Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1299/16.6T8AGD-A.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL
Nº do Documento: RP201809271299/16.6T8AGD-A.P2
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 145, FLS 280-310)
Área Temática: .
Sumário: I - A confissão extrajudicial de uma dívida em documento cuja autenticidade não é posta em causa faz prova plena dos factos que são seu objeto se for feita à parte contrária ou a quem a represente.
II - O confitente é admitido a destruir a força da confissão do facto desfavorável mediante a prova de que, na realidade, tal facto não ocorreu; que o certo é outro facto contrário ao da afirmação que consciente e voluntariamente produziu no documento.
III - Recai sobre o confitente o ónus de prova da inveracidade da declaração confessória, defrontando-se, no entanto, com as limitações ao nível do direito probatório material no que concerne à apresentação de prova testemunhal ou ao uso de presunções judiciais (art.ºs 393º e 393º do Código Civil).
IV - Não obstante, aquelas limitações cedem quando exista outro meio de prova, maxime prova documental, que torne verosímil a inveracidade da declaração, servindo, então, a prova testemunhal ou o recurso a presunções judiciais como complemento dessa prova indiciária.
V - No reconhecimento da relevância ou atendibilidade do “outro meio de prova” deve o tribunal ponderar as suas caraterísticas, nas circunstâncias e condições de cada caso, concluindo que essas provas (normalmente um ou vários escritos) constituem um suporte suficientemente forte para que, servindo de base da convicção do julgador, se possa, a partir dele, avançar para a respetiva complementação, demonstrando não ser verdadeira a afirmação produzida perante o documentador.
VI - A parte que obtém total vencimento da ação não tem legitimidade para recorrer. Só poderá impugnar algum ponto da decisão em matéria de facto nas contra-alegações do recurso interposto pela parte vencida, pedindo ali a ampliação do seu âmbito, nos termos do art.º 636º do Código de Processo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1299/16.6T8AGD-A.P2 (apelação)
Comarca de Aveiro – Juízo de Execução de Águeda

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam na Relação do Porto

I.
B..., executado no processo principal de execução, em que é exequente C..., ambos ali melhor identificados, deduziu embargos de executado, alegando que nada deve ao embargado, fazendo notar que:
O contrato de assunção de dívida dado à execução provém da renegociação da dívida que a sociedade D..., S.A. tinha para com o exequente, dívida essa que provinha do contrato de cessão de quotas --- que o exequente e suas representadas tinham na sociedade E..., Lda. --- e renúncia à gerência, celebrado pelo valor de € 2.334.500,00 entre a D... e o exequente em 04.03.2011.
Em 2015, o valor em dívida ao exequente cifrava-se em € 1.330.000,00 e o ora executado, presidente do conselho de administração da sociedade D..., logrou renegociar a dívida para o valor final de € 950.000,00.
Para o efeito, o executado assinaria o contrato de assunção de dívida dado à execução e, em simultâneo, o exequente assinaria uma declaração-recibo, através da qual declarava ter recebido naquela data, para si e para a sua mulher e filhas, os cheques no valor total de € 950.000,00, a título de remanescente e completo e integral pagamento que lhes era devido pela Sociedade D..., em consequência da renegociação do preço e condições de pagamento relativas ao contrato de cessão de quotas e renúncia à gerência celebrado em 04.03.2011 e entregaria os cheques que tinha em seu poder da D..., S.A. e que se destinavam ao pagamento do valor de € 1.330.000,00.
Em cumprimento do acordo celebrado, em 27 de fevereiro de 2015, o executado assinou o referido contrato, que serve de título executivo à presente execução, e entregou ao exequente os cheques no valor de € 950.000,00, tendo o exequente, por sua vez, devolvido os cheques emitidos pela sociedade D..., S.A. no valor de € 1.330.000,00, mas não assinando nem o contrato que serve de título executivo nem a declaração-recibo de quitação.
Os cheques no valor de € 950.000,00 foram pagos ao exequente, conforme acordado, nada mais lhe sendo devido pelo embargante.
Pede a condenação do exequente como litigante de má-fé por dar à execução o contrato de assunção de dívida omitindo por completo a renegociação da dívida que lhe estava subjacente, assim como a declaração-recibo complementar ao mesmo.

Admitidos os embargos de executado e uma vez notificado para o efeito, o exequente contestou-os.
Alegou, em síntese, que é falso que tenha aceitado reduzir o valor da dívida da D..., S.A. para € 950.000,00, tendo sido o ora executado que insistiu na celebração do contrato dado à execução, tendo interesse pessoal na assunção da dívida daquela sociedade, dado que ficaria ele credor do valor de € 1.330.000,00 junto da mesma.
Mais alegou que nas negociações havidas com o executado foi posta a possibilidade de admitir a redução da dívida se em contrapartida lhe fosse paga uma dívida que a sociedade E..., Lda. tinha para com a F..., SA, na qual o ora exequente era avalista, tendo procedido, nessa qualidade, ao pagamento àquela instituição bancária do valor de € 250.000,00.
Como o executado não assumiu o pagamento de tal quantia, não foi feita qualquer redução do valor em dívida.
Defendeu a prossecução da execução com improcedência dos embargos e pediu a condenação do embargante como litigante de má-fé.
Realizou-se a audiência final e foi proferida sentença.
Concluídas algumas vicissitudes processuais, com anulação, por acórdão da Relação, daquela decisão final e atos processuais posteriores dela dependentes, foi proferida nova sentença que culminou com o seguintes dispositivo, ipsis verbis:
«Pelo exposto julgo procedentes os embargos de executado deduzidos por B... contra C..., declarando extinta a execução e condenando o exequente como litigante de má-fé na multa de 30 UC.
Custas a cargo do exequente – artigo 527 do Código de Processo Civil.
(…)»
*
Inconformados com a decisão sentenciada, dela apelaram o exequente. C... e o executado, B..., recursos que foram admitidos nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.
Na sua apelação, o exequente formulou as seguintes CONCLUSÕES:
«1. Salvo o devido e muito respeito, o Tribunal recorrido não fez inteira e completa justiça!
2. Conforme foi expandido na Contestação de Embargos, o Exequente/Recorrente intentou uma acção executiva, dando à execução um título executivo – “Contrato de Reconhecimento e Assunção de Dívida” assinado pelo executado, Sr. B..., cuja assinatura na qualidade de devedor não foi impugnada e que serve de título executivo nos termos dos arts.10º. nº5, 703º., nº. 1, al. b) e art. 707º. do Código de Processo Civil .
3. O exequente reconheceu e confessou que, do montante de €1.330.000,00 constante dessa confissão de dívida, o executado já pagou ao exequente o valor de €950.000,00, pelo que o valor ainda em dívida e pedido no Requerimento Executivo era apenas de €380.000,00.
4. Foram deduzidos embargos de executado, tendo sido proferida a douta decisão que considerou os embargos procedentes, dados os factos considerados provados, com os quais evidentemente o exequente não concorda, pois, considera que não deduziu pretensão manifestamente infundada e sempre cooperou com o tribunal, quando entendeu notificá-lo para se pronunciar sobre qualquer questão julgada pertinente.
5. Na acção de execução a que os embargos estão apensos, o tribunal proferiu despacho liminar, mandou citar o executado e não foram encontradas irregularidades no título executivo que devessem ser sanadas.
6. Salvo o devido e muito respeito, por opinião diferente, a verdade dos factos é que no dia 4 de Março de 2011, o exequente, Senhor C..., a sua mulher, Sra. G... e as suas filhas H... e I..., na qualidade de sócias da sociedade comercial, E..., Lda., outorgaram o Contrato de Cessões de Quotas e Renúncia à Gerência, respeitante à sociedade E..., com sede no ..., Águeda.
7. Em nome da sociedade adquirente, D..., S.A., com sede em ..., Oliveira do Bairro, outorgaram o referido contrato, os Senhores Dr. J..., Dr. K... e o Senhor L..., como legais representantes e administradores da sociedade adquirente, a D..., S.A.
8. Outorgou também o referido contrato, o Sr. Engenheiro M..., na qualidade de adquirente das quotas de que eram titulares a Senhora G... e as suas filhas H... e I..., pelo preço de 1.165.500,00 Euros. (Um milhão cento e sessenta e cinco mil e quinhentos euros).
9. O Senhor C... cedeu a sua quota social na sociedade E..., Lda., à sociedade comercial, D..., S.A. pelo preço de 2.334.500,00 Euros (Dois milhões trezentos e trinta e quatro mil e quinhentos euros).
10. Em 4 de Março de 2011, data da assinatura do referido contrato, foi declarado pelos cedentes que, a título de sinal e princípio de pagamento do preço global das cessões de quotas sociais, receberam um milhão de euros, sendo dada a respectiva quitação.
11. Nos termos da cláusula OITAVA do referido contrato, todos os contratantes acordaram que o pagamento do remanescente do preço a efectuar pelos cessionários aos cedentes, ou seja a quantia de 2.500.000,00 Euros (Dois milhões e quinhentos mil euros), seria efetuado em cinco prestações no valor de €500.000,00 cada uma.
12. No acto da assinatura do contrato, foram entregues aos cedentes cinco cheques pré-datados no valor de €500.000,00 cada um, todos eles sacados sobre a conta bancária de que era titular a D..., no N..., agência ....
13. O primeiro cheque devia ser apresentado a pagamento em 5 de Março de 2012, o segundo em 4 de Setembro de 2012, o terceiro em 4 de Março de 2013, o quarto cheque em 4 de Setembro de 2013 e o quinto e último cheque em 4 de Março de 2014.
14. Não obstante as várias interpelações para pagamento feitas pelo Sr. C... aos administradores da D..., incluindo o Sr. Dr. J..., este plano de pagamentos não foi cumprido e a D... incorreu assim numa situação de incumprimento contratual e todas as prestações se tornaram imediatamente exigíveis.
15. Em 14 de Abril de 2014, a D... ainda era devedora de €1.450.000,00 Euros, quando já tinha decorrido o prazo inicial fixado para pagamento da totalidade da dívida.
16. Nesta data, 14 de Abril de 2014, o Senhor C... e os administradores da D..., Senhor Dr. J..., Dr. K... e o Sr. L..., na qualidade de administradores e em representação da D..., S.A. outorgaram um “Aditamento ao Contrato de Cessões de Quotas e Renúncia à Gerência” que havia sido assinado em 4 de Março de 2011, referente á Cessão de Quotas da E..., Lda.
17. Nesse Aditamento, foi alterada a referida Cláusula Oitava, fixando-se o montante da quantia ainda em dívida em €1.450.000,00 (Um milhão quatrocentos e cinquenta mil euros) a pagar pela D... ao exequente, Sr. C....
18. No referido Aditamento, foi acordada a forma e o prazo de pagamento da dívida de €1.450.000,00, que devia ser paga em 11 prestações cujos prazos de pagamento e valores constam do referido contrato.
19. Na data da assinatura deste ADITAMENTO foram entregues ao Sr. C... 11 cheques com os valores das 11 prestações, todos sacados sobre a conta bancária de que é titular a D..., no N..., agência ....
20. Todavia, todos os referidos cheques tinham a data de validade até 9-04-2014, isto é, na data em que foram entregues, já não eram válidos e serviam apenas de meros quirógrafos.
21. A Administração da D... também não cumpriu os prazos fixados neste aditamento ao contrato inicial, tendo sido paga apenas a importância de €120.000,00, ficando em dívida €1.330.000,00 (Um milhão trezentos e trinta mil euros).
22. Todos estes factos são confessados integralmente pelo executado/impugnante, Sr. B..., no seu douto articulado de petição de embargos.
23. Verificado o incumprimento, o Senhor C... podia até legalmente pedir a resolução do contrato, que é uma forma de extinção dos contratos, podendo resultar expressamente da lei ou de convenção, nos termos dos arts . 431º a 434º do Código Civil.
24. Mas o Senhor C... não optou pela extinção do contrato.
25. Em 27 de Fevereiro de 2015, o Senhor B... e o Senhor L..., como administradores e em representação da D..., assinaram, juntamente com o Senhor C..., o Contrato de Assunção de Dívida, que é o título executivo dado à execução.
26. Aquele montante de €120.000,00 foi pago por seis cheques de €20.000,00 cada um, entregues ao Sr. C... pela Administração da D..., perfazendo a quantia global de €120.000, que foram pagos, tendo sido abatido este valor à dívida de €1.450.000.00, ficando em dívida o montante de €1.330.000,00.
27. No referido contrato, foi acordado e confessado pelo Executado, Senhor B..., que a dívida da D... ao Sr. C... era, em 25 de Fevereiro de 2015, de €1.330.000,00 (Um milhão trezentos e trinta mil euros).
28. Nos termos da cláusula SEGUNDA do referido Contrato de Assunção de Dívida, o Senhor B... declarou/confessou que, por ser acionista da D... e nisso ter interesse, assumia as responsabilidades da D... pelo integral e efectivo pagamento do remanescente em débito da cessão de quotas da sociedade E... e que era no valor de €1.330.000,00 (Um milhão trezentos e trinta mil euros).
29. Consta ainda da mesma cláusula SEGUNDA que o Senhor B... ficava credor de Euros:1.330.000,00 (Um milhão trezentos e trinta mil euros) junto da D..., visto que ele pessoalmente pagava uma dívida, dívida essa que a D... estava obrigada a pagar há muito tempo e, por isso, era exigível.
30. Este contrato, consubstanciando o reconhecimento de uma dívida nos termos dos 352º a 361º e artº. 458º do Código Civil celebrado entre o Senhor C..., Exequente/embargado e o Senhor B..., Executado/ embargante, assinado em 27 de Fevereiro de 2015, tem força executiva e serve de título executivo nos presentes autos, nos termos dos artigos 10º., nº. 5, 703º., nº. 1, al. b) e art. 707º. Do Código de Processo Civil.
31. No cumprimento das obrigações livremente assumidas no referido contrato que serve de título executivo, o Senhor B... pagou ao Senhor C... o valor de €950.000,00 (Novecentos e cinquenta mil euros), estando em dívida o valor de €380.000,00 (Trezentos e oitenta mil euros) que foi o montante peticionado nos autos, acrescido da taxa de justiça e juros vincendos.
32. Estes os factos essenciais e juridicamente relevantes.
33. O documento dado à execução tem na verdade força de título executivo.
34. A apresentação do documento de confissão de dívida assinada pelo Senhor B... a que a lei e o Tribunal reconhecem exequibilidade deixa em segundo plano a substância da relação de crédito, erigindo como factor fundamental aquilo que é formalmente revelado pela simples análise do documento de confissão de dívida nos termos do citado artº 352º a 361º e 458º e do Código Civil.
35. Os autos de execução foram objecto de despacho liminar, nos termos do art. 726º do CPC, o processo executivo não foi indeferido, passou por este crivo, e o executado foi regularmente citado, não tendo recorrido do referido despacho que há muito transitou em julgado.
36. Está provado que o Senhor B... pagou diversas prestações para a conclusão do negócio da cessão de quotas relativo à E....
37. Estando a devedora D... adstrita a cumprir a obrigação de pagar o valor acordado, cumprimento que só ocorre quando realiza a prestação a que está vinculada, isto é, quando efectivamente paga a dívida, ao não cumprir pontualmente as prestações a que se obrigou, provocou o imediato vencimento e exigibilidade de todas as prestações.
38. A falta de realização de uma prestação importa o vencimento de todas as prestações nos termos do art. 781º do Código Civil:” Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
39. O Tribunal conhece o direito, as disposições legais acima citadas, o art. 352º e seguintes do Código Civil sobre a noção e natureza jurídica da confissão em geral e da sua força probatória plena prevista no artº. 358º os artigos
40. A longa e exaustiva referência que o Tribunal faz na douta sentença à doutrina e jurisprudência sobre a interpretação e aplicação destes preceitos legais arts. nº. 393, nº2 e 394/1 do Código Civil., demonstra bem a complexidade da questão e do litígio constante dos autos, o qual pode ter outra decisão de mérito bem diferente da douta sentença, considerando que os embargos são improcedentes, como defende o exequente.
41. Complexidade essa de que também o embargante estava bem consciente, pois, quando no uso dos poderes/deveres que o artº 604º nº. 1 do CPC concede ao Tribunal, para tentar conciliar as partes, estando a causa no âmbito do seu poder de disposição, a Ilustre Mandatária do Embargante informou o Tribunal que o embargante se propunha pagar imediatamente ao embargado/exequente a quantia de €70.000,00, proposta essa que o exequente não aceitou , pois, não era justa nem equitativa, quando o pedido é no montante de €380.000,00 e porque o que estava, essencialmente em causa era o pagamento da dívida dos €250.000,00 resultante do aval que ele e a sua filha I... tinham dado no contrato de empréstimo em conta corrente contraído pela E... na F..., e que o embargante foi na verdade obrigado a pagar, para não ser executado pela F....
42. O executado, Sr. B... e a testemunha, Dr. J..., que assinou todos os contratos de dívida referentes à compra da E..., (o Sr. B... também assistiu à assinatura do “Contrato de Cessão de Quotas e Renúncia à Gerência”, datado de 4 de Março de 2011, estão perfeitamente conscientes e sabedores que o Senhor C..., há mais de cinco anos, os vem interpelando muitas vezes, esperando que lhe paguem a totalidade do preço que foi acordado pagar-lhe pela cessão das quotas da sociedade D....
43. É preciso afirmar categoricamente que o Senhor B... só está neste processo porque assim o quis de sua livre e espontânea vontade e por declarar ser do seu interesse assumir a dívida no valor de €1.330.000,00.
44. Sabemos bem que, conforme declarou o Sr. B..., atualmente a estrutura societária e a administração da D... é maioritariamente dominada pelo Senhor B... e pela sua família que são titulares da grande maioria das acções daquela sociedade comercial, uma das maiores empresas do país no seu ramo de atividade.
45. Esta situação foi conseguida também porque o Sr. B... mostrou interesse em pagar ao Senhor C... uma divida que era da responsabilidade originária da D..., S.A.
46. E também para evitar que o Senhor C... pedisse o pagamento coercivo da dívida contra a D..., com arresto e penhora de bens ou outras medidas ainda mais gravosas.
47. O objecto do recurso é o que consta supra nestas alegações:
a. Inadmissibilidade/proibição da Prova Testemunhal, dado que o título Executivo é uma Confissão de Dívida feita pelo embargante /executado ao embargado/exequente, fazendo prova plena, dado ser um documento autenticado.
b. Exequibilidade do título “Contrato de Assunção de Dívida” dado à execução no processo principal e improcedência dos embargos de executado.
c. Falta de credibilidade do depoimento da testemunha, Dr. J..., e das declarações de parte do embargante/executado, B..., por ter havido conluio fraudulento ente ambos, para alterar a verdade dos factos relevantes, com intenção de prejudicar o exequente, considerando-se não provados os factos M) a Y)
d. Impugnação da decisão quanto à matéria de facto dada como provada quanto aos Ponto 1 e 4 de “Os Factos Não Provados”, de modo a que se julguem provados.
e. Requerimento para junção e requisição de documentos às alegações de recurso, nos termos dos arts. 7º, 8º, 436º, 651º (parte final) e 662º do CPC.
f. Violação das seguintes normas jurídicas: arts. 9º, 236°, 238º, 352º, 358º, nº.2, 371 º, 372º, 373º a 377º,393º, 394º e 458º do Código Civil e 10º, nº5, 607º, nº.5,703º, nº. 1, al. b) e 707º do Código de Processo Civil.
48. O objecto do presente recurso abrange também o conteúdo decisório da douta sentença recorrida em que o recorrente foi vencido, sem prejuízos da conformação que advém destas conclusões, nos termos do disposto no artigo 639º do Código de Processo Civil.
49. De qualquer modo, admitido e julgado que seja o presente recurso, entende o recorrente que a impugnação da absolvição do embargante no incidente de litigância de má-fé, porque fundada no entendimento adotado na decisão recorrida, deverá ser sempre apreciada, sob pena de ser mantida uma decisão injusta, perante a reprovável conduta do embargante.
50. Salvo o devido e muito respeito por opinião diferente, o recorrente considera que constitui confissão extrajudicial, dotada de força probatória plena, a declaração exarada pelo executado numa confissão de dívida onde declara que assume a dívida de €1.330.000,00, ou seja, uma declaração feita por uma das partes, Senhor B..., à contraparte, Sr. C..., que envolve o reconhecimento de um facto que é desfavorável ao executado e favorece a parte contrária, o exequente, devendo ser qualificada como declaração confessória, nos termos dos arts.352º a 358º, nº.2 e 458 º do Código Civil, censurando nesta parte a decisão recorrida.
51. A demonstração da inveracidade de tal documento não pode ser feita através de qualquer meio de prova, existindo limitação/proibição, designadamente quanto à prova testemunhal.
52. O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
53. Mas a livre apreciação das provas não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (art.º. 607º, nº. 5 do CPC).
54. Decidiu-se na douta sentença que é admissível a prova testemunhal quanto ao que vem plasmado no Contrato que é o título dado à execução, contrato esse que é uma confissão de dívida feita pelo executado/embargante ao exequente/embargado, cuja assinatura não é posta em causa pelo executado/embargante.
55. Discorda o recorrente, com o devido respeito, com tal suposta admissibilidade da prova testemunhal, postergando a regra comummente aceite da inadmissibilidade de tal prova, quando se trata de confissão de dívida e a assinatura não é posta em causa pelo autor da confissão.
56. O título executivo dado à execução no processo principal é um documento autenticado, com força probatória dos documentos autênticos.
57. Compulsando a douta sentença recorrida na “Análise Critica das Provas: Factos provados”, com o devido e muito respeito, fica claramente demonstrado que a interpretação e aplicação o disposto nos artigos 393/2, 394/1, 373 a 379 do Código Civil, ou seja, da admissibilidade da prova testemunhal, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena, é uma vexata quaestio, especialmente complexa e difícil, suscitando dúvidas profundas na doutrina e na jurisprudência, gerando decisões diferentes nos tribunais superiores.
58. Mas o certo é que na douta sentença recorrida nem sequer se mencionam, interpretam e aplicam os arts. 352º a 361º e 458º do Código Civil, aplicáveis no caso concreto, por se tratar de uma confissão de dívida, tendo sido violadas estas disposições legais pelo tribunal por não aplicação, quando deviam ser aplicadas.
59. Na douta decisão recorrida foi acolhida uma posição que não tomou em conta muitas outras posições divergentes sobre a mesma questão de direito, omitindo completamente a questão de que o título executivo é uma confissão de dívida – note-se que a decisão recorrida nunca se refere a confissão - e não um simples documento de outra natureza.
60. São patentes as posições doutrinárias e jurisprudenciais divergentes entre ilustres civilistas, alguns citados na sentença recorrida.
61. Contra a doutrina defendida pelo Prof. Vaz Serra, em R.L.J., ano 103, pp. 10 e seguintes, se pronunciou o Sr. Doutor Jacinto Rodrigues Bastos, afirmando que não vem, salvo o devido respeito, acompanhada de argumentos que, de iure constituto, façam admitir tais restrições ao preceito em análise. (Notas ao Código Civil, Vol. II. Pág.177)
62. Aquelas disposições soluções legais citadas na sentença recorrida (artigos 393/2, 394/1do Código Civil) não são imunes a muitas críticas nem isentas de dificuldades que seguramente vão dando azo a acesa polémica doutrinal e jurisprudencial e, no caso dos autos, a uma grande injustiça para com o Exequente.
63. Relativamente à questão concreta, é do entendimento do recorrente que, para a correcta interpretação dos artigos 393/2, 394/1 do Código Civil, deverão presidir as regras do artigo 9.º do Código Civil, sendo certo que, na nossa modesta opinião, a interpretação conferida àquelas normas pelo Tribunal a quo, não parte da letra da lei, não obedece ao espirito do sistema nem tão-pouco tem em atenção o pensamento do legislador.
64. O Tribunal Recorrido violou ostensivamente estas normas legais e houve erro de julgamento sobre interpretação e aplicação das seguintes normas jurídicas: arts. 9º, 236°, 238º, 352º, 358º, nº. 2, 371 º, 372º, 373º a 377º,393º, 394º e 458º do Código Civil e 10º, nº 5, 607º, nº. 5, 703º, nº. 1, al. b) e 707º do Código de Processo Civil.
65. O Tribunal recorrido, na douta decisão recorrida, não está a interpretar a lei (art. 9º, 393/2, 394/1 do Código Civil), mas está é a mudar a lei e esse poder não é legítimo, é usurpado, pois, esse poder é da competência da Assembleia da República, não é dos tribunais.
66. A letra do nº 1 do art.º394º. é tão explícita e categórica que não pode exprimir, nem sequer de modo imperfeito ou constrangido, outro pensamento legislativo que não seja o da proibição absoluta da prova testemunhal, se tiver por objecto convenções contrárias ao conteúdo de documentos autênticos ou particulares, em ordem a defender o conteúdo desses documentos (o seu carácter verdadeiro e integral) contra os perigos da precária prova testemunhal.
67. Qualquer outro pensamento legislativo não tem na letra do mencionado preceito um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, pelo que não pode ser considerado como compreendido entre os seus possíveis sentidos. (cfr. artº. 9º. do Cód. Civil, Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 2ª. ed., pág.28; Batista Machado, 1983, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág.188 e ss. (Ac. do STJ, 26-10-1994, AD. 399º- 356 e Ac. do STJ de 2.6.1999, BMJ 488/313 e Coletânea de Jurisprudência de 1999, T. II, pág. 136)
68. O Tribunal, salvo o devido e muito respeito, também devia ter aplicado ao caso concreto o disposto nos arts. 352º a 361º e 458º e do Código Civil.
69. Com o devido respeito, o que a douta decisão fez foi proporcionar à D..., S.A. um enriquecimento sem causa, um locupletamento ilícito à custa do património do exequente e da sua família no montante de €380.000,00 (art. 473º e ss. do Código Civil), sem falar no valor de €250.000,00 que já pagou para não ser executado e penhorados os bens pela F....
70. Injustiça que certamente V. Exas irão reparar, atendendo a que se trata de uma confissão de dívida feita pelo executado ao exequente.
71. Os contratos de 4 de Março de 2011 (Contrato de Cessão de Quotas e Renúncia à Gerência) – C) dos Factos Provados – e o Aditamento ao Contrato de Cessão de Quotas e Renúncia à Gerência, de 14 de Abril de 2014 (nº. 6º e 7º da petição de embargos) e I) dos Factos provados, são contratos que devem ser cumpridos.
72. Causa angústia, inquietação e sentimento de injustiça que brada aos céus que o Tribunal, despudoradamente, declare que o exequente perdoou ao devedor/executado €380.000,00.
73. Considera a sentença recorrida que o exequente perdoou aquele montante, sem qualquer condição, sem qualquer cláusula modal ou contrapartida, nomeadamente a que diz respeito à questão que se prendia com uma dívida, por empréstimo em contacorrente, que a E..., Lda. tinha para com a F..., na qual o exequente era avalista, tendo nessa qualidade sido obrigado a efectuar o respectivo pagamento àquela instituição de crédito, no valor de €250.000,00, por tal lhe ter sido exigido pela F..., em virtude da E... não ter condições financeiras para efectuar tal pagamento.
74. Todavia, é o embargante que no nº. 22 da Petição de Embargos confessa que, nas negociações de 25, 26 e 27 de Fevereiro de 2015, foi tratada a questão da libertação do aval, como condição sine qua non para ser possível uma reestruturação ou perdão parcial da dívida de €1.330000,00,que era devida pela D..., SA.
75. O Tribunal, no Facto L) dos Factos Provados, considerou provado que: ”Do valor global do preço das quotas supra referidas, a D... ainda ficou com um débito para com o Exequente, no valor remanescente de 1.330.000,00€”.
76. Perante os factos A) a N) dados como provados, a decisão jurídica da causa deverá ser alterada e os embargos considerados improcedentes.
77. O executado/embargante parece querer invocar que houve simulação ao assinar o contrato de assunção de dívida que serve de título executivo, quando afirma na sessão do julgamento do dia 14-03-2017. (Gravação no Sistema Habilus Media Studio das 12:04m até às 12:58m., conforme transcrição feita nestas alegações.
78. Todavia, é inadmissível a prova testemunhal aos próprios simuladores, nos termos do art.394º, nº2 do Cód. Civil, abrangendo a simulação absoluta, como a relativa, tanto quanto aos factos directos, como os indirectos, isto é, as presunções. (RP, 7-3-1978: CJ, 1978, 2º. - 622 e BMJ, 277º. - 324)
79. Conforme defende Luís A. Carvalho Fernandes, a razão de ser do regime decorrente do art.º 394.º, n.º 2, do Código Civil, radica no propósito de “(…) afastar os riscos inerentes à falibilidade e fragilidade da prova testemunhal”.
80. Seria, na verdade, inadmissível pôr assim ao alcance de um dos simuladores, contra o outro, ou de ambos contra terceiros, um meio relativamente fácil de, simulando a simulação, atacar um negócio verdadeiro e sem vício, que se tornou incómodo ou indesejável, pondo em causa a sua eficácia e frustrando a confiança que justificadamente a outra parte ou terceiro nele fundou.
81. Estar-se-ia, do mesmo passo, a destruir, com base numa prova insegura, a melhor fé que um documento merece”. (Cfr. Carvalho Fernandes, “A prova da simulação pelos simuladores”, in Estudos Sobre a Simulação, Quid Juris, 2004, págs. 53)
82. Deve ser considerado como provado o nº.1 de “Os Factos Não Provados”: 1 – Durante as negociações, o exequente, a pedido insistente do Dr. J..., admitiu, como mera hipótese de trabalho, a possibilidade de reduzir a dívida da D..., se simultaneamente e como contrapartida, também fosse paga ao exequente a quantia que a E..., Lda tinha para com a F..., na qual o exequente figurava como avalista”
83. Na verdade, é o próprio embargante que no nº. 22 da douta Petição de Embargos, confessa: “Contudo, em relação aos dois documentos entretanto alterados pelo Advogado da D..., Dr. U..., o Exequente não assinou os mesmos, metendo-os na gaveta da sua secretária, e comprometendo-se a assiná-los mais tarde, em virtude do Dr. J... ter abordado uma questão que se prendia com uma dívida que a E..., Lda., tinha para com a F..., na qual o Exequente era avalista, tendo este nessa qualidade efectuado o respectivo pagamento àquela instituição de crédito, no valor de 250.000.00 €, por tal lhe ter sido exigido pela F..., em virtude da D... não ter condições para efectuar tal pagamento (Cfr. documento junto a fls. 155v. I-Volume dos embargos de Executado)
84. Esta questão dos €250.000,00 foi muito discutida nas negociações de 25, 26 e 27 de Fevereiro de 2015. (Cf. Documento junto a fls. 155v. I-Volume dos embargos de Executado)
85. A divergência que havia consistia em que, não obstante ter sido a E... a utilizar e gastar os €250.000,00 do empréstimo em conta corrente, que tinha o aval do Sr. C... e da filha I..., o Executado defendia, erradamente, que quem tinha a responsabilidade pelo pagamento dessa dívida ao exequente eram os Senhores Dr. J..., K... e L..., que assumiram, no contrato outorgado em 4/03/2011, na cláusula SEXTA, a obrigação de libertaram o Sr. C... e a filha da condição de avalistas naquele contrato de empréstimo.
86. Todavia, a posição do exequente manteve-se sempre absolutamente intransigente, não estando disposto a ultrapassar o impasse nos 3 dias de negociações, sem que ficasse solucionada a questão referente ao aval, que, infelizmente, custou ao exequente o pagamento de €250.000,00, valor de que ainda não foi ressarcido.
87. Quanto ao nº. 2 dos “Factos Não Provados”, também deve ser considerado provado apenas, com a ligeira retificação que embora em 27 de Fevereiro de 2015, o exequente ainda não tivesse pago à F... o montante de €250.000,00, por ser avalista, na data em que entregou em Tribunal o Requerimento Executivo do processo principal, já tinha efectuado esse pagamento à F....
88. A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.
89. Conforme consta do Ac. da RC, de 8-1-1998: BMJ, 473º,577): “O valor da prova não depende da sua natureza (directa ou indirecta), mas fundamentalmente da sua credibilidade, pelo que para tal dever-se-ão ter sempre presentes as regras da experiência, sendo que relativamente à prova testemunhal e por declarações, atenta a carga subjectiva inerente, deve o julgador rodear-se de especiais cuidados, aferindo cuidadosamente da idoneidade daquele que depõe ou presta declarações, tendo em vista os seus eventuais interesses na causa, bem como a sua eventual ligação às “partes”.
90. Afirma a douta sentença recorrida que: “A resposta positiva aos factos A) a C) tem por base o documento epigrafado de contrato de assunção de dívida dado como título executivo, constante de fls. 2v a 5 dos autos principais.”
91. Portanto, a douta sentença recorrida considerou provados os factos relevantes para a decisão jurídica da causa, devendo considerar os embargos improcedentes.
92. Perante estes factos considerados provados, o Tribunal devia decidir pela improcedência dos embargos e pela perfeita exequibilidade do título executivo.
93. Na verdade, têm-se por verdadeiras a letra e assinatura, ou só a assinatura, inseridas num documento particular se reconhecidas pelo notário ou os documentos particulares autenticados nos termos da lei notarial, que têm a força probatória dos documentos autênticos.
94. Ora, o título executivo denominado “CONTRATO DE ASSUNÇÃO DE DÍVIDA” é um documento particular autenticado nos termos da lei notarial. (art. 35º Código do Notariado e art. 38º. do DL nº. 76-A/2006 de 29/Março e Portaria nº. 657- B/2006, de 29/Junho)
95. Dizem-se autenticados os documentos particulares cujo conteúdo seja confirmado pelas partes perante notário (Código do Notariado, art. 35.º/3 e CC, art. 363.º/3),ou perante outras entidades ou profissionais com competência para tal (artº. 38º. do DL nº.76-A/2006, de 26/Março e Portaria nº. 657-B/2006, de 29 de Junho) com o que tais documentos adquirem a qualificada força probatória dos documentos autênticos (Cód. Civil, arts.371º., 376.º e 377.º).
96. De harmonia com o disposto no art. 371º, n. 1 do Cód. Civil: “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora (...)”
97. Sendo o título executivo um documento autenticado, atento o disposto no art. 363º, nºs. 1, 2 e 3, 371º, 373º, 376º e 377º do Cód. Civil, a afirmação, em documento autenticado, de que o executado confessara naquele acto, “que, por ser acionista da Primeira Contratante e nisso ter interesse, (...) assume, desde o dia 25 de Fevereiro de 2015, as responsabilidades da Primeira Contratante pelo integral e efectivo pagamento do remanescente em débito da referida cessão de quotas, e que à presente data é de Euros:1.330.000,00, ficando assim credor de tal quantia junto da Primeira Contratante” faz prova plena.
98. De qualquer modo, esta afirmação do executado/embargante, assim documentada no “Contrato de Assunção de Dívida” constitui confissão, nos termos do art. 352º do Cód. Civil: "Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”.
99. Trata-se de confissão extrajudicial, nos termos do art. 355º, n. 4 do Cód. Civil: "Confissão extrajudicial é feita por algum modo diferente da confissão judicial".
100. Ora, quanto à força probatória material da confissão extrajudicial, dispõe-se no art. 358º, n. 2, do Cód. Civil: “A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”.
101. Quer isto dizer que o documento autenticado, que constitui o título executivo, faz prova plena da confissão do executado, Sr. B..., de que se considera responsável pelo integral e efectivo pagamento ao exequente do remanescente em débito da referida cessão de quotas e que, em 25 de Fevereiro de 2015, era de €1.330.000,00.
102. Trata-se, sublinhe-se, de força probatória plena já que a declaração/confissão de dívida, documentada no documento autenticado, é feita à parte contrária, ao ora exequente/credor.
103. A força probatória plena da confissão em relação ao facto da confissão de dívida só pode ser contrariada por meio de prova do contrário, nos termos do disposto no art. 347º do Cód. Civil: "A prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei”.
104. Conforme consta em C) dos Factos Provados, o embargante confessou que era devedor e único responsável pelo pagamento ao exequente do montante de €1.330.00,00, confissão feita consciente e voluntariamente, feita perante o exequente e perante um profissional, advogado, com competência para exarar e autenticar a confissão de dívida e ainda perante o Senhor L..., administrador da D..., SA., que, nessa qualidade, também assinou o Contrato de Assunção de Dívida, título dado à execução no processo principal.
105. Nos termos e por força do disposto no art. 351º do CC, no caso dos autos, também não é admitida a prova por presunções judiciais: "As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal”.
106. Tudo isto se aplica directamente ao caso concreto: o título executivo, de 27-02-2015, que deu forma ao Contrato de Assunção de Dívida, outorgado entre o ora embargante/executado e exequente faz prova plena de que, nesse acto, o embargante declarou ser único e principal responsável pelo pagamento da dívida ao executado no montante de €1.330.000,00.
107. Esta declaração do embargante constitui uma confissão extrajudicial, em documento autenticado, tendo força probatória plena da realidade desse declarada responsabilidade, uma vez que essa declaração foi feita ao próprio credor na presença de advogado que a autenticou documentalmente, nos termos do artº 38º do Decreto-Lei nº. 76-A/2006, de 29-03 e Portaria nº. 657-b/2006, de 29-06.
108. Esta força probatória plena da confissão podia ser destruída mediante prova da realidade do facto contrário aquele que a confissão estabeleceu.
109. Foi isto que o embargante tentou fazer, considerando o Tribunal na motivação que se baseou nas declarações de parte do embargante e no depoimento do Dr. J..., tendo, no entanto, o embargante declarado que o documento era para……fazer de conta, para que a D..., S.A. uma sociedade anónima, tivesse um lucro de €380.000,00 e certamente distribuir depois esse lucro em dividendos aos accionistas entre os quais se contam o Sr. B... e o Sr. Dr. J...!
110. Os factos M) a Y) foram considerados provados, segundo o Tribunal, valorando o Tribunal “o depoimento da testemunha J...”.
111. Estes factos vieram a ser julgados provados, mas tal aconteceu por se ter tomado em consideração a prova testemunhal, como acima já ficou referido, contra o disposto no art. 393º, n. 2, 352º, 355º, 356º, 358º e 458º do Cód. Civil, desta sorte se violando estas disposições na decisão recorrida, as quatro últimas por omissão de não aplicação, quando deviam ter sido aplicadas.
112. Cometeu-se na douta decisão recorrida, desta sorte, um erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa que pode ser censurado por esse Venerando Tribunal, ao abrigo do disposto nos arts. 639ºe 662º do Cód. de Proc. Civil, por ocorrer violação dos art. no art. 393º, n. 2, 352º, 355º, 356º, 358º e 458º, do Cód. Civil que fixa a força probatória da confissão extrajudicial, em documento autêntico, feita à parte contrária.
113. O recorrido/embargante não arguiu a falsidade do Contrato de Assunção de Dívida (arts. 372º e 375º do Cód. Civil), nem a nulidade ou anulabilidade da confissão, por falta ou vícios da vontade (art. 359º e 240º do Cód. Civil)
114. Note-se, a propósito, que aqui "a lei não permite ao confidente impugnar a confissão mediante a simples alegação de não ser verdadeiro o facto confessado: para tanto há-de alegar o erro ou outro vício de que haja sido vítima" - Pires de Lima - Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, I vol., 4ª edição, pág. 319.
115. Bem se compreende que assim tenha que ser, dada a falibilidade da prova testemunhal.
116. Se os factos estabelecidos por meios de prova com força probatória material plena, como é o caso da prova documental e da confissão, em certas condições, as quais são as rainhas da prova, pudessem livremente ser destronadas pela plebe das testemunhas, cair-se-ia na incerteza e na insegurança que ao direito cabe arredar.
117. Não mais teria sentido que, em certos casos, se deva recorrer à formalização de negócios jurídicos mediante escritura pública ou documento autenticado, se o valor destes documentos pudesse ser livremente arredado por simples depoimentos de testemunhas ou declarações de parte.
118. Acerca da falibilidade e perigos da prova testemunhal cfr. Carrington da Costa, "Psicologia do Testemunho", in "Sciência Jurídica", vol. III, ns. 11 e 12.
119. Por sua vez os documentos particulares com força probatória legal, nos termos dos arts. 374º e 376º nº 1 do C. Civil, só podem ver ilidida essa presunção se for arguida, e provada, a sua falsidade, por via incidental, ou com fundamento na existência de vícios de vontade nos termos dos arts. 240º a 257º do Código Civil.
120. A confissão extrajudicial, feita em documento particular ou autêntico, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária, ou a quem a represente, tem força probatória plena (arts. 352º a 361º e 458º e do Código Civil).
121. A confissão de dívida do Executado, Senhor B..., foi feita à parte contrária, ao Exequente, Senhor C..., tendo força probatória plena.
122. A afirmação exarada em documento particular autenticado, titulo dado à execução, denominado Contrato de Assunção de Dívida, (art. 352º a 361º e 458º. Do Código Civil) de que o embargante, por ser acionista da D..., S.A. e nisso ter interesse, assume desde o dia 25 de Fevereiro de 2015,as responsabilidades da D..., S.A. pelo integral e efectivo pagamento ao exequente do remanescente em débito da sessão de quotas sociais da sociedade E..., Lda., remanescente que em 25 de Fevereiro de 2015, é de €1.330.000,00, ficando assim o embargante credor de tal quantia junto da D..., S.A., tem força probatória plena de confissão, porquanto nem foi arguida a falsidade da assinatura do executado nem qualquer vício na formação da vontade.
123. Dispõe a lei que o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão (art. 466º, nº 3, do NCPC), como é o caso dos autos.
124. O Tribunal também considerou provado, por acordo das partes, o facto L):”Do valor global do preço das quotas supra referidas, a D... ainda ficou com um débito para o Exequente, no valor remanescente de €1.330.000,00.”
125. O referido título executivo dado à execução foi assinado pelo embargante, não só a título pessoal, mas também como representante legal e administrador da D..., S.A., encontrando-se também assinado pelo exequente e pelo Senhor L..., na qualidade de administrador da D..., S.A., sociedade que também se confessa devedora ao Sr. B... do montante de €1.330.000.00.
126. Assim sendo, é inadmissível a produção de prova testemunhal sobre tais factos e só podem ser impugnados por documento posterior de igual valor, isto é, o impugnante tinha apresentar um documento assinado por ele e pelo exequente posteriormente ao “Contrato de Assunção de Dívida”, assinado em 27 de Fevereiro de 2015, de igual força probatória, que contivesse factos modificativos ou factos extintivos (RL, 14-6-1977:BMJ, 270º. - 255, e CJ, 2º - 657 e RE, 16-10-1974: BMJ, 241º. - 355)
127. O princípio que se extrai dos arts. 221º e 222º do Código Civil, são princípios que permitem a sua aplicação não apenas a cláusulas acessórias ou acidentais, mas aos próprios negócios jurídicos pelos quais as mesmas partes cancelem no todo ou em parte o negócio jurídico legal ou voluntariamente formal, designadamente à revogação de um contrato celebrado mediante escritura pública (Castro Mendes, Teoria Geral, III , 1979, págs.108 e s.)
128. Nesta conformidade, considera-se como desnecessária e legalmente inadmissível, a enumeração como provados dos factos R) a Y) da Fundamentação – Os Factos Provados, da douta sentença recorrida, entendendo-se que através do documento “Contrato de Assunção de Dívida”, que é o título executivo se deve ter como plenamente provada a responsabilidade do embargante pelo pagamento integral da dívida de €1.330.000,00, descontado o valor de €950.000,00, já pagos pelo executado ao exequente, sendo a quantia exequenda de €380.000,00, conforme consta e foi peticionado no Requerimento Executivo dos autos do processo principal.
129. Segundo a douta sentença recorrida: ”A resposta positiva aos factos M) a Y), o Tribunal considerou o depoimento da testemunha J..., que se mostrou isento, espontâneo, claro e objetivo, que participou nas negociações quanto ao valor da dívida da D..., SA para o exequente, proveniente da aquisição, por aquela, da sociedade E..., Lda, e à sua forma de pagamento.
130. Esta testemunha descreveu a forma como se desenrolaram as negociações, da forma a que se referem os factos provados M) a V)”
131. E ainda pode ler na douta sentença: “Considerou, ainda, o Tribunal as declarações de parte do embargante, porquanto as mesmas são corroboradas pelo depoimento da testemunha J... e pela documentação acima referida, constante dos autos”.
132. Certamente que o Tribunal, ao considerar como provado que o exequente perdoou, €380.000,00, sem qualquer contrapartida, a uma das maiores empresas do país no seu ramo de actividade, agiu com razoabilidade, segundo as regras da experiência, da maior probabilidade das coisas da vida, segundo as deduções lógicas, os dados da intuição humana, o normal acontecer no dia-a-dia da vida empresarial deste país? Certamente que a resposta tem que ser negativa.
133. Pode dizer-se que esta convicção do Tribunal não vai de encontro ao que é expectável para o cidadão comum, tendo em conta que ninguém faz um desconto a uma grande empresa, no montante de €380.000,00, pois, qualquer desconto por parte de exequente, necessariamente, pressupunha o acordo sobre a questão do aval, o que é natural entre pessoas que sabem o que é um aval e um contrato assinado pelos avalistas, autorizando o preenchimento de uma livrança em poder da F....
134. Transcreveram-se alguns excertos da gravação feita na audiência de 14-03- 2017, no Sistema Habilus Media Studio que bem denotam as fragilidades das declarações de parte e o depoimento da testemunha Dr. J....
135. A douta sentença recorrida não valorou o depoimento da testemunha P... conhecedora das partes intervenientes na aludida negociação de 25, 26 e 27 de Fevereiro de 2015, não obstante saber dos factos, quer por conhecimento directo, quer por via indirecta, mas da própria boca dos interessados e intervenientes nas negociações.
136. Desta maneira, o depoimento desta testemunha, só por ser sobrinha do exequente, não é frágil nem especulativo, porque ela esteve no escritório do Sr. C... nos dias das negociações, tendo estado algumas vezes pessoalmente presente na mesa das negociações, como se afirmou o Dr. J....
137. O título executivo é um documento escrito constitutivo ou certificativo de obrigações que, mercê da força probatória especial de que está munido, torna dispensável o processo declaratório para certificar a existência do direito do portador e a que é conferida força executiva, por ele se determinando o fim e os limites da acção executiva (art.º, 10º, nº. 5, 703.º, n.º 1 e 707º. do CPC).
138. Como se pode ver da fundamentação das respostas aos factos M) a Y), o Tribunal fundou a sua convicção probatória, com muita e especial relevância, nas declarações de parte do embargante e no depoimento do Dr. J..., que considerou “isento, espontâneo, claro e objectivo” e que as declarações do embargante foram corroboradas pelo depoimento do Dr. J....
139. Reitera-se a posição anteriormente sustentada dizendo que a interpretação conferida pelo Tribunal a quo aos arts. 393º/2 e 394º/1 do Código Civil não é conforme à lei, designadamente o artigo 9º, nº.2 do Código Civil, nem tão pouco conforme à Constituição, pois, os Tribunais aplicam as leis e não as revogam, que é um poder da Assembleia da República.
140. Invoca-se, desde já, que esta interpretação do Tribunal a quo aos referidos artigos do Código Civil não se coaduna com o artigo 20º entre outros da Constituição da República Portuguesa: o Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, o direito de defesa, direito de boa administração da justiça e ainda o Princípio da Igualdade consagrado no artigo 13º/2, finalmente, o artigo 2º do mesmo Diploma Fundamental por violação dos Princípios e direitos aí consagrados do Estado de Direito.
141. O artigo 236º do Cód. Civil consagra um critério objetivo de determinação do sentido juridicamente relevante (teoria da impressão do destinatário), mitigado embora com concessões subjetivistas – parte final do nº 1 e nº 2 do normativo.
142. Visou-se com a consagração de um critério objetivo proteger a “legitima confiança do declaratório e os interesses gerais do comércio jurídico” – Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina, 1974, Vol. II, pág. 312”
143. São aliás estas motivações que justificam o valor decisivo atribuído à “vontade real” quando conhecida pelo declaratório, por não intervirem então tais motivos.
144. Assim é que nos termos do nº 2 do citado artigo, a declaração vale com o sentido correspondente à vontade real das partes, se tal vontade for conhecida pelo declaratório, e sempre com a ressalva dos nºs 1 e 2 do artigo 238ºdo Cód. Civil.
145. Tratando-se de um negócio formal (Contrato de Assunção de Dívida remanescente do Contrato de Cessões de Quotas e Renúncia à Gerência outorgado em 4/3/2011), como é o caso, nos termos do artigo 238º do Cód. Civil., o título Executivo só pode valer com o sentido juridicamente relevante que resulte da aplicação das regras do artigo 236º do Cód. Civil, isto é, vale com o sentido correspondente ao texto do respetivo documento, ali perfeitamente expresso na letra das cláusulas PRIMEIRA e SEGUNDA.
146. Aliás a presença nas negociações de 27 de Fevereiro de 2015 e a assinatura de dois administradores da D..., S.A. (Senhores B... e L...) tem sentido para formalizar a assunção de dívida da D..., S.A. para com o Sr. C... por parte de executado, ficando este credor de €1.330.000,00 junto da mesma D..., S.A, como consta do título executivo.
147. O embargante não foi coagido a assinar a confissão de dívida, não estava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela e até se rodeou das necessárias cautelas para garantir o seu crédito, assegurando-se com a sua assinatura e a de outro administrador, para ficar sub-rogado junto da D....
148. Não está em causa um contrato de adesão e nada justifica que se considere que a declaração de embargante nele inserto e supra referida não reflicta ou traduza, em rigor, a emissão de uma declaração de vontade do executado.
149. O Tribunal recorrido, com todo o material de conhecimento sobre o qual formou a sua convicção, erradamente, nunca classificou o título executivo como uma confissão, com o valor probatório pleno constante dos arts. 352º a 361º e 458º do Cód. Civil , cometendo erro de julgamento.
150. Assim se compreende que lhe seja dado o poder ao Tribunal da Relação de apreciar a questão da confissão, e apreciando-a, exerça censura sobre a decisão proferida na 1ª instância.
151. Não pode deixar de admitir-se que o tribunal de 2ª instância fica então colocado nas exatas condições criadas ao tribunal recorrido pelo art.º 607º, nº. 3, 4 e 5 do CPC para julgar a matéria de facto segundo a sua convicção formada em harmonia com o regime da liberdade de apreciação da prova. (art. 662º do CPC)
152. Nos termos do art. 662º, do CPC, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
153. As diferentes als. do nº. 2 do art. 662º do CPC permitem a modificação da matéria de facto se, no processo, houver prova em sentido diverso (a contrario da al. c) do nº. 2 do art. 662º.)
154. Este fundamento está, como se sabe, relacionado com o valor legal da prova, exigindo-se que a força probatória dos elementos coligidos no processo não possa ser afastada pela prova produzida em julgamento.
155. Ao abrigo desta al. c) a alteração das respostas só é admissível quando haja no processo um meio de prova plena, resultante de documento, confissão ou acordo das partes, e esse meio de prova plena diga respeito a determinado facto sobre o qual o Tribunal também se pronunciou em sentido divergente.
156. Por Contrato de Assunção de Dívida, assinado pelas partes, o exequente confessou o valor da dívida no montante de €1.330.000,00 e confessou ser ele o responsável pelo integral e efetivo pagamento ao exequente.
157. Na jurisprudência, citando um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.6.1977, o acórdão do mesmo Tribunal de 9.1.2003 (Coletânea de Jurisprudência do STJ, T.I. pág. 8), refere: “A solução legal compreende-se bem: desde que esteja estabelecida a autoria do documento, e nele se contenha uma declaração, feita ao declaratório, contrária ao interesse do declarante, tal declaração representa uma confissão do seu autor, pelo que a esse documento particular deve ser atribuído nas relações entre ambos, valor probatório pleno (art.º 352º e seguintes do Código Civil).
158. Essa força probatória significa que os factos não carecem de outra prova para se terem como demonstrados, mas não implica que o declarante não possa impugnar a sua validade, nos termos gerais, por falta ou vícios da vontade, precisamente como acontece com a declaração confessória (art.º 359º do Código Civil), e designadamente provando, por exemplo, que a declaração resultou de erro (cf. Prof. Vaz Serra, Provas, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 112, pág. 69, nota 800-a)”.
159. A confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art.º 352º do Código Civil).
160. “É uma declaração de ciência (não uma declaração constitutiva, dispositiva ou negocial), pela qual uma pessoa reconhece a realidade de um facto que lhe é desfavorável (contra se pronuntiatio) – dum facto cujas consequência jurídicas lhe são prejudiciais e cuja prova competiria, portanto, à outra parte, nos termos do artigo 342.º do Código Civil. (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 240 e 241)
161. Como ensina Vaz Serra, (Vaz Serra, Provas – Direito Probatório Material, in BMJ 111/16) “a força probatória plena, atribuída pela lei à confissão judicial e a certas confissões extrajudiciais, é independente da intenção do confitente e funda-se na regra de experiência de que quem conhece um facto a si desfavorável e favorável à parte contrária fá-lo porque sabe ser ele verdadeiro. No mesmo sentido, Lebre de Freitas, “A Confissão no Direito Probatório”, pág.s 160 e 187.
162. Como refere Vaz Serra (Vaz Serra, Provas – Direito Probatório Material, in BMJ 111, pág 17) a confissão é uma prova pleníssima, visto não admitir, em regra, prova do contrário, sendo, por este motivo, declarada regina probationum, probatio probatissima ou omnium probationum maxima.
163. A declaração em documento particular autenticado efetuada pelo exequente de que, por ser acionista (da D..., S.A.) e nisso ter interesse, assume, desde o dia 25 de Fevereiro de 2015,as responsabilidades da D..., S.A, pelo integral e efectivo pagamento do remanescente em débito da cessão de quotas e que à presente data é de €1.330.000,00, ficando assim credor de tal quantia junto da Primeira Contratante (D..., S.A.) não pode deixar de constituir a confissão inequívoca de um facto desfavorável, feita à parte contrária, presente no ato documentado.
164. Nesse caso, não vemos como pode a decisão recorrida ultrapassar o valor daquela declaração como confissão extrajudicial relevante para efeitos do art.º 358º, nº 2, última parte, e art. 458º do Código Civil.
165. Tem força probatória plena, porque feita à parte contrária, pelo que a sentença recorrida, ao decidir como decidiu, incorreu em erro de julgamento.
166. Como ensina ainda o Prof. Alberto dos Reis “se estiver junto aos autos documento que faça prova plena ou cabal de determinado facto e o juiz, na sentença, tiver admitido facto oposto, com base na decisão do tribunal colectivo, incumbe à Relação fazer prevalecer a força probatória do documento”.
167. A al. c) do nº 2 do art.º 662º do Código de Processo Civil (a contrario) viabiliza a eventual modificação da matéria de facto se constarem do processo todos os elementos, que nos termos do nº. 1 do citado art. 662º, permitam alteração da decisão proferida sobre matéria de facto.
168. Também o art. 662º., nº1 do CPC impõe que o Tribunal da Relação altere a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
169. Conforme o alegado supra, a questão que se coloca é que o recorrente entende que, no caso dos autos, não é admissível a prova testemunhal.
170. Todavia, caso não seja esse o entendimento, sem prescindir e por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que, depois da audiência em 1ª. Instância, o recorrente teve conhecimento de factos novos, muito relevantes, que também chegaram ao conhecimento de muitas outras pessoas.
171. O embargante, depois do julgamento em 1ª. Instância, recompensou a testemunha Dr. J..., que, infelizmente já não está entre nós, com uma vantagem patrimonial com significado monetário muito elevado, no valor de dezenas de milhares de euros, através de emissão e entrega à testemunha de um cheque da conta bancária pessoal do embargante, conta debitada, e que foi depositado e creditado na conta bancária de que a testemunha, Dr. J..., era titular na agência da Q..., agência ..., pela compra de acções da D..., mas pagas a um preço muito acima do valor real dessas acções.
172. Esta vantagem patrimonial, com expressão monetária tão significativa e de montante tão elevado, é muito estranha e suspeita, afetando a credibilidade do depoimento de quem a recebeu e as declarações de parte de quem a deu.
173. O recorrente repudia, de forma veemente e não se pode ficar calado e inactivo, perante práticas que descredibilizam e subvertem todo o sistema da boa administração da justiça.
174. Estamos perante uma conduta que não nos atrevemos a classificar, gerando dúvidas sérias sobre a credibilidade das declarações de parte do embargante e do verdadeiro sentido do depoimento do Dr. J... (art. 662º, nº2, al. a) do CPC) (Vide documentos de fls. 367 a 368v. – II Vol. de Embargos de Executado)
175. Nestas circunstâncias, que muito sinceramente se lamentam, impõe-se ao recorrente um especial ónus de alegar todos os factos supervenientes à primeira sentença que chegaram ao seu conhecimento, em decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação da decisão proferida em 1ª. Instância, visando uma decisão inquestionavelmente justa e correcta, como resulta da redacção do art. 662º do CPC e como é de JUSTIÇA.
176. Atendendo às diferentes posições que cada uma das partes tomou no processo, não podemos esquecer a relevância que na decisão recorrida é dada pelo Tribunal às declarações de parte do embargante e ao depoimento do Dr. J...: ”Considerou ainda o Tribunal as declarações de parte do embargante, porquanto as mesmas são corroboradas pelo depoimento da testemunha J...”.
177. E ainda: ”A resposta positiva aos factos M) a Y), o Tribunal considerou o depoimento da testemunha J..., que se mostrou isento, espontâneo, claro, objectivo, que participou nas negociações quanto ao valor da dívida da D..., SA, para com o exequente, proveniente da aquisição, por aquela, da sociedade E..., Lda. e à sua forma de pagamento”
178. Vista a posição que o embargado toma perante o documento dado à execução como título executivo, considerando que se trata de uma confissão de dívida que faz prova plena, o problema que se coloca não é tanto relativo à confirmação dos factos deles constantes, mas da sua conjugação e da relevância que o Tribunal atribuiu ao depoimento do Dr. J... e às declarações de parte do embargante, no julgamento da matéria de facto.
179. O recorrente impugnou a decisão sobre a matéria de facto com base no art.662º do CPC, já que houve lugar à produção de prova testemunhal e invocada a respetiva gravação nos termos do art. 640º do mesmo diploma.
180. Esqueceu a douta sentença recorrida que o contrato de Assunção de Dívida, sendo assinado, em 27 de Fevereiro de 2015, pelo exequente e executado e pelo Sr. L..., este e o executado fazem-no na qualidade de administradores da D..., S.A. e o executado assina o contrato onde confessa a dívida, assinando também a título pessoal.
181. Se há situação em que a testemunha, Dr. J..., não foi isenta foi a presente, pois, disse que não esteve presente ano acto da assinatura do título executivo, que até o desconhecia.
182. O Dr. J... foi quem promoveu as negociações e esteve presente nos 3 dias de negociações, conforme consta do depoimento da P... e do próprio Dr. J...; inclusive, esse facto, a presença do Dr. J... na assinatura do título executivo, é confessado na petição de embargos no nº. 22º.
183. O embargante alegou textualmente:” Contudo, em relação aos dois documentos entretanto alterados pelo Advogado da D..., Dr. U..., o Exequente não assinou os mesmos, metendo-os na gaveta da sua secretária, e comprometendo-se a assiná-los mais tarde, em virtude do Dr. J... ter abordado uma questão que se prendia com uma dívida que a E... Lda., tinha para com a F..., na qual o Exequente era avalista, tendo este nessa qualidade efectuado o respectivo pagamento àquela instituição de crédito, no valor de 250.000.00 €, por tal lhe ter sido exigido pela F..., em virtude da E... não ter condições para efectuar tal pagamento (Cfr. documentos de fls. 270 a 281 e doc. de fls. 155v. este escrito pelo próprio Dr. J...) e ainda as transcrições feitas da prova gravada da 1ª. Sessão da audiência de julgamento de 14.03.2017, das 10.54m até às 11:21m
184. Ao contrário do depoimento anterior, como se verifica pela documentação junta aos autos, Contrato de Cessão de Quotas e Renúncia à Gerência, datado de 4 de Março de 2011, (Doc nº. 1 – fls. 11 a 16 do I Vol de embargos de executado), o mesmo está assinado pelo Dr. J..., na qualidade de administrador da D..., SA, e no mesmo contrato na Cláusula Sexta está escrito: “O Segundo Contratante (M...), e os Terceiros Contratantes (K..., L... e J...) estes últimos na invocada qualidade de administradores e em representação da Cessionária (D..., SA) declaram que se obrigam a diligenciar junto da F..., SA, pela exoneração ou liberação dos avales ou fianças, designadamente, os prestados na conta corrente caucionada e na garantia bancária constituída a favor do IAPMEI (Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, que qualquer um dos primeiros contratantes (Sr. C... e sua filha I...) tenham prestado a favor da sociedade comercial por quotas denominada “ E..., Lda.”
185. Como se verifica pela gravação, a testemunha faltou à verdade, ao dizer que, em 4 de Março de 2011,não era administrador da D..., que no referido contrato não constava a obrigatoriedade de libertação do aval prestado pelo Sr. C... e pela sua filha I....
186. A testemunha, Dr. J..., afirmou que nas negociações, dos dias 25, 26 e 27 de Fevereiro de 2015, não foi discutida a questão do aval, mas escreveu num papel, que levou para as negociações, papel timbrado de S..., Lda. com sede na Rua ..., ., ....-... ..., residência que foi do Dr. J..., onde ele manuscreveu: “PARA RESOLVER um PROBLEMA da D... e para tranquilidade do C... - 1) Pagar todos os cheques de = 20.000€; 2) Dar cheque de 750.000,00€ (no acto da escritura), 3) Libertar C... e filha do aval de 250.000€”. Segue-se uma rúbrica do Dr. J.... (fls. 155v. do I Vol. dos autos de embargos)
187. Atendendo às relações profissionais e societárias do Dr. J... com o embargante, tudo devia ter levado o julgador a ser mais cauteloso na apreciação do seu depoimento e, além disso, não foi o seu depoimento tão peremptório na ligação da “confissão de dívida” com o embargante, refugiando-se com a falsa desculpa de que desconhecia o Contrato de Assunção de Dívida, título dado à execução, que foi assinado na sua presença.
188. Na Sentença recorrida não se procedeu a uma correcta interpretação dos elementos constantes dos autos, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como se efectuou uma incorrecta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto.
189. Perante a confissão de dívida assinada pelo embargante não é possível, indo contra o conteúdo do documento, efectuar prova testemunhal tendente a demonstrar que a confissão/declaração feita pelo embargante ao embargado/exequente que, desde 25 de Fevereiro de 2015, a dívida da D..., S.A. ao exequente é de €1.330.000,00 e que o embargante assume desde 25 de Fevereiro de 2015, as responsabilidades pelo integral e efectivo pagamento desse débito ao exequente, ficando credor dessa importância junto da D..., S.A.
190. Como refere Manuel de Andrade, a confissão quando exarada em documento com força probatória plena e for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena (art. 358º nº 2 do Cód. Civil) ” (in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 247).
191. Ainda em relação ao valor probatório da confissão extrajudicial, este mesmo autor sustenta que uma vez estabelecida a sua autenticidade, essa confissão (escrita) “só vincula o confitente (e através dele o juiz) quando dirigida à parte interessada ou seu representante; se for feita a um terceiro ou ainda se contida em testamento o juiz apreciá-la-á livremente (Cód. Civil art. 358º nº2 e 4)” (obra citada, pág. 255).
192. O título apresentado à execução nos autos preenche todos os requisitos de exequibilidade do título executivo, razão pela qual a douta sentença recorrida, assim não considerando, violou o disposto nos arts. 10º, nº5, 703º, nº. 1, al. b) e 707º. Do Código de Processo Civil.
193. A decisão recorrida, ao considerar procedentes os embargos, não fez uma judiciosa e correcta interpretação e aplicação das normas legais que lhe competia aplicar, nomeadamente os arts. 10º, nº5, 703º, nº. 1, al. b) e 707º. do Código de Processo Civil e arts. 352 e 358º, nº.2 e 458º.do Código Civil.
194. A decisão recorrida viola a lei em duas vertentes: por um lado, viola lei substantiva no que concerne às regras de interpretação da declaração negocial; por outro lado, viola as regras que, de forma imperativa, ordenam a produção dos diversos meios de prova, sua admissibilidade e/ou valoração.
195. O embargante/executado não pagou ao embargado/exequente a importância de €380.000,00 que lhe era devida, a título do Contrato de Cessão de Quotas e Renúncia à Gerência, datado de 4/3/2001, e pela força da Confissão de Dívida, título executivo dado à execução.
196. A decisão recorrida não pode manter-se, porque fez uma errada aplicação e interpretação do direito aos factos dos autos.
197. Pelo que a sentença recorrida, não tendo reconhecido o título executivo como confissão de dívida, impõe-se que o Tribunal da Relação reconsidere essa decisão, porque se trata de matéria de direito uma vez que o Tribunal a quo violou os artigos 236°, 238º, 352º, 358º, nº.2 e 458º ° do Código Civil e 10º, nº5, 703º, nº. 1, al. b) e 707º. do Código de Processo Civil.
198. Deve, nestes termos, considerar-se provados os Factos nº 1 e 4 dos Factos considerados não provados, nos termos alegados supra destas alegações, complementando com o alegado no nº 22 da douta petição de embargos.
199. Alterada assim em conformidade a matéria de facto, teremos forçosamente de concluir: que o título dado à execução consubstancia uma declaração/confissão de dívida assumida pessoalmente pelo Executado perante o Exequente, dívida certa e exequível.
200. O executado, porque assumiu a dívida exequenda, a título pessoal perante o Exequente, deve a este a quantia exequenda; de tudo resultando que os embargos têm que ser julgados improcedentes.
201. É de todo inegável que o documento Contrato de Assunção de Divida, que aqui se debate, e que corporiza o título executivo apresentado pelo exequente, constitui um documento particular autenticado, que, por não ter sido impugnado pelas partes, goza de força probatória plena, nos termos constantes do arts 352º, 358º, nº.2 e 458º ° do Código Civil.
202. Em suma, impõe-se a revogação da douta sentença recorrida, uma vez que violou os artigos 236°, 238º, 352º, 358º, nº.2 e 458º ° do Código Civil e 10º, nº5, 703º, nº. 1, al. b) e 707º. do Código de Processo Civil.
203. Na pequenina sala de audiências, na 1ª sessão de julgamento, sentava-se um cidadão, o Dr. K..., administrador da D..., que não tinha assinado o Contrato de Assunção de Dívida, mas cujo semblante não escondia o espanto e a surpresa ao ouvir a estranha, deturpada e ambígua versão dos factos apresentada pelo embargante e pela testemunha Dr. J..., reação que certamente a imediação permitiu ao Tribunal não deixar passar despercebida.
204. Todavia, certamente o Tribunal teria mais dificuldade em considerar como verdadeiras certas partes do depoimento do Dr. J... e das declarações de parte do embargante, se soubesse do negócio constante dos documentos de fls. 361 a 362v.
205. Deve dar-se provimento ao recurso e em consequência:
-Julgarem-se não provados e improcedentes os embargos de executado, com as legais consequências, para tanto se considerando válido o Contrato de Assunção de Dívida, assinado pelo executado e pelo exequente, constante do título executivo, que é um documento autenticado, fazendo o mesmo prova plena.
- Por deficiência da decisão sobre a matéria de facto, e atenta a prova junta sobre a falta de credibilidade do depoimento do embargante e da testemunha Dr. J..., em defesa da mais premente Justiça, deve ser determinada a alteração da decisão do Tribunal sobre a mesma, nos termos propugnados supra, tendo também em consideração os documentos de fls. 155v., - I Vol., e fls. 270 a 281 e 367 a 368v. – II Vol, julgando-se, em consequência, os embargos improcedentes, por não provados.» (sic)
Termina pedindo que, sendo dado provimento ao recurso, seja revogada a sentença, julgando-se os embargos improcedentes.
*
*
O embargante fez culminar as suas alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
«1)
Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida, que julgou procedentes os embargos de executado deduzidos pelo ora Recorrente, contra o Exequente, declarando extinta a execução e condenando o Exequente como litigante de má-fé na multa de 30 UC.
2)
Ora, a sentença em causa, muito embora, tenho decidido pela procedência dos embargos de executado deduzidos pelo ora Recorrente, declarando extinta a execução, e portanto no sentido propugnado pelo Recorrente, deveria ter considerado como provado o seguinte facto “No dia 27 de Fevereiro de 2015, depois da entrega dos cheques do Executado ao Exequente, e após este meter na gaveta da sua secretária os dois documentos que lhe foram entregues, sem os assinar, o Dr. J... falou ao Exequente numa questão que se prendia com uma dívida que a E..., Lda. tinha para com a F..., no valor de 250.000,00 €, na qual o Exequente era avalista, como sendo um problema a resolver posteriormente” - depoimento de parte do Executado – página 100.
3)
Contudo, nunca durante as negociações, o pagamento do montante de 250.000,00 €, devido pela E... à F..., foi apresentado pelo Exequente ao Executado, como condição para a redução do valor da dívida da D... ao Exequente, de 1.330.000,00 € para 950.000,00 €, tal como aliás a Meritíssima Juíza deu como provado na sentença ora sob recurso.
4)
Para além disso, a sentença ora sob recurso sofre de uma nulidade, prevista no artigo 615º, número 1, alínea d), uma vez que o juiz deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.
5)
Com efeito, nos embargos de executado deduzidos pelo ora Recorrente, o mesmo pediu a condenação do Exequente como litigante de má-fé, no pagamento de uma multa e de uma indemnização ao Executado nunca inferior a 2.500,00 €.
6)
Ora, nos termos do disposto no número 1 do artigo 613º do Código de Processo Civil, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
7)
Por outro lado, o artigo 608º, número 2 preceitua que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, o que não foi o caso, uma vez que na parte decisória da sentença sob recurso, a Meritíssima Juiz do tribunal “a quo”, condenou o Exequente como litigante de má fé, mas apenas numa multa de 30 UC, não condenando o mesmo Exequente no pagamento de uma indemnização, tal como aliás foi peticionado pelo Executado nos respectivos embargos.
8)
Assim, a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” deveria ter conhecido na sentença ora sob recurso a questão suscitada pelo Executado nos respectivos embargos, referente à condenação do Exequente no pagamento de uma indemnização, decorrente da sua condenação como litigante de má-fé.
9)
Não o tendo feito, a Meritíssima Juiz proferiu uma sentença nula, ao abrigo do disposto no artigo 615º, número 1, alínea d) do Código de Processo Civil, por não se ter pronunciado sobre uma questão que deveria ter apreciado, violando desta forma entre outras, as disposições contidas no n.º 2 do artigo 608º do Código de Processo Civil, e o número 1 do artigo 613º do mesmo diploma legal.» (sic)
Termina no sentido de que, alterando-se a matéria de facto, se conheça do pedido de condenação do exequente no pagamento de uma indemnização decorrente da sua condenação como litigante de má-fé, conforme peticionado pelo executado.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
As questões a decidir --- exceção feita para o que for do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões das apelações do embargante e do embargado exequente (art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil).

Da apelação do exequente, importa conhecer e decidir:
1- Erro de julgamento na decisão em matéria de facto;
2- Consequências jurídicas da modificação daquela decisão.

Na apelação do embargante, somos chamados a conhecer e a decidir:
3- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art.º 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil);
4- Erro de julgamento na decisão em matéria de facto.
*
*
III.
Na sentença foram dados como provados os seguintes factos[1]:
A)
Foi dado à execução o documento epigrafado de “Contrato de Assunção de Dívida, datado de 27 de fevereiro de 2015, junto a fls. 2v e ss dos autos principais, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais.
B)
Foram intervenientes no referido contrato a sociedade D..., SA, na qualidade de primeira outorgante, o executado B... na qualidade de segundo outorgante e o exequente C... na qualidade de terceiro outorgante, por si e em representação de sua mulher G... e das filhas H... e I....
C)
Entre as referidas partes foi acordado o seguinte:
Primeira
A Primeira Outorgante outorgou em 4 de março de 2011 com o Terceiro Outorgante e suas Representadas um Contrato de Cessão de Quotas e Renúncia à Gerência relativo às quotas sociais que estes eram titulares na sociedade “E..., Lda.
Segunda
Por ser acionista da primeira contratante e nisso ter interesse, o segundo contratante, assume, desde o dia 25 de fevereiro de 2015 as responsabilidades da primeira contratante pelo integral e efetivo pagamento do remanescente em débito da referida cessão de quotas, e que à presente data é de Euros: 1.330.000,00, ficando assim credor de tal quantia junto da primeira contratante.
Terceira
O terceiro contratante aceita para si e para as suas representadas o conteúdo do presente contrato, considerando assim, a partir da data do mesmo, unicamente como responsável pelo pagamento da quantia de Euros: 1.330.000,00 o segundo contratante. (…)
D)
Com efeito, em 4 de março de 2011, foi celebrado entre o exequente C... e a D..., S.A. um contrato de cessão de quotas e renúncia à gerência, através do qual o exequente e família (mulher e duas filhas) cedeu àquela empresa, as quotas da sociedade E..., Lda. pelo preço global de 2.334.500,00€.
E)
Nos termos da cláusula sétima do referido contrato, a mulher e as duas filhas do exequente declararam que a título de sinal e princípio de pagamento do referido preço global das cessões efetuadas receberam da sociedade D..., S.A., na data da celebração do contrato, a quantia de 500.000,00 €.
F)
Nos termos da cláusula oitava do mesmo contrato, todos os contratantes acordaram que o pagamento do remanescente do preço, a efetuar pela D..., S.A. aos cedentes, seria efetuado em prestações melhor discriminadas no referido contrato.
G)
Por dificuldades financeiras da D..., o referido contrato foi alvo de várias reestruturações, tendo sido introduzidas alterações à referida cláusula oitava, que se consubstanciaram no alargamento dos prazos de pagamento do remanescente do preço estipulado.
H)
Assim, em 14 de Abril de 2014 fixou-se o valor das prestações em débito em 1.450.000,00€, valor que a D... reconheceu como dívida, conforme consta do aditamento ao contato de cessões de quotas e renúncia à gerência, constante de fls. 16v e ss cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais.
I)
Nos termos da cláusula segunda do referido aditamento ao contrato de cessões de quotas e renúncia à gerência, ficou acordado que o pagamento da dívida no montante de 1.450.000,00 €, a efetuar pela D... ao aqui Exequente seria efetuado da seguinte forma:
- Cheque número .........., datado de 15 de Junho de 2014, sacado sobre o N..., no valor de 100.000,00 €;
- Cheque número ..........., datado de 15 de Setembro de 2014, sacado sobre o N..., no valor de 100.000,00 €;
- Cheque úmero .........., datado de 15 de Dezembro de 2014, sacado sobre o N..., no valor de 100.000,00 €;
- Cheque número .........., datado de 15 de Março de 2015, sacado sobre o N..., no valor de 100.000,00 €;
- Cheque número .........., datado de 15 de Junho de 2015, sacado sobre o N..., no valor de 150.000,00€;
- Cheque número .........., datado de 15 de Setembro de 2015, sacado sobre o N..., no valor de 150.000,00 €;
- Cheque número .......... datado de 15 de Dezembro de 2015, sacado sobre o N..., no valor de 150.000,00 €;
- Cheque número .........., datado de 15 de Março de 2016, sacado sobre o N..., no valor de 150.000,00 €;
- Cheque número ..........,datado de 15 de Junho de 2016, sacado sobre o N..., no valor de 150.000,00 €;
- Cheque número .........., datado de 15 de Setembro de 2016, sacado sobre o N..., no valor de 150.000,00 €;
- Cheque número .........., datado de 15 de Dezembro de 2016, sacado sobre o N..., no valor de 150.00000 €.
J)
Para pagamento parcial da quantia fixada no referido aditamento ao contrato de cessões de quotas e renúncia a gerência, a D... entregou ao Exequente cheques, no montante de 20.000,00 € cada um, que perfazem a quantia global de 120.000,00 €.
K)
Os referidos cheques foram todos pagos nas respetivas datas de vencimento.
L)
Do valor global do preço das quotas supra referidas, a D... ainda ficou com um débito para com o Exequente, no valor remanescente de 1.330.000,00 €.
M)
Em face das dificuldades financeiras da D..., que a impossibilitavam de cumprir o acordado com o Exequente, o Presidente do Conselho de Administração da D..., B..., aqui executado, solicitou ao Exequente a realização de uma reunião, com vista a encontrarem uma solução e resolverem definitivamente o assunto.
N)
Assim, em 25 de Fevereiro de 2015, durante a manhã, o exequente e o executado reuniram na sede da sociedade T..., Lda., na presença do advogado da D..., S.A., o Dr. U..., e do seu pai, o Dr. J..., este último na qualidade de presidente da assembleia geral da D..., e com o objetivo de ajudar na obtenção de um acordo, dada a relação de amizade com o exequente.
O)
Nessa reunião ficou acordado entre exequente e executado que o valor da dívida da D... seria assumido pessoalmente pelo Executado e que o Exequente reduziria o respetivo montante de 1.330.000,00 € para 900.000,00 €, valor este a ser titulado por cheques pessoais do executado a entregar ao exequente.
P)
No dia seguinte, ou seja, no dia 26 de fevereiro de 2015, também durante a manhã, o executado, juntamente com o advogado da D..., Dr. U..., e o pai deste, Dr. J..., na qualidade de presidente da assembleia geral da D..., deslocaram-se novamente à sede da sociedade T..., Lda, com o intuito de entregarem ao exequente os cheques pessoais do executado, recebendo em troca os cheques da D..., que o exequente ainda tinha na sua posse como garantia do pagamento da dívida daquela sociedade.
Q)
Nesse dia, o Executado já levava consigo os cheques pessoais, que titulariam a dívida por si assumida, no valor de 900.000,00 €, a saber:
- Cheque número .......... datado do dia 26 de fevereiro de 2015, sacado sobre o V..., no valor de 250.000,00 €;
- Cheque número .........., datado de 25 de maio de 2015, no valor de 250.000,00 €;
- Cheque número ........., datado de 25 de agosto de 2015, no valor de 250.000,00 €;
- Cheque número ........... Datado de 31 de dezembro de 2015, no valor de 150.000,00 €;
R)
Nesse mesmo dia, o advogado da D..., SA., o Dr. U..., também já levava consigo dois documentos para serem assinados em simultâneo pelos Exequente e Executado, com vista a formalizar o acordo alcançado entre ambos, a saber:
- o contrato de assunção de dívida dado à execução;
- uma declaração-recibo, através da qual o exequente declarava, ter recebido naquela data, para si e para a sua mulher e filhas, os cheques referidos em S)[2], a título de remanescente e completo e integral pagamento que lhe eram devidos a si e às suas representadas pela sociedade D..., S.A., em consequência da renegociação do preço e condições de pagamento relativas ao contrato de cessões de quotas e renúncia à gerência outorgado em 4 de Março e 2011, pelo que com a boa cobrança dos cheques supra identificados, davam para si e para as suas representadas, a correspondente quitação plena, já que nada mais tinham a receber, seja a que título for, em consequência do mencionado contrato de cessões de quotas e renúncia a gerência outorgado no dia 4 de março de 2011.
S)
Nesse dia 26 de fevereiro de 2015, o exequente comunicou ao executado que afinal não aceitava o valor de 900.000,00 € acordado na véspera, mas exigia que o Executado pagasse mais 50.000,00 €.
T)
O executado acabou por aceitar a imposição do exequente para resolver definitivamente o assunto.
U)
No dia seguinte, ou seja, dia 27 de fevereiro de 2015, também de manhã, as mesmas pessoas deslocaram-se novamente às instalações da referida sociedade do Exequente, e nessa altura este recebeu os cheques referidos em S)[3], acrescidos do cheque número .........., datado de 30 de Abril de 2015, no valor de 50.000,00 €.
V)
Nessa altura, o exequente entregou ao executado os cheques que tinha em seu poder da sociedade D..., S.A., e que se destinavam a garantir o pagamento da quantia de 1.330.000,00€.
W)
Contudo, em relação aos dois documentos entretanto alterados pelo advogado da D..., Dr. U..., o contrato de assunção de dívida e a declaração recibo, o exequente não assinou os mesmos, metendo-os na gaveta da sua secretária, e comprometendo-se a assiná-los mais tarde.
X)
Após a ocorrência dos factos supra descritos, o Exequente tentou reaver os cheques da D... que tinha tido na sua posse para garantia da dívida desta empresa, os cheques referidos em V).
Y)
Em 23 de abril de 2015, o presidente da assembleia geral da sociedade D..., SA. Dr. J..., informou os demais acionistas da referida sociedade que o executado havia negociado a dívida com o exequente de modo a liquidar esse débito por um valor inferior ao seu total.
*
O tribunal recorrido deu como não provada a seguinte matéria[4]:
1 – Durante as negociações, o exequente, a pedido insistente do Dr. J..., admitiu, como mera hipótese de trabalho, a possibilidade de reduzir a dívida da D... se simultaneamente e como contrapartida, também fosse paga ao exequente a quantia que a E..., Lda tinha para com a F..., na qual o exequente figurava como avalista.
2 – Nessa data, o exequente já tinha procedido ao pagamento àquela instituição de crédito do valor de 250.000,00€, por tal lhe ter sido exigido pela F..., SA, dado que a sociedade referida em 1. não procedeu a tal pagamento.
3 – O embargante era quem geria de facto todos os negócios da sociedade E..., Lda.
4 – Como o embargante não aceitou a proposta referida em 1., o exequente não procedeu à redução do valor da dívida da sociedade D..., SA.
*
*
IV.
Apreciação das questões dos recursos
Apelação do exequente
1. Erro de julgamento na decisão em matéria de facto
A exequente manifestou a sua oposição aos pontos M) a Y) da matéria dada como provada e aos itens 1 a 4 da matéria dada como não provada. Defende que a primeira deve ser dada como não provada e que a segunda deve ser considerada provada.
Para tal efeito, argumenta que o tribunal não pode atender à prova testemunhal, por ser, no caso, proibida na parte em que discute ou põe em causa o título executivo, denominado “contrato de assunção de dívida” e que, ainda que o não fosse, nem o depoimento de parte do embargante nem a prestação da testemunha J... merecerem a credibilidade que o tribunal lhes atribuiu na motivação da decisão impugnada. Desvaloriza estes meios de prova com apelo à sua conjugação com alguns documentos juntos aos autos, nomeadamente a fls. 11 a 16, 155 verso, 270 a 281, 361 a 362 verso, 367 a 368 verso e o artigo 22 da petição inicial de embargos enquanto confissão do embargante. Aponta como credível o depoimento de P....
A recorrente deu cumprimento satisfatório aos requisitos da impugnação enunciados no art.º 640º do Código de Processo Civil.
O exequente alega que o documento particular que titula a assunção de dívida, dado à execução, além de autenticado conforme o termo de fls. 45, foi efetivamente assinado pelo executado B... que não discutiu (aceitou) a autenticidade da sua assinatura. Acrescenta que não pode ser discutido em substância através de prova testemunhal, por força do disposto nos art.ºs 393º, nº 2 e 394º, nº 1, do Código Civil, tratando-se de uma confissão de dívida, pelo valor de € 1.330.000,00, com a força probatória que lhe é inerente.
Justifica-se uma resenha sobre o tema.
Com base na definição que nos é dada de documento autêntico pelo art.º 363º, nº 2, do Código Civil, devem ter-se por particulares todos os documentos que não são autênticos, ou seja, todos os que não cabem na definição de documentos autênticos que aquela norma fornece. São, assim, particulares os documentos que provêm de simples particulares ou seja, de pessoas que não exercem atividade pública ou, se a exercem, não foi no uso dessa faculdade que elaboraram os documentos.
Contrariamente aos documentos autênticos que provam a sua autenticidade, ou seja, provam por si que emanam da entidade documentadora respetiva (acta probant se ipse), em regra, os documentos particulares não provam por si mesmos a sua autenticidade ou veracidade; é nisto que reside o traço fundamental que distingue uns dos outros.
A parte contrária, ao não impugnar o documento particular, assume uma atitude passiva que conduz ao reconhecimento da autenticidade do documento, no sentido de que a letra e a assinatura ou só a assinatura se consideram verdadeiras (art.º 374º, nº 1 do Código Civil). Esta é a sua força probatória formal.
Quanto à sua força probatória material, uma vez reconhecida a proveniência do documento e o seu autor, temos que as declarações nele constantes se consideram provadas na medida em que forem contrárias aos interesses do declarante (n.º s 1 e 2 do art.º 376º do Código Civil). Segundo aquele nº 2 “os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão”.
Como refere Vaz Serra[5], “a regra do nº 2 do art. 376º constitui uma presunção fundada na regra de experiência de quem afirma factos contrários aos seus interesses o faz por saber que são verdadeiros; essa regra não tem, contudo, valor absoluto, pois pode acontecer que alguém afirme factos contrários aos seus interesses apesar de eles não serem verdadeiros e que essa afirmação seja divergente da sua vontade por que se ache inquinada de algum vício de consentimento: o facto declarado no documento considera-se verdadeiro embora o não seja, por aplicação das regras da confissão podendo, porém, o declarante, de acordo com as regras desta, valer-se dos respetivos meios de impugnação. Pode, por isso, provar o declarante que a sua declaração não correspondeu à sua vontade ou que foi afetada por algum vício de consentimento… (cf. art.º 359º).
Quer isto significar que os documentos particulares assinados pelo seu autor, se não existir a impugnação a que aludem os artigos 374º e 375º, fazem prova plena em relação às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo, porém, da arguição e prova da sua falsidade.
O documento “assunção de dívida” dado à execução tem um termo de autenticação válido, sendo, por isso, um documento particular autenticado nos termos da lei. Como tal, tem a força probatória dos documentos autênticos, só não os substituindo quando a lei exija documento desta natureza para a validade do ato (art.º art.º 377º do Código Civil).
Sendo assim, o documento em causa faz prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas perceções da entidade documentadora (art.º 371º do Código Civil).
O valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou se contém no documento, mas somente aos factos que se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas perceções da entidade documentadora.[6] Não faz prova plena de que as declarações de vontade das partes contidas nele correspondem à verdade, ou seja, que os factos nelas contidos são reais, salvo na medida em que a entidade documentadora os percecione e o documente como tal.
Aquele valor probatório pleno só pode ser ilidido com base na sua falsidade (art.º 372º, nº 1, do Código Civil).
Pode acontecer que aquele documento, na parte em que não produz prova plena nos termos sobreditos, encerre a confissão de um ou mais factos, ou seja, o reconhecimento que uma parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art.º 352º do Código Civil). “É uma declaração de ciência (não uma declaração constitutiva, dispositiva ou negocial), pela qual uma pessoa reconhece a realidade de um facto que lhe é desfavorável (contra se pronuntiatio) – dum facto cujas consequência jurídicas lhe são prejudiciais e cuja prova competiria, portanto, à outra parte, nos termos do artigo 342.º do Código Civil”[7].
Como ensina Vaz Serra[8], “a força probatória plena, atribuída pela lei à confissão judicial e a certas confissões extrajudiciais, é independente da intenção do confitente e funda-se na regra de experiência de que quem conhece um facto a si desfavorável e favorável à parte contrária fá-lo porque sabe ser ele verdadeiro”[9].
Tal confissão extrajudicial é dotada de força probatória plena, nos termos conjugados do art.º 352º com o art.º 358º, nº 2, do Código Civil. Quer isto dizer que um documento, ainda que não faça prova da realidade do pagamento do preço, por exemplo, fá-la da declaração de confissão desse pagamento, comprovando-se, por esta via confessória, nos termos do citado nº 2 do art.º 358º, a realidade de tal pagamento.[10]
Nos casos em que a confissão faz prova plena, o confitente não pode, em princípio, invalidá-la, e o adversário não carece de fazer outra prova do facto confessado, ficando o juiz vinculado à confissão. Como refere Vaz Serra[11] ela é uma prova pleníssima, visto não admitir, em regra, prova do contrário, sendo, por este motivo, declarada regina probationum, probatio probatissima ou omnium probationum maxima.
Ainda que com força de prova plena, a confissão, seja ela judicial ou extrajudicial, pode ser declarada nula ou anulada nos termos gerais, por falta ou vícios da vontade, designadamente por erro, nos termos do art.º 359º do Código Civil. Significa isso que “a confissão poderá ser atacada se, além de não corresponder à verdade, proceder de erro ou de outro vício do consentimento do confitente”, ou seja, “para que a confissão possa ser impugnada, há-de alegar-se e provar-se que, além do facto confessado não corresponder à realidade, o confitente errou acerca dele ou que foi vítima de outra causa de falta ou de vício da vontade”[12].
Segundo o art.º 347º daquele mesmo código, recai sobre o confitente o ónus de prova da inveracidade da declaração confessória, defrontando-se, no entanto, com as limitações ao nível do direito probatório material no que concerne à apresentação de prova testemunhal ou ao uso de presunções judiciais (art.ºs 393°, n° 2 e 351° do Código Civil).
Quer isto dizer que o confitente é admitido a destruir a força da confissão do facto desfavorável mediante a prova de que, na realidade, tal facto não ocorreu; que o certo é outro facto contrário ao da afirmação que consciente e voluntariamente produziu no documento.
Nesta tarefa de produzir prova do contrário que confessou quando a confissão tenha força probatória plena, encontra o declarante obstáculos de monta. Está-lhe vedado usar da prova testemunhal, atento o disposto nos art.ºs 393° do Código Civil: “Também não é admitida a prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por (…) meio com força probatória plena”. E, ainda, prova por presunções judiciais, agora por força do disposto no art.º 351° do Código Civil: “As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal”.
O nº 3 mesmo art.º 393º, segundo o qual, “as regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento”, só é convocável no caso de haver dúvida acerca sentido e alcance da confissão extrajudicial documentada, não podendo do mesmo lançar-se mão para fazer prova de facto contrário ao confessado, sem o mínimo de correspondência com o conteúdo do meio probatório dotado de força probatória plena, sob pena de se subverter totalmente o preceituado nos nºs 1 e 2 ainda art.º 393º[13].
Porém, tais limitações cedem quando exista outro meio de prova, maxime prova documental, que torne verosímil a inveracidade da declaração, servindo, então, a prova testemunhal ou o recurso a presunções judiciais como complemento dessa prova indiciária.[14]
A exclusão da prova testemunhal fundamenta-se na exigência, para a prova de determinado facto, de um grau de segurança que as testemunhas, pela sua falibilidade, não podem dar e, por maioria de razão, não o poderão dar as presunções.[15]
Existindo um começo de prova por escrito, a prova testemunhal terá o papel de um suplemento de prova, pois as testemunhas não são já o único meio de prova do facto; e a exceção justifica-se pela circunstância de, neste caso, o perigo da prova testemunhal ser, em grande parte, eliminado, uma vez que a convicção do juiz está já formada em parte com base num documento”[16].
Como ensina Vaz Serra[17], “(…) afigura-se razoável que (…) se permita a prova de testemunhas contra ou além do conteúdo do documento (…) quando essa prova seja acompanhada de circunstâncias que tornem verosímil a convenção que com ela se quer demonstrar, afastando-se, assim, os perigos que a simples prova testemunhal implicaria. O tribunal deveria convencer-se de que o pacto contrário ou adicional é, vistas as circunstâncias do caso, verosímil”.
Escreve Luís Pires de Sousa[18] que “o começo da prova por escrito pode ser constituído por um só escrito ou por vários, mesmo que não subscrito. Deve emanar daquele a quem é oposto, não de um terceiro. A letra ou assinatura desse escrito devem ser previamente reconhecidas ou verificadas; “enquanto não é verificado, o escrito discutido não pode servir de começo de prova porque não se sabe de quem emana.” Será de admitir o escrito que não seja do punho da contraparte (ou seu procurador) mas que tenha sido criado com a sua participação, v.g., auto que contenha respostas da parte a interrogatório formal. Não é necessário que o escrito esteja dirigido à parte que o exibe. O escrito deve tornar verosímil o facto alegado. Entre o facto indicado pelo escrito e aquele que deveria ser objeto de prova testemunhal, deve existir um nexo lógico tal que confira ao último um relevante fumus de credibilidade. Esse nexo lógico não corresponde a um simples momento inferencial de uma argumentação presuntiva, mas deve ser entendido como dado instrumental de um convencimento probabilístico, que o juiz pode firmar com uma razoável correlação lógica entre o conteúdo do escrito e o facto controverso.
Citando a jurisprudência francesa, afirma L. Filipe Pais de Sousa[19] que nos tribunais daquele país tem-se entendido que constituem princípio de prova por escrito as seguintes situações:
- o documento que reconhece uma dívida cuja assinatura é rasurada pelo credor;
- cheques cuja assinatura do sacador não é contestada constituem escritos que tornam verosímil a existência do crédito invocado pelo beneficiário contra o sacador;
- o testamento revogado depois do ato litigioso;
- um documento não assinado desde que a parte contra quem é oposto reconheça que é da sua autoria;
- as declarações verbais relatadas num escrito, v.g. num inquérito criminal.
A jurisprudência portuguesa tem aderido à referida construção e Vaz Serra, admite expressamente três exceções à inadmissibilidade da prova testemunhal prevista nos artigos 393º, nºs 1 e 2 e 394º do Código Civil:
a) existência de qualquer escrito, proveniente daquele contra quem a ação é dirigida ou do seu representante, que torne verosímil o facto alegado;
b) impossibilidade de obtenção de prova escrita por parte de quem invoca a prova testemunhal;
c) ocorrência da impossibilidade de prevenir a perda, sem culpa, da prova escrita.[20]
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.3.2011[21] expressou de forma clara que a prova testemunhal relacionada com convenção contrária ao conteúdo de escritura pública é de ter como admissível quando complementar (coadjuvante) de um elemento de prova escrito que constitua um suporte documental suficientemente forte para que, constituindo a base da convicção do julgador, se possa, a partir dele, avançar para a respetiva complementação, ou seja, demonstrar não ser verdadeira a afirmação produzida perante o documentador.
Como se denota, não são lineares os fundamentos da admissibilidade da prova testemunhal nas situações a que se referem os art.ºs 393º e 394º do Código Civil, devendo partir-se da doutrina citada para o caso concreto tendo em consideração a ampla diversidade das suas circunstâncias e condições.
Face à evidente complexidade do caso, foi ouvida toda a prova oralmente produzida, conjugada entre si e com os elementos documentais juntos aos autos, sendo fulcrais o contrato de assunção de dívida, o recibo de quitação e os cheques trocados entre as partes, juntos aos autos. Portanto, um conjunto de documentos diversos.
A prova testemunhal, sobretudo o depoimento da testemunha Dr. J..., mas também as declarações de parte do embargante, contribuíram para a compreensão da expressão negocial que a assunção de dívida e a declaração-recibo tiveram nas negociações travadas entre o exequente, o executado e a D..., em finais de fevereiro de 2015, relativamente à dívida daquela sociedade ao exequente pela venda de ações da E... que este e as suas representadas efetuaram por contrato do dia 4.3.2011 (pág. 11 verso e seg.s).
Concretizando mais, há que compreender qualquer eventual relação ou conexão entre o documento de assunção de dívida, o documento declaração-recibo e os cheques juntos aos autos, designadamente com a petição de embargos, e o facto de o primeiro estar assinado pelo exequente C... e o recibo não estar, como foi confirmado pelo documento de autenticação do primeiro e a ausência da sua assinatura no segundo.
A questão probatória essencial é saber se a declaração-recibo, não obstante não ter sido assinada pelo exequente, pode constituir, juntamente com a cópia do cheque de fls. 28, dos cheques de fls. 19 verso e seg.s e até do documento de fls. 21 verso, um princípio de prova escrita suficientemente forte para abalar a confissão extrajudicial de dívida que o embargante claramente faz no contrato de assunção de dívida de 27.2.2015, tendo aquele recibo a data do dia anterior.
Enquanto naquele contrato, numa relação tripartida, o embargante se confessa devedor, desde o dia 25.2.2015, perante o exequente do remanescente do preço em débito da referida cessão de quotas da E... à D..., no total de € 1.330.000,00, ficando credor de tal quantia junto desta última (onde era acionista), na declaração-recibo o embargado surge, alegadamente, a declarar que recebeu do embargante B..., para si e suas representadas (suas familiares) cinco cheques, com pagamentos diferidos, no montante global e € 950.000,00, a título do remanescente e completo e integral pagamento que lhe era devido e às suas representadas pela D..., em consequência da renegociação do preço e condições de pagamento relativas ao mesmo contrato de cessão de quotas e renúncia à gerência outorgado no dia 4 de março de 2011. E ali se fez constar que com a boa cobrança daqueles cheques dá plena quitação, nada tendo ele e as suas representadas a receber, seja a que título for, em consequência daquele contrato.
Mais se fez constar daquele documento que “é nula e de nenhum efeito toda e qualquer confissão de dívida e acordo de pagamento outorgado em data anterior à presente declaração/recibo, bem como qualquer cheque que tenha em seu poder da sociedade D..., SA”, os quais (cheques) se obriga a não depositar e a devolver à sobredita sociedade.”
Este documento foi apenas assinado pelo embargante e pelo administrador da D..., S.A. Não o foi pelo embargado, pelo que, só por si, não o compromete ou responsabiliza no sentido do seu texto, designadamente que recebeu a quantia de € 950.000,00 e que deu quitação nos termos ali constantes.
Importaria saber se este documento é contemporâneo do contrato de assunção de dívida e os motivos pelos quais não foi assinado pelo exequente, admitindo a possibilidade de constituir o princípio de prova de que a confissão efetuada por B... não corresponde à realidade.
Esse foi o esforço essencial notado na discussão da causa que passou pela averiguação das circunstâncias que estiveram na emissão daqueles dois documentos, de teor contraditórios.
Desde logo se evidenciou que ninguém nega que o pagamento da quantia de € 950.000,00 foi efetuado pela boa cobrança, quase mensal, dos cheques emitidos pelo embargante a favor do embargado, sendo que o último tinha a data de vencimento de 31 de dezembro de 2015. Também não se conhece qualquer notificação do embargante pelo embargado para pagamento de outras quantias relacionadas com o contrato de compra e venda de ações antes da instauração da execução, designadamente com invocação do contrato de assunção de dívida, sendo que este também não estabelece um plano de pagamentos (estranhamente, ao contrário do que vinha sendo prática no cumprimento do contrato de cessão de quotas, entre o C... e a D..., S.A.).
Não há qualquer referência probatória, testemunhal ou documental, no sentido de que a declaração-recibo tivesse sido forjada, que nunca tivesse chegado ao conhecimento do exequente ou que fosse posterior às circunstâncias em que foi negociada a assunção de dívida. Pelo contrário, a testemunha comummente arrolada pelas partes, Dr. J..., de excelentes relações com ambas, prestou um depoimento isento e muito elucidativo descrevendo as negociações havidas entre elas e a C... entre 25 e 27 de fevereiro de 2015, de onde saíram aqueles dois documentos, posteriormente elaborados, em conformidade com ali acordado.
A testemunha descreveu de modo pormenorizado, a forma como as negociações se desenrolaram, os interesses debatidos na sua presença ativa, por três reuniões diárias consecutivas e foi segura, perentória e aparentemente isenta, quando afirmou que ali não se discutiu a conta caucionada da E... em que o C... é avalista juntamente com a sua filha I.... Esta afirmação não é ensombrada pelo teor do documento junto a fls. 155 verso --- que aqui passamos a atender ---, pois que a libertação do C... e da filha do aval de € 250.000,00 seria uma questão atual em fevereiro de 2015, mas não tinha que passar necessariamente pela assunção de do embargante. Se assim fosse, mal se compreendia que, pelo seu elevado valor, não ficasse documentada.
No seu recurso, o exequente tenta descredibilizar a referida testemunha, afirmando o seu interesse e compromissos negociais com o embargante. Foram juntos documentos para o efeito, após prolação da 1ª sentença na 1ª instância, mas a audiência não tinha que ser reaberta, face ao acórdão proferido na Relação.
O Dr. J..., no seu depoimento, nunca negou o seu envolvimento nos interesses das duas sociedades. Afirmou inclusivamente que era e continua as ser sócio da D..., médico em ambas e das famílias do exequente e do executado, além de amigo deles (o que não foi sequer posto em causa em audiência)
A venda posterior das ações ao embargante não tinha que ser previamente anunciada no seu depoimento, concretizou-se e houve pagamento das mesmas, com preenchimento de declaração à Direção Geral de Impostos, como atestam os documentos juntos a fls. 367 a 368 verso e a fls. 560 verso a 562, aqui atendíveis face à sua superveniência e interesse em função do julgamento proferido na 1ª instância (art.ºs 425º e 651º, nº 1, do Código de Processo Civil), não sendo de realizar novas averiguações, por decorrer a fase de recurso, onde se visa a reponderação ou reexame da decisão recorrida, sob a regra da reanálise dos elementos de que dispôs a 1ª instância para a decisão, obtidos com o contributo probatório proporcionado por ambas as partes no exercício do dispositivo e com uso do contraditório. Há momentos próprios para a prática dos atos processuais, designadamente para a produção de provas que não pode eternizar-se.
A venda das ações ocorreu depois do encerramento da discussão da causa, mas ainda antes da prolação a sentença, que teve lugar no dia 5 de abril de 2017, assim, sem que se conhecesse qualquer decisão final (favorável ou desfavorável ao embargante) que, de resto, ainda não transitou em julgado.
Resultou do conjunto da prova testemunhal produzida que, não obstante no contrato de cessão de quotas de 4 de março de 2011 constasse o compromisso da D..., S.A. de diligenciar junto da F..., S.A. pela exoneração ou liberação dos avales prestados na conta corrente caucionada da E... --- o que bem se compreende por os cedentes das quotas deixarem a sociedade --- em fevereiro de 2015 o crédito caucionado ainda não estava a ser exigido pela credora F..., S.A., designadamente aos avalistas.
O levantamento dos avales seria um problema a ser resolvido pela D..., S.A., enquanto sócia da E..., Lda. O embargante apenas se envolveu na liquidação da dívida ao exequente, sem qualquer abordagem da questão dos avales.
Compreende-se, assim, que o embargado não pudesse estar a exigir ao embargante, na negociação de fevereiro de 2015, a abrangência da diferença entre a quantia de € 950.000,00, então paga através de cheques pré-datados, e a quantia de € 1.330.000,00 até então devida pela D... como correspondendo ao valor de € 250.000,00 (com algum desconto) que alegadamente então já tinha pago à F... na qualidade de avalista, como forma de cumprimento integral contrato de cessão de quotas. Na realidade, não se produziu qualquer prova deste pagamento à referida entidade financeira e não é razoável que, na economia do negócio, o C... se satisfizesse com o recebimento de cheques no valor total de € 950.000,00 se a dívida renegociada tivesse sido fixada por valor superior, para mais tendo restituído logo ali, na mesma reunião, os 11 cheques que anteriormente havia recebido da D... para garantia de pagamento da quantia de € 1.330.000,00.
O acréscimo de € 250.000,00 à quantia de € 950.000,00 não justifica a confissão de uma dívida no valor de € 1.330.000,00, mas no valor de € 1.200.000,00. Seria este o valor de dívida, senão mesmo um valor inferior, que o executado teria assumido se acaso se tivesse responsabilizado pelo pagamento do débito da conta caucionada, devendo então o exequente exigir a entrega de cheques em conformidade, até porque os recebeu a todos de uma só vez.
A redução substancial do crédito de € 1.330.000,00 para € 950.000,00 encontra justificação no facto também conhecido de todos de que a D... se encontrava então já numa situação de rutura económica e financeira muito próxima do estado de insolvência, com risco sério do exequente vir a cobrar menos do que aquilo que o executado se dispôs a pagar-lhe no interesse da D... que então passou a administrar. Subsistia também a possibilidade de o exequente negociar com a D... e a F..., S.A. a questão dos avales por ele e filha concedidos na conta corrente caucionada da E.... Note-se que nem o contrato de assunção de dívida faz qualquer referência aos avales.
O documento de confissão de dívida destinava-se a regularizar a situação contabilística daquela sociedade devedora e o crédito com que o embargante ficava sobre ela, já com entregas pecuniárias significativas anteriores.
A testemunha P... é sobrinha e funcionária do exequente e não participou em nenhuma das três reuniões. Admitindo que algo tivesse ouvido da discussão, a partir do seu gabinete, situado ao lado do espaço onde aquelas decorreram, não é razoável que tivesse colhido daquela forma toda a informação que fez passar no seu depoimento, designadamente quando diz --- contra o que afirmara a testemunha J... --- que as partes discutiram os avales e um pagamento à F... no valor de € 250.000,00, reconhecendo, no entanto, desconhecer se aquele Banco já tinha exigido qualquer pagamento ao exequente, assim, se o crédito caucionado já estava vencido.
A testemunha W... não assistiu às negociações e X... deixou de trabalhar na D... em 17.11.2014, onde foi diretor financeiro.
O embargante explicou a cópia de documento de fls. 21 verso, reconhecendo que dele não consta a assinatura do exequente, mas que é um apontamento dele e do Dr. J... elaborado nas reuniões. Valores ali escritos vão ao encontro do depoimento do Dr. J..., testemunha que, aliás, também aludiu a um papel escrito por ele.
As declarações prestadas pelo embargante foram incisivas, justificadas e consistentes. Vão no sentido essencial da prestação da testemunha J..., mas com a descrição da forma como os documentos de assunção da dívida e a declaração-recibo foram elaborados e apresentados para assinar pelo advogado da D..., Dr. U..., ao declarante e ao exequente, guardando-o este na gaveta da sua secretária e comprometendo-se verbalmente a assiná-lo posteriormente, sem que, no entanto, o tivesse feito.
Não obstante não estar assinada pelo exequente, é o teor desta declaração-recibo que a testemunha J..., convincentemente, confirma como sendo o resultado/conclusão da negociação de 25 a 27 de fevereiro de 2015, contra a confissão de dívida documentada no contrato de assunção de dívida destinada apenas à regularização da contabilidade da D....
O documento de declaração-recibo é um princípio de prova da inveracidade do que o embargante confessa no contrato de assunção de dívida no que concerne ao valor de € 1.330.000,00 que diz assumir pagar ao exequente. Mas também o é o conjunto de cheques que o exequente aceitou do embargante, de uma só vez, no final de fevereiro de 2015, com base na negociação da dívida da D..., S.A., pelo valor total de € 950.000,00 e não outro (€ 1.330.000,00, por exemplo). É no documento de quitação que se revê esse cumprimento contratual; não no documento de assunção de dívida. E a entrega de cheques pré-datados de uma só vez, relativos ao pagamento do total do remanescente da dívida, após pagamento parcial ou em cada renegociação, era uma prática que o C... já vinha usando na sua relação com a D... no cumprimento do contrato de cessão de quotas de 4.3.2011.
O embargado não prestou depoimento nem declarações de parte.
A prova testemunhal mais valiosa que a análise desse documento autoriza, assim como as declarações de parte do embargado, conjugados com a cópia de manuscrito de fls. 21 verso (doc. nº 9), conduz à confirmação da decisão proferida em matéria de facto (factos provados e matéria não provada).
Em particular, o facto referido em X) foi confirmado pela testemunha X..., a quem o exequente telefonou para o efeito por admitir que os tivesse na sua posse ou ao seu alcance.
Termos em que improcede a impugnação da decisão em matéria de facto.
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2- Consequências jurídicas da modificação da decisão em matéria de facto
Não tendo havido alteração da decisão em matéria de facto, está prejudicado o conhecimento desta questão, sendo de manter a decisão final na parte em que julgou extinta a execução.
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Apelação do embargante
3- Erro de julgamento na decisão em matéria de facto
Na perspetiva do embargante, o tribunal deveria ter dado como provado um facto, transcrito no ponto 2 das conclusões da apelação, com base no seu depoimento de parte:
No dia 27 de Fevereiro de 2015, depois da entrega dos cheques do Executado ao Exequente, e após este meter na gaveta da sua secretária os dois documentos que lhe foram entregues, sem os assinar, o Dr. J... falou ao Exequente numa questão que se prendia com uma dívida que a E..., Lda., tinha para com a F..., no valor de 250.000,00 €, na qual o Exequente era avalista, como sendo um problema a resolver posteriormente.
Pretende este recorrente a sua fixação, não obstante a sentença tenha decidido pela procedência dos embargos, declarando extinta a execução.
Por regra, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido (art.º 631º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A legitimidade para recorrer afere-se através do prejuízo que a decisão determina na esfera jurídica do recorrente.
O vencimento ou o decaimento devem ser aferidos em face da pretensão formulada ou da posição assumida pela parte relativamente à questão que tenha sido objeto de decisão. É parte vencida aquela que é objetivamente afetada pela decisão, ou seja, a que não tenha obtido a decisão mais favorável aos seus interesses. O autor é parte vencida se a sua pretensão foi recusada, no todo ou em parte, por razões de forma ou de fundo; o réu quando, no todo ou em parte, seja prejudicado pela decisão. Nessa medida, o que sobreleva é o resultado final e não tanto o percurso trilhado pelo tribunal para o atingir. Mais do que as razões que presidiram à decisão, interessa a análise do resultado na esfera jurídica da parte.[22]
O embargante, vencedor absoluto quanto ao pedido dos embargos, não tem, nesta parte, legitimidade para o recurso.
O que o embargante podia ter feito era deduzir um pedido de ampliação do âmbito do recurso em matéria de facto, a título subsidiário, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pelo recorrente. Mas não o fez, menos ainda no lugar e momento próprio que é o da sua resposta ao recurso, nos termos do nº 2 do art.º 636º do Código de Processo Civil.
Termos em que não se atende esta questão da apelação do embargante.
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4- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art.º 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil)
Diz-nos o embargante que, tendo pedido a condenação do embargado no pagamento de uma indemnização nunca inferior a € 2.500,00, por litigância de má fé, o tribunal não se pronunciou sobre a questão da indemnização.
Quanto a esta matéria é sempre admissível recurso em um grau (art.º 542º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Dispõe o art.º 615º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil, que “é nula a sentença quando o juiz z deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou (…)”.
Tal norma está em correlação com o art.º 608º, nº 2, do mesmo código. O juiz tem que resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sob pena de omissão de pronúncia. Além dessas só aprecia e decide aquelas cujo conhecimento a lei lhe imponha ou permita.
A nulidade invocada há de resultar da violação do referido dever.
A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência, à respetiva causa de pedir[23] ou às exceções invocadas. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido, da causa de pedir e da matéria de exceção.[24]
Alega o recorrente que pediu a condenação do exequente por litigância de má fé, não apenas em multa, mas também no pagamento de uma indemnização em montante não inferir a € 2.500,00 (art.º 542º, nº 1, do Código de Processo Civil).
É verdade. Pediu efetivamente, na petição de embargos, a condenação do embargado na referida indemnização. Não discriminou esse pedido na conclusão desse articulado que destinou apenas ao pedido de procedência dos embargos, com extinção da execução. Porém, fê-lo nos derradeiros artigos do seu requerimento inicial, como se segue:
«38º
Devendo, por isso, ser o mesmo Exequente sancionado com multa – cfr. 542°, nº 1 Código Processo Civil.
39º
E ainda ser o mesmo Exequente condenado a pagar ao Executado uma indemnização em montante nunca inferior a € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), pelos prejuízos que lhe vem causando com a sua actuação processual.
40º
É que, com a propositura da referida acção executiva, despendeu o Executado tempo para consultar e constituir mandatária, à qual terá de pagar honorários, o que só sucedeu porque o Exequente propôs a referida acção executiva, conhecendo a falta de fundamento da mesma.

Sendo evidente o pedido de condenação do exequente como litigante de má fé, em multa e indemnização, o tribunal não podia deixar de se pronunciar sobre ele.
Mas não tem razão o recorrente quando diz que o tribunal recorrido se limitou a condenar o exequente como litigante de má fé no pagamento de uma multa equivalente a 30 UC, não condenando o exequente no pagamento de uma indemnização (7ª conclusão).
Se é verdade que o tribunal, no dispositivo, propriamente dito, da sentença, julgou os embargos procedentes, declarou extinta a execução e se limitou a condenar o exequente na multa de 30 UC como litigante de má fé, também é certo que imediatamente antes desse dispositivo[25], fez constar da sentença: “Posto isto, condeno o exequente como litigantes de má-fé, na multa de 30 UC, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 542/1, 2 alínea b) e 27/3 do Regulamento das Custas Processuais e na indemnização a liquidar após trânsito da presente sentença”[26].
Tal formulação não deixa dúvida alguma de que, a pedido do embargante, foi o embargado condenado a pagar uma indemnização por litigância de má fé, assim, em termos que, em substância, não deixam de constituir um dispositivo da decisão.
Por conseguinte não há omissão de pronúncia. Não foi omitido o conhecimento, com decisão sobre o referido pedido. Apenas se relegou para momento posterior a liquidação do valor da indemnização, o que o nº 3 do art.º 543º do Código de Processo Civil autoriza.
Não ocorre a invocada nulidade por omissão de pronúncia.
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Em conclusão, improcedem ambas as apelações, sendo de confirmar inteiramente a sentença recorrida.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar ambas as apelações improcedentes e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas, em cada apelação, pelo respetivo apelante.
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Porto, 27 de setembro de 2018
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Por transcrição.
[2] Quis escrever-se Q).
[3] Quis escrever-se Q).
[4] Por transcrição.
[5] RLJ Ano 110, pág. 85.
[6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Maio de 2014, Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, II, pág. 112.
[7] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 240 e 241.
[8] Provas – Direito Probatório Material, in BMJ 111/16.
[9] No mesmo sentido, Lebre de Freitas, “A Confissão no Direito Probatório”, pág.s 160 e 187.
[10] Acórdão. do Supremo Tribunal de Justiça de 3.6.1999, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. II, pág. 136 e seg.s
[11] Idem, pág. 17.
[12] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 552 e 564.
[13] Vaz Serra, RLJ, Não 101º, pág.s 269 a 272, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.11.1994, in www.dgsi.pt.
[14] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 2015, Colectânea de Jurisprudência do STJ III, pág. 169.
[15] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I Vol, 4ª Ed., 1987, pág.. 313.
[16] VAZ SERRA, Provas, Direito Probatório Material, BMJ nº 112, pág.s. 219-220.
[17] Provas, Direito Probatório Material), BMJ 112/193 e 194, a propósito das cláusulas ou convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento.
[18] Prova Testemunhal, Almedina 2013, pág. 229, designadamente, citando Luigi Comoglio, Le Prove Civili, pág.s 609-610 e Vaz Serra, ob cit. BMJ 112/223.
[19] Ob. cit., pág. 230.
[20] Acórdãos citados pelo referido autor, ob. cit., pág. 231.
[21] Proc. 758/06.3TBCBR-B.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[22] A. Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 63.
[23] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 58
[24] Acórdão da Relação de Coimbra de 21.3.2006, proc. 4294/05, in www.dgsi.pt.
[25] Curiosamente, à semelhança da forma pela qual o embargante apresentou o pedido de condenação do embargado como litigante de má fé.
[26] Negrito nosso.