Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3570/05.3TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP00043103
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: PRIVAÇÃO DO USO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP200910133570/05.3TBVNG.P1
Data do Acordão: 10/13/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 325 - FLS. 81.
Área Temática: .
Sumário: I- A privação de uso de um bem pode dar origem tanto a um
dano patrimonial como a um dano não patrimonial;
II- Quando ocorra esta última espécie de dano, ele será indemnizável de harmonia com os critérios específicos de valoração e mensurabilidade desse tipo de dano.
III- A privação do uso de um bem constitui, por si, dano patrimonial, visto que constitui lesão do direito real de propriedade correspondente, traduzida na exclusão de uma das faculdades de que ao proprietário é lícito gozar: a de uso e fruição da coisa (art° 1305 do Código Civil).
IV- O acto de terceiro que torne materialmente indisponíveis as utilidades que é possível extrair desse bem — que têm, naturalmente, uma expressão pecuniária - deve ser encarado como um dano que, como tal, deve ser objecto de reparação adequada (art° 483 no 1 do Código Civil).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 3570/05
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório.
B…………., por si e como cabeça-de-casal da herança jacente aberta por óbito de C……………, propôs, na …ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, contra D…………. e cônjuge, E…………., acção declarativa de condenação, com processo comum, ordinário pelo valor, pedindo:
a) A declaração de que autora e aquela herança são legítimas proprietárias da fracção autónoma designada pelas letras AB, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, corpo II, com entrada pela Rua ……….., e garagem na cave, com entrada pelo nº …., da mesma rua, do prédio, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …… e Rua do ………, Vila Nova de Gaia;
b) A condenação dos réus a desocupá-la imediatamente, deixando-a devoluta de pessoas e coisas e a pagar, à autora e àquela herança, a quantia de € 1 252.44 e a quantia mensal de € 448.92, desde Maio de 2005, até efectiva entrega daquela fracção, livre de pessoas e coisas.
Fundamentou a sua pretensão no facto de B…………… e o seu cônjuge, C…………, que faleceu em Junho de 1999 e deixou como únicas herdeiras a primeira e a filha de ambos, F……………., nascida em 31 de Outubro de 1999, haverem adquirido, por escritura pública celebrada no dia 19 de Agosto de 1998, aquela fracção a Construções G…………. Lda., que adquiriu o terreno ou foi edificado o prédio por usucapião, encontra aquela aquisição registada na conservatória competente a favor dos primeiros, de, por contrato de Outubro de 1999, a autora ter prometido vender aos réus aquela fracção, por preço igual à divida daquela contraída junto da CG de Depósitos para a sua aquisição, tendo-se convencionado que na data da sua celebração os réus pagariam a quantia de 807 892$00, referentes às 13 primeiras prestações do empréstimo já vencidas, que o remanescente do preço seria pago, como sinal e princípio de pagamento, através da liquidação das sucessivas prestações, por transferência bancária para a conta da autora no CP Português, implicando o não pagamento de qualquer prestação a resolução imediata do contrato e a perda das quantias entregues, de ter autorizado os réus a ocupar a fracção a partir de 16 de Outubro de 1999, tendo-se estipulado que se faltassem ao pagamento das prestações aqueles se constituíram na obrigação de indemnizar a autora pela ocupação abusiva do andar à razão mensal de 90 000$00, e de os réus não haverem pago as prestações de Maio a Julho de 2004, no valor de € 900.00, tendo apenas pago, em 23 d Julho de 2004, a quantia de € 450.00, não tendo pago as prestações dos meses de Agosto e Setembro de 2004, pelo que lhes enviou uma carta, que aqueles receberam em 23 de Setembro do mesmo ano, declarando a resolução do contrato, mas os réus, que lhe desde Novembro de 2004, lhe fizeram entregas no valor de € 1 890.00, se recusarem a deixar a fracção, sendo por isso responsáveis pelo pagamento da indemnização mensal de € 448.92, desde Outubro de 2004 até à entrega da fracção,
Os réus, admitindo a veracidade do facto relativo à aquisição, pela autora e pelo falecido cônjuge, da fracção, defenderam-se alegando que pagaram as prestações, e pediram, em reconvenção, a condenação da autora a pagar-lhes, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 5 000.00.
Fundamentaram a pretensão reconvencional no facto de a autora, sem justificação, lhe haver cortado a água e a luz, encontrando-se há mais de um ano sem água, vivendo, em condições desumanas, num permanente sobressalto, numa total de decadência emocional, tristes pelos infelizes comportamentos públicos da autora que não se inibe de, em qualquer lugar os insultar.
A autora pediu, na réplica, a condenação dos réus, por litigância de má fé em multa, e em indemnização a seu favor.
Por despacho de 28 de Fevereiro de 2006, convidou-se a autora, para suprir a ilegitimidade activa por preterição de litisconsórcio necessário, a fazer intervir na acção os demais titulares da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de C………….. e, por despacho de 6 de Junho do mesmo ano admitiu-se a intervenção principal espontânea, ao lado da autora, da filha desta e de C…………..
Realizada a audiência de discussão e julgamento, com registo sonoro dos actos de prova levados a cabo oralmente, decidiu-se, sem reclamação, a matéria de facto.
A sentença final da causa - ponderando, designadamente, que não se tendo os réus provado o pagamento das prestações dos meses de Maio a Setembro de 2004, a autora ficou legitimada a resolver o contrato promessa - julgou a acção parcialmente procedente e condenou os réus a reconhecer que a autora e a herança de C…………….. são legítimos proprietários da referida fracção, e a pagar-lhes a quantia de € 1 124.48 - quantia depois rectificada para € 5 114.48 – acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento, e a reconvenção improcedente, mas não se pronunciou sobre o pedido de condenação dos apelantes como litigantes de mãe fé.
Os réus apelaram, pedindo a revogação desta sentença e a sua substituição por acórdão que julgue a acção improcedente.
Com o escopo de demonstrar o mal fundado da decisão recorrida, os apelantes extraíram da sua alegação estas conclusões:
1. É um facto que a autora, por carta datada de 22 de Setembro de 2004, recebida pelos R.R. em 23.04.2004, comunicou aos Réus que em virtude de estes não terem procedido ao pagamento de diversas prestações do preço estipulado no contrato promessa, declarava a resolução do contrato promessa, nos termos e com os efeitos previstos na respectiva clausula 5.°, Porém;
2. O Tribunal "à quo" refere que; " Por fim, o documento de fls., 33, apenas prova que a autora enviou uma declaração aos réus para resolver o contrato que os liga, não se sabendo se com ou sem razão." - o sublinhado e o negrito são nossos. Ora;
3. Se é/foi assim, ou seja, se não se soube a sabe se o contrato foi ou não resolvido com ou sem razão, também não se poderá concluir que os Réus incumpriram o referido contrato. Assim;
4. E consequentemente não podem (iam) os RR ser condenados a pagar à autora uma indemnização por uma "pretensa" ocupação abusiva do andar, desde logo porque não conseguiram os Autores provar que resolveram aquele contrato com razão, o que seria pressuposto fazerem para poderem lançar mão da indemnização peticionada.
5. Neste circunstancialismo são os RR do modesto entendimento e salvo o devido respeito por melhor opinião, que os fundamentos da Douta Sentença estarão em oposição com a presente decisão o que nos termos do disposto no Art.° 668 n.° 1 alínea c) do CPC, deverá determinar a sua nulidade.
6. É verdade que em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos de direito, competindo assim à autora fazer a sua prova, ou seja, da celabração do contrato "in casu". Porém;
7. Não resulta do contrato promessa de compra e venda junto aos autos pela autora que esta o tenha celebrado na qualidade de cabeça de casal da herança jacente aberta por óbito do seu falecido marido C……………., resultando - isso - sim que " Clausula primeira: A primeira outorgante é dona e legitima possuidora de uma fracção autonoma designada pelas letras "AB" (....)", facto esse - que na verdade - não correspondia à realidade jurídica, desde logo, porque aquela imóvel - ainda que hipotecado - era propriedade de uma herança jacente, isto é, sem titular determinado.
8. À data da outorga do aludido contrato promessa de compra e venda já a Autora mulher se encontrava no estado de viúva. Ora;
9. Se assim era - ou melhor: foi - quem ali - celebração do contrato - e aqui - nesta acção - deveria ter assumido a posição de vendedora e parte activa, deveria ter sido a Herança Jacente e não a Autora.
10. Não se pode assim concluir que a mesma - autora - tenha conseguido fazer prova do respectivo facto constituitvo do direito daquela herança, desde logo, porque esta última nem sequer foi parte nesta acção. Na verdade;
11. Quem ali - celebração do contrato - e aqui - nesta acção - deveria ter assumido a posição de vendedora e parte activa, deveria ter sido a Herança Jacente e não a Autora, não se podendo assim concluir que a mesma tenha conseguido fazer prova do respectivo facto constituitvo do direito daquela herança. Por outro lado;
12. Ao considerar como não provada a matéria de facto vertida no quesito 8.° da Base Intrutória o Tribunal recorrido fez uma errada apreciação da prova;
13. Já que no modesto entendimento dos RR, foi produzida prova suficiente que permite dar como provado que estes RR efectuaram o pagamento de todas as "prestações" estipuladas.
14. Sobre esta matéria os RR indicaram várias testemunhas, chamando-se a especial atenção para o depoimento a Sr.' D.a H………….., cujo respectivo depoimento se encontra gravado no CD junto a estes autos.
15. Referindo-se à correspondente matéria de facto em causa esta testemunha soube dizer - de forma peremptória - que conhecia toda a situação pois por muitas/diversas vezes terá sido ela própria quem terá entregue o dinheiro das ditas prestações/rendas à autora e/ou à sua mãe.
16. Disse também que esta(s) sempre lhe disse(ram) que o iriam depositar na Caixa Geral de Depósitos tendo também referido que uma vez lhe terá ido levar duzentos contos às finanças para ela pagar contribuições (...).
17. Quando lhe foi perguntado se ela tinha conhecimento se havia rendas em atraso e/ou alturas em que o seu filho se atrasava no pagamento da renda, esta testemunha respondeu que " (...) podia-se atrasar mas cumpria e quando ele não podia tinha (pagava) eu
18. Acontece que o Tribunal recorrido não deu qualquer especial relevância ao aludido depoimento o qual - em nossa modesta opinião - à míngua de melhor prova, deveria ter sido considerado como relevante para a descoberta da verdade. Ora;
19. Não tendo o Tribunal recorrido considerado como provado um facto sobre o qual foi produzida prova suficiente, estamos - salvo o devido respeito - perante um erro na apreciação da prova que justifica e impõe a sua reapreciação;
20. Devendo pois o tribunal "ad quem" proceder á audição do depoimento da supra identificada testemunha;
21. Alterando a decisão da matéria de facto no sentido de julgar como provada a matéria constante dos quesitos 8.° e 10.° da B.I.;
22. Devendo - por via disso - a presente acção improceder, absolvendo-se os RR do pedido;
23. Julgando-se assim., procedente o recurso e revogando-se a douta sentença recorrida.
Na resposta, os apelados pronunciaram-se pela improcedência do recurso e, subsidiariamente, impugnaram a decisão da matéria de facto no tocante aos pontos 1º e 4º da base instrutória.
2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.
2.1. Foram insertos na base instrutória, entre outros, os enunciados de facto seguintes:
Em Julho de 2004, estavam em dívida pelos réus as prestações relativas aos meses de Maio e Junho de 2004, e a correspondente ao próprio mês de Julho, no montante de € 325.00 casa e, ainda, parte de uma prestação, no montante de € 256.00?
Nos meses de Agosto e Setembro de 2004, os réus não pagaram as prestações aí vencidas, no valor de € 325 00, nem os montantes em atraso?
Os réus efectuaram o pagamento de todas as prestações estipuladas, designadamente as relativas aos meses de Maio, Junho e Julho de 2004?
10º
Os réus pagaram as prestações relativas aos meses de Agosto e Setembro de 2004?
2.2. O tribunal da audiência julgou os pontos de facto referidos em 2.1. não provados.
2.3. O decisor da 1ª instância motivou o julgamento mencionado em 2.2. nos seguintes termos:
Convicção do Tribunal. Analisando os depoimentos produzidos em audiência de discussão e julgamento, temos que todos eles foram bastante parciais, procurando defender a sua parte, não revelando conhecimentos acerca de factos fundamentais para esta acção.
Assim, as testemunhas da autora, o seu companheiro (I………….), a sua mãe (J………….), uma amiga da sua mãe (K…………..), referiram que acompanharam o caso e que a partir de certo momento os réus deixaram de pagar as prestações da casa em causa nestes autos. Questionados acerca da quantia em dívida e o quanto foi pago pelos réus, estas testemunhas afirmaram não saber, apenas referindo que acompanharam a autora em conversas que esta teve com os réus onde lhes pedia o dinheiro e em que estes diziam que lhe iriam pagar quando pudessem. Tal facto, também foi referido pelo colega de trabalho da autora, L……………, que chegou a assistir a um episódio desses.
Já as testemunhas indicadas pelos réus, 2 amigas do casal e a mãe da ré, afirmaram que os réus sempre pagaram tudo (até mais) e que a autora não lhes dava recibo de nada, pelo que a determinado momento, os réus deixaram de efectuar o pagamento.
Quanto a documentos do que aqui está em causa, apenas temos 4 talões de depósito na CGD, 3 deles referentes a matéria dada como assente e um deles, de 350€, efectuado pela ré na conta da autora em 15/11/2004.
Ora, com estes depoimentos, bastante parciais como já referi, e à míngua de outros elementos probatórios, o Tribunal só poderia responder à matéria da base instrutória relacionada com o pagamento das prestações conforme o fez.
Com efeito e desde logo, convém salientar que não sabemos qual era o valor exacto da prestação (em virtude das constantes actualizações) algo que facilmente a autora poderia provar, bastando para tal juntar os registos bancários. Por outro lado, esses elementos (extracto bancário da conta da autora na CGD), também eram importantes para aferir se os réus depositaram ou não o dinheiro na conta da autora, bem como para provar se a autora efectuou ou não o pagamento da prestação que não se sabe de quanto era. Por outro lado e quanto ao alegado facto da autora ter ou não ter recebido o dinheiro em mão, nenhuma prova verosímil se fez desse facto, quer positiva quer negativa, não havendo prova que nos aponte para uma maior credibilidade de uma ou outra versão. Por fim, o documento de fls. 33, apenas prova que a autora enviou uma declaração aos réus para resolver o contrato que os liga, não se sabendo se com ou sem razão.
Logo e com excepção do depósito dos 350€, nenhuma prova relevante e verosímil se fez acerca do pagamento ou do não pagamento da prestação em causa, não podendo este Tribunal, com a certeza exigível, referir se o mesmo foi ou não efectuado. Na verdade, há que salientar que o facto de não haver (ou não terem sido apresentados) documentos, com excepção do supra referido, não confere ou aponta maior credibilidade a uma ou outra versão dos factos, deixando, isso sim, o Tribunal com muitas dúvidas e nenhumas certezas. Com efeito, o facto dos réus alegarem que a autora não lhes passava recibo e de não haver recibos juntos aos autos, isso não significa que os réus tenham pago as prestações em causa. Por outro lado, o facto dos réus saberem que a autora tinha uma conta pela qual pagava as prestações em dívida e que o simples depósito nessa conta originaria a emissão do talão comprovativo, também não pode levar à conclusão de que, não estando juntos tais talões, os réus não pagaram as referidas prestações. Por fim e quanto a este assunto, saliente-se ainda que, durante os primeiros 5 anos da vigência do contrato não houve qualquer problema. Nesse período não sabemos se os réus pagaram através de depósito directo em conta ou através de entrega em dinheiro à autora, sendo que na 2.ª hipótese, também não se apurou se a autora entregou ou não qualquer documento comprovativo. Ora, esses factos, juntamente com outros, designadamente elementos bancários, poderiam indiciar o que se passou no período aqui em causa. Como nada foi junto, nem produzida qualquer prova testemunhal verosímil, o Tribunal não pode, em consciência, aferir se foi ou não paga qualquer prestação, para além dos 350€ comprovado pelo talão junto aos autos.
Tudo aquilo que referimos no parágrafo anterior se aplica em relação ao alegado pagamento da contribuição autárquica ou IMI (conforme a data a que disser respeito), pois que para além de não sabermos se o mesmo era ou não devido, não sabemos o seu valor, nem tampouco se o mesmo foi ou não pago, algo que poderia ser comprovado com um simples documento da administração fiscal.
Quanto à problemática da água e da luz, também não foi junto qualquer documento comprovativo do pagamento dessas despesas e do corte de abastecimento.
No entanto e quanto à água, há que referir que as próprias testemunhas indicadas pela autora admitiram que esta, face ao não pagamento das facturas, cortou a água, entendendo este Tribunal que esse acto, mais não foi do que o simples contacto com a instituição para terminar o alegado contrato de abastecimento. Ora, após esse facto, as testemunhas I………… e L…………. afirmaram que viram na fracção ocupada pelos réus uma ligação directa de água. Porém, esse facto, apesar de admitida pela testemunha M……….., foi logo por esta esclarecido, referindo tal testemunha que tal ligação foi cortada, em virtude de ter sido apresentado queixa dos réus. A acrescer a isto, temos que todas as testemunhas indicadas pelos réus, referiram o sofrimento destes em virtude de não terem água, durante pelo menos um ano, afirmando que lhes forneciam garrafões e que lhes lavavam a roupa ou lhes facultavam as suas casas-de-banho para estes poderem tomar banho. Com tudo isto, temos que concluir que os réus estiveram efectivamente sem água em sua casa.
Quanto às causas dessa falta, as mesmas não ficaram apuradas. É que se por um lado, não sabemos se os réus procederam ou não ao pagamento regular das facturas, por outro também não ficou apurado se os réus, não obstante a autor ter recusado a continuação do contrato de fornecimento de água, poderiam ou não ter celebrado um contrato novo, com base na apresentação do documento de fls. 31 e 32. Logo e por falta de prova, não podemos concluir pela responsabilidade da falta de abastecimento de água à casa aqui em causa.
2.4. O tribunal de que provém o recurso julgou provada, no seu conjunto, a factualidade seguinte:
2.4.1 A Autora casou com C…………… em 2 de Agosto de 1997, no regime da comunhão de bens adquiridos.
2.4.2. Por escritura pública, celebrada em 19 de Agosto de 1998, lavrada de fls. 9 do Livro 168-C do 8º Cartório Notarial do Porto, a Autora e o seu referido marido declararam comprar à sociedade G…………, Lda., a fracção autónoma designada pelas letras "AB", correspondente a uma habitação no rés-do-chão esquerdo, corpo II, com entrada pelo nº ….. da Rua ……, garagem na cave, com entrada pelo n° …., da mesma Rua, do prédio, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ………… e Rua ………., freguesia de ……….., concelho de Vila Nova de Gaia.
2.4.3. O referido prédio encontra-se descrito na competente Conservatória sob o nº 02.372/140197 - freguesia de Canelas, estando a aquisição da fracção "AB", pela Autora e por seu marido, registada sob a inscrição G1.
2.4.4. A mesma fracção autónoma está inscrita sob o artigo 3185-AB da matriz predial urbana da freguesia de Canelas.
2.4.5.C…………….. faleceu em Junho de 1999.
2.4.6. Deixou como únicas herdeiras a Autora e a Interveniente, filha de ambos, F…………., nascida em 31/10/1999.
2.4.7. Por documento escrito que se encontra junto a fls. 31 e 32 - cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido - a Autora prometeu vender aos Réus, que prometeram comprar, a mencionada fracção autónoma.
2.4.8. Foi estipulado que o preço da prometida venda seria igual à dívida total da Autora para com a Caixa Geral de Depósitos, proveniente do empréstimo contraído para aquisição da fracção.
2.4.9. Ficou estipulado que, na data da celebração do contrato, os Réus entregariam à Autora a quantia de Esc. 807.892$00, referente às 13 primeiras prestações do empréstimo já entretanto vencidas, o que apenas vieram a fazer posteriormente.
2.4.10. Mais ficou estipulado que o remanescente do preço seria pago através da liquidação, por parte dos Réus, das sucessivas prestações bancárias que se fossem vencendo.
2.4.11. Na altura da celebração do contrato, faltava pagar à Caixa Geral de Depósitos 347 prestações, sendo então, cada uma, no valor de Esc. 59.571$00.
2.4.12. Conforme convencionado no dito documento, os Réus ficaram de transferir mensalmente para a conta bancária da Autora, no Crédito Predial Português, o montante da respectiva prestação, até ao dia 15 de cada mês.
2.4.13. As partes estipularam que as prestações que fossem sucessivamente pagas pelos Réus à Autora constituiriam sinal e princípio de pagamento.
2.4.14. Mais estipularam que o não pagamento de qualquer das prestações implicaria automaticamente a resolução imediata do contrato e a perda de todas as quantias entregues pelos Réus à Autora.
2.4.15. Os Réus passaram a ocupar a fracção acima referida, com autorização da Autora.
2.4.16. Ficou, igualmente, estipulado que se os Réus faltassem ao pagamento das prestações acordadas, constituir-se-iam na obrigação de indemnizar a Autora pela ocupação abusiva do andar, à razão mensal de Esc. 90.000$00 (correspondente a € 448,92).
2.4.17. Foi ainda clausulado que a escritura pública de compra e venda seria celebrada com o pagamento da última prestação.
2.4.18. Por carta cuja cópia se encontra junta a fls. 33 dos autos, datada de 22 de Setembro de 2004, recebida pelos Réus em 23.09.04, a Autora comunicou aos Réus que em virtude de estes não terem procedido ao pagamento de diversas prestações do preço estipulado no contrato promessa, declarava a resolução do contrato-promessa, nos termos e com os efeitos previstos na respectiva cláusula 5á, informando, ainda que, se fosse necessário exigiria judicialmente o pagamento da indemnização prevista na cláusula sétima do mesmo contrato-promessa.
2.4.19. A Autora procedeu à anulação dos contadores de água e luz da fracção, que estavam em seu nome.
2.4.20. Os Réus pagaram à Autora relativamente a Janeiro, Fevereiro e Março de 2005 a quantia total de € 1.400,00.
2.4.21. Os Réus procederam à entrega da fracção à Autora em 30.04.06.
2.4.22. Desde a data da propositura da acção (17.04.05) até 4.01.06, os Réus depositaram na CGD, na conta da Autora, pelo menos, a quantia de € 1.665,00.
2.4.23. Em 15/11/2004, os réus depositaram numa conta da CGD, pertencente à autora, a quantia de 350€.
2.4.24. Os réus estiveram cerca de 1 ano sem água na casa em que habitavam, não dispondo da mesma para a sua higiene e dos seus filhos, para cozinhar, lavar a roupa, tendo recorrido à ajuda de vizinhos e familiares.
2.4.25. Durante um pequeno período de tempo, os réus colocaram um contador na fracção, usufruindo das águas municipais.
3. Fundamentos.
3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).
Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].
Tendo em conta a finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de julgamento da acção por um tribunal superior ou como meio de controlo da decisão recorrida.
No primeiro caso, o objecto do recurso coincide com o objecto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame; no segundo caso, o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi correctamente decidida, ou seja é conforme com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação[2].
No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.
Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Como o pedido e a causa de pedir só podem ser alterados ou ampliados em 2ª instância se houver acordo das partes – eventualidade mais que rara – pode afirmar-se que os recursos interpostos para a Relação visam normalmente reapreciar o pedido formulado na instância imediatamente anterior (artº 272 do CPC).
Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas[3].
Excluída está, portanto, a possibilidade de alegação de factos novos - ius novarum nova – na instância de recurso. Em qualquer das situações, salvaguarda-se, naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso[4].
Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.
A função do recurso ordinário é a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa. Assim, por exemplo, se na instância recorrida se reivindica não é lícito pedir, na instância de recurso, que se demarque.
Estas considerações acerca da finalidade da impugnação, têm em vista as alegações dos recorrentes relativas à circunstância de não resultar do contrato promessa que tenha sido celebrado pela autora B…………… na qualidade de cabeça-de-casal da herança jacente de C................., apesar de, na data em que foi celebrado, aquela já se encontrar no estado de viúva, pelo que quem de deveria ter assumido a posição de parte activa deveria ter sido aquela herança, não podendo, por isso, concluir-se que a autora tenha feito prova do facto constitutivo do direito daquela herança.
Trata-se, nitidamente, porque não foram alegados na instância recorrida, de factos novos relativamente aos quais não é lícito chamar este Tribunal a pronunciar-se, uma vez que a sua competência decisória se restringe, em regra, à reapreciação dos pedidos formulados naquela instância - com a matéria de facto nela invocada.
A ter-se a conduta dos recorrentes por processualmente exacta, o recurso não teria por finalidade a reponderação de qualquer decisão proferida na instância de que aquele provém – mas o julgamento ex-novo de uma questão que, bem podendo ter sido sujeita à apreciação do tribunal recorrido, o não foi.
Insiste-se: os recursos visam obter a revogação de decisões incorrectas e não produzir decisões sobre factos novos, quer dizer, factos que podiam ter sido alegados na instância recorrida.
De resto, a alegação considerada dos recorrentes é, de todo, improcedente. Por uma pluralidade de razões, de resto.
Em primeiro lugar, porque a acção – apesar de o conteúdo da sentença apelada inculcar o contrário - não tem, ao menos directamente, por objecto o contrato promessa de compra e venda. Como melhor adiante se procurará detalhar, a forma de tutela pedida pelos recorridos resolve-se caracteristicamente uma acção de reivindicação, em que ao pedido característico desta acção real se soma, em cumulação real, um pedido de indemnização (artºs 1311 do Código Civil e 470 nº 1 do CPC).
Depois, porque o regime do contrato promessa é, por força do princípio da equiparação, o do contrato definitivo, com duas excepções: no tocante à forma; relativamente às disposições que, por sua razão de ser não se devam considerar extensivas ao contrato promessa (artº 410 nº 1 do Código Civil). Em princípio o contrato promessa origina prestações de facto jurídico positivo: a emissão, no futuro das declarações de vontade integrantes do contrato definitivo prometido. Daí que não lhe sejam aplicáveis as disposições que regulamentam, a nível do contrato definitivo, prestações de facto material ou prestações de coisa.
Desta circunstância decorre, com naturalidade, esta conclusão: a validade do contrato promessa de venda de bens alheios, total ou parcialmente. Desde que ao contrato promessa são inaplicáveis das disposições que declararam nula a venda de coisa alheia, nada que impede que se prometa vender coisa alheia, ou parcialmente alheia[5].
Os recorrentes pedem, no recurso, a revogação da decisão impugnada e a sua substituição por acórdão que julgue a acção improcedente. Apesar desta amplitude do pedido formulado no recurso, a verdade é que a discordância dos recorrentes não se dirige verdadeiramente à declaração, feita na sentença apelada, de que os recorridos são titulares do direito real de propriedade sobre a fracção autónoma de edifício – mas apenas à sua condenação na obrigação de indemnizar os recorridos pela ocupação daquele bem imóvel.
De resto, esta atitude – que decorre com linearidade das suas alegações - corresponde àquela que adoptaram no articulado de contestação que ofereceram na instância recorrida: também no articulado em que deduziram a sua defesa os recorrentes nunca impugnaram a titularidade pelos recorridos do direito real de propriedade sobre a fracção que ocuparam. Por último, tendo os réus procedido, na pendência da acção, à entrega da fracção aos autores, implicaria um verdadeiro venire contra factum proprium – e a violação de uma elementar regra de correcção e de honeste procedere – pedir ao tribunal ad quem que recusasse aos apelados o reconhecimento de que são titulares do direito real de propriedade sobre aquele bem.
Os apelados, prevenindo a procedência do recurso, impugnaram, na sua alegação, subsidiariamente, a decisão da matéria de facto no tocante a dois pontos dela.
Diz-se subsidiário o recurso que é apresentado ao tribunal ad quem para ser tomado em consideração somente no caso de improcedência de um recurso interposto por essa mesma parte ou de procedência de um recurso da parte contrária, que é interposto apenas para a hipótese de o tribunal negar ou dar provimento a um outro recurso (artº 469 nº 2, 2ª parte, do CPC).
Exemplo nítido de recurso subsidiário é disponibilizado pelo artº 684-A do CPC.
O recorrido – portanto, o vencedor – pode solicitar ao tribunal ad quem que, caso dê provimento ao recurso principal do vencido e revogue a decisão impugnada, proceda à apreciação de uma causa de pedir ou de um fundamento da defesa em que decaiu e da nulidade da decisão impugnada e, bem assim, à reapreciação da matéria de facto, não impugnada pelo recorrente (artº 684-A nºs 1 e 2 do CPC). Neste caso, o recorrido, apesar da revogação da decisão recorrida que lhe é favorável, pode ainda obter uma decisão de idêntico conteúdo - mas com base numa outra causa de pedir ou noutro fundamento da defesa.
A situação é configurada na lei como ampliação do objecto do recurso principal. Mas a verdade é que se trata materialmente de um recurso, embora incidental, dado que se trata ainda de pedir a um tribunal hierarquicamente superior a reapreciação de uma decisão, com fundamento na sua ilegalidade: a única particularidade relevante reside no facto de ser interposto para o caso de procedência de outro recurso e, portanto, de não visar a substituição da decisão por outra mais favorável ao recorrente subsidiário – mas a manutenção dessa decisão, ainda que por outro fundamento. O recurso subsidiário é, portanto, um recurso condicional, dado que o conhecimento do seu objecto está dependente da verificação de um facto futuro e incerto: a improcedência de um recurso interposto pelo recorrente ou a procedência do recurso da parte contrária.
Nestas condições, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e das alegações dos recorrentes e dos recorridos, as questões concretas controversas que o acórdão deve resolver são estas:
- A nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão, da sentença impugnada;
- A exactidão do julgamento dos enunciados de facto contidos sob os nºs 8 e 10º da base instrutória e, caso a apelação deva proceder, dos insertos sob os nºs 1º e 4º daquela mesma base;
- A revogação da sentença apelada e a sua substituição por acórdão que absolva os recorrentes do pedido de indemnização pela ocupação ilícita da fracção de edifício, objecto mediato do contrato promessa de compra e venda.
A resolução destes problemas exige uma exposição, ainda que leve, do regime da nulidade da sentença, da forma de tutela enunciada pelos autores e das regras de distribuição do ónus da prova, da eficácia da resolução, pela recorrida, do contrato promessa de contra e venda e dos pressupostos do dever de indemnizar.
Vejamos, de per se, de harmonia com a ordem pela qual foram enunciadas, cada uma destas questões (artº 660 nº 2 do CPC).
3.2. Nulidade da sentença apelada.
O primeiro defeito que os recorrentes assacam à sentença apelada é o da nulidade.
Este valor negativo resultaria, no ver dos apelantes, da contradição intrínseca daquela sentença, i.e., da colisão entre os fundamentos nela expostos e a decisão que encerra, da já que, de harmonia com a sua alegação, tendo o tribunal referido que não se sabe se o contrato promessa foi ou não resolvido com ou sem razão, não se poderá concluir que o incumpriram e, portanto, não podiam ser condenados no pagamento de uma indemnização por uma pretensa ocupação.
Convém, portanto, relembrar, em traços largos, o regime das nulidades da decisão.
O regime das nulidades da decisão diverge do regime geral das nulidades em pontos em três aspectos muito importantes.
Em primeiro lugar, existe aqui um numerus clausus de causas de nulidade[6]. Corolário deste princípio da tipicidade é a de quem nem todo e qualquer vício, de forma ou de conteúdo, da sentença produz nulidade. Estão nessas condições, nomeadamente, os vícios formais diversos da falta de assinatura do juiz, resultantes, por exemplo, da infracção das regras processuais relativas à forma externa da sentença: a sentença que a que falte o nome das partes ou identificação do litígio, encontra-se decerto ferida com um vício formal, mas essa patologia não é causa de nulidade da sentença (artº 659 nºs 1 e 2 do CPC).
Em segundo lugar, com excepção da nulidade formal decorrente da omissão da assinatura do juiz, as demais nulidades da decisão não são de conhecimento oficioso, exigindo, portanto, a arguição das partes (artº 668 nº 3 do CPC).
Por último, todas as nulidades são supríveis ou sanáveis. Deste princípio apenas se afasta a nulidade por falta de assinatura do juiz que proferiu a sentença, quando se mostrar impossível colhê-la (artº 668 nº 2, a contrario do CPC).
A falta de impugnação da sentença nula importa a sanação da nulidade de que se encontra ferida e, consequentemente, o seu trânsito em julgado (artº 677 do CPC).
Uma distinção que o regime dos vícios da decisão judicial inculca é a que separa os vícios formais dos vícios substanciais ou de conteúdo.
Exceptuando o vício formal da falta de assinatura do juiz todas as demais causas de nulidade – omissão e excesso de pronúncia, falta de fundamentação e contradição entre os fundamentos e a decisão - têm por objecto vícios de substância ou de conteúdo.
A decisão é nula quando os seus fundamentos estiverem em oposição com a parte decisória, isto é, quando os fundamentos invocados pelo tribunal conduzirem, logicamente, a uma conclusão oposta ou, pelo menos diferente daquela que consta da decisão (artº 669 nº 1 c) do CPC)[7]. Esta nulidade substancial está para a decisão do tribunal como a contradição entre o pedido e causa de pedir está para a ineptidão da petição inicial.
Face a este enunciado é bem de ver que a sentença impugnada não se encontra ferida com o feio vício da nulidade, por contradição intrínseca entre os fundamentos de facto e a decisão.
Em primeiro lugar, a contradição acusada pelos recorrentes verifica-se, de harmonia com a sua alegação, não entre os fundamentos expostos na sentença e a decisão nela contida – mas entre a motivação da decisão da matéria de facto e a parte decisória da sentença impugnada. Na verdade, foi na justificação do julgamento da matéria de facto que o tribunal da audiência afirmou que, face ao documento inserto a fls. 33, não e sabia se o envio, da autora para os réus, da declaração de resolução do contrato promessa, foi feita com ou sem razão.
Como a nulidade da sentença por contradição intrínseca só se verifica se a colisão ocorrer entre os seus elementos internos – fundamentos e decisão – sendo irrelevante, do ponto de vista deste vício grave, que a contradição ocorra com qual outro acto processual segue-se, naturalmente, esta conclusão: a sentença não se encontra manchada com o pecado da nulidade, por contradição intrínseca.
A sentença apelada observou que não tendo os réus demonstrado, em incumprimento do ónus da prova que os vincula, ter pago as prestações convencionadas no contrato promessa relativas aos meses de Maio a Setembro de 2004, há que concluir que não cumpriram aquela obrigação e, consequentemente, que a autora estava legitimada a resolver o contrato, pelo que os réus se constituíram na obrigação de a indemnizar pela ocupação abusiva do andar, à razão mensal de € 448.92.
Sendo isto assim, então não há qualquer colisão entre a decisão e os fundamentos em que se apoia, dado que os fundamentos invocados pelo decisor da 1ª instância não conduzem, logicamente, a uma resolução diversa da daquele que consta da decisão stricto sensu. Não se verifica, portanto, na construção da sentença qualquer vício lógico que comprometa, irremediavelmente, a sua coerência interna.
A sentença recorrida pode ter incorrido num error in judicando mas não, decerto, no error in procedendo, como é aquele que está na origem da nulidade substancial da decisão.
Obiter dictum notar-se-á que a sentença é patentemente nula – mas por fundamentos inteiramente diversos daqueles que foram invocados pelos apelantes.
O tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artºs 137 e 660 nº 2 do CPC)[8].
O tribunal deve examinar toda a matéria de facto disponível e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou dos pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. A infracção desse dever torna a sentença nula (artº 668 nº 1 d). 1ª parte, do CPC).
Como consequência da disponibilidade das partes sobre o objecto da causa, o âmbito do julgamento comporta, entre outros o limite máximo, estabelecido pela proibição de conhecimento ou questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo de forem de conhecimento oficioso, ou de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (artºs 264 nº 1, 661 nº 1, 664, in fine, e 660 nº 2, 2ª parte, do CPC). A violação deste limite determina a nulidade da decisão por excesso de pronúncia (artº 668 nº 1 d), 2ª parte).
No caso, a sentença apelada, de um aspecto, condenou os apelantes na prestação acessória indemnizatória de juros moratórios – mas sem que os apelados tivessem deduzido esse pedido, e, de outro, não gastou uma só palavra no tocante ao pedido de condenação dos recorrentes por litigância de má fé, formulado pelos recorridos. Todavia, como qualquer destes específicos fundamentos de nulidade não foram invocados pela parte legitimada para essa arguição, não é lícito dela conhecer.
De resto, a arguição da nulidade da sentença não toma em devida e boa conta o sistema a que, no tribunal ad quem, obedece o seu julgamento.
O julgamento, no tribunal hierarquicamente superior, da nulidade obedece a um regime diferenciado conforme se trate de recurso de apelação ou de recurso de revista.
Na apelação, a regra é da irrelevância da nulidade, uma vez ainda que julgue procedente a arguição e declare nula a sentença, a Relação deve conhecer do objecto do recurso (artºs 715 nº 1 do CPC).
No julgamento da arguição de nulidade da decisão impugnada de harmonia com o modelo de substituição, impõe-se ao tribunal ad quem o suprimento daquela nulidade e o conhecimento do objecto do recurso (artºs 715 nº 1 e 731 nº 1 do CPC).
Contudo, nem sempre, no julgamento do recurso, se impõe o suprimento da nulidade da decisão recorrida nem mesmo se exige sempre sequer o conhecimento da nulidade, como condição prévia do conhecimento do objecto do recurso.
Exemplo desta última eventualidade é disponibilizado pelo recurso subsidiário. O vencedor pode, na sua alegação, invocar, a título subsidiário, a nulidade da decisão impugnada e requerer a apreciação desse vício no caso de o recurso do vencido ser julgado procedente (artº 684-A nº 2 do CPC). Neste caso, o tribunal ad quem só conhecerá da nulidade caso não deva confirmar a decisão, regime de que decorre a possibilidade de conhecimento do objecto do recurso, sem o julgamento daquela arguição.
Raro é o caso em que o recurso tenha por único objecto a nulidade da decisão recorrida: o mais comum é que a arguição deste vício seja apenas mais um dos fundamentos em que o recorrente baseia a impugnação. Sempre que isso ocorra, admite-se que o tribunal ad quem possa revogar ou confirmar a decisão impugnada, arguida de nula, sem previamente conhecer do vício da nulidade. Isso sucederá, por exemplo, quando ao tribunal hierarquicamente superior, apesar de decisão impugnada se encontrar ferida com aquele vício, seja possível revogar ou confirmar, ainda que por outro fundamento, a decisão recorrida. Sempre que isso suceda, é inútil a apreciação e o suprimento da nulidade, e o tribunal ad quem deve limitar-se a conhecer dos fundamentos relativos ao mérito do recurso e a revogar ou confirmar, conforme o caso, a decisão impugnada (artº 137 do CPC).
A arguição da nulidade da decisão – embora muitas vezes assente numa lamentável confusão entre aquele vício e o erro de julgamento – é uma ocorrência ordinária. A interiorização pelo recorrente da irrelevância, no tribunal ad quem, que julgue segundo o modelo de substituição, da nulidade da decisão impugnada, obstaria, decerto, à sistemática arguição do vício correspondente.
Por este lado, o recurso não tem, pois, bom fundamento.
3.3. Forma de tutela enunciada pelos autores e repartição do ónus a prova.
A forma de tutela pedida pelos autores resolve-se, nitidamente, numa acção de reivindicação. As razões que sustentam esta conclusão podem detalhar-se do modo seguinte.
A acção de reivindicação, de nítida feição condenatória, compreende e exige dois pedidos concomitantes – o pedido de reconhecimento de determinado direito; o pedido de entrega da coisa objecto desse direito – e a sua causa de pedir é o facto de que derive o direito real alegado (artº 1311 nº 1 do Código Civil, 4 nºs 1 e 2 a) 498 nº 4 do CPC)[9].
Reconhecendo-se ao reivindicante o direito real de propriedade alegado, a restituição da coisa corpórea que constitui o seu objecto mediato só pode ser-lhe recusada nos casos expressamente previstos na lei (artº 1311 nº 2 do Código Civil).
Como é intuitivo, a procedência de um pedido de reivindicação pressupõe a prova, pelo reivindicante, do direito real de propriedade sobre a coisa que reivindica (artº 342 nº 1 do Código Civil)[10].
Porém, também é indiscutível que na acção de reivindicação, a causa de pedir não é o direito de propriedade ele mesmo, mas sim, de harmonia com a teoria da substanciação que anima a lei adjectiva portuguesa, o facto o jurídico de que tal direito real deriva (artº 498 nº 4 do CPC). O modelo da acção de revindicação é, pois, o seguinte: a invocação pelo autor da titularidade de um direito real de propriedade; a indicação do facto jurídico concreto donde emerge essa aquisição; o pedido de condenação do demandado que tem a coisa, objecto daquele direito, em seu poder, a entregar-lha.
Nos casos em que o autor ou o réu reconvinte se limita a pedir o reconhecimento do direito de propriedade – pronuntiatio – não formulando o pedido de restituição da coisa corpórea sobre que incide aquele direito real máximo – condemnatio - a acção não é de reivindicação[11].
A acção de reivindicação não é, na verdade, o único meio ou instrumento de defesa da propriedade e, em geral, de qualquer outro direito real. A tutela de um direito desta natureza pode também ser prosseguida através da acção confessória.
A acção confessória - que à semelhança da acção negatória, não constitui, no nosso direito, uma acção real típica[12] - pode ser definida como aquela em que o autor ou o réu reconvindo pretende afirmar contra o réu ou contra o autor reconvindo, respectivamente, a existência de um direito real menor que o demandado não aceita.
A acção confessória é uma acção de simples apreciação em que a causa de pedir é, para quem entenda tratar-se de uma acção real, o facto jurídico constitutivo do direito, ou, para quem sustenta entendimento diverso, a relação jurídica real (artº 498 nº 4 do CPC).
A prova do facto de que emerge o direito real menor cabe aquele que se arroga a titularidade dele. A prova exigível é semelhante à prova diabólica: desde que se invoca a titularidade de um direito real sobre a coisa, tem que se provar o acto aquisitivo correspondente, se necessário reconstituindo a cadeia de titulares anteriores até uma aquisição originária.
Na sua configuração usual, na actio confessoria, o autor pretende apenas afirmar contra o demandado a existência de um direito real menor que o último não aceita. Nada obsta, porém, que se faça compreender no seu perímetro, a declaração de existência do direito real de propriedade, quando o autor não pretenda obter a entrega da coisa pelo réu, mas simplesmente ver reconhecida judicialmente contra ele a titularidade daquele direito real maior[13]. Do ponto de vista estritamente adjectivo, trata-se nitidamente de uma acção de simples apreciação positiva (artº 4 nº 1 a) do CPC).
O perfil da acção de reivindicação pode, portanto, recortar-se pelo seu fundamento, pela sua causa de pedir e pelo pedido.
O fundamento da reivindicatio, como decorre da norma que a regula ao referir-se ao reconhecimento do direito de propriedade, é o direito real de gozo violado com a posse ou a detenção do demandado (artº 1311 nº 1
A causa petendi que compete à acção de reivindicação é o facto de que deriva o direito real (artº 498 nº 4 do CPC).
Nestas condições, o autor deve apontar o facto jurídico aquisitivo que invoca como fundamento de entrega da coisa – a compra e venda, a doação, a ocupação, a usucapião, etc. – sendo insuficiente a menção genérica ao direito ou a facto aquisitivo não especificado.
É corrente a afirmação de que nesta acção real a causa de pedir é complexa[14]. Uma reflexão breve mostra, porém, de um aspecto, que a causa de pedir da reivindicação consiste apenas no facto aquisitivo do direito real e não na violação desse direito pelo réu, e, de outro, que esse facto não tem de ser um facto aquisitivo originário[15].
Admitindo a lei que o direito real seja adquirido através de factos translativos, quer dizer, de factos que desencadeiam uma aquisição derivada do transmissário, como, por exemplo, o contrato real quoad effectum, seria desrazoável que o adquirente tivesse de invocar um facto distinto daquele pelo qual adquiriu o direito para reivindicar com êxito e mais desrazoável ainda que não pudesse reivindicar de terceiro se não beneficiasse de um facto aquisitivo originário.
Há, efectivamente, que fazer um distinguo entre o facto aquisitivo do direito real – e a prova para demonstrar a titularidade do direito. O que adquiriu o direito real de gozo através de uma aquisição puramente derivada, se não beneficiar de uma presunção legal de titularidade, tem de reconstituir a cadeia de titulares do direito real até ao momento da sua aquisição; mas isso releva apenas da prova do facto aquisitivo do direito, sendo estranho à possibilidade de o reivindicante indicar como causa petendi um facto aquisitivo derivado.
Por último, uma coisa é o facto aquisitivo, outra, bem diversa, a prova dele.
Assim, a existência de uma presunção legal – v.g. a derivada do registo – não equivale à indicação do facto aquisitivo. A presunção apenas opera a inversão do ónus da prova relativamente ao facto: não basta, por isso, como causa de pedir na acção de reivindicação. È claro, porém, que a simples afirmação da titularidade do direito acompanhada da certidão do registo predial pode satisfazer a exigência legal relativa à causa de pedir, considerando-se nesse caso, que o facto aquisitivo do direito é o que se mostra inscrito no registo.
A procedência da acção está na dependência da verificação cumulativa de três pressupostos: a titularidade pelo autor do direito real de gozo alegado; a detenção ou a posse pelo réu da coisa reivindicada[16]; a falta de demonstração pelo demandado da titularidade de um direito que lhe permita recusar a entrega[17].
O autor tem, pois, que fazer a prova do seu direito, que o adquiriu em consequência de facto válido e eficaz. É, dada a dureza dessa prova, a chamada probatio diabolica.
Esta prova é feita nos termos gerais. Se o autor beneficia de uma presunção legal, o ónus dessa prova inverte-se, ficando o demandado onerado com o encargo da demonstração de que o autor não é titular do direito invocado (artº 350 nºs 1 e 2 do CPC). As presunções mais relevantes neste domínio são duas: a derivada da posse; a assente no registo predial (artºs 1268 nº 1 do Código Civil e 7 do Código de Registo Predial).
Se não beneficiar de uma presunção legal, e caso o demandado tenha contestado a titularidade pelo demandante do direito real invocado, este tem de se libertar do ónus da prova dessa titularidade. Sendo o facto aquisitivo meramente derivado, a prova dessa titularidade faz-se através da reconstituição da cadeia dos adquirentes anteriores até a uma aquisição originária: o autor tem de provar a validade dos factos translativos do direito até ao seu, quer dizer, a titularidade do direito na esfera jurídica dos transmitentes anteriores, até àquele que lhe transmitiu o seu direito.
Como é bem de ver, a actividade probatória que o reivindicante tem de desenvolver é extraordinariamente pesada, mas tem como limite uma aquisição originária. Demonstrando-se um facto aquisitivo originário – v.g., a usucapião – não há que recuar mais atrás, dado que esse é o momento da constituição do direito adquirido pelo autor. Isto só não é assim se o autor puder, ele mesmo, invocar um facto aquisitivo originário: neste caso, tudo se resume à demonstração do facto invocado como aquisitivo do direito alegado real de gozo alegado.
O recorte do perfil da acção de reivindicação torna patentes os fundamentos de que o demandado se pode socorrer para se lhe opor. Para além da impugnação da titularidade do direito invocado pelo reivindicante, poderá, simplesmente, sem negar o direito real de propriedade do autor, recusar o seu dever de entrega, com base em qualquer relação, real ou obrigacional, que lhe confira a posse ou a detenção da coisa ou lhe faculte a sua retenção.
A prova do direito – real ou de crédito – que legitima a recusa de restituição cabe ao demandado (artº 342 nº 2 do Código Civil).
Já se mostrou que as pretensões que caracterizam a reivindicação – o reconhecimento do direito de propriedade, de um lado, e a restituição da coisa, por outro – se resolvem numa cumulação meramente aparente de pedidos. Mas nada impede que o reivindicante cumule material ou realmente com esses pedidos, um pedido de reparação, por exemplo, do dano causado na coisa pelo demandado ou do valor de uso que dela fez (artº 470 nº 1 do CPC)[18].
O quotidiano judiciário mostra, na verdade que, em regra, a reivindicação não se salda com a mera restituição da coisa. A coisa que deve ser restituída pode ter sofrido danos causados pelo possuidor; este pode ter tirado dela vantagens que tenha de repor, ou ter realizado despesas com benfeitorias de que pretenda ser indemnizado. Assim, por exemplo, quem tiver sido ilicitamente privado do seu automóvel, não se limitará a pedir a restituição dele: exigirá, naturalmente, v.g., a indemnização pela quebra do valor do carro, a reparação do dano da privação do seu uso ou a compensação da despesa que o detentor poupou à custa dele.
No caso, os apelados cumularam, com o pedido específico da reivindicação, o pedido de reparação do dano patrimonial, que suportaram em consequência da ocupação pelos recorrentes da fracção autónoma, objecto mediato do contrato promessa.
Os apelados, sem impugnarem a titulares pelos apelantes do direito real invocado, negaram, porém, o dever de entregar a coisa objecto mediato daquele direito e a ilicitude da sua ocupação e, correspondentemente, qualquer dever de indemnizar resultante dessa detenção.
A licitude da detenção, pelos apelados, daquele bem resultaria do direito de gozo que adquiriram através do contrato promessa de compra e venda e da irrelevância da declaração de resolução dele que lhes foi dirigida pela autora.
Contrato promessa é o contrato pelo qual as partes, ou uma delas, se obrigado a celebrar novo contrato – o contrato definitivo (artº 410 nº 1 do Código Civil)[19].
Distinção relevante é a que separa o contrato promessa monovinculante e o contrato promessa bivinculante: no primeiro apenas uma das partes se encontra adstrita à obrigação de celebrar o contrato definitivo; no segundo essa obrigação vincula ambos os contraentes (artº 411 do Código Civil).
Do contrato promessa emergem simples prestações de facto jurídico positivo: a obrigação de celebrar o contrato definitivo prometido.
O contrato promessa não é causal da transmissão de nenhum direito real – mas também não é causal de entrega da coisa. Tal entrega, quando ocorre, tem de ser imputada a um outro acordo, de natureza atípica e obrigacional, genericamente admitido pelo princípio da autonomia privada (artº 405 nº 1 do Código Civil). Dado que não há qualquer tipicidade de contratos constitutivos ou translativos de direitos reais, também não há limites do mesmo tipo no tocante a contratos com eficácia possessória. Não há, portanto, qualquer obstáculo à inclusão no contrato promessa duma cláusula tendente à traditio da coisa prometida vender – nem, de resto, há qualquer impedimento a que, ao lado dum contrato, seja ele qual for, as partes celebrem um segundo acordo, especificamente destinado à entrega da coisa.
Foi, aliás, isso que sucedeu na espécie do recurso. Logo no contrato promessa o promitente vendedor autorizou os promitentes-compradores a ocupar o andar.
Neste caso, a entrega – tradição – da coisa atribui ao promitente-comprador, ao menos um direito pessoal de gozo, um direito de deter, de usar e de fruir a coisa traditada[20].
Na mesma cláusula em convencionaram a traditio da coisa, as partes logo acordaram também que caso os promitentes-compradores não pagassem as prestações mensais contratualizadas – estipuladas a título de sinal e princípio de pagamento – se constituiriam no dever de indemnizar o outro promitente pela ocupação abusiva do andar à razão mensal de 90 000$00.
A lei, justificadamente, proíbe ao credor, a renúncia prévia aos direitos que para si emergem do incumprimento do devedor (artº 809 do Código Civil). Porém, permite às partes a prévia fixação, por convenção, das consequências do incumprimento, através da pena convencional ou cláusula penal (artº 810 nº 1 do Código Civil).
A uma orientação tradicional que concebia a cláusula como modelo unitário e de função dupla – de fixar antecipadamente a indemnização e a de incentivar o devedor ao cumprimento, tornando, desse modo irrelevante a finalidade prosseguida pelas partes com a convenção correspondente – substituiu-se uma concepção diferenciada do instituto, que separa a cláusula penal em sentido estrito e a cláusula de antecipação do montante da indemnização a que, eventualmente, haja lugar[21].
No modelo diferenciado da cláusula penal há, pois, que destrinçar a cláusula penal em sentido estrito, ou cláusula penal proprio sensu - isto é, aquela que não é convencionada como reparação pelo dano do incumprimento, mas com um escopo estritamente coercitivo ou compulsório, acrescendo, por isso, à execução específica da obrigação ou à indemnização pelo seu não cumprimento - e a cláusula de fixação antecipada do montante da indemnização, quer dizer, aquela que visa apenas a liquidação antecipada, ne varietur, do dano futuro, do quantum respondeatur do devedor, designadamente em caso de não cumprimento.
Que neste contexto, perante uma determinada cláusula penal, é de importância crucial apurar qual foi, precisamente, a vontade das partes - se estabelecer uma cláusula penal (estrita) ou a liquidação antecipada do dano – é uma coisa que se compreende por si, visto que vários aspectos do respectivo regime dependerão, depois, da conclusão a que, sobre a natureza da cláusula se deva, em definitivo, chegar[22].
Concluindo-se que a cláusula deve ser entendida, por exemplo, com o sentido de simples liquidação antecipada da indemnização pelo não cumprimento – única espécie, que, de harmonia com a concepção diferenciada do instituto, é regulada no artº 810 nº 1 do Código Civil – segue-se, naturalmente, que ao credor, verificado o incumprimento, não assiste o direito de exigir a pena e a indemnização pelo não cumprimento. Desde que foi convencionada precisamente com o escopo de substituir a indemnização, a pena substitui essa indemnização ou é, ela mesma, a indemnização pelo dano resultante do não cumprimento. Só assim não será se se tiver convencionado a reparação do dano excedente, o mesmo é dizer, se se tiver estabelecido a pena, sem prejuízo do direito do credor de obter a reparação integral do dano resultante do não cumprimento, caso, naturalmente, o dano efectivo supere o valor fixado (artº 811 nº 1 do Código Civil).
O acordo tendente à traditio da coisa incluído num contrato promessa de compra e venda é compatível com o estabelecimento de cláusulas penais. A este propósito, o artº 801 nº 2 do Código Civil deve ser considerado supletivo.
No caso, do conteúdo da declaração das partes, alcança-se, sem particular esforço interpretativo, que não se trata de uma cláusula penal stricto sensu – mas de uma cláusula de fixação antecipada do montante da indemnização. Nitidamente, o escopo visado com a cláusula foi o de liquidar a indemnização e não compelir, qualquer das partes, ao cumprimento.
É axiomático que o credor não adquire o direito à pena pelo simples facto de a ter convencionado: há, evidentemente, que identificar a situação para que foi prevista e que exigir a verificação do evento a que as partes associaram o seu funcionamento. A pena pode, na verdade, ter sido convencionada para momentos ou aspectos patológicos diferentes do dever de prestar.
Impõe-se, por isso, averiguar se foi estabelecida, por exemplo, para o caso de simples retardamento na realização da prestação – caso em que se tratará de uma cláusula penal moratória – ou se foi convencionada para o não cumprimento, propriamente dito (artºs 804 nºs 1 e 2 e 811 nº 1 do Código Civil). Se a pena tiver sido estipulada como a indemnização do credor pelo dano do incumprimento definitivo, a simples mora não a torna exigível: a mora terá de ser convertida em incumprimento definitivo (artº 801 nº 1 e 808 nº 1 do Código Civil).
A convenção da pena não obsta a que o credor, verificados os necessários pressupostos, opte pela resolução do contrato de que aquela constitui cláusula acessória. Todavia, caso escolha a tutela disponibilizada pela resolução, e a menos que a pena tinha sido convencionada exactamente para esse caso, a pena não deverá acrescer à resolução. De um aspecto, porque a resolução do contrato implica a caducidade da pena, elemento acessório dele (artº 433 do Código Civil); de outro, porque a pena se destina a liquidar o dano e a indemnização do não cumprimento - e não o dano e a indemnização consequente à resolução, que, de harmonia com a orientação tradicional, se restringe ao interesse contratual negativo, ao dano que o credor não teria sofrido se o contrato não tivesse sido celebrado.
Na espécie do recurso, a cláusula de fixação antecipada da indemnização surge estipulada para o não cumprimento das obrigações de pagamento das prestações convencionadas a título de sinal e princípio de pagamento que, do contrato a que foi aposta, emergem para ambas as partes e não para o caso de resolução do contrato, e destina-se, dado o seu carácter, a substituir a indemnização resultante da ocupação ilícita, pelos promitentes-compradores, da coisa prometida vender.
Para recusar aos apelados o dever de entregar o andar e de lhe pagar a indemnização convencionada para o caso de ocupação de ilícita, os apelantes opuseram-lhes o direito de gozo que para eles emerge do contrato promessa e a irrelevância da declaração resolutiva produzida pelo promitente-vendedor.
De harmonia com a doutrina exposta, são os apelantes que estão vinculados à demonstração da existência e da subsistência do direito de gozo que, do mesmo passo, torna legítima a recusa de restituição da coisa e impede a sua constituição no dever de indemnização decorrente da ilicitude da detenção desse mesmo bem.
3.4. Pressupostos de resolução do contrato, em geral, e do contrato promessa de compra e venda, em particular.
Na espécie sujeita, os recorrentes e a recorrida vincularam-se, a vender e a comprar, respectivamente, por um preço, uma fracção autónoma de edifício. É, por isso, incontroverso que concluíram entre si um contrato promessa de compra e venda bivinculante, no qual esta e aqueles ocupam as posições jurídicas de promitente vendedor e de promitentes adquirentes, respectivamente (artºs 410 nº 1, 874, 879 a) e b) do Código Civil).
Apesar de se mostrar funcionalmente dirigido para a celebração de um outro contrato, o contrato promessa é, ele mesmo, um contrato a se e, portanto, deve ser pontualmente cumprido, só podendo modificar-se ou extinguir-se por consenso das partes ou nos casos admitidos na lei (artºs 405 nº 1 e 406 nº 1 do Código Civil).
Qualquer cessação do contrato, e salvo determinadas excepções legais, acarreta a extinção das obrigações dele emergentes, o mais das vezes complexas. A figura que deve ser isolada, dado o problema que o acórdão deve resolver, é a da resolução.
A resolução é uma forma condicionada, vinculada e retroactiva de extinção dos contratos: condicionada por só ser possível quando fundada em lei ou convenção; vinculada por requerer que se alegue e demonstre determinado fundamento e retroactiva por operar desde o início do contrato (artº 433 do Código Civil). Fala-se também por vezes em rescisão: esta equivale à resolução, sendo utilizada, preferencialmente, para designar a resolução fundada na lei.
Este esquema é meramente tendencial: a própria lei introduz algumas variantes, sendo certo que as partes, dentro de certos limites, podem também incluir adaptações. Assim, por exemplo, a resolução pode ser não retroactiva (artº 434 nº 2 do Código Civil). É o que sucede nos contratos de execução continuada e com trato sucessivo – v.g., os contratos de locação, de fornecimento e de seguro – em que a resolução não afecta as prestações já efectuadas, a não ser que a sua interligação com a causa resolutiva legitime uma resolução plena.
A resolução pode operar em casos previstos pelo contrato ou pela lei.
O caso mais nítido de resolução com base legal é o que ocorre perante o incumprimento definitivo do contrato: quando uma das partes não cumpra um contrato bivinculante - ou na expressão da lei, bilateral – tem a outra direito à resolução.
O Código Civil fala na resolução por incumprimento a propósito da impossibilidade culposa imputável ao devedor (artº 801 nº 1 do Código Civil). A ideia é a de que perante o incumprimento definitivo, o interesse do credor desvanece-se e o contrato é, juridicamente, impossível. Em qualquer caso, dúvida não resta de a lei visa, com aquela disposição, permitir a um contraente livrar-se de um contrato que o outro incumpriu.
A resolução por incumprimento implica o chamado incumprimento definitivo (artº 801 nº 1 do Código Civil). O não cumprimento simples apenas levaria à mora; só quando fosse ultrapassado o prazo razoavelmente fixado pelo credor ou, quando objectivamente, desaparecesse o interesse deste na prestação, se poderiam transcender as consequências da mora. O credor poderia, então, resolver o contrato, entre outras medidas, com relevo para a indemnização.
Há mora do devedor quando, por acto ilícito e culposo deste, se verifique um cumprimento retardado (artº 804 nº 2 do Código Civil). A mora é, portanto, o atraso ilícito e culposo no cumprimento da obrigação: existe mora do devedor, quando, continuando a prestação a ser possível, este não a realiza no tempo devido. Para se concluir que há mora do devedor, não basta, portanto, dizer que, no momento do cumprimento, aquele não efectuou a prestação devida; é ainda necessário que sobre ele recaia um juízo de censura ou de reprovação. Exige-se, portanto, a ilicitude e a culpa do devedor, embora, tratando-se de responsabilidade obrigacional, qualquer retardamento na efectivação da prestação seja, por presunção, atribuído a ilícito cometido com culpa pelo devedor (artº 799 nº 1 do Código Civil). Da mora do devedor emerge, como primeira consequência, uma imputação dos danos, constituindo-se aquele no dever na obrigação de reparar todos os prejuízos que, com o atraso, tenha causado ao credor (artº 804 nº 1 do Código Civil).
A regra estabelecida na lei é, portanto, a de que a mora do devedor não faculta imediatamente ao credor a resolução do contrato do qual emerge a obrigação que não foi pontualmente cumprida. Tendo a obrigação não cumprida por fonte um contrato bivinculante para que o credor possa resolvê-lo, libertando-se do seu dever de prestar, é necessário, em princípio, que a prestação da contraparte se tenha tornado impossível por causa imputável ao devedor (artº 801 nº 1 do Código Civil).
Só assim não será, acrescenta o mesmo Código, se, em consequência da mora, o credor perder o interesse que tinha na prestação, ou o devedor não a realizar dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor. Em qualquer destes casos, considera-se, também, para todos os efeitos, a obrigação não cumprida (artº 808 nº 1 do Código Civil)[23]. Quando isso ocorre, a mora é equiparada, para todos os efeitos, ao não cumprimento definitivo culposo, e, consequentemente, abre ao credor a porta da resolução do contrato (artºs 802 nº 2 e 801 do Código Civil).
A lei, porém, não se contenta, para facultar ao credor o remédio da resolução do contrato, com a simples perda subjectiva do interesse do credor na prestação em mora. A lei é muito mais exigente, reclamando, para que se produza esse efeito, que a perda do interesse na prestação seja apreciada objectivamente.
Não basta, portanto, que, por exemplo, o contraente alegue ter perdido o interesse que tinha na realização do contrato prometido definitivo; é indispensável que a perda seja justificada à luz de circunstâncias objectivas, quer dizer, segundo um critério de razoabilidade, próprio do comum das pessoas.
Portanto, a perda do interesse na prestação não pode assentar numa simples mudança de vontade do credor, sendo-lhe, por isso, vedado alegar, para fundamentar a resolução, o facto de, por virtude de o devedor se haver constituído em mora, o contrato definitivo não ser já do seu agrado; também não basta para fundamentar a resolução, qualquer circunstância que, segundo o juízo do credor, justifique a supressão da fonte da obrigação não cumprida na altura própria: devendo aquela perda ser valorada objectivamente, não é suficiente o critério subjectivo do credor[24].
E porque se exige, não simplesmente a diminuição ou redução do interesse do credor na realização da prestação, mas a perda absoluta, completa, desse interesse, esta só ocorrerá no caso de desaparecimento da necessidade do credor a que a prestação visava responder.
Nestas condições, a perda do interesse do credor significa o desaparecimento objectivo da necessidade que a prestação visava satisfazer. Se o credor já não tem interesse na prestação, o caso já não é em rigor de simples retardamento do cumprimento – mas de não cumprimento definitivo. Assim, não há que exigir ao credor que fixe ao devedor um prazo para o cumprimento, pois dada a sua falta de interesse, essa fixação não teria qualquer justificação: o credor pode recusar a prestação e exigir indemnização pelo não cumprimento, como se de qualquer outro não cumprimento definitivo se tratasse.
Por último, deve notar-se que o incumprimento definitivo surge não apenas quando for força da não realização ou do atraso na prestação o credor perca o interesse objectivo nela ou quando, havendo mora, o devedor não cumpra no prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor – mas igualmente nos casos em que o devedor declara expressamente não pretender cumprir a prestação a que está adstrito[25]. Quando tal ocorra, não se torna necessário que o credor lhe assine um prazo suplementar para haver incumprimento definitivo: a declaração do devedor é suficiente, por exemplo, no caso em que, sem fundamento, resolve o contrato[26], ou afirma de forma inequívoca, que não realizará a sua prestação[27].
Abstraindo dos casos em que a mora faz desaparecer o interesse do credor na prestação, há que considerar toda uma constelação de situações em que não seria razoável forçar o credor a esperar indefinidamente o cumprimento, i.e., a realização da prestação devida. A lei, sensível à injustiça da situação, concede ao credor a faculdade de, relativamente ao devedor constituído em mora, lhe fixar um prazo razoável, peremptório e suplementar, dentro do qual deverá cumprir sob pena de extinção, por resolução, do contrato (artº 808 nº 1, 2ª parte, do Código Civil). Trata-se da interpelação ou intimação cominatória que pode conduzir à extinção do contrato se a obrigação não for satisfeita dentro do prazo razoável nela fixado (artº 801 nºs 1 e 2 do Código Civil).
Este remédio que a lei disponibiliza ao credor tem directamente em vista os casos em que não tenha sido estipulada uma cláusula resolutiva ou um termo essencial ou em que o credor não possa alegar, de modo objectivamente fundado, a perda, por efeito da mora, do interesse na prestação.
A interpelação admonitória, com fixação de um prazo peremptório para o cumprimento, resolve-se, portanto, numa intimação formal, dirigida ao devedor incurso em mora, para que cumpra, dentro do prazo assinado, sob esta pena grave: considerar-se definitivo o seu não cumprimento.
Aquela interpelação desdobra-se, analiticamente, em três elementos: a intimação para o cumprimento; a fixação de um terminus ad quem peremptório para esse cumprimento; a cominação – declaração admonitória – de que a obrigação se considera definitivamente não cumprida se a realização da prestação devida se não verificar dentro do prazo assinado[28].
A interpelação admonitória é nitidamente uma declaração receptícia e, por isso, torna-se definitiva e irrevogável logo que chega ao poder do devedor ou dele é conhecida, e, como regra, a partir desse momento, ao credor já não é lícito exigir o cumprimento (artº 224 do Código Civil).
A lei é terminante na declaração de que o prazo fixado pelo credor deve ser razoável. É intuitivo que a razoabilidade do prazo variará em função da natureza da prestação. Sem pretensão de formulação de uma regra de valor universal, dir-se-á que o prazo é razoável se, em face das circunstâncias concretas, tendo em conta a regra de cooperação intersubjectiva representada pela boa fé, permitir ao devedor a realização da sua prestação (artº 762 nº 2 do Código Civil)[29]. Deve, portanto, ser um prazo suficiente para que o devedor cumpra e, simultaneamente, que não prejudique ou importe o desaparecimento do interesse do credor na prestação. O devedor pode, naturalmente, de modo a evitar as consequências que a lei assinala ao não cumprimento definitivo, discutir posteriormente em tribunal a razoabilidade do prazo. Caso se lhe dê razão, nem por isso se ressuscita uma relação extinta: a sentença limitar-se-á a declarar a subsistência da relação anterior em virtude da ineficácia a declaração admonitória anterior e da consequente declaração de resolução.
Tudo isto deve, porém, ser lido à luz desta consideração: a interpelação admonitória pressupõe que o credor ainda não tenha perdido o interesse no cumprimento. Se o credor perdeu já, objectivamente, o interesse da prestação, se esse interesse já desapareceu, não faz sentido assinalar ao devedor qualquer prazo suplementar para o cumprimento, uma vez que a realização da prestação dentro desse prazo já não serve o interesse do credor em vista do qual se convencionou a prestação.
A lei civil substantiva fundamental portuguesa adopta no tocante à resolução do contrato um sistema declarativo: a resolução opera por simples declaração à outra parte, portanto, sem necessidade de intervenção constitutivo-condenatória do tribunal. Por outras palavras, a resolução opera ope voluntatis e não ope judicis (artº 436 nº 1 do Código Civil). A natureza potestativa da declaração de resolução imprime-lhe as características da unilateralidade recipienda, da irrevogabilidade, da incondicionalidade e da concretização dos respectivos fundamentos (artºs 224 nº 1, 1º parte, e 230 nº 1 do Código Civil).
Essa declaração não está sujeita a forma especial, ainda que o contrato a cuja resolução se dirige o esteja[30] e, por isso, pode ser meramente tácita (artº 217 nºs 1 e 2 do Código Civil). A declaração negocial da qual resulta a resolução do contrato pode ser expressa, afirmando a parte peremptoriamente que pretende a resolução; mas pode também ser meramente tácita, o que ocorrerá com a declaração na qual a parte que a emite não afirma claramente que tem a intenção de extinguir o contrato, mas de que se deduza que é esse o seu propósito. Assim, por exemplo, a reclamação da entrega da coisa vendida a prestações por parte do vendedor consubstancia, tacitamente, numa declaração de resolução do contrato[31].
A exigência de um incumprimento definitivo, para que, no contrato promessa, se facultasse ao promitente fiel a resolução dele, era uma conclusão para qual, até às modificações a que foi sujeito pelo DL nº 379/86, de 11 de Novembro, nenhuma dúvida, por menos razoável que se apresentasse, podia ser oferecida (artº 442 nºs 2 e 3 do Código Civil). Porém, em face da fisionomia que aquele diploma legal lhe imprimiu, bem pode duvidar-se da exactidão daquela solução. Não falta, na verdade, quem admita a possibilidade de o contraente fiel recorrer ao regime do sinal ou da valorização da coisa objecto mediato do contrato definitivo prometido – que, em princípio, determina a resolução do contrato[32] – sem se verificarem os pressupostos do incumprimento definitivo; neste caso, porém, a resolução é puramente condicional, dado que se faculta ao outro contraente a invocação da excepção do cumprimento do contrato[33]. Mas do mesmo passo, também não falta quem obtempere que a exigência do sinal é formalmente compatível com o pressuposto do incumprimento definitivo – a excepção do cumprimento só é excluída, no caso de o promitente fiel ter, em consequência da mora, perdido o interesse na prestação, ou na falta do cumprimento no prazo suplementar assinado pelo credor - e que, caso fosse suficiente a simples mora, não se justificaria a concessão expressa ao promitente remisso da excepção do cumprimento, uma vez que o oferecimento da prestação pelo devedor sempre seria admissível como meio de purgar a mora, e que, conclua, portanto, que só o incumprimento definitivo faculta a resolução do contrato e a exigência ao promitente faltoso do sinal em dobro[34].
Como já se observou, do contrato promessa emergem, tipicamente, prestações de facto jurídico positivo.
Trata-se, caracteristicamente, de direitos de crédito. Podem, por isso, ser violados por quaisquer perturbações provocadas pelo devedor, em especial, através do incumprimento.
Face à situação patológica da prestação causada pelo devedor com a violação da obrigação correspondente, a ordem jurídica comina-lhe sanções que podem ser reconstitutivas – v.g. a resolução do contrato ou a execução específica das obrigações que dele emergem – ou compensatórias, como por exemplo, a indemnização por danos patrimoniais e, de harmonia com a doutrina que se tem por exacta, e não patrimoniais.
Como é natural, a resolução do contrato pode também originar danos para o credor, resultantes do comportamento ilícito e culposo do devedor, radicados na extinção do contrato, consequente ao incumprimento (artºs 801 nº 2, 802 nº 1 e 808 nº 1 do Código Civil).
Se a conjunção da resolução do contrato promessa com a indemnização não oferece dúvida, há, porém que proceder à delimitação precisa do objecto dessa indemnização
Toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente vendedor a título de antecipação do preço presume-se ter o carácter de sinal (artº 441 do Código Civil).
Se quem constituir o sinal deixar de cumprir a obrigação, por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; se o incumprimento for assacável a quem recebeu o sinal, tem o ou outro contraente a faculdade de exigir o dobro do que lhe prestou (artº 442 nº 2 do Código Civil). Na ausência de convenção contrária, no caso de perda do sinal ou do seu pagamento em dobro, não há lugar, com fundamento no não cumprimento do contrato promessa, a qualquer outra indemnização (artº 442 nº 4 do Código Civil).
O regime de resolução exposto é o que se funda na lei – resolução legal. Mas o direito de resolução pode simplesmente fundar-se no contrato – resolução convencional. A cláusula contratual que prevê o direito de resolução recebe o nome de cláusula resolutiva expressa.
No caso, os contraentes da promessa convencionaram que o não pagamento das prestações acordadas implicaria automaticamente a resolução do contrato e a perda de todas as quantias entregues pelos promitentes adquirentes. Trata-se, nitidamente, de uma cláusula resolutiva que teve em vista estabelecer que determinado incumprimento será considerado grave e constituirá fundamento de resolução, eliminando assim, de antemão, qualquer dúvida ou incerteza quanto à importância desse incumprimento e subtraindo esse ponto a uma eventual apreciação do juiz. A sua função foi justamente de regular o regime do incumprimento, mediante a definição de qualquer modalidade deste para os fins de resolução.
E foi exactamente com base nessa convenção que a recorrida declarou resolver o contrato promessa, declaração de que deu notícia aos recorrentes. Porém, estes, logo na contestação, defenderam-se invocando a ilicitude da declaração por ausência do fundamento convencionado: a falta de pagamento das prestações acordadas.
Questão que não tem sido objecto da atenção detida da doutrina é a de saber qual a consequência jurídica de uma resolução indevida, i.e., sem fundamento, legal ou convencionado.
A solução que deve ter-se por exacta obriga a um distinguo, consoante o resolvente tem ou não o direito de por termo ao contrato mediante uma denúncia ad nutum, embora, eventualmente, o faça sem pré- aviso. No primeiro caso, a resolução sem fundamento, ao menos na maioria dos casos, deve ser equiparada a uma denúncia sem pré-aviso; no segundo caso, a resolução será ineficaz, por não ter, juridicamente, fundamento e o resolvente não dispor do direito potestativo correspondente[35].
Se a relação contratual, cuja resolução foi declarada ilícita, ainda pode ser executada, não obstante esta declaração de vontade ter efeito extintivo, o vínculo obrigacional subsiste. A declaração de ilicitude da resolução e a consequente obrigação de reconstituir a situação que existiria implica a manutenção do contrato. A subsistência do vínculo ilicitamente resolvido depende, em todo o caso, do preenchimento de três pressupostos: o cumprimento das prestações ainda é possível; a parte lesada tem interesse na execução do contrato; essa execução não é excessivamente onerosa para quem o resolveu ilicitamente.
Para a questão que nos ocupa tudo está, portanto, em saber se a declaração de resolução do contrato deve ou não ser considerada eficaz. Se a resposta for afirmativa, aquela resolução opera a extinção, designadamente, do direito de gozo emergente, para os recorrentes, do contrato, com a consequente ilicitude da ocupação, por aqueles, do andar e sua adstrição ao dever de indemnizar o dano decorrente dessa ocupação; se a resposta for negativa, a absolvição dos recorrentes do pedido de indemnização é meramente consequencial.
A conclusão pela eficácia ou ineficácia da resolução está na dependência da demonstração da ausência do seu fundamento e, correspondente, na extinção ou subsistência do direito de gozo que legitima a ocupação.
Como é aos recorrentes que incumbe a prova da existência ou da subsistência desse direito de gozo, são eles que se encontram adstrito ao ónus de provar que procederam ao pagamento das prestações e que, portanto, não se verifica o fundamento de resolução convencionado, com a correspondente ineficácia da declaração de resolução.
A sentença apelada concluiu – ainda que por razão diversa – que o ónus da prova do pagamento das prestações convencionadas no contrato promessa cabia aos recorrentes e que, não tendo sido feita essa prova, por intervenção da regra de julgamento representada pelo ónus da prova, haveria que resolver contra eles a questão de facto correspondente.
Mas esta decisão, sustentam os recorrentes decorre, dum error in judicando, pelo tribunal recorrido, da matéria de facto relevante.
3.5. Pressupostos da modificação da decisão da 1ª instância relativa à matéria de facto e reponderação dessa decisão.
A apelação destina-se também a facultar o controlo da decisão do tribunal de 1ª instância relativamente à matéria de facto e, pode, de resto, ter por único fundamento, um error in judicando dessa matéria.
É indiscutível a afirmação de que, a par da utilização de um processo justo e da escolha e interpretação correctas da norma jurídica aplicável, um dos fundamentos de uma decisão justa é o da verdade na reconstituição dos factos objecto do processo.
De nada vale ao juiz uma compreensão exacta da norma aplicável ao caso se, do mesmo passo, se deixa equivocar na apreciação da matéria de facto. O error in judicando da questão de facto traz consigo, inevitavelmente, um erro de direito; erro esse que, nem por ter aquela causa, resultará menos sensível para os destinatários lesados.
A reconstrução da espécie de facto, o saber na realidade como as coisas são ou se passaram, quando este conhecimento dependa de elementos de prova cuja apreciação é deixada ao prudente critério do juiz, é uma actividade extraordinariamente delicada – que ele terá de levar a cabo sem nenhuma ou quase nenhuma ajuda, pode dizer-se, da ciência do direito, que, nada ou quase nada, lhe pode dizer[36].
As dificuldades do controlo da exactidão do julgamento da questão de facto resultam, fundamentalmente, da falta de homogeneidade da assunção das provas pelo tribunal de 1ª instância e pela Relação e da natureza da actividade de julgamento da questão de facto.
Durante largos anos prevaleceu entre nós uma errónea parificação entre a oralidade e proibição do registo do acto levado a cabo oralmente. O equívoco é manifesto: mesmo quando os actos de produção de prova pessoal são objecto de registo, o juiz a quo não deixa de os receber oralmente e é nessa base que os valora, sendo o seu registo mera formalidade complementar.
Oralidade não é, portanto, sinónimo de exclusão de registo, no sentido de proibição de todos os actos que tenham lugar oralmente fiquem registos, a servir, por exemplo, fins de controlo de assunção da prova, maxime em matéria de recursos.
Isto foi esquecido pelo legislador do nosso CPC de 1939, ao tomar o princípio da oralidade como base justificativa da impossibilidade de se fazer registo da prova prestada em julgamento[37]. A combinação desta circunstância com o facto de, por um lado, o sistema de recursos ser o da escrita, com absoluta exclusão da oralidade, e, por outro, haver tribunais de recurso – por exemplo, a Relação – que conhecem também da questão de facto, tornava o sistema absurdo, por dar como uma mão – possibilidade de recurso da decisão da matéria de facto – aquilo que tirava com a outra – proibição de registo da produção oral da prova.
A Relação é normalmente um tribunal de 2ª instância. Pela sua própria índole, a Relação tem competência para apreciar e conhecer tanto de questões de direito como de questões de facto. O recurso de apelação é precisamente aquele que, segundo a sua natureza de recurso amplo, deveria ter eficácia e alcance para submeter à consideração da Relação toda a matéria da causa.
Todavia a verdade é que, até há relativamente pouco tempo, o recurso que se interpusesse da sentença final da causa, incidia, em regra, unicamente sobre questões de direito, funcionando, por isso, a Relação também como tribunal de revista (artº 712 do CPC de 1939).
Absurdo ou não o sistema foi com ele que viveu, durante décadas, o direito processual português.
A atribuição ao recurso de apelação da natureza de recurso verdadeiramente global e, correspondentemente, a possibilidade de a Relação conhecer da matéria de facto, pressupõe que a esse Tribunal são garantidas, pelo menos, as mesmas condições que são asseguradas ao tribunal recorrido.
O sistema actual de recursos procurou conciliar as garantias da oralidade e da imediação – que contribuem decisivamente para o bom julgamento da causa, em especial, no que se refere à apreciação da matéria de facto – com algumas exigências práticas.
Estas exigências conduzem, por exemplo, a que o controlo sobre um decisão relativa ao julgamento de um facto supostamente provado pelo depoimento de uma testemunha, não requeira a presença dessa testemunha perante o tribunal ad quem. É suficiente, na lógica da lei, que seja disponibilizado a este tribunal o registo ou a gravação desse depoimento (artº 690-A nºs 1 b) e 2 e 712 nºs 1 a) e b) e 2 do CPC).
O registo dos actos de produção da prova é feito por gravação, em regra, por meios sonoros (artºs 522-B e 522 C) nºs 1 e 2 do CPC). Essa gravação é efectuada, também em regra, por equipamentos existentes no tribunal e por funcionário de justiça (artºs 3 nº 1 e 4 do DL nº 39/95, de 15 de Fevereiro).
O controlo efectuado pela Relação sobre o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal da 1ª instância, pode, entre outras finalidades, visar a reponderação da decisão proferida.
A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar – e, portanto, substituir - a decisão da 1ª instância se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de facto da matéria em causa ou se, tendo havido registo da prova pessoal, essa decisão tiver sido impugnada pelo recorrente ou se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por qualquer outra prova (artº 712 nºs 1 a) e b) e 2 do CPC).
Note-se, porém, que não se trata de julgar ex-novo a matéria de facto - mas de reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, de aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in judicando[38].
Mas para que a Relação altere e, portanto, substitua, a decisão da matéria de facto da 1ª instância não é suficiente um qualquer erro. Este erro há-de ser manifesto, ostensivamente contrário às regras da ciência, da lógica e da experiência, que aponte, decisiva e inequivocamente, para, o julgamento do facto, um sentido diverso daquele que lhe imprimiu o decisor da 1ª instância - e não, simplesmente, que se limite a sugerir ou a tornar provável ou possível esse outro sentido[39].
Nem, aliás, é difícil explicar a exactidão de um tal entendimento dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto que a lei adjectiva actual reconhece à Relação.
De um aspecto, porque esse controlo e a reponderação correspondente da matéria de facto é efectuado, em regra, a partir da reprodução de registos sonoros, rectior, gravações áudio, de depoimentos, ou da leitura fria e inexpressiva da sua transcrição. Ora, é irrecusável que depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode alguma vez ser medido pelo tom em que foram proferidos; a palavra é simultaneamente um meio de exprimir conteúdos de pensamento e de os ocultar; todas as formas de comunicação não verbal do depoente influem, quase tanto como a sua expressão oral, na força persuasiva do seu depoimento[40]. Existem aspectos e reacções dos depoentes que apenas podem ser apreendidos e apreciados por quem os constata presencialmente e que a gravação sonora, e muito menos a transcrição, não tem a virtualidade de registar e que, por isso, são irremissivelmente subtraídos à apreciação do último tribunal relativamente ao qual ainda seja lícito conhecer da questão correspondente[41]. Tratando-se de prova pessoal, rectius, testemunhal, o registo – sonoro ou escrito - comporta o risco de tornar formalmente equivalentes declarações substancialmente diferentes, de desvalorizar depoimentos só aparentemente imprecisos e de atribuir força persuasiva a outros que só na superfície dela dispõem.
Constitui património comum dos operadores judiciários a extraordinária cautela com que deve ser manejada a prova testemunhal, dado o perigo da sua infidelidade, seja ela involuntária – v.g., por erro de percepção ou de retenção do facto – ou voluntária – por vício de parcialidade.
Considerada a enorme variedade de causas que podem dar lugar a que a testemunha não possa ou não queira dizer a verdade, deve usar-se de grande cautela em relação a esta prova e só a sua valoração sob o signo estrito da oralidade e da imediação permite estabelecer, adequadamente, o efeito persuasivo que, em cada caso, lhe deve ser assinalado. De resto, só aquele princípio e este seu corolário são comprovadamente adequados a extirpar um dos maiores males da prova testemunhal: a mentira.
Dadas todas as possíveis causas de erro que actuam sobre a prova testemunhal, é natural um atitude de desconfiança e desânimo por parte de quem se vê forçado a decidir sobre a base de semelhante prova e uma atitude de desconforto por banda de quem tem de controlar uma decisão assente numa prova a que se associa uma tão larga falibilidade. O desencanto é tanto mais lamentável quanto é certo que na prática dos tribunais a prova por testemunhas vem à cabeça de todas as outras, é a prova de uso mais frequente porque é, na maioria dos casos, a única que se pode produzir.
A decisão da matéria de facto, respeita, por definição, à averiguação de factos – i.e., a ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos, a qualquer mudança do mundo exterior, ao estado, qualidade ou situação real das pessoas e coisas[42] – e o resultado dessa actividade pode exprimir-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa. Todavia, essa actividade não se traduz num juízo silogístico-formal de subsunção, não é uma operação pura e simplesmente lógico-dedutiva – mas uma formação lógico-intuitiva. A dificuldades que daqui decorrem para o controlo dessa actividade são meramente consequenciais.
Por último, convém ter presente que o controlo da matéria de facto tem por objecto uma decisão tomada sob o signo da livre apreciação da prova, atingida de forma oral e por imediação, i.e., baseada num audiência de discussão oral da matéria a considerar e numa percepção própria do material que lhe serve de base (artºs 652 nº 3 e 655 nº 1 do CPC)[43].
Decerto que liberdade de apreciação da prova não é sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade e, portanto, que essa apreciação há-de ser reconduzível a critérios objectivos: a livre convicção do juiz, embora seja uma convicção pessoal, não deve ser uma convicção puramente voluntarista, subjectiva ou emocional – mas antes uma convicção formada para além de toda a dúvida tida por razoável e, portanto, capaz de se impor aos outros. Mas não deve desvalorizar-se a circunstância de essa convicção sobre a realidade ou a não veracidade do facto provir do tribunal mais bem colocado para decidir a questão correspondente.
O procedimento desenvolvido para estabelecer os factos sobre os quais o tribunal deve construir a sua decisão não é puramente cognitivo, o que explica a inevitável relatividade da certeza histórica de um facto que a prova disponibiliza.
Contudo, esse procedimento, na medida em que assenta num esquema lógico, permite estabelecer uma regra de valoração da prova que se analisa nas proposições seguintes: a valoração da prova é uma operação mental que resolve num silogismo em que a premissa menor é a fonte ou o meio de prova – o depoimento, o documento, etc. - a premissa menor é uma máxima de experiência e a conclusão é a afirmação da existência ou a inexistência do facto que se pretendia provar; as regras de experiência são juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos. Deste ponto de vista, a única diferença entre um sistema de prova livre e um sistema de prova legal, consiste no facto de na última, a máxima de experiência, que constitui a premissa menor do silogismo, ser estabelecida ou objectivada pelo legislador, ao passo que, no primeiro, se deixa ao juiz a determinação da máxima de experiência que deve aplicar no caso. Em ambos os casos, o método de valoração da prova não deve ser contrário à lógica, devendo antes ser actuado de harmonia com um critério de normalidade jurídica, derivado do id quod plerumque accidit, daquilo que normalmente sucede[44].
Nestas condições, a apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference. Os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis[45].
O juiz deve decidir segundo um critério de minimização do erro, i.e., segundo a ponderação de qual das decisões possíveis – a realidade ou a inveracidade de um facto – tem menor probabilidade de não ser a correcta.
É, portanto, à luz destes parâmetros de controlo que a lei assinala à Relação que deve ser reponderado o julgamento da matéria de facto.
3.5.1. Reponderação do julgamento da matéria de facto.
Os pontos de facto que os recorrentes reputam de mal julgados são os insertos nos pontos 8º e 10º da base instrutória no qual se quesitava se os réus procederam ao pagamento de todas as prestações estipuladas, designadamente as relativas aos meses Maio a Julho de 2004 e se os réus pagaram à autora as prestações relativas aos meses de Agosto a Setembro de 2004, respectivamente.
O tribunal da audiência julgou estes pontos de facto não provados. Segundo, porém, os recorrentes, o decisor da 1ª instância incorreu, nesta resposta, num erro de julgamento, por equívoco na apreciação da prova.
A prova que, segundos os apelantes, inculca decisão diversa da encontrada, para aqueles pontos de facto pelo pelo tribunal da audiência, é o depoimento da testemunha H…………., mãe do réu.
A reprodução do registo sonoro do depoimento desta testemunha mostra, efectivamente, que esta declarou que a nora (a apelante) muitas vezes levava dinheiro à mãe (da autora), que entreguei (a depoente), dinheiro à mãe (da autora) e que ia com a nora ao banco e ela depositava. A mesma testemunha asseverou ainda que foram pagos 200 contos para pagar a contribuição e que o filho podia atrasar-se e quando ele não podia, tinha eu. Todavia, para mal dos recorrentes, a mesma testemunha declarou que assistiu a uma conversa em que o filho disse que enquanto não tivesse recibos, não pagava mais nada, que o filho começou a exigir o recibo e que ela (a autora) disse que não, deixaram de pagar.
Portanto, este depoimento não persuade, devidamente apreciado, da realidade do facto do pagamento, antes inculca o facto do não pagamento. De resto, convergem no mesmo sentido os depoimentos das testemunhas K…………., amiga da autora, J………….., mãe da autora, I……………., companheiro da autora e L………….., colega de trabalho da autora, que asseguraram que, a dado momento, os réus deixaram de pagar as prestações.
Nestas condições, não há motivo para que se conclua que, ao julgar não provados os referidos enunciados de facto, o decisor da 1ª instância tenha incorrido em um erro lógico, em uma contradição material ou tenha violado regras da vida e da experiência.
Todas as contas feitas, é lícito assentar-se nisto: apesar da refracção provocada pela distância entre este tribunal e as provas e o modo como delas conheceu, não há motivo para que se conclua que a decisão da matéria de facto, objecto de impugnação pelos recorrentes, contém um error in judicando e, portanto, para modificar esse julgamento.
3.6. Indemnização do dano patrimonial.
Como os recorrentes não demonstraram o referido acto de pagamento, ao promitente-vendedor, de harmonia com convenção expressa, assistia o direito potestativo de o resolver e, portanto, a declaração de resolução é eficaz. A eficácia da declaração de resolução provocou a extinção designadamente do direito de gozo que para os apelantes emergiu do referido contrato, tornando ilícita, a partir do momento, em que a declaração de resolução chegou ao seu conhecimento, a ocupação da fracção prometida vender.
A violação de direito de outrem que releva como fonte do dever de indemnizar requer uma conduta ilícita e dolosa ou culposa, stricto sensu, do infractor (artº 483 nº 1 do Código Civil). A ilicitude do comportamento do lesante reparte-se por elementos objectivos e subjectivos. O elemento objectivo afere a ilicitude da conduta pela sua correspondência com a tipicidade prevista no artº 483 nº 1 do Código Civil: a conduta é ilícita se dela resulta, v.g., a violação de direito de outrem; o elemento subjectivo valora a ilicitude da conduta pelo conhecimento e vontade do infractor na ofensa do direito de outrem, isto é, pelo dolo ou negligência do ofensor. A conduta deste é ilícita se dela resulta a violação do direito de outrem e se actuou como dolo ou negligência. Da ilicitude da conduta dessa conduta comparticipam, portanto, o desvalor do resultado, traduzido na violação do direito, e o desvalor da acção que decorre da actuação dolosa ou negligente do infractor. A culpa decorre de um juízo de censurabilidade sobre a conduta do agente, em cuja formulação devem ser consideradas as condições que justificam que lhe seja dirigida essa censura: a censurabilidade da conduta é uma apreciação do desvalor que resulta do reconhecimento de que o infractor, nas circunstâncias concretas em que actuou poderia ter conformado a sua conduta de modo a evitar a lesão do direito de terceiro, cujo respeito lhe era exigível nesses mesmos condicionalismos.
Na espécie sujeita, não oferece dúvida a conclusão de que os réus actuaram ilicitamente – dado que violaram, com dolo, o direito real de propriedade dos apelados sobre o mencionado bem – e com culpa – uma vez que no contexto em que actuaram lhes era exigível uma motivação em conformidade com o dever-ser que lhe era imposto, de não atentar contra aquele direito.
De harmonia com o princípio que a responsabilidade civil só intervém relativamente a comportamentos humanos e se exige, para a constituição do dever de indemnizar, um resultado, há sempre que verificar não apenas se esse resultado se produziu, como também se ele pode ser atribuído – imputado - à conduta.
É a exigência de um relacionamento ou de uma conexão dessa conduta com o evento a que se procura dar resposta com a causalidade.
Uma orientação que tem merecido um apoio generalizado é a da causalidade adequada ou da causalidade jurídica sob a forma de adequação - que tem por finalidade evidente a limitação da imputação do resultado às condutas das quais deriva um perigo idóneo da sua produção - que, simplificadamente, pode formular-se assim: um facto é causa de um resultado, sempre que, em termos de normalidade social, seja adequado a produzir esse resultado (artº 563 do Código Civil)[46].
Qualquer que seja o escopo preciso que, em definitivo, se deva assinalar á responsabilidade civil[47], é inquestionável que esta visa, fundamentalmente, a reparação do dano, juridicamente entendido como a diminuição duma situação favorável que estava protegido pelo Direito[48]. A responsabilidade civil depende tenazmente da existência de dano: a supressão deste assume-se, por isso, como o seu escopo primordial[49].
É ao lesado que cumpre a prova do dano (artº 342 nº 1 do Código Civil). Caso não consiga libertar-se do encargo dessa prova, intervém a regra de julgamento representada pelas normas sobre a distribuição do ónus da prova: a questão de facto correspondente é resolvida contra o lesado (artº 516 do CPC).
A obrigação de indemnização visa a remoção do dano imputado ao respectivo sujeito (artº 562 do Código Civil). A medida da indemnização é, simplesmente, a do dano. O respectivo montante pode, todavia, variar consoante a imputação delitual opere por ilícito doloso ou por ilícito negligente (artº 494 do Código Civil).
A indemnização pode ser específica ou pecuniária. A lei civil fundamental portuguesa revela uma nítida preferência pela indemnização específica, considerada mais perfeita do ponto de vista da reparação do dano. Este deve ser reparado mediante a reconstituição, restauração ou reposição natural meio mais eficaz de obter o escopo visado com a obrigação de indemnização: a remoção do dano real (artº 566 nº 1 do Código Civil)[50].
Se, porém, a reconstituição natural não foi possível, se mostrar insuficiente para reparar a totalidade do dano ou for excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização deve ser fixada em dinheiro (artº 566 nº 1 do Código Civil)[51].
Com o escopo de facilitar a determinação da indemnização pecuniária, a lei estatui que esta se mede pela diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existisse o dano (artº 566 nº 2 do Código Civil). A finalidade conspícua é sempre a remoção do dano, resultado que se atinge se o lesado receber uma soma com a qual possa agora conseguir as mesmas vantagens e utilidades que o facto constitutivo da responsabilidade lhe fez perder. Computando-se o dano como uma diferença no património, segue-se que se trata de uma grandeza que evolui a todo o momento e, portanto, para se conseguir um resultado quanto possível perfeito, deve tomar-se por base o último momento possível[52].
O lesado pode optar entre a restauração natural e a indemnização em dinheiro, não tendo o devedor o direito de indemnizar mediante reposição natural. Se o lesado optar pela indemnização em dinheiro, poderá recusar a indemnização por reconstituição natural que o responsável queira prestar-lhe, a não ser que a recusa seja contrária à boa fé. Optando o lesado pela reconstituição natural, a indemnização deverá ser fixada em dinheiro, sempre que, v.g., a restauração natural se mostrar excessivamente gravosa para o obrigado[53].
A partir do exacto momento em que a declaração de resolução se tornou eficaz e, consequentemente, operou a extinção do direito de gozo que para os recorrentes emergia do contrato promessa, os apelantes deixaram de ter qualquer título de ocupação do andar, violando, de forma ilícita, o direito real de propriedade sobre ela. Esta violação é adequada a provocar danos.
Todavia, a conclusão da ressarcibilidade deste dano pressupõe a resolução do decantado problema da reparabilidade do dano da privação do uso, debatido sobretudo a propósito da responsabilidade civil automóvel.
Realmente, o problema da ressarcibilidade do dano da privação do uso está longe de merecer uma resposta jurisprudencial acorde. Desde logo quanto à exacta natureza desse dano: enquanto algumas decisões sustentam que se trata de um dano não patrimonial[54], outras concluem pela sua patrimonialidade[55].
A distinção entre o dano patrimonial e não patrimonial assenta na natureza do interesse afectado, sendo, por isso, possível que da violação de direitos patrimoniais resultem danos não patrimoniais, da mesma maneira que da violação de direitos ou bens de personalidade podem derivar danos patrimoniais.
A privação de uso de um bem pode, portanto, dar origem tanto a um dano patrimonial como a um dano não patrimonial; quando ocorra esta última espécie de dano, ele será indemnizável de harmonia com os critérios específicos de valoração e mensurabilidade desse tipo de dano.
Contudo, a clivagem jurisprudencial, não se limita à qualificação da natureza do dano de privação do uso.
Mesmo quando se aceita a sua patrimonialidade, verifica-se uma nítida fractura entre as decisões para as quais basta, para que seja reparável, a demonstração do não uso do bem atingido[56] – e aquelas que julgam insuficiente essa demonstração, sendo ainda necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial[57].
A privação do uso de um bem constitui, por si, dano patrimonial, visto que constitui lesão do direito real de propriedade correspondente, traduzida na exclusão de uma das faculdades de que ao proprietário é lícito gozar: a de uso e fruição da coisa (artº 1305 do Código Civil). O uso de um bem constitui uma situação favorável que o direito amplamente tutela: a supressão dessa faculdade constitui, juridicamente, um dano.
O acto de terceiro que torne materialmente indisponíveis as utilidades que é possível extrair desse bem – que têm, naturalmente, uma expressão pecuniária - deve ser encarado como um dano que, como tal, deve ser objecto de reparação adequada (artº 483 nº 1 do Código Civil).
Decerto, que muitas vezes será difícil, por recurso à teoria da diferença, mensurar esse e dano e a indemnização que lhe deve corresponder. Mas esta dificuldade não é intransponível: nesta conjuntura sempre restará a tribunal a ultima ratio de julgamento representada pela apreciação equitativa do valor do dano (artº 566 nº 3 do Código Civil)[58].
No caso do recurso, não se coloca este último problema visto que as partes procederam à liquidação antecipada da indemnização decorrente da ilicitude da ocupação pelos recorrentes da ocupação da fracção.
Uma decisão que recusasse a reparação deste dano é que, de todo, careceria de juridicidade, dado que importaria o aproveitamento gratuito, pelos apelantes, das utilidades de um bem que, de harmonia com a ordenação e atribuição do sistema jurídico, apenas é normativamente permitido a outrem: os recorridos. A condenação dos recorrentes na reparação daquele dano dá, assim, inteira satisfação a estas duas máximas de justiça: neminem laedere; suum cuique tribuere – obsta a que os apelados fiquem com um prejuízo; dá-lhes, ainda que por equivalente, aquilo que é seu.
As considerações que se prodigalizaram permitem esta derradeira conclusão: o recurso não merece provimento.
Esta conclusão prejudica, naturalmente, o conhecimento do recurso subsidiário ou condicional dos recorridos (artº 660 nº 2 do CPC).
Os recorrentes deverão suportar, porque sucumbem no recurso, as respectivas custas (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC).
4. Decisão.
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes.

Porto, 09.10.13
Henrique Ataíde Rosa Antunes
Ana Lucinda Mendes Cabral
Maria do Carmo Domingues
________________
[1] Acs. do STJ de 16.10.86, BMJ nº 360, pág. 534 e da RC de 23.03.96, CJ, 96, II, pág.24.
[2] Cfr. Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lex, Lisboa, 1994, págs. 138 e ss. Freitas do Amaral, Conceito e natureza do recurso hierárquico, Coimbra, 1981, pág. 227 e ss. Embora sem aceitar a invocação de factos novos pelas partes, o recurso de apelação aproxima-se, numa situação específica, do modelo de recurso de reexame. Trata-se da possibilidade de a Relação determinar a renovação dos meios de prova produzidos na 1ª instância, que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade (artº 712 nº 3 do CPC). Nesta hipótese, o tribunal de recurso não se limita a controlar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, antes manda efectuar perante ele a prova produzida na instância recorrida.
[3] A afirmação de que os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova constitui jurisprudência firme. Cfr., v.g., Acs. do STJ de 14.05.93, CJ STJ, 93, II, pág. 62 e da RL de 02.11.95, CJ, 95, V, pág. 98.
[4] Ac. STJ de 23.03.96, CJ, 96, II, pág. 86.
[5] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Coimbra, 1987, pág. 278 e Acs. do STJ de 12.05.72 e 07.02.75, BMJ nºs 217, pág. 99, e 244, pág. 253 e ss.
[6] Ac. do STJ de 09.04.92, BMJ nº 416, pág. 558.
[7] Acs. da RC de 11.01.94, BMJ nº 433, pág. 633, do STJ de 21.10.88, BMJ nº 380, pág. 444 e de 30.05.89, BMJ nº 387, pág. 456 e da RC de 21.01.92, CJ, I, pág. 86.
[8] Ac. RL de 23.3.95, CJ, 95, II, pág. 95 e STJ de 26.9.95 e 16.1.96, CJ, 95, III, pág. 22 e 96, I, pág. 43.
[9] António Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Reprint, Lex, 1979, págs. 591 e 592 e Manuel J. G. Salvador, Elementos da Reivindicação, Lisboa, 1958, pág. 21. Note-se, porém, que se trata de cumulação meramente aparente de pedidos. A acção de reivindicação é uma acção de condenação. Como, porém, toda a condenação pressupõe uma apreciação prévia de natureza declarativa, quando se pede o reconhecimento do direito de propriedade e a condenação da entrega, não se formulam pedidos distintos: a declaração do direito é um simples meio de atingir a entrega da coisa. Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, págs. 147 e 148 e José de Oliveira Ascensão, Acção de Reivindicação, in Estudos em Memória do Prof. Doutor, João de Castro Mendes, Lisboa, Lex, págs. 15 a 42. Nestes termos, é suficiente a formulação do pedido de entrega da coisa: cfr. Ac. dos STJ de 05.03.92, www.dgsi.pt.
[10] Henrique Mesquita, RLJ, Ano 132, pág. 128.
[11] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume III, 2ª edição, revista e actualizada (reimpressão), Coimbra, 1987, pág. 113.
[12] É, porém, discutível se se trata de uma acção real: em sentido afirmativo, José Alberto C. Vieira, cit. pág. 503; contra Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, pág. 280.
[13] Santos Justo, Direitos Reais, Coimbra, 2007, pág. 280 e José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, Coimbra, 2008, pág. 502.
[14] Ac. do STJ de 24.10.96, www.dgsi.pt. e Oliveira Ascensão, A Acção de Reivindicação, ROA, Abril 1997, pág. 511.
[15] Oliveira Ascensão, Propriedade e Posse – Reivindicação e Reintegração, Revista Luso-Brasileira de Direito, Volume I, pág. 16.
[16] Ac. do STJ de 17.11.94, www.dgsi.pt.
[17] É, na verdade o réu que está vinculado à prova de que é titular de um direito real ou de outro direito que legitima a recusa da restituição: Acs. do STJ de 04.04.06 e 27.09.05, www.dgsi.pt.
[18] Antunes Varela, RLJ, Anos 115 e 116, págs. 272, nota 2, e 16, nota 2, respectivamente.
[19] Vaz Serra, Contrato-Promessa, BMJ nº 74, 1958, pág. 6.
[20] Antunes Varela, RLJ Ano 124, pág. 347 e Henrique Mesquita, Obrigações e Ónus Reais, Coimbra 1990, pág. 49, nota 17.
[21] António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, págs. 619 e ss., Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 1998, págs. 703 e 704 e João Calvão da Silva, Direitos de autor, cláusula penal e sanção pecuniária compulsória ROA, Ano 47, nº 1, págs. 129 e ss. e v.g., o Ac. do STJ de 18.11.97, BMJ nº 471, pág. 380.
[22] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, 2000, Almedina, Coimbra, 2000.
[23] Ac. do STJ de 07.03.06, www.dgsi.pt.
[24] João Batista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, vol I, Scientia Iuridica, Braga, 1991, págs. 135 a 137 e Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Lisboa, 1968, pág. 20, nota 3, e Ac. do STJ de 05.07.07, www.dgsi.pt.
[25] António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º vol. AAFDL, 1980, pág. 457, Baptista Machado, RLJ Ano 118, pág. 275, Brandão Proença, Do Incumprimento do Contrato Promessa Bilateral, cit., pág. 87 e A Hipótese da Declaração (Lato Sensu) Antecipada de Incumprimento por parte do Devedor, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria, Coimbra Editora, 2003, pág. 364, e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, pág. e Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, AAFDL, pág. 296; Acs., v.g. da RC de 24.03.92 e 28.05.92, CJ, XVII, II, pág. 50 e XVIII, III, pág. 115 e do STJ de 07.03.91, BMJ nº 405, pág. 458.
[26] Calvão da Silva, A Declaração da Intenção de não Cumprir, Estudos de Direito Civil e Processo Civil (Pareceres), Coimbra, 1996, pág. 137.
[27] Acs. do STJ de 05.12.06 e 29.06.06 www.dgsi.pt.
[28] João Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, vol I, Scientia Iuridica, Braga, 1991, pág. 164 e Ac. do STJ de 10.07.08, www.dgsi.pt.
[29] Ac. do STJ de 29.06.96, www.dgsi.pt.
[30] Como sucede, por exemplo, no tocante ao contrato promessa. Cfr. Ac. do STJ de 09.05.95, CJ (STJ), II, pág. 66
[31] Ac. do STJ de 28.11.75, BMJ nº 251, pág. 272 e Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, Almedina, Coimbra, 2005, págs. 71 e 72 e 175.
[32] O ponto é duvidoso. António Menezes Cordeiro – O Novíssimo Regime do Contrato Promessa, Estudos de Direito Civil, vol. I, Coimbra, 1987, pág. 85 - sustenta que não se trata de verdadeira resolução; contra, Brandão Proença, Do Incumprimento do Contrato Promessa Bilateral. A Dualidade Execução Específica – Resolução, Coimbra, 1987, pág. 153.
[33] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 1998, págs. 375 e 376 e Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 127 e Sousa Ribeiro, O Campo de Aplicação do Regime Indemnizatório do Artigo 442 do Código Civil: Incumprimento ou Mora? BFDUC, Volume Comemorativo, Coimbra, 2003, págs. 211 e ss. Este último autor entende que o contraente fiel que pede o valor do sinal ou da coisa sem haver incumprimento definitivo fica sujeito à excepção do cumprimento, mas que se houver incumprimento, ainda que força da extinção do prazo admonitório, fica excluída a oferta do cumprimento.
[34] Assim, v.g, os Acs do STJ de 01.07.08, www.dgsi.pt., e de 27.11.97, BMJ nº 471, pág. 388. Este último indica, todavia, jurisprudência de sentido contrário, reafirmada, por exemplo, pelo Ac. do STJ de 10.02.98, CJ, STJ, VI, I, pág. 63.
[35] Cfr., sobre o problema, António Pinto Monteiro, Denúncia de um contrato de concessão comercial, RLJ, Separata, 1998, págs. 71 a 73 e Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, vol. II, Coimbra, 2009, pág. 1674 nota 4861.
[36] Manuel de Andrade, Sentido e Valor da Jurisprudência, BFDUC, Volume., pág. 227.
[37] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, Coimbra Editora, 1981, pág. 468.
[38] Ac. STJ de 14.03.06, CJ, STJ, XIV, I, pág. 130 e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 271.
[39] Ac. da RL de 10.11.05 e de 19.02.04, www.dgsi.pt. e Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 150.
[40] Eurico Lopes Cardoso, BMJ nº 80, págs. 220 e 221.
[41] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 3ª edição, Almedina, 2000, págs. 273 e 274.
[42] Acs. do STJ 08.11.95, CJ, STJ, 95, III, pág. 293 e da RP de 20.02.01, www.dgsi.pt.
[43] Ac. do STJ de 29.09.95, www.dgsi.pt.
[44] Juan Montero Aroca, Valoración de la prueba, regras legales, Quaderni de “Il giusto processo civile”, 2, Stato di diritto e garanzie processualli, a cura di Franco Cipriani, Atti delle II Giornate internazionali de Diritto processualle civile, Edizione Scientifiche Italiene, 2008, págs. 44 e 45.
[45] Michelle Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, págs. 42 e 43.
[46] Cfr., v.g., Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 5ª ed. Almedina, Coimbra, 1986, pág. 743 e ss., Pereira Coelho, o Nexo de Causalidade na Responsabilidade Civil, BGD, Suplemento nº IX, Coimbra, 1976, pág. 201 e ss. e Miguel Teixeira de Sousa, Da Responsabilidade Civil por Factos Lícito, Lisboa, 1977, pág. 124 e ss. Menezes Cordeiro - Direito das Obrigações, cit., págs. 338 e 338 – sugere a integração da causalidade na própria conduta e, consequentemente a sua sujeição ao juízo de ilicitude: nesta perspectiva, a averiguação da causalidade adequada limitar-se-ia à indagação da licitude de certo comportamento face a um concreto dano e à identificação da adequação com a verificação do fim visado pelo agente.
[47] Cfr. Paula Meira Lourenço, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2006, págs. 228 a 293.
[48] António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 1980, vol. 2º Volume, pág. 283.
[49] Pereira Coelho, O Nexo de Causalidade na Responsabilidade Civil, Boletim da Faculdade de Direito, Suplemento IX, Coimbra, 1951, pág. 107 e ss. Tratando-se de danos não patrimoniais, só são atendíveis os que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (artº 496 nº 1 do Código Civil). À luz desta exigência, a jurisprudência sustenta que não compensáveis dos danos não patrimoniais que se traduzam em meros incómodos. Cfr., v.g., Acs. do STJ de 2.10.73, BMJ nº 230, pág. 107, de 26.6.91, BMJ nº 408, pág. 438 e de 10.11.03, CJ, STJ, I, III, pág. 132.
[50] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 5ª ed., vol. I, pág. 862 e P. de Lima e A. Varela, CC Anot., vol. I, pág. 576 e Ac. do STJ de 05.06.08, www.dgsi.pt.
[51] Cfr. a disposição paralela do artº 829 nº 2 do Código Civil.
[52] Pereira Coelho, O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, Coimbra, 1955, pág. 274.
[53] Pereira Coelho, Direito das Obrigações, pág. 174.
[54] Ac. da RE de 23.06.80, CJ, V, II, pág. 96.
[55] Na doutrina, sustentam a reparabilidade do dano de privação do uso, António dos Santos Abrantes Geraldes, Indemnização do Dano de Privação do Uso, Almedina, Coimbra, 2001, págs. 30 e ss., págs. 316 e 317, Luís Manuel Teles Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 2ª edição, vol. I, Almedina, Coimbra, págs. 316 e 317 e nota (657) e Júlio Gomes, RDE, nº 12, 1986, págs. 169 e ss.
[56] Acs. do STJ de 05.07.07, da RL de 04.10.07 e 18.09.07 e da RC de 20.03.07 e 12.02.08 www.dgsi.pt.
[57] Acs. do STJ de 22.06.05, 12.01.06 e 04.10.07, da RL de 22.06.06 e da RC de 13.03.07.
[58] Ac. do STJ de 29.11.95, CJ, STJ, XIII, III, pág. 151.