Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00032709 | ||
Relator: | CAIMOTO JÁCOME | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE DO GERENTE DANO SÓCIO | ||
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Nº do Documento: | RP200111050151236 | ||
Data do Acordão: | 11/05/2001 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | 1 V CIV PORTO | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 1379/98-2S | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA A SENTENÇA. | ||
Área Temática: | DIR COM - SOC COMERCIAIS. | ||
Legislação Nacional: | CSC86 ART79. | ||
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Sumário: | Deve entender-se como danos directamente causados pelos gerentes para com os sócios aqueles que são causados sem a interferência da sociedade, tudo se passando em moldes tais que a representação da sociedade, mesmo a ser invocada, se mostre irrelevante. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: 1- RELATÓRIO Joaquim ..... intentou a presente acção declarativa de condenação, na forma ordinária, contra «P....., SA», «L..... & F....., Lda.», Manuel ....., Esmeralda ..... (na qualidade de herdeira de Camilo .....), Maria José ....., Eduardo ....., Maria de Fátima ..... e Maria Irene ..... (estes quatro últimos na qualidade de herdeiros de José .....), pedindo: a) que se declare nulo o contrato de trespasse referido na petição inicial; b) a condenação dos 3º, 4ª e 5ºs RR. a pagarem, solidariamente, ao A. a quantia de 2.500.000$00, acrescida de juros vincendos, desde a citação. Alega, para tanto, em síntese, que é sócio da 1ª R. desde 1943 e seu gerente até 1962, nessa altura com uma participação social de cerca de 35%, sendo, desde 1968 - ano da sua transformação em anónima - detentor de 40 acções nominativas de 1.000$00 cada. Que a 1ª R. gozava de grande prestígio e que tinha óptimas instalações no centro da cidade que foram trespassadas à 2ª R., sem o conhecimento do A. e pelo preço irrisório de 2.350.000$00, quando é certo que o valor comercial da época nunca seria inferior a 75.000 contos. Que tal negócio foi manifestamente lesivo para os interesses do A., que, assim, nada recebeu, tendo sido um magnífico negócio para os 3º, 4º e 5º RR., que faziam parte das duas sociedades 1ª e 2ª RR. e que actuaram de forma concertada por forma a valorizar substancialmente o seu património, deixando de fora o A., assim desvalorizando por completo a sua participação social. Citados, os RR. contestaram, excepcionando a ilegitimidade do A., por entenderem que seria a sociedade e nunca o seu sócio que poderia ter sido prejudicada com o negócio e a caducidade do direito de impugnar a deliberação social de trespassar o estabelecimento. Alegaram, por outro lado, que a lª R. se encontrava num irreversível estado de degradação económica e financeira e, quando a sua situação líquida era já negativa, os sócios da 2ª R. adquiriram 96,666% do seu capital, tendo deliberado, na assembleia geral de 15/12/71, ceder a exploração do seu estabelecimento à 2ª R., procedendo posteriormente ao trespasse do estabelecimento, numa normal e quase inevitável operação, antes que o senhorio pedisse a resolução do contrato de arrendamento por falta de ocupação. Os administradores da trespassante agiram com a noção de que estavam a praticar um útil e imperioso acto de gestão, da exclusiva competência do órgão colegial que integravam e que correspondeu, exactamente, à vontade real dos intervenientes na deliberação e no negócio, nunca tendo tido a intenção de prejudicar o A., nem retiraram qualquer proveito individual e directo do negócio. Quanto ao valor do trespasse, contestam o valor indicado pelo A.. Mais excepcionam a ilegitimidade do A., por entenderem que seria a sociedade e nunca o seu sócio que poderia ter sido prejudicada com o negócio e a caducidade do direito de impugnar a deliberação social de trespassar o estabelecimento. Na réplica o A. respondeu à matéria da excepção. ** Elaborou-se despacho saneador no qual se decidiu pela legitimidade do A. e se considerou improcedente a invocada excepção de caducidade do direito do A..Os RR. agravaram do saneador tendo, posteriormente, desistido (fls. 316) deste recurso, desistência que se considera válida (artº 681º, nº 5, do CPC). Condensado e instruído o processo, após julgamento foi decidido: A) Julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade do trespasse; B) Absolver do pedido as RR. «P....., SA» e «L.... & F....., Lda.» e condenar os RR. Manuel ....., Esmeralda ....., Maria José ....., Eduardo ....., Maria de Fátima ..... e Maria Irene ..... (estes cinco últimos, na qualidade em que são demandados) a pagar ao A., solidariamente, a quantia de 1.900.000$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. ** Inconformados, os RR. apelaram da sentença, tendo, nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:a. Face a toda a matéria constante doa autos, não pode concluir-se que o trespasse do estabelecimento da ré, P....., S.A., foi feito no interesse dos seus administradores: b. Se o accionista José ....., ora recorrido, tinha esse entendimento, deveria ter impugnado a deliberação se não tivesse deixado caducar o prazo para fazê-lo (Cfr. Arts. 411 e 412, CSC); c. 0 reconhecimento implícito, quer pela Mma. juíza, quer pelo recorrido, de que a incidência do alegado dano no património deste só poderia ser determinada em eventual operação de liquidação da sociedade, é a prova de que esse mesmo dano só poderia ser indirecto; d. Os recorrentes fizeram tudo o que lhes era possível para manter o estabelecimento no domínio da trespassante e nunca agiram com má fé ou abuso do direito; e. Apesar de reconhecer, no despacho saneador, que o problema central da demanda era o de saber o que seriam os danos directamente causados pelos administradores aos accionistas, a verdade é que na sentença esse problema não foi abordado; f. Ora, o alegado dano causado ao recorrido, se existisse, seria um dano indirecto, porque afectava primeiramente a sociedade e só reflexamente o accionista; g. 0 accionista só pode servir-se da acção individual, como a presente, quando sofra um dano directo, o que não acontece no caso aqui tratado, h. Pelo que nem o meio é o próprio nem o autor goza de legitimidade activa, devendo os réus ser absolvidos da instância. i. Decidindo de modo diferente, a Mma. juíza "a quo" violou a normas contidas no Art. 79 do Código das Sociedades Comerciais. Nestes termos, deve ser dado provimento ao recurso, revogar-se a sentença, considerar-se o autor como parte ilegítima nesta acção e absolver-se os réus da instância. Na resposta às alegações o autor defende a manutenção do decidido. ** Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.2- FUNDAMENTAÇÃO 2.1- OS FACTOS A matéria de facto adquirida pela 1ª instância não vem posta em crise pelo que, nos termos do artº 713º, nº 6, do CPC, remete-se, nesta parte, para os termos da sentença recorrida. 2.2- O DIREITO O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 690º, nº 1 e 3, do C.P.Civil. Analisados os autos, constata-se, como se deixou referido, que no despacho saneador decidiu-se pela legitimidade adjectiva do A. e considerando-se improcedente a invocada excepção de caducidade do direito do A.. Tal despacho transitou em julgado (artº 672º, do CPC). Deste modo, não se compreende que os apelantes terminem as conclusões de recurso pedindo que se considere o autor como parte ilegítima nesta acção e se absolvam os réus da instância. Vejamos, de seguida, a questão essencial a ponderar na acção e agora neste recurso, a saber: se os RR. administradores da sociedade comercial "P....., S.A." causaram, no exercício das suas funções, danos directamente ao autor enquanto accionista daquela sociedade. A acção proposta pelo A. configura não uma acção social de um sócio (ut singuli) com vista à reparação de um prejuízo da sociedade "P....., S.A.", com base na responsabilidade dos seus administradores (artº 77º, do Código das Sociedades Comerciais), mas antes uma acção individual de um accionista procurando ser reparado por actos danosos dos administradores (artº 79º, do CSC). Analisados os articulados do A., constata-se que o demandante estrutura, substantivamente, a sua acção no estatuído nos arts. 64º e 79º, do CSC. No artº 64º, do CSC, estabelece-se um dever de diligência: «Os gerentes, administradores ou directores de uma sociedade devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores». Importa, desde já, salientar, a propósito deste normativo, invocado na decisão recorrida, que o Prof. Menezes Cordeiro ("Da Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades Comerciais", 1997, p. 497) refere que "só por si o artigo 64º não é susceptível de violação e, daí, de ser tomado como fonte de obrigação de indemnizar". Dispõe o artº 79º, do Código das Sociedades Comerciais, que "os gerentes, administradores ou directores respondem, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções". Importa, assim, apurar se os invocados danos para o A. em consequência do trespasse efectuado entre as sociedades rés, têm a natureza de danos directos. Resulta, claramente, do citado normativo a exclusão da responsabilidade dos administradores ou gerentes das sociedades comerciais pelos prejuízos causados à sociedade e que apenas indirecta ou reflexamente afectam os sócios/accionistas. Refere-se na decisão recorrida que "o acto de gestão que se encontra em apreciação nestes autos e que consistiu no trespasse do estabelecimento da 1ª R. para a 2ª R., tendo em conta o circunstancialismo que o rodeou, designadamente o baixo preço a que foi realizado, sem transferência de passivo, deve considerar-se realizado não no interesse da sociedade (lª R.), mas sim no interesse daqueles seus accionistas que eram também sócios da trespassária (2ª R.). Nesta medida, teve em conta o interesse, apenas, de alguns dos sócios, deixando de fora aquele que não tinha interesses na sociedade adquirente, ou seja, o A.". Assim poderia ser, prima facie. No entanto, a nosso ver e com o respeito devido à opinião contrária, o mencionado trespasse do estabelecimento comercial da 1ª R. à 2ª demandada, nos termos descritos na matéria de facto (preço acordado e livre de passivo), constitui, aparentemente, um acto directamente lesivo do património da trespassante mas que só indirectamente poderá considerar-se prejudicial para o A. accionista, pela eventual diminuição do valor sua participação social. Ensina o Prof. Menezes Cordeiro (ob. cit., p. 496) que por "danos causados directamente deve entender-se danos causados em termos que não são interferidos pela presença da sociedade. Tudo se passará, pois, em moldes tais que a representação da sociedade, mesmo a ser invocada se mostre irrelevante" (ver também J. Oliveira Ascensão, Direito Comercial, IV, 2000, p. 462-463). Como acentua o Dr. Pedro Caetano Nunes ("Responsabilidade Civil dos Administradores Perante os Accionistas"), a propósito do artº 79º, do CSC, e do que sejam danos directos previstos nessa norma, "existem essencialmente dois tipos de danos que podem ser provocados na esfera jurídica dos accionistas, ambos de cariz patrimonial, a saber: a lesão dos direitos sociais dos accionistas e a extinção ou diminuição do valor (de mercado) das acções" (Pág. 41). Seguidamente (ob. cit., p. 42), dá exemplos de direitos sociais dos accionistas (o direito aos lucros, o direito de voto e o direito à informação) e de formas de extinção ou diminuição do valor das acções (a actuação dos administradores directamente através da intervenção no mercado accionista: negociando a realização de uma fusão; pondo em prática medidas defensivas face a uma tentativa de tomada da sociedade (takeover) hostil; propondo um management buyout (MBO) ou um leverage management buyout (LBO)). Conclui o mesmo autor que esses danos são provocados directamente na esfera jurídica dos accionistas, não representando danos da sociedade que reflexamente afectam os accionistas, uma vez que o valor das acções é atingido de uma forma indirecta, através de uma diminuição do valor do património da sociedade, que se repercute, reflexamente, no valor das participações sociais. Aderimos a esta posição que já vinha sendo defendida, antes da publicação do vigente Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo DL nº 262/86, por Raul Ventura e Luís Brito Correia (ver "Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades Anónimas e dos Gerentes das Sociedades por Quotas", BMJ, 192º a 195º, designadamente 194º/99 e 195º/70, e artº 99º, do Projecto do Código das Sociedades Comerciais, BMJ, 327º). Aí (BMJ, 194º/99) se defende, e bem, que "Uma acção individual baseada num prejuízo indirecto, traduz-se, em última análise, na entrega ao sócio de valores que deveriam pertencer à sociedade e a que aquele só teria direito como saldo de liquidação, redundando, assim, numa diminuição da garantia dos credores sociais, que é o património social". Excluída, no caso, a possibilidade de o aludido trespasse constituir um dano directo para o demandante, não se mostra necessário verificar se os factos apurados integram os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos no artº 483º, do CC, para que remete o citado artº 79º, nº 1, do CSC (ver Acs. STJ, BMJ, 371º/473 e CJ, 1997, III, p. 140, e Pedro Caetano Nunes (ob. cit., p. 37) e doutrina aí citada sobre a forma de responsabilidade civil dos Administradores e Gerentes das Sociedades comerciais). Cumpre fazer, de todo o modo, uma breve referência ao montante indemnizatório fixado na decisão recorrida. Provou-se que o negócio celebrado (trespasse) acarretou para o A. prejuízos. Na sentença posta em crise escreve-se que "tendo em conta os parâmetros enunciados, e a disparidade de valores entre o valor obtido com o trespasse e o valor real do mesmo, julgo adequado fixar em 1.900.000$00 a indemnização a pagar pelos 3º, 4ª e 5ºs RR. ao A. como ressarcimento pelo prejuízo por si suportado com a realização do trespasse em causa e que corresponde, pelo menos, à valorização que a participação social do A. teria após a concretização do valor real do trespasse". Ora, como bem acentuam os apelantes, a condenação dos citados RR. naquele montante não podia resultar, de forma tão linear, da incidência da percentagem da participação social do autor (3,333%) sobre o valor (real) do trespasse (57.375 contos). Na verdade, provando-se que, à data da deliberação do trespasse, a situação líquida da lª R. continuava a ser negativa, apenas pelo confronto entre os valores do activo e do passivo, em sede de dissolução e liquidação da sociedade, seria possível verificar o que havia a partilhar pelos accionistas, ou seja, o activo eventualmente restante, depois de acautelados ou satisfeitos os direitos dos credores da sociedade. Quer dizer, só após a dissolução e liquidação da 1ª R. seria possível apurar, com segurança, qual o efectivo prejuízo do autor resultante do trespasse. Também por aqui se constata que o dano invocado pelo demandante é indirecto pois que atinge em primeiro lugar o património da sociedade e apenas reflexa ou indirectamente o valor da participação social do accionista. Procedem, assim, no essencial, as conclusões do recurso. 3- DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida na parte em que condenou os RR. Manuel ....., Esmeralda ....., Maria José ....., Eduardo ....., Maria de Fátima ..... e Maria Irene ...... (estes cinco últimos, na qualidade em que são demandados) a pagar ao A., solidariamente, a quantia de 1.900.000$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, absolvendo-se estes réus do pedido de indemnização formulado pelo autor. Custas pelos apelados. Porto, 05 de Novembro de 2001 Manuel José Caimoto Jácome Carlos Alberto Macedo Domingues Maria Amélia Alves Ribeiro |