Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0131358
Nº Convencional: JTRP00033117
Relator: VIRIATO BERNARDO
Descritores: CONTA BANCÁRIA
CARTÃO DE CRÉDITO
TÍTULO EXECUTIVO
EXECUÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RP200110180131358
Data do Acordão: 10/18/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J MAIA
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC.
Legislação Nacional: CPC95 ART46 C ART801 ART805 N1 N2 ART811 ART811-B ART804 N1 N2.
CCIV66 ART342 N1.
Sumário: I - O documento comprovativo da abertura de uma conta à ordem relativamente à qual foi fornecido um cartão de crédito, ficando a conta vinculada a este cartão, e tendo o respectivo titular tomado conhecimento das condições gerais da sua utilização, assinando-as, constitui título executivo para o Banco obter o pagamento do respectivo crédito desde que comprove documentalmente ter feito a concessão do crédito que pede.
II - Se o Banco não junta documento comprovativo do crédito concedido, a petição inicial não deve ser liminarmente indeferida; antes deve ser convidado o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, descriminando e comprovando a concessão do crédito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I - 1 - A Caixa Geral de Depósitos SA, intentou a presente acção executiva sumária para pagamento de quantia certa contra Paulo ......... pretendendo obter o pagamento, por parte deste, da quantia de 169.702$00, que engloba juros vencidos, a que acrescem os juros vincendos.
Para tanto alegou, em síntese:
Que a solicitação do Executado procedeu à abertura de uma conta de depósitos à ordem, em nome deste materializada pelos documentos juntos sob o nº 1 e 2 a fls. 6 e 7, à qual foi atribuído o nº 0005006586300;
Que ainda a solicitação do Executado, lhe foi fornecido um cartão de crédito, ficando aquela conta vinculada a tal cartão;
Que o Executado tomou conhecimento das condições gerais de utilização que constam de tal documento, tendo as partes acordado que o limite do crédito concedido ao àquele seria de 100.000$00 de acordo com o ponto 28.1 das condições gerais de utilização;
Que o requerido se vinculou a manter a conta à ordem provisionada para fazer face aos encargos inerentes à utilização do cartão;
Que desde 07/09/99 que o Executado está em dívida relativamente à Exequente do montante de 123.800$00, por não ter accionado o provisionamento da conta naquele valor; estando em dívida os juros de mora do montante de 24.189$00.
2 - Logo no despacho inicial o Sr. Juiz a quo indeferiu liminarmente o requerimento executivo pois muito embora aceite que uma declaração de dívida assinada pelo devedor constitui título executivo, entende “que para ser título executivo, no momento em que tal declaração é efectuada, o montante da dívida tem de ser já conhecido ou, pelo menos, determinável”, o que, em seu entender, não sucede na situação em apreço.
3 - Inconformado com tal despacho veio a Exequente interpor o presente recurso de agravo, cujas alegações finaliza com as seguintes conclusões:
A) O Tribunal da 1ª instância fez uma incorrecta interpretação e aplicação da al. c) do art. 46º do Código do Processo Civil (CPC);
B) o que conduziu a uma indevida aplicação do art. 811-A do mesmo diploma.
C) Pelo que não podia ter indeferido liminarmente o requerimento executivo;
D) Quando muito em face do requerimento da decisão de que se recorre, e sem prescindir do referido na alínea anterior, poderia ter proferido o despacho a que alude o art. 811º- B daquele Código;
Conclui pedindo se revogue o despacho recorrido, substituindo-se por outro que ordene o prosseguimento da execução, ou, em alternativa, por outro proferido nos termos do art. 811º- B do CPC.
Não houve contra-alegações.
O Sr. Juiz sustentou o seu despacho.
Corridos os vistos cumpre decidir.
II - Os elementos a atender para efeito deste recurso são os acima indicados, em I-1 e 2.
Acresce que consta das condições gerais de utilização do cartão, além do mais, que as quantias devidas pelo titular, resultantes de aquisição de bens ou serviços ou de adiantamentos de dinheiro liquidadas pela CGD, serão lançadas numa conta-cartão, a partir da qual será mensalmente emitido um extracto discriminado as operações e os valores em dívida (29);
E que o extracto será enviado para a morada do titular (...) considerando-se a dívida reconhecida por ele, se não for recebida pela CGD qualquer reclamação no prazo de sete dias seguidos (...) - 29.1..
Por outro lado, segundo tais condições o saldo devedor da conta-cartão será pago no vigésimo dia posterior à data da emissão do extracto- 30º
Resulta ainda do documento de fls. 6 que o limite de crédito concedido ao Executado foi fixado em 100.000$00.
III - Do mérito do recurso.
As conclusões das alegações delimitam o âmbito do recurso - cfr. art. 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do Código do Processo Civil (CPC), diploma a que pertencem os demais preceitos citados sem diversa menção.
A única questão a conhecer é a de saber se os documentos junto a fls. 6 e 7 constituem um verdadeiro e completo titulo executivo, ou, não o sendo, se são passíveis de virem a ser aproveitados como tal, para efeito de prosseguir a presente execução.
Pretende a Recorrente que os documentos de fls. 6 e 7 constituem um verdadeiro título executivo, tal como vem indicado no art. 46º, al. c) do CPC, e a haver alguma falta, deverá a Exequente ser convidada a corrigi-la.
Vejamos.
Ampliando o elenco dos títulos executivos o DL nº 329-A/95, de 12/12, veio a considerar como títulos executivos, acolhidos na al. c) do art. 46º do CPC revisto:
“Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do art. 805º, ou de obrigações de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto”.
Estatui o art. 801º, sob a epígrafe “Requisitos da obrigação exequenda”:
“A execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título”.
Ora os documentos de fls. 6 e 7 representam um contrato de abertura de uma conta de depósitos à ordem e fornecimento de cartão de crédito, ficando tal conta vinculada a este cartão.
A conta corrente bancária quando integra a prestação de serviço de caixa é um contrato misto de conta corrente mercantil e de mandato, podendo definir-se como Contrato celebrado entre um banco e o seu cliente, pelo qual o primeiro mediante a abertura de uma conta à ordem e utilizando os mecanismos contabilísticos da conta corrente, se obriga a prestar um serviço de caixa e a prestar outros serviços por conta do segundo, ficando com o direito à respectiva remuneração e a ser reembolsado das despesas efectuadas - cfr. Direito Bancário, de José Maria Pires, 2º vol. pág. 156.
Tal contrato foi celebrado entre Exequente e Executado, com vista à aquisição por este de bens ou serviços em estabelecimentos aderentes ao respectivo sistema, bem como proceder a levantamentos em dinheiro nas caixas automáticas.
É encargo do Executado manter a respectiva conta provisionada para tanto, devendo pagar à entidade bancária o capital por esta despendido e os juros nos termos desse contrato, acima sintecticamente referidos.
Essas condições constam do título que está assinado por Exequente e Executado.
Acontece que os aludidos papeis de fls. 6 e 7 constituem um documento escrito assinado pelo Executado que implica obrigações pecuniárias a assumir de futuro e já alegadamente assumidas, tendo-se o Executado obrigado a solvê-las nas condições neles escritas.
É certo que aquando da assinatura de tais documentos, não havia obviamente crédito da Exequente sobre o Executado, nem tal nos parece conditio sine qua non da existência de título de crédito: é que a lei refere-se não só a quantia determinada, mas também a quantia determinável (referência esta que abrange a dívida de futuro, passível de determinação).
É este o caso.
Efectivamente, trata-se alegadamente no caso em apreço da existência de documentos particulares, assinados pelo devedor, que implicam a constituição de obrigações pecuniárias para com a Exequente, e mesmo o seu reconhecimento; o montante de tais obrigações - embora só balizado quanto à concessão de crédito -, se não determinado é determinável logo no requerimento inicial de execução, nos termos conjugados dos artigos 46º, c) e 805º, nºs 1 e 2 do CPC.
Não consta, porém, do título executivo, ou doutro documento complementar, que a Exequente tenha realmente feito a concessão do crédito que ora peticiona, por forma descriminada e para dar a possibilidade ao Executado de, se o desejar, deduzir os competentes embargos de executado, não bastando, obviamente, referir tal concessão, sendo ainda necessário prová-la - art. 342º, 1 do CC.
Só dessa forma será exigível dos Executados o pagamento, por via executiva, que deles se peticiona.
De facto, estatui o art. 804º na parte aqui útil:
1. Se a obrigação estiver dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor provar que se verificou a condição ou que se efectuou ou ofereceu a prestação.
2. Se a prova não puder ser feita por documentos, o credor, ao requerer a execução, oferecerá as respectivas provas, que são logo produzidas, podendo ser ouvido o devedor, quando se julgue necessário, sem prejuízo da faculdade de oportunamente deduzir oposição mediante embargos de executado.
(..).
No caso falta fazer a prova da prestação por banda do credor, i. e. a real concessão do crédito aqui reclamado ao Executado, facto que não resulta do título.
Mas isso é caso de indeferimento liminar?
Entendemos que não.
Efectivamente, como resulta do disposto no art. 811º e 811º - B o juiz antes de ordenar a citação do executado convidará o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, aplicando-se com as necessárias adaptações o nº 2 do art. 265º
E não sendo o vício suprido ou a falta corrigida dentro do prazo marcado, é indeferido o requerimento executivo - cfr. A Acção Executiva, 2ª edição de Lebre de Freitas, pág. 80 e 81.
Tal convite não foi feito e é de fazer.
Assim, procede, no essencial, o recurso.
IV - Decisão:
Face ao exposto, dá-se provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro em que se convide a Exequente a descriminar e comprovar a concessão do crédito, nos termos acima referidos.
Sem custas.
Porto, 18 de Outubro de 2001
José Viriato Rodrigues Bernardo
João Luís Marques Bernardo
António José Pires Condesso