Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ISABEL REBELO FERREIRA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO COMUNICAÇÃO AO ARRENDATÁRIO INEFICÁCIA DA COMUNICAÇÃO OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO POR PARTE DO SENHORIO | ||
| Nº do Documento: | RP20251113545/24.7T8PRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – A carta do senhorio que apenas refere “ao abrigo da nova lei do arrendamento venho propor para o local acima indicado: 1. – Uma renda de 300 00€ mensais; 2. – Um contrato com duração de dois anos. Junto envio a caderneta predial do imóvel.” não cumpre com os requisitos legalmente exigidos para a comunicação da transição do contrato de arrendamento para o NRAU. II – A consequência deste incumprimento é a ineficácia da comunicação, tudo se passando como se a mesma não tivesse sido feita, não havendo transição do contrato para o novo regime. III – Um contrato de arrendamento para habitação sem duração limitada, celebrado antes da vigência do R.A.U., tal como um contrato de duração indeterminada celebrado na vigência do actual regime do arrendamento urbano, não pode cessar por oposição à renovação. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo: 545/24.7T8PRT.P1 * Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – Seminário ... intentou, no Juízo Local Cível do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, acção declarativa, com processo comum, contra AA, pedindo seja: - declarada “a cessação por caducidade com efeitos a 31.01.2023 do contrato de arrendamento para habitação que tem por objeto o imóvel sito Rua ..., ..., União das Freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto, inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...71 da dita freguesia, que teve origem no artigo ...63 da extinta freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...19, da freguesia ...”; - condenada a R. “a desocupar o imóvel acima identificado e a proceder à sua entrega, livre e devoluto de pessoas e bens”; - condenada a R. a pagar-lhe a “indemnização correspondente ao dobro do valor da renda mensal fixada no contrato de arrendamento aqui em causa, calculada desde a data da caducidade (31.01.2023) até à data da efetiva entrega do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens, indemnização essa que atualmente (02.01.2014) já ascende a 2.200,00 €”. Alegou para tal que é proprietária, por lhe ter sido doado, do imóvel identificado no art. 1º da petição inicial, cujo rés-do-chão se encontra arrendado à R. desde 28/07/1975, pela renda mensal de 970$00, equivalente a € 4,84, arrendamento que, na sequência de troca de correspondência para o efeito entre A. e R., transitou para o novo regime do arrendamento urbano a partir de 01/02/2013, pelo prazo de 5 anos e com a renda mensal de € 100,00, e que, por carta datada de 11/11/2021, comunicou à R. a oposição à renovação do contrato de arrendamento vigente, com efeitos a partir de 31/01/2023, comunicação que aquela recebeu em 12/11/2021, tendo ainda enviado uma carta datada de 05/01/2023 a interpelar a R. para entregar as chaves do locado em 31/01/2023, que foi recebida em 06/01/2023, sendo que a R. não o fez, continuando a fazer uso da habitação. A R. contestou, alegando que foi contactada pelo A. com vista ao aumento da renda para € 300,00 mensais, pelo período de 2 anos, mas não recebeu a carta aludida no art. 9º da petição inicial, a qual, de todo o modo, não foi enviada por correio registado com aviso de recepção, nem cumpre com as restantes formalidades exigidas no art. 30º do NRAU, o mesmo sucedendo com a carta referida no art. 11º da petição inicial, que a sua comunicação referida no art. 10º da petição inicial apenas significa que propõe uma renda mensal de € 100,00 a manter-se inalterável pelo prazo de 5 anos, pelo que não houve transição do contrato para o NRAU, e que, ainda que assim não fosse, à data da oposição à renovação, a R. tem mais de 65 anos e reside no locado há mais de 20 anos. O A. respondeu, impugnando os factos alegados na contestação e mantendo a posição por si assumida na petição inicial. Foi realizada tentativa de conciliação, que não surtiu efeito, não houve lugar a audiência prévia e foi elaborado despacho saneador, no qual, considerando-se que “os autos contêm, em nosso entender, todos os elementos que permitem, desde já, conhecer do mérito da causa e disso foi dado conhecimento às partes, as quais acompanharam tal entendimento”, se decidiu: - “declarar validamente efectuada a oposição à renovação, com efeitos a 31.01.2023, do contrato de arrendamento para habitação que tem por objecto o imóvel sito Rua ..., ..., União das Freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto, inscrito na matriz respectiva sob o artigo ...71 da dita freguesia, que teve origem no artigo ...63 da extinta freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...19, da freguesia ...”; - condenar a R. a entregar ao A. “o referido imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens”; e - condenar a R. a pagar ao A. “uma indemnização, calculada a partir de 02.02.2023, correspondente ao valor da renda mensal fixada entre as partes e até efectiva desocupação e entrega do locado, sendo tal indemnização elevada ao dobro a partir do trânsito em julgado da presente sentença”. De tal decisão veio a R. interpor recurso, pugnando pela improcedência da acção, declarando-se ineficaz a carta enviada em 14/11/2012, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem: «I – Os factos dados como provados estão, em nosso entendimento, erradamente qualificados, não decorrendo dos mesmos a prova que o tribunal se convenceu, sendo inverosímil nomeadamente no que respeita aos documentos juntos com a petição inicial. II – Também sob o ponto de jurídico, a “decisão” merece censura, resultante da interpretação da lei conjuntamente com uma prova inexistente e que da qual não poderá o Tribunal “a quo” fazer deduções. III – O facto dado como provado sob o n.º 9 da sentença, tem duas evidências que não podem ser ocultadas: a alegada carta datada de 14.11.2012, junta a PI como doc. n.º 4, impugnada pela ora Apelante na sua Contestação, não foi enviada por correio registado com aviso de recepção, não resultando, pois, provado que a mesma tenha sido recebida pela Apelante; IV – Também não poderia o tribunal “a quo” ter dado como provado que a referida carta tivesse junta a caderneta predial, na verdade, o documento junto à petição inicial com o n.º 4 tem anexa uma cópia de certidão matricial do imóvel, mas foi omitida a 2ª página da mesma onde teria aposta a respectiva data de emissão, donde resultando evidente que faltando a data da emissão da certidão matricial não pode ser dado como provado que a mesma foi junta à carta datada de 14.11.2012, ou seja, não só resulta como não provado o envio da referida missiva, como não resulta provado que a caderneta predial fosse junta com o alegado envio da mesma. V - De todo o modo, o artigo 9.º do NRAU Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro, com a alteração dadas pela Lei n.º 31/2012 de 14 de agosto, refere “1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.” VI – A formalidade legal que a comunicação do ora Apelado, à ora Apelante, para efeito da actualização da renda, por carta registada com aviso de recepção, não se trata de uma mera formalidade que possa ser substituída pela presunção do tribunal “a quo” que alega, sem base fáctica, que houve conhecimento do conteúdo da mesma, atenta a presumida resposta de forma manual e em papel pautado. VI - Acrescente-se ainda que tal formalidade legal é sistematicamente realçada e expressa pelo Tribunal “a quo” quando refere as cartas que posteriormente foram enviadas pelo Apelado à Apelante, para efeitos de alegação de caducidade, basta ler os factos dados como provados com o n.º 14, 15, 16 e 18, ou seja, a carta registada com recepção é valorada quando o Tribunal “a quo” entende, e presumida quando o tribunal decide ser assim, de forma a moldar a decisão pela qual optou. VII - Acresce ainda que em lado algum da referida carta, o autor, referiu que o prazo por si proposto era para a transição do contrato de arrendamento para o Novo Regime de Arrendamento Urbano, pelo que não poderia o tribunal “a quo” dar como provado um facto que não existe no documento, nem que o fizesse por dedução ou presunção, as quais seriam sempre nulas. VIII - O artigo 30.º Iniciativa do Senhorio do NRAU Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro, com a alteração dadas pela Lei n.º 31/2012 de 14 de agosto, refere-se deste modo a esta questão: “A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando: a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos; b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), constante da caderneta predial urbana; c) Cópia da caderneta predial urbana, mas a carta datada de 14.11.2012, junta à PI como documento n.º 4, não resulta qualquer informação ou comunicação da intenção do Apelado no sentido da transição do contrato de arrendamento para o NRAU, não podendo o tribunal “a quo” dar como provado um facto que não resulta do texto explicito ou implícito da missiva. IX - O facto n.º 9 de sentença deve ser dado como, manifestamente não provado. X - No facto dado como provado como n.º 10, refere o Tribunal “a quo”, que a Apelante, em documento manuscrito, datado de 26.11.2012, entregou à apelada a resposta à alegada carta datada de 14.11.2012, ou seja, a carta do Apelado, não registada com aviso de recepção, teria sido respondida em documento manuscrito. XI - Desde logo não pode resultar que a Apelante tenha recepcionado a referida missiva do Apelado logo não se pode dar como provado que o manuscrito seja resposta a que quer que seja. XII - Por outro lado o tribunal “a quo”, vá-se lá saber porquê, refere que a alegada resposta da ora Apelante refere que propõe ao Apelado cinco anos de prazo para a transição do contrato de arrendamento para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, quando, do referido documento nada resulta nesse sentido, a Apelante nunca escreveu que os 5 anos seriam para qualquer transição do contrato de arrendamento, o que resulta do documento manuscrito é que a Apelante propõe a renda mensal de 100 Euros por um prazo de 5 anos. XIII - Pelo que o facto n.º 10, dado como provado deve, na parte em que diz “… e o prazo de cinco anos para a transição do contrato de arrendamento para o Novo Regime do Arrendamento Urbano – NRAU…” ser dado como não provado. XIV - Também não poderia ser dado como provado o facto n.º 12, 14 e 18 uma vez que não resultando a data em que a missiva foi recepcionada pela Apelante, não resultando da mesma a intenção do Apelado fazer transitar o arrendamento para o NRAU, não resultando da mesma o valor do locado e não resultando provado que o documento manuscrito é uma resposta à referida missiva e que da mesma resulta a menção da transição do contrato para o NRAU, não se pode dar como provado que as partes acordaram a transição do arrendamento para o NRAU, pelo prazo de 5 anos, e ainda o direito do Apelado a opor à renovação do contrato de arrendamento e a qualquer indemnização decorrente da não entrega do arrendado. XV - Com os factos 9, 10, 12, 14 e 18 dados como não provados a acção teria que ser improcedente, atenta a ineficácia da comunicação de 14.11.2012, tudo se passando como se não tivesse sido feita. XVI - Ambos os documentos aqui em crise foram impugnados pela Apelante quanto ao seu teor, veracidade e alcance probatório pretendido. XVII - O Tribunal “a quo” não podia, sem contraditório, dar como provados factos com base na livre apreciação de documentos dados como prova pela Apelada, baseando-se em presunções. XVIII - Não estão, pois, verificados os pressupostos legais para a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, existente entre a Apelante e o Apelado. XIX - O Apelado não deu cumprimento ao estatuído no referido Regime, pelo que a acção não poderia proceder no sentido da caducidade do contrato de arrendamento. XX - Nem o tribunal “a quo” poderia ter dado como provado os factos 9, 10, 12, 14 e 18 uma vez que são inverídicos pois os documentos que referencia em nenhum momento é mencionada a transição do contrato de arrendamento para o NRAU alterando assim o alcance com que se pretendeu dar como provados os referidos factos e ignoram os pressupostos previstos na Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro, com a alteração dadas pela Lei n.º 31/2012 de 14 de agosto, nos seus artigos 9.º, 10.º e 30.º não só no que á essencialidade da comunicação por carta com registo de recepção, como também no que à essencialidade do contudo da comunicação diz respeito. XXI - O Tribunal “a quo” ao dar como provados os factos n.º 9 e 12 ignorou, para além da inexistência da menção da intenção do arrendatário de fazer transitar o arrendamento para o NRAU, já atrás referido, ignorou também a alínea b) do referido artigo 30.º da Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro, com a alteração dadas pela Lei n.º 31/2012 de 14 de agosto, ou seja, a inexistência na missiva da menção do valor do locado. XXII – A Caderneta predial urbana que se encontrava junta à alegada carta de 14.11.2012, a qual como foi referido atrás não se aceita uma vez que se encontra incompleta, faltando-lhe uma página inviabilizando a verificação da data da sua emissão, sendo que a Cópia da caderneta e a sua junção é outro pressuposto do conteúdo da missiva (alínea c) do art.º 31.º Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro, com a alteração dadas pela Lei n.º 31/2012 de 14 de agosto. XXIII - O tribunal “a quo” mal andou quando deu como provada a transição do arrendamento para o NRAU com fundamento na missiva datada de 14.11.2012 onde dá como assente que o Apelado propõe à Apelante pelo prazo de 2 anos para a transição do arrendamento para o NRAU sem que considerasse a falta da menção do valor do locado, essencial para a oposição do arrendatário à denuncia do senhorio, uma vez que a actualização da renda atento o RABC, tem de atender ao valor do locado. (art.º 33 do NRAU) XXIV - Existem condições próprias para a transição do arrendamento vinculístico para o NRAU. Formalidades e requisitos materiais, elementos essenciais cuja inobservância pelo senhorio na sua comunicação implicam que a mesma não tem qualquer valor negocial, padecendo de ineficácia. XXV - Sem que esses elementos cheguem ao conhecimento da arrendatária esta na definição do contrato de arrendamento não pode consciencializar-se no sentido da formação da sua vontade negocial. XXVI - Os pressupostos previstos na Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro, com a alteração dadas pela Lei n.º 31/2012 de 14 de agosto, nomeadamente nos seus artigos 9.º, 10.º e 30.º têm de ser obrigatoriamente observados sob pena de a comunicação ser ineficaz. XXVII - Não pode ser dado como provado a recepção pela Apelante da missiva do Apelado, datada de 14.11.2012 XXVIII - Não pode ser dado como provado a eficácia da missiva dirigida á apelante pelo Apelado datada de 14.11.2012, no sentido da transição do contrato de arrendamento para o NRAU. XXIX - Não pode ser dado como provado que o documento manuscrito da Apelante é uma resposta á missiva datada de 14.11.2012 XXX - Não pode ser dado como provado que o documento manuscrito pela Apelante. XXXI - Não pode ser dado como provado que Apelante e Apelado acordaram na transição do contrato de arrendamento para o NRAU pelo prazo de 5 anos e renda de € 100 mensais. XXXII - Não pode ser dado como provado que o Apelado assistia o direito de se opor à renovação do contrato de arrendamento. XXXIII - Não pode ser dado como provado o direito do Apelado a qualquer indemnização decorrente da não entrega do arrendado. XXXIV - Não sendo observados, na missiva datada de 14.11.2012, os requisitos materiais e formais, previstos no NRAU, que tinham de ser obrigatoriamente observados pelo Apelado para efeitos da comunicação de transição para o NRAU, tal comunicação é ineficaz e consequentemente a declarada cessação por caducidade do contrato de arrendamento e a condenação em indemnização. NORMAS VIOLADAS: Artigo 9.º, 10.º e 30.º da Lei 6/2006 de 27 de fevereiro na redação dada pela Lei n.º 31/2012 de 14 de agosto; artigo 762.º n.º 2 do Código Civil.». Não foram apresentadas contra-alegações. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** II - Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas respectivas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), são as seguintes as questões a tratar, por ordem lógica de precedência: a) alteração da matéria de facto; b) transição do contrato de arrendamento para o Novo Regime do Arrendamento Urbano; c) oposição à renovação do contrato de arrendamento. ** Vejamos a primeira questão. Insurge-se a recorrente contra a consideração como provados dos pontos 9, 10, 12, 14 e 18 elencados na matéria de facto da decisão recorrida, defendendo que o ponto 10 deve ser parcialmente dado como não provado e os restantes como não provados. No caso, há que atentar, antes de mais, que a decisão foi proferida na fase do saneamento do processo. Ora, de acordo com o previsto no art. 595º, nº 1, al. b), do C.P.C., o despacho saneador pode ter como finalidade a de conhecer do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção peremptória. Sendo esta fase prévia à fase de instrução do processo (aquela que tem por objecto os temas da prova enunciados ou os factos necessitados de prova – cfr. art. 410º do C.P.C.), os factos que se podem considerar provados sem necessidade de serem apurados na fase de instrução são (cfr. arts. 568º, als. c) e d), 574º e 607,º nºs 4 e 5, do C.P.C., e 354º, al. b), 358º, nº 1, 364º, nº 1, 371º, 376º e 377º do C.C.): - aqueles que forem confessados expressamente pelo réu, ou não forem especificadamente impugnados, desde que não estejam em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, sobre eles seja admissível confissão (não respeitem a direitos indisponíveis) e não tenham que ser provados por documento escrito; - aqueles que se provem por documento escrito, com força probatória plena (documentos autênticos, documentos particulares autenticados em conformidade com o disposto no art. 377º do C.C. e documentos particulares nos termos do art. 376º do C.C.). Todos os restantes factos só podem ser objecto de apreciação probatória no âmbito da instrução do processo e após a realização da audiência de julgamento, sendo a sentença o local e o momento próprios para a sua consideração como provados ou não provados e a respectiva motivação dessa decisão de facto (cfr. art. 607º, nºs 3, 4 e 5, do C.P.C.). No caso concreto, na decisão recorrida não se consideraram apenas os factos confessados ou admitidos por acordo e os constantes de documento com força probatória plena, mas ainda factualidade decorrente de documentos impugnados pela R., tendo sido feito um verdadeiro exercício de livre apreciação da prova quanto a estes documentos na motivação do tribunal, numa apreciação de facto que não cabe neste momento processual, só sendo consentida na sentença final, após toda a produção de prova [quando se refere: “Note-se que, pese embora a Ré tenha manifestado, em sede de contestação, desconhecer a comunicação datada de 14.11.2012, através da qual o Autor lhe propôs a renda de 300,00 € (trezentos euros) e um prazo de dois anos para a transição do contrato de arrendamento para o Novo Regime do Arrendamento Urbano aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, tal não colheu por duas ordens de razões. A primeira prende-se com o facto de a própria Ré ter respondido àquela comunicação do A., o que fez através de uma carta manuscrita e que foi por si assinada. A segunda ordem de razões prende-se com o concreto teor desta resposta, resposta essa consubstanciada no documento manuscrito datado de 26.11.2012 que só poderia ter sido então (nessa altura) entregue ao Autor em resposta à carta de 14.11.2012, pois que na mesma a Ré [contra]propôe ao Autor [em relação à renda por este proposta de 300 €] a renda mensal de 100,00 € (cem euros) e [contra]propõe [em relação ao prazo de dois anos] o prazo de cinco anos. Desta troca de correspondência e, especificamente da resposta da própria Ré, nos termos concretos em que o faz, cfr. ponto 10 dos “factos provados, se retira que a mesma, percebendo a intenção do Autor em proceder à transição do contrato de arrendamento para o Novo Regime do Arrendamento Urbano – NRAU, aceita tal transição, embora não nos termos negociais aventados pelo Autor, mas antes nos termos negociais que então propôs na aludida missiva manuscrita por si mesma assinada. E tal conclusão resulta reforçada se se atentar à resposta subsequentemente endereçada pelo Autor à Ré, quando, por carta datada de 27.11.2012, aceitou[a] a proposta da Ré, cfr. ponto 11. dos factos provados. E mais ainda: ao facto de a Ré ter passado a proceder ao pagamento da renda pelo montante acordado - 100,00 € - a partir da data assinalada pelo A. nesta última carta de 27.11.2012 – Janeiro de 2013, valor que se manteve inalterado e sem qualquer actualização até ao momento, como de forma concordante ambas as partes expressamente aceitam e reconhecem nos respectivos articulados.”]. Assim, tendo a R. impugnado na totalidade o teor dos documentos 4 e 6 juntos com a petição inicial, que correspondem às cartas de 14/11/2012 e 27/11/2012, aludidas nos pontos 9 e 11 dos factos provados, e tendo alegado que a sua carta de 26/11/2012 foi em resposta a um contacto do A. com uma proposta de aumento da renda (e não à missiva de 14/11), não poderia nesta fase processual ser considerada provada a matéria constante dos referidos pontos 9 e 11 dos factos provados. Ademais, tendo em conta a posição igualmente assumida pela R. na contestação, no que concerne à matéria do ponto 10, não poderia ter sido incluído no elenco dos factos provados mais do que o teor que consta efectivamente da carta escrita pela R., ou seja, não podia o tribunal recorrido concluir (nesta fase processual, repete-se) que esta carta foi entregue “em resposta à carta de 14.11.2012” nem que a proposta se destinava à “transição do contrato de arrendamento para o Novo Regime do Arrendamento Urbano – NRAU”. No que concerne ao ponto 12, o mesmo não contém factos, mas matéria conclusiva e de direito, sendo esta mesmo uma das questões controvertidas e que tem de ser decidida nos autos: saber se o contrato de arrendamento transitou ou não para o NRAU é precisamente uma das principais questões de direito a apreciar nos autos. Já relativamente às cartas aludidas nos pontos 14 e 18 dos factos provados, esta factualidade não foi impugnada pela R. na contestação, tendo até sido expressamente aceite a recepção da carta de 11/11/2021 (art. 11º), pelo que tal matéria foi bem considerada como assente – anote-se até que se percebe da alegação da recorrente que a mesma não põe em causa estes factos, mas antes a conclusão de que houve transição para o NRAU (que, como se viu, constitui matéria de direito a apreciar no recurso), e que a sua “impugnação” não se prende com a matéria de facto em si, mas com o desacordo quanto à circunstância de o A. poder opor-se à renovação do contrato (igualmente matéria de direito a apreciar). Em face do exposto, verifica-se que o ponto 12 do elenco dos factos provados deve ser excluído, por se tratar de matéria de direito. E que não pode nesta fase dar-se como provado a matéria dos pontos 9 e 11 e a parte referida do ponto 10 dos factos provados, a qual implicava que o processo seguisse para as fases de instrução e julgamento da causa. Sucede, porém, que, como melhor se apreciará no tratamento das restantes questões a decidir, ainda que venha a ficar demonstrada toda a troca de comunicação entre as partes, com o exacto teor que consta dos documentos juntos com a petição inicial, a acção não pode proceder, merecendo provimento o recurso interposto. Pelo que, não há que anular a decisão recorrida e determinar o prosseguimento dos autos para julgamento, mas antes conhecer do mérito da decisão, o que se irá fazer, apreciando as restantes questões enunciadas. ** Passemos, pois, à segunda questão. Estão efectivamente assentes os seguintes factos que se transcrevem, elencados na decisão recorrida: «1. O Autor é dono do prédio urbano em propriedade total composto de casa de dois pavimentos, com cinco divisões no rés-do-chão e cinco divisões no primeiro andar, para habitação, sito na Rua ..., ..., União das Freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto, inscrito na matriz respectiva sob o artigo ...71 da dita freguesia, que teve origem no artigo ...63 da extinta freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...19, da freguesia .... 2. Por documento particular datado de 28 de Julho de 1975, BB deu de arrendamento à Ré, AA, e esta aceitou tomar de arrendamento, a casa com entrada pela porta n.º ... correspondente ao rés-do-chão do prédio sito na Rua ..., ..., União das Freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., concelho do Porto, nos termos que constam desse documento assinado pelas partes e designado por “CONTRATO DE ARRENDAMENTO”. 3. O contrato foi celebrado pelo prazo certo de um ano, a começar no dia 1 de Agosto de 1975 e a terminar em 31 de Julho de 1976, considerando-se prorrogado por sucessivos e iguais períodos de tempo. 4. A renda mensal acordada foi de 970$00 (novecentos e setenta escudos) paga em casa do senhorio ou do seu representante, no primeiro dia útil do mês anterior ao mês a que disser respeito. 5. A casa foi arrendada para habitação da Ré AA. 6. A Ré tomou posse da casa e da mesma faz uso, para sua habitação, de forma permanente e ininterrupta desde 01.08.1975 até à presente data. 7. Em 15.01.1996 o Autor, Seminário ..., adquiriu por doação o prédio sito na Rua ..., ..., no Porto, no qual nessa data já habitava a Ré, AA, na qualidade de inquilina; 8. ... E que a partir de 01.02.1996 passou a pagar a renda do locado ao Autor no valor de 970$00 (novecentos e setenta escudos), ou seja, o correspondente na moeda actualmente em uso a 4,84 € (quatro euros e oitenta e quatro cêntimos) (970,00 / 200,482 = 4,838). (…) 13. Desde o dia 01.02.2013 a Ré passou a pagar ao Autor a nova renda no montante acordado entre as partes de 100,00 € (cem euros), cujo valor se manteve inalterado e sem qualquer actualização até à presente data. 14. No dia 11.11.2021 o Autor comunicou à Ré que se opunha à renovação do contrato de arrendamento relativo ao locado sito na Rua ..., ..., no Porto, o que fez nos seguintes termos: “Porto, 11 de Novembro de 2021 Carta registada com aviso de recepção ASSUNTO: Oposição à renovação do contrato de arrendamento para fim habitacional relativo ao imóvel situado na Rua ..., ..., ... Porto Exma. Sra. AA, Aquando da transição para o Novo Regime de Arrendamento Urbano do contrato de arrendamento acima referenciado, foi acordado entre as partes que este contrato passaria a ter o prazo de 5 anos. Significa, portanto, que o contrato de arrendamento em vigor termina a sua vigência no dia 31 de Janeiro de 2023. Deste modo, vimos, por este meio, opor-nos à sua renovação, pelo que, o mesmo terminará a sua vigência no mencionado dia 31 de Janeiro de 2023. Até essa data, deve Vª Excª entregar o locado livre de pessoas e bens, bem como proceder à entrega das respectivas chaves. (...).”. 15. Comunicação essa que o Autor fez por escrito, em carta registada com aviso de recepção que foi recebida no dia 12.11.2021. 16. Por carta datada de 05.01.2023 o Autor interpelou a Ré para a entrega a 31.01.2023 das chaves do locado, carta esta remetida por correio registado com aviso de recepção que foi recebida em 06.01.2023. 17. Porém, a Ré não procedeu à entrega das chaves da casa na referida data e da mesma continua a fazer uso para respectiva habitação até à presente data. 18. O Autor remeteu nova carta, datada de 02.02.2023, e que foi enviada em correio registado e foi recebida a 03.02.2023, a comunicar, entre o mais, que: “(...) não tendo sido entregue voluntariamente no dia 31.01.2023, pelas 14h30m, o imóvel em questão, não temos outra alternativa que não seja a via judicial para recuperar a posse do mesmo. (...) Mais informamos que a partir desta data fica na posse indevida deste imóvel, (...).”.19. A Ré nasceu no dia ../../1949. 20. A Ré não entregou até hoje o arrendado.» A factualidade (objectivamente) alegada pelo A., expurgada de matéria conclusiva e de conceitos de direito, que constava dos pontos eliminados do elenco dos factos provados é a seguinte: a) O A. enviou à R. a carta datada de 14/11/2012, com o seguinte teor: “Registada c/aviso recepção Seminário ... Rua ..., ... ... VILA NOVA DE GAIA Ex.mª Srª D. AA Rua ..., ..., ... ... PORTO Serve a presente para comunicar que ao abrigo da nova lei do arrendamento venho propor para o local acima indicado: 1. – Uma renda de 300 00€ mensais; 2. – Um contrato com duração de dois anos. Junto envio a caderneta predial do imóvel. Sem mais, atentamente, Vila Nova de Gaia, 14 de Novembro de 2012 [assinado] CC”; 10. A R. entregou ao A. o documento manuscrito datado de 26/11/2012, com o seguinte teor: “AA Rua ... Rc/ Cod. ... Porto Em resposta à sua missiva venho propor a renda mensal de 100 Euros por um prazo de 5 anos. Com os meus cumprimentos Porto, 26 – Novembro de 2012 [assinado] AA”; 11. O A. enviou à R. a carta datada de 27/11/2012, com o seguinte teor: “Seminário ... Rua ..., ... ... VILA NOVA DE GAIA Ex.mª Srª D. AA Rua ..., ..., ... ... PORTO Com os meus cumprimentos e para que fique com um documento, venho por este meio comunicar que concordo com a sua proposta de 100 00€ (Cem Euros) mensais e o prazo de duração de cinco anos, feita por carta de 26 de Novembro de 2012. Mais informo, que a renda só será alterada para o novo valor a partir da que se vencer em Janeiro de 2013, referente a Fevereiro do mesmo ano. Sem mais, atentamente, V. N. de Gaia, 27 de Novembro de 2012 [assinado] CC”. Apreciemos então de direito, no pressuposto de que toda esta factualidade resultasse provada. Está assente entre as partes nos autos que estamos perante um contrato de arrendamento urbano, celebrado em 1 de Agosto de 1975, entre a R. como inquilina e um antecessor do A. como senhorio. À data estava em vigor o regime do arrendamento resultante do Código Civil de 1966, que, embora fixasse um prazo supletivo de 6 meses no caso do arrendamento urbano sem prazo convencionado pelas partes (art. 1087º), determinava a renovação automática do contrato, à qual o senhorio não podia opor-se, podendo apenas denunciar o contrato nos estritos termos previstos nos arts. 1096º e 1097º (art. 1095º) – regime que se manteve no R.A.U., aprovado pelo D.L. 321-B/90, de 15/10 [prazo supletivo de 6 meses (art. 10º), denúncia pelo senhorio apenas nos estritos termos previstos no art. 69º (art. 68º)]. O que significa que, não obstante estar fixado, no caso, o prazo de um ano para o arrendamento, sendo o mesmo “prorrogado por sucessivos períodos iguais, e nas mesmas condições”, constituía este um contrato de prorrogação obrigatória ou automática, sem duração limitada (para maiores desenvolvimentos sobre o assunto, pode ver-se o Ac. da R.L de 22/05/2025, com o nº de proc. 491/23.1T8MTA.L1-2, publicado em www.dgsi.pt). Com a entrada em vigor do N.R.A.U., aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27/02, em Junho de 2006, aplicável às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias (art. 59º, nº 1), aos arrendamentos para habitação celebrados antes da vigência do R.A.U. passou a aplicar-se este novo regime (arts. 27º e 28º), com as especificidades do art. 26º, que, no seu nº 4, determina que os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as especificidades aí previstas. Entretanto, este diploma legal foi alterado pela Lei nº 31/2012, de 14/08, passando a prever, no art. 28º, que a estes arrendamentos se aplicava também o disposto nos arts. 30º a 37º e 50º a 54º, prevendo-se agora nos arts. 30º a 37º a transição (ou não) para o novo regime. Nos termos do art. 30º do NRAU, a transição para o NRAU e a actualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando: a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos; b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), constante da caderneta predial urbana; c) Cópia da caderneta predial urbana. Sendo que, de acordo com o disposto no art. 9º, nº 1, do NRAU, esta comunicação deveria ser feita por intermédio de carta registada com aviso de recepção, o qual tem de ser assinado pelo próprio destinatário, não podendo sê-lo por terceira pessoa (cfr. art. 10º, nº 2, al. a), e nº 3). Ora, a carta que o A. alega ter enviado (em data em que estava em vigor a referida versão do NRAU decorrente da Lei nº 31/2012) não cumpre manifestamente com estes requisitos, pois que não indica expressamente que o senhorio pretende a transição para o novo regime do arrendamento urbano, nem explica em que consiste essa mudança, ou seja as consequências gravosas que tal terá para a arrendatária: passar de um contrato sem duração limitada, relativamente ao qual o senhorio não pode opor-se à renovação, para um contrato com prazo certo, no caso muito curto, de apenas 2 anos, com possibilidade de oposição do senhorio à renovação, para mais quando, à data, aquela habitava no locado há 37 anos e tinha 63 anos de idade. Na carta não consta o tipo de contrato, nem o valor do locado, sendo que esta indicação não pode ser substituída pelo simples envio de cópia da caderneta predial, posto que a lei exige ambas e não o faria se bastasse apenas uma delas, para mais quando se trata de uma situação de arrendamento de parte de imóvel não constituído em propriedade horizontal e não descrito na matriz como tendo andares susceptíveis de utilização independente (a R. ocupa apenas o rés-do-chão), em que o valor constante da caderneta predial respeita à totalidade do imóvel (rés-do-chão e 1º andar) – como se constata da certidão matricial junta como doc. 1 com a petição inicial. Ademais, não foi alegado na petição inicial (nem existem documentos que o suportem), sendo este um facto essencial para a pretensão do A., que a carta foi registada e com aviso de recepção e que foi a R. quem assinou o aviso. E nem se diga, como na sentença recorrida, que a R. entendeu que a missiva do A. visava a transição para o novo regime e que estava a ser proposto um contrato de duração limitada e pelo prazo de 2 anos, atenta a sua resposta de 26/11/2012, pois nesta o que se propõe singelamente é apenas “a renda mensal de 100 Euros por um prazo de 5 anos”, o que inculca a ideia de que a R. se pretende referir ao prazo durante o qual a renda seria de € 100,00, não permitindo concluir nada mais do que isso, designadamente não permitindo concluir que a R. estava a referir-se a um prazo de duração do contrato, nem (muito menos) que estava a responder com uma vontade livre e esclarecida, consciente de que estava a aceitar uma transição para o novo regime de arrendamento e de quais as consequências dessa alteração (supra referidas). Nem se retire qualquer inferência do facto de a R. ter passado a pagar a renda de € 100,00, visto que tal circunstância somente permite concluir que a mesma aceitou um aumento de renda, nada permitindo concluir quanto a uma eventual aceitação da completa modificação do regime do contrato, nomeadamente quanto ao seu tipo (de duração indeterminada para prazo certo). Tais insuficiências não foram supridas na carta do A. de 27/11/2012, que igualmente não cumpre, nos mesmos termos, os referidos requisitos, incluindo quanto ao envio por carta registada e com aviso de recepção e com assinatura da R. no aviso, para além de que a singela referência a “concordo com a sua proposta de 100 00€ (Cem Euros) mensais e o prazo de duração de cinco anos” presta-se à interpretação de que o prazo respeita à duração do período em que a renda se mantém no valor de € 100,00, nada sendo esclarecido expressamente sobre a mudança do contrato para um contrato de duração limitada por 5 anos. A consequência deste incumprimento dos requisitos da comunicação tendente à transição do regime do arrendamento para o NRAU é a ineficácia da comunicação, tudo se passando como se a mesma não tivesse sido feita, não havendo transição do contrato para o novo regime (cfr., neste sentido, Acs. da R.L. de 16/12/2021, com o nº de proc. 9046/20.1T8SNT.L1-2, de 11/01/2024, com o nº de proc. 1195/22.8T8AMD.L1-2, de 16/05/2024, com o nº de proc. 771/21.0T8LSB.L1-8, e de 09/10/2025, com o nº de proc. 30729/21.3T8LSB.L1-2, da R.P. de 09/04/2024, com o nº de proc. 106/23.8T8VLG.P1, e da R.G. de 24/10/2024, com o nº de proc. 2178/23.6T8GMR.G1, todos publicados em www.dgsi.pt). Com efeito, “o legislador visou estabelecer um regime especialmente exigente para a comunicação dirigida pelo senhorio ao arrendatário com vista à transição do arrendamento vinculístico para o NRAU, ponderando o seu significativo impacto na redefinição da - nova - relação contratual, estabelecendo informações obrigatórias por forma a assegurar que o seu destinatário se possa inteirar do seu conteúdo pela simples leitura da mesma” (Ac. da R.L. de 09/10/2025 referido, sublinhado nosso). “De resto, o próprio princípio da boa fé que deve pautar o cumprimento das obrigações (art.º 762.º, n.º 2) assim o dita, na certeza de que, de outro modo, ficaria em aberto a possibilidade de o senhorio, a coberto de uma redação dúbia da comunicação, poder ver alterada a relação contratual a seu favor, por mero efeito da incompreensão ou do silêncio do inquilino, aproveitando-se, mesmo, da especial vulnerabilidade deste” (Ac. da R.L. de 11/01/2024 referido, sublinhados nossos). Sendo assim, como é, afastada fica também qualquer possibilidade de assacar à R. um eventual abuso de direito. Como se diz no Ac. da R.L. de 16/05/2024, já citado, “o facto de ter passado a pagar a nova renda não significa qualquer aceitação do tipo e duração do contrato propostos para que pudesse ser enquadrada como actuação em abuso de direito. Só a prática de qualquer acto que denotasse a aceitação do tipo e duração do contrato propostos (e não da renda, que é questão diversa) poderia eventualmente justificar a actuação em abuso de direito. Ademais, nunca seria imputável aos Réus a forma como o Autor entendeu comunicar a “actualização da renda de acordo com a nova Lei nº 31/2012 de 14 de Agosto” e que importou na ineficácia da comunicação de transição para o NRAU, razão pela qual nunca estes ficariam inibidos de invocar essa defesa, apesar de terem aceitado implicitamente o indicado aumento de renda. Ou seja, neste contexto, a invocação da ineficácia da comunicação do Autor, configura o exercício normal do direito e não o seu exercício abusivo.” Aqui chegados, não resta senão concluir que não houve transição do contrato para o NRAU, pelo que o mesmo se manteve um contrato de arrendamento de duração indeterminada. ** Apreciemos, finalmente, a terceira questão. Como se disse supra, aos arrendamentos para habitação celebrados antes da vigência do R.A.U. o novo regime aplica-se com as especificidades do art. 26º do NRAU, que, no seu nº 4, determina que os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as especificidades aí previstas. Na actual redacção desta norma, resultante das alterações da Lei nº 31/2012, de 14/08, e da Lei nº 79/2014, de 19/12, estas especificidades consistem em que: a) Continua a aplicar-se o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU; b) Para efeitos das indemnizações previstas no n.º 1 do artigo 1102.º e na alínea a) do n.º 6 e no n.º 9 do artigo 1103.º do Código Civil, a renda é calculada de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º da presente lei; c) O disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil não se aplica se o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prct.. Sendo o contrato dos autos um contrato sem duração limitada, ao mesmo aplica-se o actual regime dos contratos de duração indeterminada, o que significa que não pode cessar por oposição à renovação: “o arrendamento de duração indeterminada não cessa unicamente por denúncia, mas ainda por todas as outras formas de cessação, salvo a oposição à renovação, já que a espécie em presença não comporta “renovação”” (cfr. Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 3ª ed. revista e actualizada, 2021, pág. 683). Portanto, independentemente das especificidades previstas para a denúncia do contrato, pela circunstância de ter sido celebrado antes da vigência do R.A.U., a impossibilidade de oposição à renovação por parte do senhorio existe sempre no caso, por força do actual regime aplicável aos contratos de duração indeterminada (cfr. art. 1096º, nº 3, do Código Civil – a oposição à renovação está prevista para os contratos com prazo certo). Não tendo o recorrido direito de oposição à renovação do contrato de arrendamento, conclui-se, sem necessidade de outras considerações, que a sua pretensão com a instauração da presente acção não pode proceder, devendo ser concedido provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida. * Em face do resultado do tratamento das questões analisadas, é de concluir pela obtenção de provimento do recurso interposto pela R. e pela consequente revogação da decisão recorrida. *** III - Por tudo o exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida e julgar improcedente a acção, absolvendo-se a R. do pedido. ** Custas da apelação e da acção pelo recorrido (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.). * Notifique. ** Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.): …………………………………………………………………… …………………………………………………………………… …………………………………………………………………… * datado e assinado electronicamente * Porto, 13/11/2025 Isabel Rebelo Ferreira Judite Pires Paulo Dias da Silva |