer. 16) A essa data, para além de se encontrar acamado, deixou de verbalizar qualquer resposta às questões que lhe eram colocadas sobre o presente. 17) Apenas falava do passado, ou já nem dele se recordava, sendo essas as únicas conversas que tinha com os seus familiares ou com quem o visitava, quando com eles conversava ou lhes respondia, o que nem sempre sucedia. 18) Não conseguia identificar as notas e moedas e já não fazia pagamentos. 19) De igual modo, não era capaz de se situar no tempo, nem no espaço, e não se apercebia que estava acamado e não se conseguia locomover. 20) Não era capaz de reconhecer os seus familiares. 21) À data de 27.01.2017, a demência de Alzheimer de que DD padecia encontrava-se em estado avançado e que o mesmo encontrava-se totalmente dependente para as actividades de vida diária, com mobilidade muito reduzida. 22) Por força do supra descrito, aquando da outorga da procuração, DD estava impedido de compreender o teor da declaração plasmada na procuração supra referida. 23) O réu sabia disto bem como dos factos elencados de 11 a 21. 24) A presente acção foi intentada a 10.11.2021. 2.2. Factualidade considerada não provada na sentença a) Os Autores tiveram conhecimento do ocorrido em 6) a 10) a 18/09/2019. b) Os Autores tiveram conhecimento do ocorrido em 6) a 10) a 16.01.2020. * 2.3. Apreciação da impugnação da matéria de factoNas conclusões de recurso veio o apelante requerer a reapreciação da decisão de facto, em relação a um conjunto de factos julgados provados e não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova. O art. 640º do CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos: “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3. […]” O mencionado regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão de facto, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, o qual terá que apresentar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova. Recai, assim, sobre o recorrente, o ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar os concretos pontos da decisão que pretende questionar, ou seja, delimitar o objeto do recurso, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto, a fundamentação, e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pelo Tribunal da Relação. No caso concreto, o julgamento foi realizado com gravação dos depoimentos prestados em audiência, sendo que o apelante impugna a decisão da matéria de facto com indicação dos pontos de facto alvo de impugnação, indica a prova a reapreciar, bem como a decisão que sugere, mostrando-se, assim, reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão. Tal como dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “(…) se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem um meio a utilizar apenas nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância. No presente processo, como referido, a audiência final processou-se com gravação da prova produzida. Segundo ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225, e a respeito da gravação da prova e sua reapreciação, haverá que ter em consideração que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo consequentemente fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova. Assim, compete ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, face ao teor das alegações do recorrente e do recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Cabe, ainda, referir que neste âmbito da reapreciação da prova vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º do Código Civil. E é por isso que o art. 607º, nº 4 do CPC impõe ao julgador o dever de fundamentação da factualidade provada e não provada, especificando os fundamentos que levaram à convicção quanto a toda a matéria de facto, fundamentação essencial para o Tribunal de Recurso, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, com vista a verificar se ocorreu, ou não, erro de apreciação da prova. Posto isto, cabe analisar se assiste razão ao apelante, na parte da impugnação da matéria de facto. Como resulta das respetivas conclusões do recurso, o apelante entende que deve ser alterada a matéria de facto dada como provada nos artigos 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º e 23.º, os quais deverão ser dados como não provados ou ver a redação alterada/aditada no sentido que deixa exposto, e, ainda, a alínea b) dos factos dados como não provados, o qual deverá ser dado como provado. Seguindo as alegações do apelante, comecemos pelos factos provados 9.º e 10.º, que têm o seguinte teor: 9) No mesmo dia (14 de novembro de 2018), CC compareceu no Cartório Notarial, a cargo do Licenciado KK, na Rua ..., n.º .... 1.º dto, cidade de Santa Maria da Feira, onde declarou “que outorga por si e na qualidade de procurador dos seus pais” e que “em nome dos seus representação que, pela presenta escritura, doa a si próprio, por conta da quota disponível dos doadores, com reserva do usufruto simultâneo e sucessivo a favor dos doadores, o seguinte: a nua propriedade de um prédio urbano composto por casa de cave, rés do chão, destinado à habitação, com anexo e logradouro, sito em ... à Rua ..., freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número ..., da freguesia ..., aí registado a favor dos doadores, pela apresentação vinte e dois, de treze de Fevereiro de dois mil e oito, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da união de freguesias ... e ..., com o valor patrimonial de 21.600,00€.”. 10) Mais declarou que “agora em seu nome pessoal, que aceita a presente doação nos termos exarados.”. Cabe, desde logo, referir que os factos em causa são a transcrição do que consta da escritura de doação junta aos autos, pelo que devem ser mantidos. O apelante pretende que seja ditado ao facto 10.º que “Disse ainda o outorgante, na qualidade de procurador dos doadores, que impõe ao donatário, ele próprio, o encargo de os tratar e zelar, tanto no estado de saúde, como no de doença, as expensas deles doadores até seiscentos euros por mês e a expensas do donatário em tudo o que exceder este valor”. Ora, considerando que não devem ser realizados, no processo. atos inúteis, conforme dispõe o art. 130.º do CPC, e que a expressão que o apelante pretende ver aditada ao facto provado 10.º, em nada releva para a decisão, indefere-se a alteração desse ponto da matéria de facto provada. Entende o apelante, seguidamente, que devem ser alterados os factos provados 11.º a 23.º, por entender que a sua verificação não resulta nem da prova documental nem da prova testemunhal que foi produzida. Os factos em causa estão todos relacionados com a situação de doença do procurador, Sr. DD, e com a sua capacidade para outorgar a procuração que permitiu ao apelante celebrar a escritura de doação referida nos autos. Os factos impugnados são os seguintes: 11) DD era seguido em Consulta de Neurologia desde 2015 por quadro compatível com Demência de Alzheimer. 12) Na consulta médica realizada a 07.04.2015, foi relatado que DD, há cerca de 1-2 anos, “ia tendo dificuldades na memória, começou a enervar-se facilmente e discutia com as pessoas sem grande legitimidade”, que “há cerca de 3 meses teve uma queda, mal esclarecida e desde então está muito apático, com alguma anorexia, pouco falador e com progressiva dificuldade em caminhar”, encontrando-se “apático, com baixa iniciativa verbal, nomeando, repetindo e evocando 1/3 palavras, estando com a atenção e memória de trabalho deterioradas e não apresentado reflexos primitivos despertáveis” 13) Nessa altura, foi diagnosticado com demência vascular e depressão. 14) Na consulta de 09 de Julho de 2015, constatou-se que DD “piorou muito com múltiplas vindas à urgência, por agitação”, vinha à consulta de maca e, embora acordado, tinha o “discurso desorientado”. 15) A 03 de Dezembro de 2015, o médico FF diagnosticou, a DD, a doença de Alzheimer. 16) A essa data, para além de se encontrar acamado, deixou de verbalizar qualquer resposta às questões que lhe eram colocadas sobre o presente. 17) Apenas falava do passado, ou já nem dele se recordava, sendo essas as únicas conversas que tinha com os seus familiares ou com quem o visitava, quando com eles conversava ou lhes respondia, o que nem sempre sucedia. 18) Não conseguia identificar as notas e moedas e já não fazia pagamentos. 19) De igual modo, não era capaz de se situar no tempo, nem no espaço, e não se apercebia que estava acamado e não se conseguia locomover. 20) Não era capaz de reconhecer os seus familiares. 21) À data de 27.01.2017, a demência de Alzheimer de que DD padecia encontrava-se em estado avançado e que o mesmo encontrava-se totalmente dependente para as actividades de vida diária, com mobilidade muito reduzida. 22) Por força do supra descrito, aquando da outorga da procuração, DD estava impedido de compreender o teor da declaração plasmada na procuração supra referida. 23) O réu sabia disto bem como dos factos elencados de 11 a 21. Vejamos: Dá o facto 11) como provado que “DD era seguido em Consulta de Neurologia desde 2015 por quadro compatível com Demência de Alzheimer”. Tal facto consta do documento (relatório médico) junto com a petição inicial e foi referido pela testemunha FF, médico neurologista que acompanhou o Sr. DD, pelo que sem necessidade de outras considerações, se mantém. Quanto aos factos provados 12) e 14), o apelante, nada impugna, até porque se trata de factos que referem o que consta de documentos juntos aos autos, ou seja: 12) Na consulta médica realizada a 07.04.2015, foi relatado que DD, há cerca de 1-2 anos, “ia tendo dificuldades na memória, começou a enervar-se facilmente e discutia com as pessoas sem grande legitimidade”, que “há cerca de 3 meses teve uma queda, mal esclarecida e desde então está muito apático, com alguma anorexia, pouco falador e com progressiva dificuldade em caminhar”, encontrando-se “apático, com baixa iniciativa verbal, nomeando, repetindo e evocando 1/3 palavras, estando com a atenção e memória de trabalho deterioradas e não apresentado reflexos primitivos despertáveis” (…) 14) Na consulta de 09 de julho de 2015, constatou-se que DD “piorou muito com múltiplas vindas à urgência, por agitação”, vinha à consulta de maca e, embora acordado, tinha o “discurso desorientado”. Nada há, pois, a alterar. Na realidade, o facto que o apelante impugna é, apenas, o facto número 13), que refere “Nessa altura, foi diagnosticado com demência vascular e depressão.”. Consultada a documentação clínica junta aos autos, constata-se que na data de 07-04-2015, o médico que consultou o Sr. DD, fez constar do relatório “Impressão: Demência vascular e depressão. D.A. interposta?”, pelo que, em conformidade, embora sem grande interesse para a decisão, se altera o teor do facto 13) que passa a ter a seguinte redação: “13) Nessa altura, o médico que acompanhava o Sr. DD, já fez constar do relatório “Impressão: Demência vascular e depressão. D.A. interposta?”. Pretende o apelante também que seja aditado um ponto à matéria de facto provada, com o seguinte teor: “14.1) O estado de saúde descrito nos artigos 12.º, 13.º, e 14.º estava agravado pela toma de medicamentos, quando se retirou os medicamentos, DD melhorou temporariamente e depois assistiu-se à degradação natural e típica da doença, tendo havido “melhoria grande do estado de atenção dele”. Ainda que a testemunha FF, médico neurologista, se tenha pronunciado no sentido de que o Sr. DD estaria a tomar medicação que não tinha receitado e que é normal o doente ficar mais desperto com a redução da medicação, trata-se de facto sem interessa para a decisão, tendo em conta que terá ocorrido já em 2015, quando os factos em causa nos autos ocorreram em 2018, pelo que não se impondo a alteração da matéria de facto, se indefere o pretendido aditamento. Prossegue o apelante, entendendo que o facto provado número 15), deve ser alterado, passando a referir que “15) A 03 de dezembro de 2015, o médico FF constata o estado de saúde de DD, referindo que “muito melhor. Vem de cadeira”, “tem períodos em que caminha pelo pé dele”. “já muito acordado, colaborante”, “sabe onde está, que estamos em dezembro”, “Muito melhor!”, “Fez muita fisioterapia, acupuntura”, quadro que se mantém a 09/06/2016, 20/06/2016.”. Aquilo que o apelante pretende ver constar da matéria de facto provada, mais uma vez, não tem interesse para a decisão, já que se refere a um período com três anos de antecedência em relação aos factos em causa nos autos. O que do relatório referido e do que o médico neurologista disse na audiência de julgamento, interessa para a decisão, é apenas o que foi dado como provado no ponto 15), pelo tribunal recorrido, ou seja, que “15) A 03 de Dezembro de 2015, o médico FF diagnosticou, a DD, a doença de Alzheimer.”. Esse facto consta do relatório de 03-12-2015, onde o neurologista fez constar “DA”, agora sem qualquer ponto de interrogação, para além de ter confirmado no seu depoimento que o senhor padecia da doença de Alzheimer, desde 2015. Aliás, ao contrário do que o apelante pretende, a testemunha Dr. FF explicou o que significa quando nos relatórios se refere “está melhor”, ou “muito mais acordado” ou expressões semelhantes, as quais não podem ser dissociadas do facto de o senhor sofrer de demência, mais concretamente de doença de Alzheimer. Mantém-se, pois, o facto, tal como foi dado como provado. No que diz respeito aos factos provados 16 a 20, refere o apelante que não têm correspondência com a realidade, face ao teor do relatório de 03-12-2015. São os seguintes, os factos 16) a 20) dados como provados: 16) A essa data, para além de se encontrar acamado, deixou de verbalizar qualquer resposta às questões que lhe eram colocadas sobre o presente. 17) Apenas falava do passado, ou já nem dele se recordava, sendo essas as únicas conversas que tinha com os seus familiares ou com quem o visitava, quando com eles conversava ou lhes respondia, o que nem sempre sucedia. 18) Não conseguia identificar as notas e moedas e já não fazia pagamentos. 19) De igual modo, não era capaz de se situar no tempo, nem no espaço, e não se apercebia que estava acamado e não se conseguia locomover. 20) Não era capaz de reconhecer os seus familiares. Ora, os factos referidos não resultam do relatório clínico que se mostra junto aos autos, designadamente, o relatório do dia 03-12-2015, sendo certo que quando o ponto 16) dos factos provados refere “A essa data”, seguindo-se todos os défices de cognição mencionados nos pontos em causa (16 a 20), está a referir-se precisamente a essa data, já que os factos impugnados vêm na sequência do ponto 15) que refere precisamente esse dia. E embora, ouvida toda a prova gravada, algumas testemunhas e partes refiram essas situações, o certo é que outras as negam, sem que seja possível, com a necessária certeza, dizer qual das duas versões contraditórias é a correta, ou seja, se nessa data, o Sr. DD deixou de ter capacidade para todos os atos mencionados nos pontos em causa, ou não. Aliás, alguns dos aspetos referidos nesses factos, são até contrariados pelo relatório clínico desse dia 03-12-2015, já que, por exemplo, aí se refere que o doente “Sabe onde está, que estamos em dezembro”. Posto isto, na dúvida, decide-se eliminar tais factos da matéria de facto provada. Seguindo na sua impugnação da matéria de facto, o apelante pretende a alteração da redação dos factos provados 21) e 22), dos quais consta o seguinte: 21) À data de 27.01.2017, a demência de Alzheimer de que DD padecia encontrava-se em estado avançado e o mesmo encontrava-se totalmente dependente para as atividades de vida diária, com mobilidade muito reduzida. 22) Por força do supra descrito, aquando da outorga da procuração, DD estava impedido de compreender o teor da declaração plasmada na procuração supra, referida. Segundo o apelante, tais factos devem passar a ter a seguinte redação: “21) A 10/05/2017, 03/11/2017 e 07/09/2018, o médico FF constata o estado de saúde de DD, referindo que “bem acordado, diz me bom dia”, “diz que anda muito, que sabe o que está a fazer”, “de resto tem andado bem. Mantemos”. 22) Por força do supra descrito, aquando da outorga da procuração, DD se encontrava capacitado de compreender o teor da declaração plasmada na procuração supra, referida.”. Quanto ao ponto 21), sem necessidade de outras considerações, trata-se de facto que consta de relatório clínico junto aos autos, e que também resultou confirmado pelo depoimento da testemunha FF, neurologista que acompanhou o Sr. DD, pelo que nenhuma outra prova existe que imponha a alteração da convicção do tribunal recorrido. No que se refere ao facto 22), acaba por ser uma consequência do facto 21), tendo sido explicado de forma clara e abundante, pelo senhor juiz a quo, porque incluiu tal afirmação na matéria de facto, nada existindo que, mais uma vez, imponha a alteração da convicção do tribunal recorrido, sendo certo que a prova produzida é inequivocamente nesse sentido. Aliás, a testemunha Dr. FF, já referida, disse expressamente, no seu depoimento, que se em finais de 2018, quando foi outorgada a procuração em causa, lhe pedissem para atestar a capacidade do senhor DD, para doar, diria que o Sr. DD não estava, nessa data, com capacidades cognitivas para emitir essa declaração ou tomar outras decisões legais. E quanto ao teor que o apelante pretendia que fosse dado ao ponto 21) dos factos provados, a mesma testemunha explicou perfeitamente, como já referido, o que quis dizer quando referiu o estado do doente nas datas em causa, esclarecendo que tal não significa que o doente estivesse melhor quanto à condição da doença de Alzheimer, que é impossível de melhorar. Disse que como lhe retirou alguma da medicação que tomava, o doente melhorou, no sentido de ter melhorado o estado de atenção, com menos sonolência, mas apenas temporariamente, já que a trajetória da doença continuou e o doente continuou a piorar, tanto que passados um ou dois anos, estava acamado, em estado de depressão e com atrofia cerebral, o que só acontece nas doenças degenerativas. Mantêm-se, assim, também estes factos tal como constam da decisão sob recurso. Finalmente, quanto ao facto provado 23), que diz “O réu sabia disto bem como dos factos elencados de 11 a 21”, e que o apelante pretende ver dado como não provado, diremos que de toda a prova produzida e constante dos autos, resulta que o réu e a sua companheira viviam com os pais daquele, que o acompanhavam às consultas e que, necessariamente, conheciam a sua situação clínica, pelo que o facto em causa apenas como provado se pode considerar, tal como foi, embora levando em conta que se decidiu eliminar os factos 16) a 20) do elenco dos factos provados, pelo que o facto 23) passa a ter a seguinte redação: “23) O réu sabia disto, bem como dos factos elencados de 11 a 15 e 21.”. Por sua vez, quanto à alínea b) dos factos não provados, que não deu como provado que “Os Autores tiveram conhecimento do ocorrido em 6) a 10) a 16.01.2020”, e que o apelante pretende que seja considerado como provado, o certo é que o ónus da prova de tal facto, recaía sobre o réu, o qual não logrou fazer tal prova de forma inequívoca, como bem é explicado na sentença recorrida, pelo que, na falta de indicação de outro meio de prova, se deve manter tal facto como não provado. Posto isto, é a seguinte a matéria de facto provada, após as alterações decididas: 1) DD e EE casaram a 11 de Setembro de 1955, na Igreja ... da freguesia ..., concelho de Feira. 2) Do seu assento de casamento consta “Casamento: Católico, no regime de Comunhão Geral de bens”. 3) Os Autores AA, LL e DD, assim como Réu CC, encontram-se registados como filhos de DD e EE. 4) DD faleceu no dia 18 de setembro de 2019, à Rua ..., união de freguesias ... e ..., concelho de Santa Maria da Feira, encontrando-se casado com EE. 5) EE faleceu no dia 12 de outubro de 2021, como viúva de DD, na Rua ..., união de freguesias ... e ..., concelho de Santa Maria da Feira. 6) A 14 de Novembro de 2018, DD e EE outorgaram documento intitulado “Procuração”, no qual declararam “que constituem procurador, seu filho, CC, NIF ..., divorciado, natural da freguesia ..., aí residente na Rua ..., a quem lhe concedem poderes para: doar ao próprio mandatário, por conta da quota disponível dos doadores, com reserva do usufruto simultâneo e sucessivo a favor dos mandantes, o seguinte: a nua propriedade de um prédio urbano composto por casa de cave, rés do chão, destinado à habitação, com anexo e logradouro, sito em ... à Rua ..., freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número ..., da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da união de freguesias ... e ..., outorgar e assinar a respetiva escritura.”. 7) Este documento tem anexado um outro designado “Termo de Autenticação”, elaborado na mesma data. 8) Aí consta que “perante mim, JJ, funcionária e autorizada pelo Notário KK, neste concelho de Santa Maria da Feira, com Cartório à Rua ..., n.º ..., 1.º Direito, na cidade de Santa Maria da Feira, compareceram como outorgantes: DD (…) e mulher EE (…). Verifiquei a identidade dos outorgantes face aos seus documentos de identificação atrás referidos. E declararam que leram o documento que estão a submeter a autenticação (Procuração) e confirmam o seu conteúdo, bem como este exprime a sua vontade. Foi feita a leitura e a explicação deste termo de autenticação”. 9) No mesmo dia (14 de novembro de 2018), CC compareceu no Cartório Notarial, a cargo do Licenciado KK, na Rua ..., n.º .... 1.º dto, cidade de Santa Maria da Feira, onde declarou “que outorga por si e na qualidade de procurador dos seus pais” e que “em nome dos seus representação que, pela presenta escritura, doa a si próprio, por conta da quota disponível dos doadores, com reserva do usufruto simultâneo e sucessivo a favor dos doadores, o seguinte: a nua propriedade de um prédio urbano composto por casa de cave, rés do chão, destinado à habitação, com anexo e logradouro, sito em ... à Rua ..., freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número ..., da freguesia ..., aí registado a favor dos doadores, pela apresentação vinte e dois, de treze de Fevereiro de dois mil e oito, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da união de freguesias ... e ..., com o valor patrimonial de 21.600,00€.”. 10) Mais declarou que “agora em seu nome pessoal, que aceita a presente doação nos termos exarados.”. 11) DD era seguido em Consulta de Neurologia desde 2015 por quadro compatível com Demência de Alzheimer. 12) Na consulta médica realizada a 07.04.2015, foi relatado que DD, há cerca de 1-2 anos, “ia tendo dificuldades na memória, começou a enervar-se facilmente e discutia com as pessoas sem grande legitimidade”, que “há cerca de 3 meses teve uma queda, mal esclarecida e desde então está muito apático, com alguma anorexia, pouco falador e com progressiva dificuldade em caminhar”, encontrando-se “apático, com baixa iniciativa verbal, nomeando, repetindo e evocando 1/3 palavras, estando com a atenção e memória de trabalho deterioradas e não apresentado reflexos primitivos despertáveis” 13) Nessa altura, o médico que acompanhava o Sr. DD, já fez constar do relatório “Impressão: Demência vascular e depressão. D.A. interposta?”. 14) Na consulta de 09 de julho de 2015, constatou-se que DD “piorou muito com múltiplas vindas à urgência, por agitação”, vinha à consulta de maca e, embora acordado, tinha o “discurso desorientado”. 15) A 03 de dezembro de 2015, o médico FF diagnosticou, a DD, a doença de Alzheimer. (16 a 20 – eliminados) 21) À data de 27.01.2017, a demência de Alzheimer de que DD padecia encontrava-se em estado avançado e o mesmo encontrava-se totalmente dependente para as atividades de vida diária, com mobilidade muito reduzida. 22) Por força do supra descrito, aquando da outorga da procuração, DD estava impedido de compreender o teor da declaração plasmada na procuração supra, referida. 23) O réu sabia disto bem como dos factos elencados de 11 a 15 e 21. 24) A presente ação foi intentada a 10.11.2021. Mantêm-se os factos considerados como não provados, na decisão recorrida. * 3. Apreciação da decisão de direito * O apelante discorda da sentença proferida em 1ª Instância, que entendeu julgar a ação procedente e anular o contrato de doação mencionado na alínea 9) dos factos provados. Na ação que intentaram pediam os autores que fosse declarada nula, ou se assim não se entendesse anulada, a procuração outorgada em 14.11.2018 por DD e EE a favor do Réu e a escritura de doação lavrada em 14.11.2018 pelo Notário do Primeiro Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, bem como fosse determinado o cancelamento da inscrição de aquisição a favor do Réu, correspondente à Ap. ..., com todas as consequências legais. Ora, tendo em conta a matéria de facto dada como provada, podemos concluir que o Sr. DD, aquando da outorga da procuração, que veio a ser usada pelo réu para outorgar a escritura de doação a seu favor, estava impedido de compreender o teor da declaração plasmada na procuração referida, por via da doença de Alzheimer de que padecia. Sucede que, não beneficiando o Sr. DD, apesar da sua situação, do estatuto de maior acompanhado, se entende que apenas por via da incapacidade acidental poderia ver anulado qualquer ato que tenha praticado sem ter capacidade para o efeito, conforme resulta do disposto no art. 154.º, nº 3 do Código Civil. Assim, aplicando-se o art. 257.º, do Código Civil, resulta do mesmo que a declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário; sendo que o facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar. Citando CASTRO MENDES, Teoria geral do direito civil, I, AAFDL, reimp. de 1995, p. 244-245 (também citado na decisão recorrida), «aos negócios celebrados pelo incapaz antes de anunciada a propositura da acção é aplicável o disposto acerca da incapacidade acidental». E este regime é de alargar-se aos negócios celebrados por qualquer incapaz de facto, ferido de incapacidade permanente, não tendo sido proposta acção de interdição ou de inabilitação. Ora o regime geral da incapacidade acidental consta do art. 257.º, do Código Civil (…). Se, portanto, um maior demente, não interditado nem inabilitado, vende um objecto a outra pessoa, temos de ver se ele no momento daquele acto estava lúcido ou não. Se estava, o acto é válido; se não estava, das três uma: ou o comprador sabia que o vendedor não estava lúcido, ou então dever-se-ia ter apercebido dessa circunstância, e nestes dois casos o acto é anulável; ou o comprador não sabia nem tinha de saber que o vendedor não estava lúcido, e neste caso o acto é válido. Posto isto, tendo em conta os factos considerados provados, forçoso será concluir que, verificados os pressupostos da incapacidade acidental, os atos praticados pelo Sr. DD, são anuláveis. É que, demonstrado ficou que já à data de 27.01.2017, DD padecia de demência, na forma da doença de Alzheimer em estado avançado, encontrando-se totalmente dependente para as atividades de vida diária e com mobilidade muito reduzida. Por força disso, aquando da outorga da procuração, a 14-11-2018, DD estava impedido de compreender o teor da declaração plasmada na procuração referida. Por outro lado, provado ficou também que o réu era perfeitamente conhecedor dessa situação de seu pai, pelo que este estava acidentalmente incapacitado de entender o sentido da procuração e esse facto era conhecido do declaratário, neste caso, o donatário que é o réu. Perante esta situação, sendo os atos praticados pelo Sr. DD, anuláveis, o regime da anulabilidade encontra-se previsto nos art. 285.º, 287.º e 291.º, do CC. Têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento – art. 287.º, nº 1 do Código Civil. Ora, sendo o autor marido um dos herdeiros dos falecidos pais dele e do réu e tendo a procuração sido usada para o réu outorgar a escritura de doação de bens dos pais a seu favor, ficando os demais herdeiros prejudicados, evidente se mostra o interesse dos autores. Por outro lado, tendo o réu arguido a exceção de caducidade do direito dos autores, e dispondo o art. 287.º, nº 1 do CC, como já referido, que têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, mas apenas dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento, há que ver quando é que os autores tiveram conhecimento da outorga da procuração e escritura de doação em causa, data a partir da qual se conta o prazo de um ano previsto no preceito citado. Como facto impeditivo do direito dos autores, cabia ao réu, o ónus da prova da matéria excecional – art. 342.º, nº 2 e 343.º, nº 2 do Código Civil – prova que não logrou fazer, como resulta da matéria de facto provada e não provada, pelo que, sem necessidade de outras considerações, improcede a exceção. Os autores pretendem que se declare nula, ou anulada, a procuração outorgada em 14.11.2018 por DD e EE a favor do Réu, bem como a escritura de doação lavrada no mesmo dia pelo Notário do Primeiro Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, e que, consequentemente, seja determinado o cancelamento da inscrição de aquisição a favor do Réu, correspondente à Ap. ..., com todas as consequências legais. Temos por assente que foi outorgada uma procuração como documento particular, que, posteriormente, foi submetido a autenticação, gozando, em princípio, da força probatória plena conferida aos documentos autênticos – arts. 372.º, nº 1, e 377.º do CC. Contudo, tendo sido suscitada a questão de a procuração ser nula, o certo é que a força probatória do documento particular autenticado não abrange a materialidade das declarações que aí se encontram plasmadas, se estas estão ou não conformes à realidade, ou ainda, se quem as emitiu se encontrava plenamente consciente e capaz para compreender o conteúdo do seu comportamento declarativo. Nos termos do disposto no art. 372.º, nºs 1 e 2, do CC, “a força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade”, sendo que “o documento autêntico é falso quando nele se atesta como tendo sido objeto da perceção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer ato que na realidade o não foi.”. Por se entender, nada haver a apontar à decisão recorrida, passar-se-á a transcrever o que a este propósito aí foi decidido: (…) Verifica-se que o documento autêntico é eficaz e tem força probatória plena quando esta não é ilidida por falsidade do documento, de tal modo que, reconhecendo-se essa falsidade, a consequência é a perda dessa força probatória plena. Destarte, a falsidade do documento verifica-se quando é atestado no mesmo que foi objeto da prática ou da perceção pela autoridade ou oficial público um facto que, na verdade, não ocorreu (falsidade ideológica). (…) Ou seja, a prova plena que o documento autêntico incorpora apenas é referente à materialidade das afirmações atestadas, ou seja, se foram ou não feitas as declarações que aí se atestam ter sido feitas: só o facto de não o terem sido é que pode ser verdadeiro ou falso. Mas não abrange a sinceridade, veracidade ou validade das declarações das partes, cuja inveracidade destas não acarreta a falsidade do documento, não afetando a sua força probatória: tratam-se, pois, de factos que são do foro interno de quem as emite, que nem sequer podem ocorrer no momento da prática do ato e que não são objeto de perceção por parte do funcionário documentador. Nessa medida, “podem ser impugnados por qualquer das partes, sem necessidade de arguir a falsidade do documento, por não estarem cobertos pela força probatória plena deste” – cfr. Ac. do TRC de 20.04.2016, proc. n.º 343/14.6TBCBR-A.C1. (…) Quanto ao caso concreto, a mesma decisão refere que “Ora, veja-se que, na realidade, não se trata de aferir se DD havia ou não proferido a declaração constante da procuração, em que constituía seu procurador o Réu: mas, sim, as condições em que esta foi emitida, atento o estado mental em que o mesmo se encontrava aquando da outorga da procuração, o que, nos termos supra exarado, o que não se enquadra em nenhuma hipótese de falsidade, já que a referida declaração é um elemento material subtraído a eficácia probatória plena que os documentos autenticados assumem: só o facto de a referida declaração ter sido emitida ou não é que podia implicar a falsidade da procuração, pois, nesse caso, ter-se-ia atestado como praticado ou objecto de percepção um facto que não ocorreu, o que jamais foi suscitado. Acresce que, mesmo considerando-se que a procuração era falsa, a consequência de tanto não seria a nulidade: mas, sim, a perda da sua força probatória plena enquanto documento particular autenticado.”. Nestes termos, improcede o pedido de nulidade da procuração outorgada por DD, por falsidade da mesma, que não se considera verificada. Posto isto, o certo é que se decidiu que o Sr. DD, na data em que outorgou a procuração referida, se encontrava acidentalmente incapacitado (na realidade, a sua incapacidade era total e irreversível), pelo que, tendo a procuração que outorgou sido usada para a realização do mencionado contrato de doação, cabe analisar os efeitos de tal incapacidade sobre este contrato. Por se entender que o Tribunal recorrido analisou de forma que não merece censura, também esta questão, dar-se-á por reproduzido o que aí se decidiu: “Ocorre representação quando uma determinada pessoa age em nome de outrem e, deste modo, pratica certo acto jurídico, designadamente celebrando um negócio jurídico (representação negocial), para que os efeitos do mesmo se repercutam na esfera jurídica desta outra pessoa (art. 258.º do CC) – MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, ob, cit, p. 539 -, vinculando-a, desde que o representante actue nos limites dos poderes que lhe são conferidos, devendo o representante evidenciar, perante terceiros, que actua enquanto tal. A procuração é o negócio jurídico, que consiste no acto unilateral mediante o qual se concedem poderes de representação voluntária. Trata-se do acto pelo qual se concedem poderes de representação (art. 262.º do CC CC) e o documento em que esse negócio é exarado, constituindo a “fonte de poderes de representação na representação negocial” – ALBERTO VIEIRA, Negócio Jurídico - Anotação ao Regime do Código Civil (Artigos 217º a 295º). 4.ª Reimpressão da edição de Março de 2006. AAFDL: Lisboa. 2023, p. 71. Como referido, a procuração constitui um negócio jurídico e, enquanto tal, é constituído por uma declaração de vontade, assentando na declaração exteriorizada e na vontade negocial, internamente formada, mediante um processo psicológico, que não deve ser pautado por irregularidades, sob pena de a vontade não ser “consciente e livre” e faltar o discernimento ou liberdade exigidos nos termos do sistema jurídico. Deste modo, considera-se vício da vontade uma perturbação que interfere no processo psicológico de formação da vontade, que faz com que o “consentimento deixe de ser espontâneo ou esclarecido” – cfr. MIRANDA BARBOSA, Falta e vícios da vontade, p. 67. Por conseguinte, é de questionar se, efectivamente, a procuração é autonomamente impugnável ou se se deve atender ao negócio celebrado, uma vez que teve lugar a concretização dos poderes com ela conferidos, i.e., foi celebrada a doação. Quanto a tal, não se desconhece a doutrina e a prática judiciária que têm enquadrado a resolução deste problema no âmbito da representação sem poderes, prevista no art. 268.º do CC. Esta perspectiva propugna, atenta a eficácia retroactiva da invalidade da procuração, pela cessação da representação legítima de quem intervém (com base numa procuração inválida) e, por isso, o negócio assim celebrado é ineficaz, mas não nulo ou anulável, produzindo os seus efeitos em relação ao representado, em caso de ratificação do mesmo. Neste sentido, a entender que a falta de poderes de representação a que este normativo se reporta é susceptível de derivar quer da inexistência de procuração válida quer do facto de o representante exceder os poderes dela constantes e sufragando a ineficácia nestes termos, cfr. Acs. do TRL de 30.11.2006, proc. n.º 7918/2006-6, e do STJ de 23.09.2004, proc. n.º 04B2716. Com efeito, poder-se-ia ser tentado a enveredar pela aplicação do regime comum dos negócios jurídicos e das invalidades deste à procuração, com a consequente ineficácia do negócio jurídico celebrado, que, desse modo, deixaria de vincular o representado, nos termos supra expostos. Contudo, aqui seguindo-se de perto a posição de PEDRO DE ALBUQUERQUE, A Representação Voluntária em Direito Civil: ensaio de reconstrução dogmática: dissertação de doutoramento das ciências jurídicas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Almedina, 2004, p. 1108, impõe-se a consideração de que tal perspectiva não tem acolhimento. Com efeito, este regime geral não tem em vista, nem em conta a ligação que existe entre uma procuração e o negócio principal, e apenas atende à existência de um único negócio, o que é manifestamente inadequado quando ocorre a celebração do negócio principal, já que a procuração só adquire relevância e sentido quando o negócio representativo é outorgado/celebrado e por o ser. Deste modo, nem sequer se a procuração não for “usada”, fará sentido recorrer a tal regime, intentando uma acção tendente à invalidade da procuração, mas, sim, revogá-la, por modo a, ao abrigo do disposto no art. 265.º, n.º 2, do CC, alcançar os efeitos a que a aquela primeira acção tenderia. Todavia, quando forem exercidos os poderes conferidos ao procurador, deixa de caber o recurso à revogação da procuração, impondo-se impugnar, sim, mas o negócio principal ou representativo, e não a procuração, uma vez que é naquele primeiro que se repercute o vício da procuração, enquanto acto de outorga de poderes representativos ou “negócio incompleto ou de mera organização” – cfr. PEDRO DE ALBUQUERQUE, op. cit., p. 1131, sendo que o representado participa efectivamente na formação do negócio jurídico principal e o representante é um mero agente. Destarte, nesta hipótese, é “impugnável” ou “invalidável” aquele negócio principal (e não a procuração autonomamente), se e na medida em que a “deficiência do acto de outorga dos poderes de representação se venha a repercutir sobre aquele negócio”, pois a validade do negócio representativo deve “ir buscar-se à pessoa do representado”, dado que “quanto sucede no negócio representativo é antes a sua subordinação na totalidade ao acto de autodeterminação do representado mediante o qual se atribui validade ao negócio representativo”- – cfr. PEDRO DE ALBUQUERQUE, op. cit., p. 1117, 1185-1187. Nessa medida, dispõe o art. 259.º, n.º1, do CC, que “à excepção dos elementos em que tenha sido decisiva a vontade do representado, é na pessoa do representante que deve verificar-se, para efeitos de nulidade ou anulabilidade da declaração, a falta ou vício da vontade, bem como o conhecimento ou ignorância dos factos que podem influir nos efeitos do negócio.”. Este preceito consagra a teoria da cooperação entre o representante e o representado, na realização do negócio representativo, com ambas as vontades, do dominus e do representante a relevar, conquanto que em medidas distintas, na medida em que “os vícios ou invalidade da relação-base ou das instruções proferidas à margem da procuração que se repercutam sobre o conteúdo do negócio representativo geram a invalidade deste. Portanto, a vontade relevante do representado não é apenas a expressa na procuração.” - MENEZES CORDEIRO, António – Código Civil Anotado, Parte Geral, ob. cit. pp. 762-763. Nestes termos, de acordo com a citada norma, haverá, em regra, que atender à declaração do representante. Contudo, o mesmo preceito permite colocar em causa e invalidar, de forma directa, o negócio representativo em caso de falta ou vício de vontade do representado quando esta ou este se repercuta no mesmo, por dizer respeito a um dos seus elementos essenciais do mesmo, como é, “antes ainda dos efeitos, o próprio fundamento do negócio representativo”, que é, precisamente, a procuração – PEDRO DE ALBUQUERQUE, op. cit., p. 1123, 1187. Em suma, do art. 259.º, n.º 1, do CC, decorre, pois, a possibilidade de invalidar o negócio principal, sem necessidade de se invalidar a procuração. Se assim não fosse, dir-se-á, haveria o risco de, invalidada a procuração e correspondendo o negócio efectivamente celebrado à vontade do representante, o mesmo se vir, aplicado o art. 268.º, n.º1, do CC, revelar ineficaz em relação a ele, como outros tantos celebrados com base na mesma procuração, quando correspondiam à vontade livre e esclarecida do representado. Por via dessa ineficácia, poder-se-ia ainda atribuir um benefício ilegítimo quando ocorre a intervenção de alguém que não intervém directamente, mas através de procurador, quase que permitindo uma fraude à lei. Em sentido semelhante, OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Vol. II, pp. 252-253, defende que “como negócio, a procuração pode ser impugnada, [tendo-se] então que, por força da invalidade sequencial, o negócio celebrado pelo representante ficaria inválido também. Por isso, os vícios da procuração, que atinjam o conteúdo do negócio, deveriam ter a sua relevância restringida aos casos em que pudessem valer como vícios do negócio. Justamente por o representado ser o autor do acto, os vícios em que incorrer surgem como vícios da outra parte negocial”. O contrato de doação é aquele “pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente” (art. 940.º, n.º1, do CC), tendo como elementos essenciais: 1) atribuição patrimonial geradora de enriquecimento; 2) diminuição do património do doador; e 3) intenção de atribuir um benefício patrimonial a outrem por simples generosidade ou espontaneidade e não com qualquer outra intenção – cfr. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. III. 11.ª Edição, 2016. Almedina, p. 175-176. Ora, é inevitável concluir que a procuração outorgada por DD a conferir, ao Réu, poderes para celebrar a doação do prédio em causa, enquanto seu procurador, legitimou a celebração deste último negócio, principal, a qual efectivamente ocorreu, de tal modo que os efeitos do mesmo se produziram na esfera jurídica de DD e o vincularam, operando-se, a favor do Réu, a transmissão do direito de propriedade sobre o referido imóvel, conquanto que onerado com o direito de usufruto constituído a favor dos pais do Réu. Assim, in casu, foram efectivamente exercidas as competências conferidas ao Réu pelos seus pais, mediante uma procuração outorgada por estes, tendo ele celebrado a correspondente escritura de doação para que tanto estes lhe haviam conferido poderes, na qualidade de procurador destes e, portanto, representando os doadores, e aceitando, em seu nome o mesmo. Sucede, pois, que, aquando da outorga desta procuração, DD padecia da doença de Alzheimer e de demência vascular, ou seja, de anomalia psíquica, e apresentava manifestações clínicas destas doenças. Destarte, à data e no momento da outorga da procuração, a doença de Alzheimer e a demência vascular tinham-se manifestado e gerado consequências tais que lhe retiraram a capacidade de formar qualquer juízo crítico, de pensar e raciocinar, não tendo, nesse momento temporal, a capacidade de compreender o teor e o sentido da declaração que proferia, e que necessária para a outorga da procuração. Deste modo, não conseguia alcançar que estava a conceder poderes ao Réu para este celebrar o contrato de doação em seu nome e, assim, realizar uma vantagem patrimonial em seu nome, com o consequente empobrecimento que tal implicava para o seu património, o que este sabia. Consequentemente, verifica-se uma situação de incapacidade acidental de DD, estando reunidos os requisitos para a anulação da doação celebrada com base num negócio viciado, onde se repercutiu tal vício (a procuração), desatendendo-se ao pedido de anulação da procuração, como referido. Pelo exposto, julga-se procedente o pedido de anulação da doação outorgada pelo Réu, com base na procuração em que foi interveniente DD.”. Porque, como referido, nada temos a apontar a esta decisão, é a mesma de manter nos seus precisos termos. * III- DISPOSITIVO* Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Custas a cargo do apelante (art. 527.º, nºs 1 e 2 do CPC). Porto, 2024-05-09 Manuela Machado Isoleta de Almeida Costa António Carneiro da Silva |