Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
421/23.0T9AGD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
COIMA
ADMOESTAÇÃO
Nº do Documento: RP20241009421/23.0T9AGD.P1
Data do Acordão: 10/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL / CONFERÊNCIA
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os factos dados como assentes na sentença recorrida preenchem os pressupostos objetivos e subjetivos da contraordenação pela qual a arguida foi condenada, não procedendo a argumentação de que existe insuficiência da matéria de facto para a decisão de condenação e determinação da coima a aplicar.
II - O tribunal a quo não deixou de se pronunciar sobre questões relevantes levantadas em sede de impugnação judicial, nomeadamente, os factos que no entender da Recorrente levariam à aplicação de uma medida de admoestação.
III - O regime da admoestação só poderá estar em perfeita consonância com o escalão classificativo inferior da contraordenação, ao qual corresponde, de igual modo, uma coima menor, ou seja, com a contraordenação leve.
IV - Por conseguinte, estando em causa uma contraordenação grave não pode haver lugar a admoestação.

(Sumário da responsabilidade do Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 421/23.0T9AGD.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal de Águeda

Acordam, em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No Processo de contraordenação em epígrafe identificado do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
“Por todo o exposto, decido julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela recorrente A..., S.A. e, em consequência, mantenho a decisão da autoridade administrativa na parte em que condenou a recorrente pela prática da contra-ordenação p. e p. nos termos dos artigos 111º, n.º 2, al. e) do DL 127/2013, de 30 de Agosto e revogo a decisão administrativa na parte em que fixou a medida da coima e, nessa conformidade, condeno a recorrente, pela prática de tal contra-ordenação, na coima especialmente atenuada de € 6.000,00 (seis mil euros).
*
Custas pela recorrente que em parte decaiu no recurso, as quais se fixam em 1 UC..

Inconformada, veio A..., S.A. interpor recurso, pugnando pelo seu provimento com os fundamentos que constam da motivação, e formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:

“1 - Da fundamentação de direito, mais especificamente da parte relativa à “Determinação concreta da coima”, lograda pelo Tribunal a quo, resulta que este considerou “por adequado aplicar à arguida uma coima no valor de € 5.000,00 (seis mil euros) ” para, nesse seguimento condenar “a recorrente, pela prática de tal contra-ordenação, na coima especialmente atenuada de € 6.000,00 (seis mil euros) ” (negrito e sublinhado nossos).
2 - Nos termos supra descritos, existindo assim uma clara oposição entre ambas, contradição insanável esta que ora se invoca nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
3 – Da nulidade da decisão administrativa e sentença, por insuficiência para a decisão da matéria de facto e, consequentemente, omissão de pronúncia sobre factos alegados pela arguida, nos termos dos artigos 374.º/2 e 379.º/1, alínea c) do código de processo penal.
4 - Nos presentes autos, vinha a arguida acusada (factos provados da decisão administrativa), de não ter submetido o Relatório Anual, referente ao ano de 2016 até 15 de Abril de 2017, assim incumprindo o ponto 6.2 da Licença Ambiental (al. d) dos factos provados da decisão) e que relativamente à monitorização das fontes FF4 (…) FF 5 (…) FF6, sujeitas à frequência de monitorização de três em três anos nos termos do ponto 2.2 da LA, a qual devia ter sido realizada no ano de 2015, a arguida não evidenciou ter efectuado a respectiva
Monitorização (al. f) dos factos provados da decisão). Portanto, em rigor, estamos perante um incumprimento da Licença Ambiental.
5 - A sociedade arguida impugnou, alegando vários factos e circunstâncias nomeadamente os referidos nos artigos 24º, 25º, 26º, 28º, 29º, 30º,31º,32º,34º, 35º, 39º, 40º, 42º, 43º e 44º da Impugnação Judicial.
6 - Manifesto é, que tais factos, a procederem, poderiam configurar uma causa de desculpabilização ou justificação da conduta, retirando, ou pelo menos diminuindo substancialmente, a ilicitude e a culpa da arguida e, consequentemente, teria impacto em termos práticos na qualificação da gravidade dos factos de que vinha acusada.
7 - Da leitura dos factos provados e não provados da sentença, esta não abrange todos os referidos factos alegados em impugnação, nomeadamente os factos de o RA já estar efectuado e disponível no arquivo na altura da inspeção e não ter criado qualquer dano ambiental e/ou beneficio económica, que levaram a arguida a pugnar pelo arquivamento do processo ou quando não, pela aplicação de uma admoestação, considerando a sua diminuta culpa e gravidade da infração.
8 - Temos, pois, que a matéria desconsiderada pela sentença, à luz das várias soluções de direito, poderia relevar para a boa decisão da causa, nomeadamente, para a verificação da contraordenação ou eventual aplicação de advertência/admoestação, bem como para a determinação da medida da coima.
9 - No entanto, não foi contemplada na matéria de facto provada ou não provada e, por conta disso, não foi tomada posição quanto à motivação de tal opção, nem às consequências jurídicas advenientes da eventual introdução na mesma nos factos demonstrados.
10 - Nos termos do disposto no art.374.º, n.º2 do C.P.P., os factos relevantes alegados na impugnação, devem ser julgados sob pena de nulidade, por força do disposto no art.379.º, n.º1, alínea a) ou c) do C.P.P.
11 - Deste modo, salvo melhor opinião consideramos que nos termos dos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, do Código de Processo Penal a sentença ou parte dela é nula, por insuficiência para a decisão da matéria de facto e, consequentemente, omissão de pronúncia sobre factos alegados pela arguida na sua impugnação escrita, nos termos do art. 58.º/1 do RGCO, lido conjuntamente com os artigos 374.º/2 e 379.º/1, alínea c) do Código de Processo Penal.
12 - Nulidade esta também cometida pela entidade administrativa, conforme alegado pela arguida na al. b) da impugnação judicial - a qual foi julgada improcedente pela Mª Juíza.
13 - Com efeito, a entidade administrativa, ao omitir vários factos relevantes alegados na defesa, influiu obrigatoriamente na análise que fez quanto à verificação do elemento subjetivo, em particular, quanto aos pontos i) e j) da matéria de facto demonstrada da decisão administrativa.
14 - E, por conseguinte, continuamos a entender que a Mª juíza deveria remeter os autos novamente à autoridade administrativa, com vista à sanação de tal nulidade.
15 - A Mª Juíza excluiu a aplicação de uma admoestação, baseando-se apenas no simples facto de o legislador consagrar a contraordenação com grave.
16 - Contudo, a arguida não se conforma com a fundamentação explanada na sentença, relativamente à não aplicação de uma admoestação, porquanto, como se procurará demonstrar, o iter processual percorrido pelo Tribunal a quo, acaba por o levar a concluir pela diminuta gravidade e culpa da arguida, circunstâncias estas que o levaram a aplicar uma atenuação especial da coima, sendo que, neste caso concreto, salvo melhor opinião, a melhor opção seria a aplicação de uma admoestação.
Senão vejamos:
17 - O Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, estabelece o Regime de Emissões Industriais (REI), aplicável à prevenção e ao controlo integrados da poluição (PCIP), bem como as regras destinadas a evitar e ou reduzir as emissões para o ar, a água e o solo e a produção de resíduos, a fim de alcançar um elevado nível de proteção do ambiente no seu todo, encontrando-se no anexo I deste diploma as atividades abrangidas, na qual se enquadra a actividade da arguida.
18 - Dispõe a al. e) do nº2 do artº 111 do referido Decreto-Lei que: Constitui contraordenação ambiental grave, nos termos da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, alterada e republicada pela Lei n.º 89/2009, de 31 de agosto, a prática do seguinte ato: A construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais atividades constantes do anexo I com inobservância das condições fixadas na Licença Ambiental;
19 - Dispõe o ponto 6.2 da Licença Ambienta que o operador deve enviar à APA, dois exemplares do RAA, que reúna os elementos demonstrativos do cumprimento das condições impostas na Licença Ambiental, incluindo os sucessos alcançados e dificuldades encontradas para atingir as metas acordadas. O RAA deverá reportar-se ao ano civil anterior e dar entrada na APA até 15 de Abril do ano seguinte (agora até 30 de Junho).
20 - O Relatório Ambiental Anual (RAA) é o documento elaborado pelo titular (Operador PCIP) da Licença Ambiental (LA), e reúne os elementos demonstrativos do cumprimento das condições impostas na Licença Ambiental no ano anterior (2016), incluindo os sucessos alcançados e dificuldades encontradas para atingir as metas acordadas.
Posto isto:
21 - O relatório ambiental anual (RAA) referente ao ano de 2016, foi efectuado no ano de 2017, conforme a Licença Ambiental e enviado para a APA em inícios de Agosto de 2017.
22 - Contudo, a arguida não submeteu esse relatório até dia 15 de abril de 2017, conforme o referido no ponto 6.2 da Licença Ambiental junta aos autos, (refira-se que, actualmente a data-limite foi alargada para 30 de Junho).
produção de resíduos, a fim de alcançar um elevado nível de proteção do ambiente no seu
todo, encontrando-se no anexo I deste diploma as atividades abrangidas, na qual se
enquadra a actividade da arguida.
23 - Por outro lado, também podemos dar como assente que, da fiscalização efectuada pela IGAMAOT, a única desconformidade com a Licença Ambiental detetada, foi mesmo o facto de o Relatório Anual ter sido enviado depois de 15 de Abril, pois quanto ao restante estava tudo conforme a Licença Ambiental.
24 - Mesmo a ausência das monitorizações de que vinha acusada na decisão administrativa, acabou por soçobrar.
25 - Refere a Mª Juíza que “(…) o legislador consagrou a infração como “grave”, pelo que a reduzida gravidade da infracção para ser aplicável a pena de admoestação não se verifica, desde logo.”
26 - No entanto, salvo melhor opinião, entendemos que a intenção do legislador, ao classificar como contraordenações graves, a inobservância das condições impostas na Licença, nomeadamente no seu ponto 6.2., se dirigia à ausência do relatório e não ao atraso no seu envio (!)
27 - Sendo que, a essa conclusão chegou também a Mª Juíza, quando considerou que houve diminuta ilicitude dos factos e reduzida culpa da arguida, aplicando, em consonância a atenuação especial da pena.
28 - Destarte, considerando que a arguida não retirou qualquer benefício económico com a contraordenação, que tem grande prejuízo económico e que a contraordenação ocorreu há mais de 5 anos, sem notícia de que tenha a arguida cometido qualquer infracção, justifica-se aplicar, neste caso concreto, a dispensa da coima com a aplicação de uma admoestação/advertência.
29- Veja-se a este propósito o Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-04-2012, Pº 430/11.2TBMLD.C1, que decidiu pela aplicação da pena de admoestação, tratando-se de contraordenação ambiental classificada legalmente como grave.
TERMOS EM QUE, deve ser declarada nula a decisão recorrida, Quando não Deverá ser-lhe aplicada uma admoestação com o que se fará JUSTIÇA!.”

Admitido o recurso, o Ministério Público veio responder pugnando pelo seu não provimento e pela manutenção da decisão recorrida, concluindo:

“1º Os argumentos invocados pela recorrente, nos quais assenta a sua discordância, não permitem, decisão diversa da proferida pela Meritíssima Juiz a quo, devendo manter-se inalterada a decisão proferida.
2º A sentença conheceu e pronunciou-se sobre todas as questões suscitadas e fê-lo de forma clara e fundamentada e não violou os pressupostos dos artigos 374.º, n.º2 e 379º do CPP.
3º A sentença recorrida fez uma correcta apreciação da prova produzida e examinada em audiência, não se vislumbrando qualquer erro na formação da convicção do tribunal, que imponha a alteração da matéria de facto provada, nem se vislumbra a existência da invocada nulidade por insuficiência e omissão de pronúncia sobre factos alegados pela arguida.
In casu, o legislador consagrou a infracção como “grave” pelo que o regime da admoestação não pode ser considerado, porquanto não é acertada a aplicação de sanções próprias de contra-ordenações leves às contra-ordenações graves e muito graves.
5º Não foram, por isso, violados quaisquer preceitos legais, constitucionais ou de fixação de jurisprudência.
*
Por todo o exposto, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida que condenou a recorrente nos sobreditos termos.
V. Ex.as, porém, e como sempre, farão JUSTIÇA!”

Nesta Relação, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso da arguida.

Não houve resposta ao parecer.
Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.

II. Fundamentação
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.

In casu, os recursos, delimitados pelas conclusões da respetiva motivação, tem por objeto as questões seguintes:

a) em questão prévia - da ambiguidade e da obscuridade (alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC);
b) da nulidade da decisão administrativa e sentença, por insuficiência para a decisão da matéria de facto e, consequentemente, omissão de pronúncia sobre factos alegados pela arguida, nos termos dos artigos 374.º/2 e 379.º/1, alínea c) do Código de Processo Penal.
c) Natureza da sanção.

II. A decisão recorrida
Importa apreciar tais questões tendo presente o teor da decisão recorrida e os factos que dela constam, respectiva motivação e pates relevantes da fundamentação jurídica e que se transcrevem:
“Factos provados
1. A arguida A..., S.A., com estabelecimento na R. do ..., ..., ..., Águeda e que se encontrava em funcionamento no dia 11.5.2017, tem como actividade a fabricação de peças de ferro fundido por moldação em areia, com a capacidade instalada de 30 ton/dia, encontrando-se abrangida pela categoria 2.4. do Anexo I do DL n.º 127/2013, de 30 de Agosto, detendo a Licença Ambiental - LA n.º 313/2009, emitida a 10 de Julho de 2009 e válida até 10 de Julho de 2017.
2. A arguida não submeteu o relatório ambiental anual (RAA) referente ao ano de 2016 até ao dia 15 de Abril de 2017, conforme estava obrigada pelo ponto 6.2 da LA.
3. A arguida efectuou em 20.7.2015 a monitorização das fontes FF4 – cabine 1 – rebarbagem de peças pequenas, FF5 – cabine 2 – rebarbagem de peças pequenas e FF6 – cabine 3 – rebarbagem de peças pequenas, sujeitas a frequência de monitorização de 3 em 3 anos, nos termos do ponto 2.2. da LA.
4. A arguida sabia que tinha que proceder à entrega do RAA relativo ao ano de 2016 até ao dia 15 de Abril de 2017, à APA e não o fez.
5. A arguida não agiu com a diligência necessária e de que era capaz de forma a garantir e a certificar-se de que o RAA era entregue dentro do prazo.
6. A arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
7. O RAA relativo ao ano de 2016 foi enviado em 4.8.2017.
Foram estes os factos provados, mais nenhum outro se provou com interesse para a decisão da causa, nomeadamente não se provou;
- que a arguida se certificou, junto da pessoa responsável pela entrega do RAA, que a mesma havia sido efectivada dentro do prazo;
- que a arguida fez sempre uma ou duas reuniões para assegurar se as suas ordens e directrizes estão a ser cumpridas;
*
A convicção do tribunal para dar os factos acima enunciados como provados teve por base a prova produzia em audiência de discussão e julgamento, analisada criticamente.
Na verdade, a arguida logo em sede de defesa assumiu que o RAA de 2016 não tinha sido enviado à APA em prazo, pelo que esse facto foi confessado.
Quanto à existência da obrigação de o enviar, consta da LA que se encontra nos autos a fls. 12 e ss. e que a arguida também nunca pôs em causa desconhecer.
Já no que respeita à monitorização das fontes FF4, FF5 e FF6 a arguida, em sede de audiência de discussão e julgamento, procedeu à junção dos respectivos relatórios – cfr. fls. 192 e ss., confirmados pela testemunha AA, actual responsável pelo departamento do ambiente da arguida.
Quanto à data do envio do RRA resulta de fls. 63 e 64 dos autos.
Quanto aos factos dados por não provados a sua resposta deveu-se à prova em sentido contrário que foi feita. Na verdade, a testemunha BB, funcionário da arguida e que, à data da acção inspectiva, estava a desempenhar, provisoriamente, as funções de director interino da empresa, acabou por admitir que não se certificou, junto da engenheira responsável pelo envio do relatório, que o mesmo havia sido enviado. Ao contrário do que a arguida alegou de que não só dava as instruções para os funcionários cumprirem as suas obrigações como também se certificava de que as mesmas eram cumpridas, tal não sucedeu naquele período. Trata-se de uma falta de diligência que, não obstante poder ser explicada por um período de transicção no que à chefia diz respeito e à sobrecarga de tarefas em face da diminuição de quadros de pessoal, ainda assim não desonera, nem pode desonerar, a arguida de responder por essa mesma falta de diligência de um dos seus funcionários.
Fundamentação de Direito:
O DL n.º 127/2013, de 30 de Agosto veio aprovar o regime de emissões industriais aplicável à prevenção e ao controlo integrados da poluição, bem como as regras destinadas a evitar e ou reduzir as emissões para o ar, a água e o solo e a produção de resíduos, transpondo a Diretiva n.º 2010/75/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativa às emissões industriais (prevenção e controlo integrados da poluição).
(…)
Ora, da matéria de facto dada como provada verifica-se que a empresa não enviou o relatório ambiental anual de 2016 até ao prazo de que dispunha – 15.4.2017, sabendo que a tal estava obrigada, não actuou com o dever de cuidado que se lhe impunha e que lhe era exigível porquanto não se certificou, como podia e devia, que a funcionária que estava adstrita a esse envio, o havia concretizado atempadamente.
Quanto às monitorizações das fontes FF4, FF5 e FF6 logrou a arguida demonstrar, em sede de impugnação judicial, que havia cumprido a obrigação que sobre si recaía.
O que significa, em nosso entender, que a contra-ordenação se mostra verificada e a arguida deve ser por ela responsabilizada em face da falta de envio, dentro do prazo, do RAA relativo ao ano de 2016.
Determinação concreta da coima:
A contra-ordenação relativa ao incumprimento da licença ambiental é punida com uma coima que tem uma moldura entre € 12.000,00 e € 72.000,00 (art. 22º, n.º 3, al. b) da Lei 50/2006, de 29.8 e 111º, n.º 2, al. a) do DL 127/2013, de 30.8).
Na ponderação da pena a aplicar tomar-se-ão em conta os critérios expressamente previstos no artigo 20º, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto: “ 1 - A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do facto. 2 – Na determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em conta a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção”.
A coima foi aplicada pelo mínimo
Atenuação especial da coima
(…)
No caso em concreto temos que a arguida admitiu a prática da contra-ordenação e procedeu ao envio do relatório em falta, em Agosto de 2107, o que denota, de forma impressiva, a sua vontade em se conformar e coadunar o seu comportamento de acordo com as regras vigentes.
Ademais, não é de descurar que o curto espaço de tempo durante o qual o RAA esteve em falta (de 15 de Abril de 2017 a 4 de Agosto de 2017).
Os factos ocorreram já há mais de dois anos e inexiste notícia do cometimento, pela arguida, de qualquer outra contraordenação.
Por assim ser, consideramos ser a ilicitude dos factos diminuta e a culpa do agente reduzida, pelo que julgamos estarem verificadas as condições para a atenuação especial da pena.
Assim e transpondo para a moldura em concreto, temos então que a contra-ordenação em causa, especialmente atenuada, é punida com coima de € 6.000,00 a € 36.000,00.
Desta feita e considerando que a ilicitude dos factos é reduzida, a culpa é diminuta e que houve rápida reparação, consideramos por adequado aplicar à arguida uma coima no valor de € 5.000,00 (seis mil euros).
De notar que, tratando-se de uma contraordenação ambiental grave afastada fica a possibilidade de ser aplicada uma admoestação à arguida.
Sufragando o entendimento preconizado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2018: “A admoestação prevista no art. 51.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, não é aplicável às contraordenações graves previstas no art. 34.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 03.04.” E sem prejuízo de estarmos perante diplomas legais diferentes, a verdade é que o legislador consagrou a infração como “grave”, pelo que a reduzida gravidade da infração para ser aplicável a pena de admoestação não se verifica, desde logo.”

Posição do tribunal quo quanto a eventual nulidade da Decisão administrativa.

“(…)
Da nulidade da decisão administrativa por falta de pronúncia sobre os factos alegados pela arguida em sede de defesa:
Vem a recorrente arguir a nulidade da decisão administrativa por, em seu entender, a mesma não s ter pronunciado sobre os factos por si alegados na defesa que apresentou e que consta de fls. 60 e ss. dos autos onde, em síntese, é invocado: “1- A arguida sempre assumiu e assume um elevado sentido de responsabilidade ambiental (…), sempre deu instruções aos seus colaboradores para cumprirem todas as disposições legais (…); 2- No período compreendido entre os anos de 2015 a 2017 competia à trabalhadora Eng. CC, responsável do departamento de qualidade e ambiente, assegurar a realização de todas as monitorizações a que legalmente está obrigada, bem como proceder ao envio dos respectivos resultados, relatórios e informações às entidades competentes. 2. A arguida sempre esteve convicta que todos os relatórios e monitorizações a que estava obrigada estarem a ser efectuadas, já que sempre foi essa a informação que a Eng. CC transmitia à direcção da arguida. (…) 6) Foi, pois, com grande surpresa que a arguida recebeu a notificação das contraordenações que agora lhe são imputadas”.
Ora, analisada a fundamentação da decisão administrativa, nomeadamente o ponto II – INSTRUÇÃO E DEFESA, sob a epígrafe Análise da defesa resulta não assistir razão à recorrente porquanto a entidade administrativa mencionou os factos alegados (“1 Quanto ao não cumprimento das condições fixadas na LA, a arguida alega que estava convicta que a funcionária responsável estaria a respeitar as condições impostas. Relativamente ao não envio do RAA à APA até 15 de Abril de 2017, a arguida confessa os factos (articula 8º). … A arguida argumenta que a responsabilidade pelo não cumprimento das obrigações a que estava adstrita é da sua funcionária. Porém, não juntou aos autos quaisquer evidências de que esta tenha agido contra ordens expressas da sua entidade empregadora, ou seja, a arguida não logrou provar quaisquer factos que ditassem a exclusão da sua responsabilidade enquanto pessoa colectiva, nos termos do art. 11º/6 do Código Penal. Está acometido à arguida não só o dever de dar orientações ais seus trabalhadores, mas também acautelar que estes as cumpram (deveres de vigilância e controlo), o que não aconteceu cabalmente e de forma a garantir que a sua funcionária enviasse o RAA para a APA no prazo determinado na LA. Nesta conformidade, a responsabilidade pelos factos praticados pela funcionária da arguida deve ser imputada à própria arguida, responsável pelo calam cumprimento das condições legais e da LA.(…)”
Ou seja, e ao contrário do que a recorrente alega, a decisão administrativa pronunciou-se expressamente sobre a matéria alegada pela defesa, analisou-a e concluiu não ser a mesma bastante para afastar a sua responsabilidade.
Inexiste, pois, a apontada omissão de pronúncia que poderia conduzir à invocada nulidade.
*
Quanto à nulidade da decisão por falta de especificação de factos provados e não provados e falta de factos para o elemento subjectivo:
A decisão administrativa, após ter apreciado os fundamentos da defesa, indicou os factos que considerou provados e procedeu à sua motivação. Esta, ainda que muito sucinta, refere que se baseou no auto de notícia, nos anexos, relatório de inspecção, na defesa da arguida e documentos juntos e nos depoimentos das testemunhas arroladas.
De acordo com o comando ínsito no art. 58º, do R.G.C.O., a decisão da autoridade administrativa tem que conter os seguintes elementos: identificação dos arguidos, identificação dos factos imputados com indicação das provas obtidas, indicação das normas segundo as quais se pune e fundamentação da decisão, coima e as sanções acessórias e ainda as indicações mencionadas nos n.º 2 e 3 do mesmo normativo.
Está cumprida, em nosso entender, a exigência mínima de fundamentação de facto com a referência feita às provas a que a entidade administrativa atendeu para dar por provados os factos que antecedem a motivação de facto.
Quanto à inexistência de factos consubstanciadores do elemento subjectivo, a mesma também não se verifica pois que, na alínea i) e j) foi dado por provado que: “i) A arguida exerce actividade regulada por lei, pelo que tinha obrigação de conhecer e cumprir com o ali prescrito para o exercício da mesma, in casu, o Decreto-Lei 127/2013, de 30 de agosto, relativamente à obrigação de cumprimento das condições impostas na LA de que é titular; j) Não o tendo feito, através dos seus legais representantes e/ou funcionários, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz, não resultando dos autos elementos que retirem ilicitude aos factos ou censurabilidade à sua conduta”.
Como facilmente se constata, a imputação à arguida de actuação em violação dos seus deveres e sem a diligência necessária ao cumprimento das obrigações que tinha e de que era conhecedora, são os factos integradores da imputação ao nível da negligência (art. 15º do CP), pelo que também aqui não se verifica a apontada nulidade.
*
Não existem outras nulidades ou questões prévias a apreciar.
(…)”

Decisão administrativa (partes relevantes).
“(…)
III. FACTOS com relevo para a decisão

Provados
a) No dia 11 de maio de 2017, pelas 09h30, a IGAMAOT efetuou uma ação de inspeção no estabelecimento A... SA, sito na Rua ..., ... ..., em Águeda, que se encontrava em funcionamento-cf. Auto de noticia e Relatório de Inspeção,
b) Aquele estabelecimento pertence à Arguida, cujo Presidente do Conselho de Administração era DD, tendo sido contactada CC, responsável do Departamento de Qualidade e Ambiente;
c) A Arguida tem como atividade a fabricação de peças de ferro fundido por moldação em areia, com a capacidade instalada de 30 Ton/dia, encontrando-se abrangida pela categoria 2.4. do Anexo I do Decreto-Lei n. 127/2013, de 30 de agosto, detendo a LA n.º 313/2009, emitida a 10 de julho de 2009 e válida até 10 de julho de 2017-cf. Doc. 1 de fls. 1 a 39 em anexo ao Auto de notícia;
d) A Arguida não submeteu o RAA referente ao ano 2016 até ao dia 15 de abril de 2017, assim incumprindo o ponto 6.2. da LA-cf. Auto de notícia e defesa da Arguida;
e) A Arguida, em sede de defesa, veio evidenciar ter efetuado a monitorização da fonte FF3 - Arrefecedor da máquina de moldação - cf. Doc. 2 em anexo à defesa;
f) Relativamente a monitorização das fontes FF4-Cabine 1-Rebarbagem de peças pequenas, FFS-Cabine 2 Rebarbagem de peças pequenas e FF6 Cabine 3 - Rebarbagem de peças pequenas, sujeitas a frequência de monitorização de três em três anos nos termos do ponto 2.2. da LA, a qual deveria ter sido realizada no ano 2015, a Arguida não evidenciou ter efetuado a respetiva monitorização;
g) A Arguida efetuado a monitorização da fonte FF12-Moldação manual, sujeita a monitorização de très em três anos nos termos do n.º 4 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 3 de abril, realizada no ano 2014 -cf. Doc. 2 em anexo à defesa;
h) Relativamente ás águas residuais industriais geradas no estabelecimento da Arguida, são descarregadas, nomeadamente, no ponto ES1 identificado na LA, após tratamento, tendo sido emitida em 24 de novembro de 2011 a Licença n.º ... de utilização de recursos hídricos para descarga das águas residuais tratadas no ponto EH1, que estabelece as condições de descarga, nomeadamente parâmetros, valores limite de emissão e frequência de monotorização trimestral, tendo a Arguida, em sede de defesa, evidenciado ter procedido à monitorização referente ao 1.º trimestre do 2017 das águas residuais tratadas descarregadas no ponto EH1, nos termos da mencionada Licença de utilização dos recursos hídricos cf. Doc. 3 em anexo à defesa;
i) A Arguida exerce atividade regulada por lei, pelo que tinha obrigação de conhecer e cumprir com o ali prescrito para o exercício da mesma, in casu o Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, relativamente à obrigação de cumprimento das condições impostas na LA de que é titular, Não o tendo feito, através dos seus legais representantes e/ou funcionários, não agiu com a diligência j)necessária e de que era capaz, não resultando dos autos elementos que retirem ilicitude aos factos ou censurabilidade à sua conduta.
Não provados
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão
Motivação
A apreciação da matéria supra fundou-se na análise crítica da prova nos autos máxime no Auto de Noticia n. 147/2017 da IGAMAOT, respetivos anexos e Relatório de inspeção n. ..., na defesa da Arguido documentos juntos, nos depoimentos das testemunhas arraladas conjugada com as regras da experiência
IV. FUNDAMENTAÇÃO

1. Infração
Contraordenação ambiental grave, a construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais atividades constantes do Anexo I com inobservância das condições fixadas na LA, p.p. pela al, el do n.2 do artigo 111 do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto. O Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2010/75/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativa às emissões industriais (prevenção e controlo integrados da poluição), estabelecendo o Regime de Emissões Industriais.
Esse regime consubstancia uma abordagem integrada do controlo das emissões através de um quadro jurídico que agregou num único diploma legal diferentes regimes antes regulados autonomamente, e o reconhecimento de que abordagens diferenciadas no controlo das emissões para o ar, para a água e para o solo favorecem a transferência dos problemas de poluição entre esses vários meios físicos, em vez de proteger o ambiente como um todo.
Para isso as entidades públicas competentes para o licenciamento avaliam a idoneidade e as concretas condições técnicas dos operadores para o exercício da sua atividade num determinado local específico, fixando na Licença Ambiental as condições que, em face dessas especificidades, minimizem/eliminem os efeitos nocivos da mesma para o ambiente no seu todo.
A alínea e) do n.º 2 do artigo 111º do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, comina como contraordenação ambiental grave "A construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais atividades constantes do anexo I com inobservância das condições fixadas na LA".
Da matéria dada como provada, máxime em d) e f), resulta que a Arguida era titular da Licença Ambiental n.º 313/2009, de 10 de julho, não tendo dado cumprimento às condições impostas pela mesma, termos em que se dá por verificada a presente infração.
2. Atentos os fundamentos referidos em 1 do presente capítulo, a Arguida praticou:
Uma (1) contraordenação ambiental grave, p.p. pela al. e) do n.º 2 do artigo 111. do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto.
V. SANÇÃO
A determinação da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática dos factos" (cf art. 20%, n1, da Lei n. 50/2006, de 29 de agosto).
Gravidade
Com a aprovação do regime jurídico enunciado em IV, o legislador veio prever obrigações/condições cuja violação classifica de contraordenações ambientais «muito graves», «graves» e «leves», em razão do maior ou menor juízo de desvalor atribuído aos diferentes graus de nocividade do desrespeito de tais condições para o ambiente e para a saúde pública.
No caso vertente a Arguida incumpriu, nos termos referidos em II e IV supra, obrigação classificada pelo legislador como contraordenação ambiental grave, à qual, em consonância com o juízo de desvalor associado a essa classificação, haverá de corresponder também elevado grau de gravidade, conforme entendimento constante no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n. 6/2018 (Recurso Extraordinário de Fixação de Jurisprudência) quando afasta a possibilidade de aplicação de sanções próprias de contraordenações leves às contraordenações graves e muito graves.
Culpa
No que concerne à culpa, pela matéria provada considera-se que a conduta da Arguida é subsumível na alínea a) do artigo 15. do Código Penal, aplicável ex vi do artigo 32.º do RGCC, termos em que, tendo violado o dever de cuidado a que estava adstrita e de que era capaz, é sancionável a título de negligência, nos termos do n.4 do artigo 111º do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, e do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto.
Situação económica
A Arguida juntou aos autos a sua Declaração do IRC relativa ao período de tributação de 2016, onde consta o prejuízo fiscal de € 182.471.31.
Benefício económico
No caso vertente, o benefício económico corresponde, pelo menos, aos gastos não suportados para assegurar o cumprimento das omitidas obrigações legais beneficio que constitui também distorção das regras da concorrência e inaceitável vantagem sobre os demais agentes que cumprem com essas mesmas obrigações, cuja determinação não é possível por ora quantificar.
VI. DECISÃO
1. Considerados os factos e fundamentos em II, III e IV, e os pressupostos enunciados em V, decide-se:
a) Arquivar os presentes autos relativamente à prática de uma contraordenação ambiental muito grave, p.p. pela alínea c) do n.º 3 do artigo 81.9 do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio,
b) Arquivar os presentes autos relativamente à prática de uma contraordenação ambiental grave, p.p. pelo artigo 7.9 e alínea a) do n.º 2 do artigo 111º do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto,
c) Condenar a Arguida na coima de € 12.000,00 (doze mil euros), pela prática de uma contraordenação ambiental grave (a construção, alteração cu laboração de uma instalação que explore uma ou mais atividades constantes do Anexo I com inobservância das condições fixadas na LA, pp. pela alínea e) do n.º 2 do artigo 1119 do Decreto-Lei n. 127/2013, de 30 de agosto), sancionável a título de negligência nos termos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na atual redação.

2. Condenar a Arguida em custas de processo no valor de € 75,00 (setenta e cinco euros), ao abrigo do arti 58.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto.
Notifique por carta registada com aviso de receção. Registe.
O Inspetor-Geral”

II. Do Recurso

Vejamos.
A impugnação da matéria de facto em sede de recurso para o Tribunal da Relação pode ser feita por invocação dos vícios decisórios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, sindicando, dessa forma, as anomalias ou disfunções emergentes do texto da decisão, e uma outra, mais ampla e abrangente – porque não confinada ao texto da decisão –, com base nos elementos de documentação da prova produzida em julgamento, permitindo um efetivo grau de recurso em matéria de facto, mas impondo, na sua adoção, a observância das formalidades previstas no artigo 412º, nº3 e nº 4, do CPP (erro de julgamento em matéria de facto).
A impugnação da matéria de facto por invocação dos vícios decisórios previstos no nº 2 do artigo 410º do CPP, de conhecimento oficioso, e que traduzem defeitos estruturais da decisão, e não do julgamento e, por isso, a sua evidenciação só pode resultar do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo, por se tratar de vícios inerentes à decisão, à sua estrutura interna, e não de erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida.
Lida e analisada a decisão recorrida, nela não surpreendemos qualquer situação contrária à lógica.

Questão prévia - da ambiguidade e da obscuridade (alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC).

Alega a recorrente que da fundamentação de direito, mais especificamente da parte relativa à “Determinação concreta da coima”, lograda pelo Tribunal a quo, resulta que este considerou “por adequado aplicar à arguida uma coima no valor de € 5.000,00 (seis mil euros)” para, nesse seguimento condenar “a recorrente, pela prática de tal contra-ordenação, na coima especialmente atenuada de € 6.000,00
O Tribunal a quo terá chegado, assim, a uma decisão antagónica com a própria fundamentação de direito, existindo assim uma clara oposição entre ambas, contradição insanável geradora de nulidade, socorrendo-se para tal da al. c) do art. 615º do CPC (ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível).
Torna-se evidente que o que ocorreu foi um lapso de escrita e não um vício da al. b) do art. 410º, n º 2 do CPP. Para que este ocorresse era necessário que da análise global e de acordo com um raciocínio lógico fosse de concluir que a fundamentação em análise justificaria uma decisão precisamente oposta ou no mínimo não concordante com a tomada ou que a decisão não tenha ficado suficientemente esclarecida dada a colisão entre os vários fundamentos e tem de ser de tal modo grave que seja insanável.
Não é o caso dos autos, repare-se até que o tribunal a quo escreveu o montante que entendeu correto por extenso e entre parêntesis e repetiu o mesmo valor no dispositivo.
Não há qualquer nulidade, porquanto a decisão não é ininteligível.
De todo o modo sempre se dira que o tribunal a quo por despacho datado de 15.04.2024 - sob a epígrafe “rectificação do lapso de escrito quanto à medida concreta da coima, na parte numérica” - ref.ª 131896725 a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo admitiu e retificou o lapso de escrita apontado ao abrigo do art. 380º do CPP, nos termos que se transcrevem:
“A sentença proferida em 7.3.2024 padece de lapso de escrita no 3ª parágrafo que antecede o dispositivo. Quando aí se escreveu: “Desta feita e considerando que a ilicitude dos factos é reduzida, a culpa é diminuta e que houve rápida reparação, consideramos por adequado aplicar à arguida uma coima no valor de € 5.000,00 (seis mil euros).”, o que se pretendia escrever e conforme resulta claro não só da moldura especialmente atenuada que foi encontrada no parágrafo imediatamente anterior (mínimo de €6.000,00, máximo de € 36.000,00) como da medida concreta definida por extenso, assim como do próprio dispositivo, era € 6.000,00 e não € 5.000,00, correcção efectuada ao abrigo do disposto no art. 380º, n.º 1, al. b), do CPP, ex vi do art. 41º do RGCO.
Notifique.”

Sanado que se encontra o lapso, improcede a alegada nulidade e seus fundamentos.

Da nulidade invocada.
A recorrente vem arguir a nulidade da sentença proferida invocando o artigo 374.º, n.º 2 e 379º, nº 1, alínea c), do CPP, por insuficiência para a decisão da matéria de facto e, em consequência por omissão de pronúncia.

Vejamos.
A decisão recorrida não sufragou o entendimento de que a decisão administrativa era nula (nulidade insanável) com base na preterição do dever de fundamentação.


O art.º 1.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) – DL nº 433/82, de 27.10, define contraordenação como
todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima e nos termos do n.º 1 do art.º 8.º só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.

Conforme o preceituado no n.º 1 do art.º 58.º do RGCO, a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) a identificação dos arguidos; b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) a coima e as sanções acessórias.
O RGCO não contém qualquer disposição que preveja a consequência jurídica para a preterição de algum desses requisitos.
É controvertida a questão de saber a consequência processual resultante da omissão destes requisitos.
Há quem defenda que consubstancia uma nulidade, por aplicação subsidiária dos preceitos do processo criminal relativos às decisões condenatórias, em consonância com o preceituado no artigo 41.º do RGCO, nomeadamente, o regime previsto nos artigos 374.º, n.ºs 2 e 3 e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal – neste sentido, cf. Manuel Sima Santos e Jorge Lopes de Sousa, “Contraordenações, Anotações ao Regime Geral”, 2.ª
edição, dezembro de 2002, Vislis Editores, págs. 334 e 335, anot. 4.
Por outro lado, há quem defenda que consubstancia uma mera irregularidade (aplicando-se o regime previsto no artigo 123.º do Código de Processo Penal) – neste sentido, cf. António Beça Pereira, “Regime Geral das Contraordenações e Coimas Anotado”, 6.ª edição, Almedina, março de 2005, pág. 109, anot. 2.
No âmbito da primeira das posições enunciadas – aplicação do regime das nulidades da sentença – defendem os Ilustres Comentadores referidos que, além do mais, se trata de vício de conhecimento oficioso, por entenderem que, se o artigo 380.º do Código de Processo Penal ao estabelecer que o regime das irregularidades da sentença, de menor importância, compreende o conhecimento oficioso, deverá concluir-se que também valerá este conhecimento oficioso para as nulidades previstas no artigo 379.º, “pois seria incongruente um regime legal em que houvesse a preocupação de correção oficiosa de irregularidades de menor importância e não se possibilitasse ao tribunal corrigir as de maior gravidade” (cfr. ob. loc. cit.).
Entendemos que, tendo em conta que a decisão administrativa proferida em processo contraordenacional segue a estrutura da sentença em processo penal (cf. art.º 374.º do Código de Processo Penal), ainda que de forma simplificada e proporcionada à fase administrativa daquele processo, colocada a necessidade de fundamentação e radicando a mesma num incontornável direito a conhecer as razões do sancionamento, é evidente que o mesmo é comum aos dois tipos de processo, afigurando-se-nos que o incumprimento dos requisitos enumerados no n.º 1 do art.º 58.º do RGCO implica a existência de uma nulidade, nos termos do art.º 379.º do Código de Processo Penal.

Argumenta a recorrente que a sentença não se pronunciou quanto a todos os factos e circunstâncias por si mencionados nos artigos 24º, 25º, 26º, 28º, 29º, 30º,31º,32º,34º, 35º, 39º, 40º, 42º, 43º e 44º que arguiu na impugnação judicial e na audiência de discussão e julgamento, nomeadamente os factos de o Relatório Anual (RA) já estar efetuado e disponível no arquivo na altura da inspeção e não ter criado qualquer dano ambiental e/ou beneficio económica, que levaram a arguida a pugnar pelo arquivamento do processo ou quando não, pela aplicação de uma admoestação, considerando a sua diminuta culpa e gravidade da infração, e que daí deriva a invalidade da decisão.
Ora, conforme o tribunal a quo já havia dito e que aqui se transcreve e subscreve Vem a recorrente arguir a nulidade da decisão administrativa por, em seu entender, a mesma não s ter pronunciado sobre os factos por si alegados na defesa que apresentou e que consta de fls. 60 e ss. dos autos onde, em síntese, é invocado: “1- A arguida sempre assumiu e assume um elevado sentido de responsabilidade ambiental (…), sempre deu instruções aos seus colaboradores para cumprirem todas as disposições legais (…); 2- No período compreendido entre os anos de 2015 a 2017 competia à trabalhadora Eng. CC, responsável do departamento de qualidade e ambiente, assegurar a realização de todas as monitorizações a que legalmente está obrigada, bem como proceder ao envio dos respectivos resultados, relatórios e informações às entidades competentes. 2. A arguida sempre esteve convicta que todos os relatórios e monitorizações a que estava obrigada estarem a ser efectuadas, já que sempre foi essa a informação que a Eng. CC transmitia à direcção da arguida. (…) 6) Foi, pois, com grande surpresa que a arguida recebeu a notificação das contraordenações que agora lhe são imputadas”.
Ora, analisada a fundamentação da decisão administrativa, nomeadamente o ponto II – INSTRUÇÃO E DEFESA, sob a epígrafe Análise da defesa resulta não assistir razão à recorrente porquanto a entidade administrativa mencionou os factos alegados (“1 Quanto ao não cumprimento das condições fixadas na LA, a arguida alega que estava convicta que a funcionária responsável estaria a respeitar as condições impostas. Relativamente ao não envio do RAA à APA até 15 de Abril de 2017, a arguida confessa os factos (articula 8º). … A arguida argumenta que a responsabilidade pelo não cumprimento das obrigações a que estava adstrita é da sua funcionária. Porém, não juntou aos autos quaisquer evidências de que esta tenha agido contra ordens expressas da sua entidade empregadora, ou seja, a arguida não logrou provar quaisquer factos que ditassem a exclusão da sua responsabilidade enquanto pessoa colectiva, nos termos do art. 11º/6 do Código Penal. Está acometido à arguida não só o dever de dar orientações ais seus trabalhadores, mas também acautelar que estes as cumpram (deveres de vigilância e controlo), o que não aconteceu cabalmente e de forma a garantir que a sua funcionária enviasse o RAA para a APA no prazo determinado na LA. Nesta conformidade, a responsabilidade pelos factos praticados pela funcionária da arguida deve ser imputada à própria arguida, responsável pelo calam cumprimento das condições legais e da LA.(…)”
Ou seja, e ao contrário do que a recorrente alega, a decisão administrativa pronunciou-se expressamente sobre a matéria alegada pela defesa, analisou-a e concluiu não ser a mesma bastante para afastar a sua responsabilidade.
Inexiste, pois, a apontada omissão de pronúncia que poderia conduzir à invocada nulidade.”
Do mesmo modo, a sentença conheceu e pronunciou-se sobre todas as questões suscitadas e fê-lo de forma clara e fundamentada e não violou os pressupostos de qualquer dos citados preceitos legais mencionados - artigos 374.º, n.º e 379º do CPP.
Conforme resulta da sentença proferida, a convicção do Tribunal a quo para dar os factos enunciados como provados “teve por base a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, analisada criticamente.
Na verdade, a arguida logo em sede de defesa assumiu que o RAA de 2016 não tinha sido enviado à APA em prazo, pelo que esse facto foi confessado. Quanto à existência da obrigação de o enviar, consta da LA que se encontra nos autos a fls. 12 e ss. e que a arguida também nunca pôs em causa desconhecer. Já no que respeita à monitorização das fontes FF4, FF5 e FF6 a arguida, em sede de audiência de discussão e julgamento, procedeu à junção dos respectivos relatórios – cfr. fls. 192 e ss., confirmados pela testemunha AA, actual responsável pelo departamento do ambiente da arguida. Quanto à data do envio do RRA resulta de fls. 63 e 64 dos autos.”
E conforme resulta também da sentença proferida, a convicção do Tribunal a quo para dar os factos enunciados como não provados “deveu-se à prova em sentido contrário que foi feita. Na verdade, a testemunha BB, funcionário da arguida e que, à data da acção inspectiva, estava a desempenhar, provisoriamente, as funções de director interino da empresa, acabou por admitir que não se certificou, junto da engenheira responsável pelo envio do relatório, que o mesmo havia sido enviado. Ao contrário do que a arguida alegou de que não só dava as instruções para os funcionários cumprirem as suas obrigações como também se certificava de que as mesmas eram cumpridas, tal não sucedeu naquele período.
Trata-se de uma falta de diligência que, não obstante poder ser explicada por um período de transicção no que à chefia diz respeito e à sobrecarga de tarefas em face da diminuição de quadros de pessoal, ainda assim não desonera, nem pode desonerar, a arguida de responder por essa mesma falta de diligência de um dos seus funcionários.”
Acresce que o Tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões, de facto e de direito, relevantes para uma justa decisão, mas não necessariamente sobre todos e cada um dos argumentos aduzidos pelo recorrente (sendo uniforme a jurisprudência neste sentido, cfr., v.g., acórdãos do STJ de 2/03/2006, processo 461/06.5 de 5/05/2011 e processo 40/20.3TRPRT de 12-01-2022).
Com efeito, a “nulidade resultante da omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4º, do C.P.P.” (Oliveira Mendes, in Código de Processo Penal Comentado, 3ª edição revista, 2021, pág. 1157)
Conforme se pode ler da motivação de facto da sentença, o tribunal a quo deu como provados os factos nessa qualidade supradescritos com base em toda a prova produzida, devidamente correlacionada e analisada criticamente, designadamente, e desde logo, o teor dos documentos juntos aos autos e os depoimentos prestados pelas testemunhas.
Ora, perante essa prova, e a análise da demais carreada para os autos, devidamente concatenada, não se extraem motivos objetivos que justifiquem a modificação da matéria de facto impugnada e determinem o afastamento do raciocínio lógico desenvolvido pelo tribunal a quo, mas antes se confirmam os fundamentos – de facto e de direito - em que se alicerçou a convicção do tribunal sobre a matéria provada e não provada.
Acresce que o recurso contraordenacional para a Relação apenas conhece de direito, art. 75º do RGCO e podendo conhecer oficiosamente algum dos vícios do art. 410º do CPP, apenas poderá alterar a matéria fáctica nos termos do 431º do CPC.
Por sua vez, só existe insuficiência da matéria de facto provada, vício endógeno da sentença, que apenas pode resultar do seu texto, por si só, ou conjugada com as regras da experiência, o mesmo tem assento exclusivamente na matéria de facto considerada provada.
Tal vício só se verifica quando do acervo dos factos provados vertidos na sentença se constata faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados e julgados, são necessários para formular um juízo seguro de condenação ou absolvição e se determinar a natureza e medida da sanção. Ora analisada a sentença quanto à matéria de facto provado, constata-se que ela não é insuficiente para fundamentar a solução de direito, tendo indagada a matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objeto do processo, tal como está configurado pela acusação e defesa, inexistindo qualquer problema lacunar de raciocínio. Não está em causa, o que muitas vezes se confunde, uma insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito, a que está vinculada esta Relação.
Nestes termos, carece de fundamento a pretensão recursiva de modificação da matéria de facto, inexistindo nulidade por insuficiência para a decisão da matéria de facto e, consequentemente, omissão de pronúncia sobre factos alegados pela arguida.
Ao contrário do alegado pela Recorrente, os factos dados como assentes na sentença recorrida preenchem os pressupostos objetivos e subjetivos da contraordenação pela qual a arguida foi condenada, não procedendo, assim, a argumentação de que existe insuficiência da matéria de facto para a decisão de condenação e determinação da coima a aplicar, assim como o tribunal a quo não deixou de se pronunciar sobre questões relevantes levantadas em sede de impugnação judicial, nomeadamente, os factos que no entender da Recorrente levariam à aplicação de uma medida de admoestação, por ser muita diminuta a ilicitude da conduta e da culpa revelada na mesma, como ainda a circunstância de as suas consequências não assumiram qualquer prejuízo, atento o facto de que o não cumprimento da entrega do relatório ter sido colmatada.
Em sede da fixação da matéria de considerada não provada o tribunal a quo considerou não ter ficado assente que a Recorrente tivesse cumprido o seu dever de fiscalizar o cumprimento por parte das pessoas singulares que atuavam no seu interesse das obrigações a que estava vinculada.
Por outro lado, resulta inequivocamente da factualidade apurada que se está perante um caso de responsabilidade de pessoa coletiva em matéria contraordenacional, como decorre do Regime Geral das Contraordenações e do seu artigo 7.º- princípio geral-, dispositivo que se aplica às contraordenações ambientais.
E como bem refere a Srª PGA “O legislador reconheceu em matéria contra-ordenacional, e concretamente, no que diz respeito à defesa e protecção do ambiente que são precisamente as pessoas colectivas, públicas ou privadas, que desenvolvem actividades que podem colocar em causa o ambiente, não sendo admissível que as mesmas fossem desresponsabilizadas.
Sendo certo que o artigo 7.º do RGCO não prevê uma exclusão de responsabilidade equiparável ao disposto no artigo 11.º n.º 6, do Código Penal, « 6 - A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito.
A propósito da responsabilidade contraordenacional das pessoas colectivas se relembra o que ficou consignado por exemplo no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11 de Outubro de 2011,
«O art. 8.º, n.º 1 da Lei n.º 50/06 (lei quadro das contra-ordenações ambientais) dispõe que "1. As coimas podem ser aplicadas às pessoas colectivas, independentemente da regularidade da sua constituição, bem como às sociedades e associações sem personalidade jurídica." no que significa que são as próprias pessoas colectivas, enquanto organização, a responderem autonomamente, e de per se pela prática das contra-ordenações em matéria de direito do ambiente.
Os representantes dessas mesmas pessoas colectivas respondem nos termos do art. 8.º, n.º 3 do mesmo preceito, e a própria pessoa colectiva responde pelas condutas praticadas no seu interesse, nos termos do art. 8.º, n.º 2. A imputação de responsabilidade contra-ordenacional às pessoas colectivas já é tradição no direito contra-ordenacional, como bem se alcança do art. 7.º n.º 1 e n.º 2, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, que aprovou a chamada lei quadro geral das contra-ordenações, onde se dispõe que: "1. As coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas colectivas, bem como às associações sem personalidade jurídica.", sendo que os representantes respondem nos termos do n.º 2 do mesmo preceito. A regra geral das contra-ordenações, é pois, a aplicação de coimas às pessoas colectivas, sem qualquer tipo de destrinça entre elas em função da sua natureza, isto é, independentemente de serem pessoas colectivas públicas ou privadas ou de utilidade administrativa.
Por conseguinte, o art. 8.º da Lei n.º 50/06, quando define o âmbito de sujeitos da contra-ordenação, não deve ser objecto de uma interpretação literal à luz do art. 11.º do Código Penal, mas antes de uma leitura integrada à luz do direito geral das contra-ordenações, devendo ser convocado o art. 7.º do DL 433/82, que admite a responsabilidade das pessoas colectivas, sem distinção, e não o art. 11.º do Código Penal (redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro).
Na verdade, tal distinção seria não só contrária ao regime geral das contraordenações, como acima de tudo, contrária ao fim principal das contraordenações do ambiente, onde muitos dos sujeitos são pessoas colectivas públicas ou concessionárias de serviço público, o que implicaria um vazio de punibilidade das pessoas colectivas que mais operam na área do ambiente.
Deste modo, não só é convocável o art. 11.º CP porque existe norma expressa (art. 7.º DL n.º 433/82), como acima de tudo, a sua convocação é contrária aos fins da lei contra-ordenacional geral e especial (do ambiente) o que não legitima a aplicação subsidiária.
Em conformidade, não se verifica a nulidade invocada da decisão administrativa ou da sentença a quo.

Quanto à aplicação da pena de admoestação.

A arguida não se conforma com a fundamentação explanada na sentença ora em crise, relativamente à não aplicação de uma admoestação, porquanto, o iter processual percorrido pela Mm.ª Juiz a quo acabou por a levar a concluir pela diminuta gravidade e culpa da arguida, circunstâncias estas que a levaram a aplicar uma atenuação especial da coima, sendo que, neste caso concreto, a melhor opção seria a aplicação de uma admoestação.
Acrescenta que, considerando que a arguida não retirou qualquer benefício económico com a contraordenação, que tem grande prejuízo económico e que a contraordenação ocorreu há mais de 5 anos, sem notícia de que tenha a arguida cometido qualquer infração, justifica-se aplicar, neste caso concreto, a dispensa da coima com a aplicação de uma admoestação/advertência.
Ora, ficou demonstrado que a arguida, aqui recorrente, efetivamente não enviou o relatório ambiental anual de 2016 até ao prazo de que dispunha - 15.4.2017 -, sabendo que a tal estava obrigada, não atuou com o dever de cuidado que se lhe impunha e que lhe era exigível porquanto não se certificou, como podia e devia, que a funcionária que estava adstrita a esse envio, o havia concretizado atempadamente e, por via disso mesmo, mostra-se verificada a contraordenação de que a arguida/recorrente vinha acusada, legalmente tipificada como “grave”.
A circunstância do relatório ambiental anual (RAA) referente ao ano de 2016, ter sido efetuado no ano de 2017, conforme a Licença Ambiental e ter sido enviado para a APA em inícios de Agosto de 2017, não tem a virtualidade nem de ter-se por não verificada a contraordenação em causa, nem de retirar a esta a sua concreta natureza, e que é ser classificada como “grave”.
A arguida/recorrente não submeteu esse relatório até dia 15 de Abril de 2017, como se lhe impunha e cfr. ponto 6.2 da Licença Ambiental junta aos autos.
De nada serve estar esse ou qualquer outro relatório efetuado se não é enviado para quem de direito nos timings legalmente fixados, antes, permanecendo nas mãos de quem tem a obrigação de o enviar.
Se assim não fosse não seriam então estabelecidos prazos.
Ultrapassado o prazo legalmente fixado sem que o relatório em causa nos autos tenha sido enviado - independentemente de ter sido posteriormente enviado -, o que há é uma ausência do relatório no prazo estipulado. E é por assim ser que está verificada a contraordenação, sob pena de assim não ser então todo e qualquer “atraso” ser motivo de exclusão de censura contraordenacional.
Ao contrário do prazo legalmente estipulado para a efetiva entrega do RAA, inexiste qualquer previsão legal para o “atraso no envio”, muito menos que retire à contraordenação a sua natureza de “grave”.
E não é pelo facto de ter a Mm.ª Juiz a quo ter concluído pela diminuta ilicitude dos facto e reduzida culpa da arguida, aplicando, em consonância, a atenuação especial da pena que tal permite que seja aplicada uma admoestação à arguida.
Conforme referido pela Mm.ª Juiz a quo, a nosso ver bem, “sufragando o entendimento preconizado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2018: “A admoestação prevista no art. 51.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, não é aplicável às contraordenações graves previstas no art. 34.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 03.04.” E sem prejuízo de estarmos perante diplomas legais diferentes, a verdade é que o legislador consagrou a infracção como “grave”, pelo que a reduzida gravidade da infracção para ser aplicável a pena de admoestação não se verifica, desde logo.”
Nesse preciso sentido, o Ac. do Tribunal da Rel. de Lisboa de 19.03.2024, proc. 1095/23.4T9AMD.L1-5 onde se pode ler que: “o regime da admoestação não pode ser considerado relativamente a uma contra-ordenação grave, porquanto não é acertada a aplicação de sanções próprias de contra-ordenações leves às contra-ordenações graves e muito graves”.
Também Paulo Pinto de Albuquerque em anot. ao art. 51º do RGCO, in Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, refere que sendo a admoestação uma sanção, trata-se de uma medida alternativa para os casos de pouca relevância do ilícito contraordenacional e da culpa do agente, isto é para contraordenações leves ou simples. No mesmo sentido Simas Santos e Lopes de Sousa, 2011, 394, anot. 2º ao art. 51 e Sérgio Passos, 2009, 370, anot. 2ª ao art. 51º.
No caso dos autos, o incumprimento da obrigação/condição, constitui contraordenação ambiental grave (artigos 111º, n.º 2, al. e), do DL n.º 127/2013, de 30 de Agosto), à qual, em consonância com o elevado juízo de desvalor reconhecido pelo legislador nessa classificação, deve corresponder um também elevado grau de gravidade, conforme entendimento constante no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2018 (Recurso Extraordinário de Fixação de Jurisprudência, DR n.º 219/2018, I Série de 18/11/2018) quando afasta a possibilidade de aplicação de sanções próprias de contraordenações leves às contraordenações graves e muito graves, cujo sentido é aplicável também às contraordenações de natureza ambiental como a dos presentes autos.
A ser assim, o regime da admoestação só poderá estar em perfeita consonância com o escalão classificativo inferior da contraordenação, ao qual corresponde, de igual modo, uma
coima menor, ou seja, com a contraordenação leve.
Por conseguinte, estando em causa uma contraordenação grave não pode haver lugar a admoestação.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em não conceder provimento ao recurso interposto pela arguida A..., S. A, e em consequência manter decisão a quo nos seus precisos termos.

Custas a cargo da arguida recorrente com taxa de justiça que fixo em 4Ucs.

Sumário da responsabilidade do relator.
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Porto, 09 de outubro de 2024
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
Pedro M. Menezes

(Elaborado e revisto pelo relator- artigo 94º, n.º 2, do CPP)