Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA PAULA AMORIM | ||
Descritores: | REIVINDICAÇÃO PATRIMÓNIO DA IGREJA CATÓLICA PRÁTICA DE CULTO CATÓLICO CRUZEIRO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP201210227283/06.0TBVNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/22/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Legislação Nacional: | ARTº 24º DA CONCORDATA CELEBRADA ENTRE A SANTA SÉ E A REPÚBLICA PORTUGUESA EM 2004 | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Na ausência de prova de que o adro e a igreja formavam um conjunto destinado à prática de culto católico e de que o local onde se situa o cruzeiro servia de espaço onde as pessoas se reuniam para orarem e organizarem os cortejos litúrgicos, concluindo que o respectivo uso para culto teve ao longo dos anos um cariz ocasional, não procede o pedido de reconhecimento de o dito cruzeiro integrar o património da Igreja Católica. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Cruzeiro-7283-06.0TBVNG.P1-251-12TRP Trib Jud Vila Nova de Gaia Proc. 7283-06.0TBVNG.P1 Proc. 251-12-TRP Recorrente: B… Recorrido: Junta de Freguesia … * Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção – 3ª cível)* * I. Relatório Na presente acção que segue a forma de processo ordinário em que figuram como: - AUTORA: B…, com sede na Rua …, n.º…., freguesia …, em Vila Nova de Gaia; e - RÉ: JUNTA DE FREGUESIA …, com sede no …, freguesia …, em Vila Nova de Gaia pede a Autora: - que se reconheça que o cruzeiro identificado nos artigos 5º a 8º da petição inicial é um objecto afecto ao culto católico; - que a ré seja condenada a retirar o cruzeiro do lugar onde presentemente se encontra e a reconstruí-lo no sítio onde anteriormente se encontrava; - que a ré seja condenada a pagar à autora, a título de indemnização, a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença. Alega para o efeito e em síntese, que desde tempos imemoriais existia no … da freguesia … um cruzeiro de granito, que tinha o estatuto de paroquial e formava com o adro e a igreja um conjunto de imóveis destinados à prática do culto católico, que assinalava o local onde se dirigiam as procissões que saíam da igreja, sendo igualmente um local em que as pessoas se reuniam para oração e para se organizarem em cortejos litúrgicos. Mais refere que o cruzeiro foi inscrito na matriz em nome da igreja autora e a ré reagiu à outorga de escritura de justificação notarial de 27 de Novembro na qual a Autora promoveu o reconhecimento da aquisição por usucapião da C… e respectivo logradouro. Alega, ainda, que a Ré no âmbito de um projecto de requalificação do …., deslocou o cruzeiro para outro local, sito a 15 mts do adro da igreja, impedindo os cristãos de darem a volta ao cruzeiro, ofendendo o património cultural da paróquia e violando a concordata, já que a deslocação foi efectuada sem acordo prévio da autoridade eclesiástica competente. - Citada a Ré contestou defendendo-se por impugnação.Alega, em síntese, que o cruzeiro foi erguido pela Ré em 1940 para assinalar o oitavo centenário da Independência de Portugal e o terceiro centenário da Restauração pertencendo em propriedade à freguesia que o tem usado de forma ininterrupta, sem qualquer oposição, à vista de todos, de forma pública e pacifica, provendo a obras de reparação e manutenção na convicção de ser o seu dono. - Na réplica a autora manteve a posição inicial. - Foi suscitado incidente de valor que reduziu o valor da causa e declarou a incompetência do tribunal, decisão que foi alterada em sede de recurso, que fixou a competência desta Vara com competência mista para ulterior tramitação da acção.- A fls. 154 foi proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando a autora a concretizar os factos que suportam o pedido de condenação da ré no pagamento de uma indemnização ilíquida, não tendo a autora atendido ao convite que lhe foi dirigido.- Elaborou-se o despacho e procedeu-se à selecção da matéria de facto, despacho do qual não coube reclamação.- Realizou-se o julgamento com gravação da prova.O despacho que contém as respostas à matéria de facto não sofreu reclamações. - Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:- A Autora veio interpor recurso da sentença. - Nas alegações que apresentou a recorrente formulou as seguintes conclusões:1.ª Os cruzeiros são monumentos em pedra em forma de cruz, que se distribuem por todo o país, em regra um por cada freguesia; 2.ª Tais monumentos representam a cruz em que Jesus Cristo foi crucificado e a redenção; 3.º A sua relação com as procissões e outras manifestações de culto católico constitui até um facto notório; 4.ª Na douta sentença recorrida foi dado como provado que ao longo dos anos o percurso das procissões realizadas por ocasião da comunhão das crianças de freguesia contornava o cruzeiro; 5.ª Admitiu o tribunal a quo que existia uma ligação comprovada entre o cruzeiro e o culto católico; 6.ª As procissões são consideradas pela Igreja Católica como actos de culto e, consequentemente, o cruzeiro sub judice não podia deixar de ser qualificado com monumento ou objecto de culto; 7.ª A circunstância de o culto em concreto ser, ao longo dos anos, prestado por ocasião das procissões e organizado em procissão, não permitia, como se fez na douta sentença, qualificar tais actos como tendo um “cariz ocasional”; 8.ª Ao admitir uma comprovada ligação entre o cruzeiro e o culto católico (por ocasião das procissões) não podia o tribunal a quo sentenciar que não existe prova de qualquer facto que funde o reconhecimento da pretensão deduzida pela autora e julgar assim a total improcedência da acção; 9.ª A sentença recorrida violou, entre outros comandos, o disposto no artigo 24.º n.º 1 da Concordata de 2004.” Termina por pedir o provimento ao presente recurso e a revogação da sentença recorrida, com a substituição de sentença que julgue a acção procedente. - A Ré veio apresentar contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:“I – Da Sentença de fls., resulta dado como assente e provado que, “Em 1940 a Ré efectuou a inauguração do cruzeiro no …; O cruzeiro foi edificado para assinalar o oitavo centenário da independência de Portugal; E para assinalar o terceiro centenário da Restauração; II – O Cruzeiro sub-judice é um Cruzeiro da Independência, tal qual resulta dos docs. de fls., nos quais se incluem pareceres de diversos estudiosos, o D.L.29.087 de 28 de Outubro de 1938, e publicações de diversos concelhos do país, que referenciam o movimento dos cruzeiros da Independência inaugurados à data como símbolo das Comemorações Centenárias ; III- Dos diversos documentos de fls., aceites pela Recorrente, o Cruzeiro em causa não é monumento ou objecto de culto, outrossim “cruzeiros da independência, dadas as incontáveis referencias históricas ali contidas, com reprodução dos apelos efectuados na emissora nacional com respeito à iniciativa de assinalar a comemoração das festas centenárias com a construção dos cruzeiros da independência, numa manifestação patriótica de referencia, que tinha por propósito evitar que o tempo apagasse os eventos do Duplo Centenário, evidenciando a importância de edificação de monumentos que perpetuassem na memória colectiva tais festividades.”, como resulta da atenta leitura de fls., em rigor, da fundamentação da resposta a B.I. de fls ; IV - Da Sentença de fls., resulta que “ Ora, sendo todos os sinais de edificação do cruzeiro de natureza civil, (sublinhado, negrito e itálico nossos) importa concluir que, qualquer que haja sido o grau de envolvimento da igreja nas comemorações que estiveram na origem da edificação do cruzeiro, tal colaboração e cooperação, perfeitamente salutares quando envolvem as várias entidades relevantes na vida quotidiana das paróquias e freguesia, não traz para a autora qualquer legitimidade de reivindicar direitos de veto ou decisão em relação ao destino ou gestão corrente do património público” V- A Sentença Recorrida apurou uma única ligação e de cariz ocasional, tanto mais que, reitera-se, tal qual emerge da resposta a B.I. de fls., que não foi objecto de Reclamação ou cotejo em sede de recurso por parte da Recorrente, “foi unanimemente reconhecido pelas testemunhas, não havia cerimónias religiosas (propriamente ditas) no cruzeiro, nem se rezava ou reunia em oração, isolada ou conjuntamente, junto ao mesmo”; VI – Senão através da ardilosa alegação da Recorrente, é falso que o Tribunal “a quo”, tenha reconhecido que existia uma ligação comprovada entre o cruzeiro e o culto católico. VII – Impendia sobre a Recorrente, atendo o disposto no artº. 342 do CC e artº.516 do C.P.C. demonstrar que a violação do artº.24 da Concordata “necessariamente pressupunha a afectação do cruzeiro a fins próprios de culto católico, única barreira ao exercício pela autora (certamente por lapso não se escreveu ré) dos poderes públicos de requalificação do espaço da freguesia, poderes perfeitamente coerentes com o seu mandato que exerce de forma legitima”, o que não foi dado como assente e provado nos autos; VIII – “A lattere”, nada espanta na Alegação da Recorrente, pois teve a ousadia juntar aos autos a fls., documento de inscrição matricial no qual, alegava que o cruzeiro tinha Licença de Utilização datada de 1999 e uma área coberta de 3.00.m2”, tal qual procurou apropriar-se de outros bens da Recorrida não fora Sentença Judicial a impedi-lo. IX- Concluir que existe um cruzeiro por freguesia (em … existem 3) e que a sua relação com outras manifestações de culto católico constitui um facto notório, in casu, é uma conclusão, compulsados os autos, admissível apenas na fantasiosa e desesperada tentação da Recorrente ; X- A Sentença recorrida encontra-se criteriosa e especificadamente fundamentada, não assistindo qualquer razão à Recorrente, motivo pelo qual deve ser negado, in totum, provimento ao Recurso. - O recurso foi admitido como recurso de apelação.- Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.- II. Fundamentação1. Delimitação do objecto do recurso Na tramitação do recurso aplica-se o regime previsto no Código de Processo Civil na redacção anterior ao DL 307/2008 de 24/08. - O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 660º/2, 684º/3, 690º/1 CPC. A questão a decidir consiste em saber se o cruzeiro constitui objecto de culto religioso, devendo ser retirado e reconstruído no local onde se encontrava. - 2. Os factosCom relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância: a) Sob o artigo 3635, da Repartição de Finanças de Vila Nova de Gaia – 2, encontra-se inscrito um cruzeiro em granito, que assenta numa base quadrangular com 3m2, implantado num canteiro de domínio público no …, sito na freguesia …, em Vila Nova de Gaia, estando declarado como titular a B…, em … (A). b) A declaração para inscrição que esteve na origem do artigo identificado em a) foi subscrita pelo D… e apresentada em 20.03.2003 na competente Repartição de Finanças, sendo então indicado o cruzeiro em questão como confrontando do Norte com a Rua …, do Sul com o …, do nascente com a Rua … e do Poente com a Rua … (B). c) O cruzeiro foi originalmente edificado no …, freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia, no entroncamento desse … com a Rua … e a Rua …, na parte central da via pública, apresentando as confrontações aludidas em b) (C). d) O cruzeiro era constituído por uma cruz em granito com a altura de 4,55mts e com braço de 1,73mts, apoiada numa base quadrangular de dois degraus, a ocupar uma área de 3m2 (D). e) O cruzeiro distava 60mts do adro da Igreja (E). f) Em 20 de Dezembro de 2004 a ré procedeu à desmontagem do cruzeiro, retirando do local as pedras que o compunham (F). g) Em 22 de Dezembro de 2004 a ré levantou o cruzeiro no local onde actualmente se encontra, à distância de 15metros do adro da igreja (G). h) Ao longo dos anos, o percurso das procissões realizadas por ocasião da comunhão das crianças de freguesia contornava o cruzeiro (2º). i) Em 28.10.2002, o Bispo da Diocese do Porto efectuou aos párocos e demais sacerdotes da sua diocese o conjunto de recomendações expressas na circular junta a fls. 20 a 23, cujo teor aqui se tem por reproduzido (4º). j) Em 1940, por ocasião da comemoração dos centenários da fundação de Portugal e da Restauração da Independência, a igreja e suas organizações foram mobilizadas para comemorarem as efemérides (5º). k) Em 1940 o Episcopado Português em Pastoral Colectiva convidou os portugueses a celebrarem os centenários (6º). l) Os Bispos das diversas dioceses exortaram os Párocos a promoverem ou auxiliarem os cruzeiros da Independência (7º). m) Em 1940 a ré efectuou a inauguração do cruzeiro no … (9º). n) O cruzeiro foi edificado para assinalar o oitavo centenário da independência de Portugal (10º). o) E para assinalar o terceiro centenário da Restauração (11º). p) A ré efectuou, pelo menos uma vez, obras de reparação do cruzeiro (12º). - 3. O direitoA apelante não impugna a matéria de facto, pois não questiona a relação dos factos dada como assente na primeira instância. Como tal, têm-se tais factos como pacíficos, já que também se não vê razão para a modificabilidade da decisão da matéria de facto ao abrigo do disposto no artº 712º do CPC (cfr. artº 713º, nº6, do CPC). Impõe-se, por isso, passar à apreciação das questões suscitadas nas conclusões da apelação. - - Do cruzeiro como objecto de culto católico – Na sentença em recurso julgou-se improcedente a acção e não se reconheceu que o cruzeiro de … constituía um objecto afecto ao culto católico, com os fundamentos que se transcrevem: “ A apreciação das questões cuja resolução jurídica se coloca na presente acção depende de um pressuposto primário e essencial: a prova de que o cruzeiro em discussão, que a ré indiscutivelmente deslocou do local original, era afecto pela população da freguesia ao culto católico. A violação de um artigo da Concordata em que a ré (rectifica-se autora) fez assentar o seu pedido, necessariamente pressupunha a afectação do cruzeiro a fins próprios de culto católico, única barreira ao exercício pela autora (rectifica-se ré) dos poderes públicos de requalificação do espaço da freguesia, poderes perfeitamente coerentes com o seu mandato, que exerce de forma legítima. Dos factos provados na presente acção com relevância para a apreciação de questão ora colocada resulta que a única ligação comprovada entre o cruzeiro e o culto católico é de cariz ocasional, associada ao percurso da procissão por ocasião da comunhão das crianças da freguesia. Ora, sendo todos os sinais de edificação do cruzeiro de natureza civil, importa concluir que, qualquer que haja sido o grau envolvimento da igreja nas comemorações que estiveram na origem da edificação do cruzeiro, tal colaboração e cooperação, perfeitamente salutares quando envolvem as várias entidades relevantes na vida quotidiana das paróquias e freguesias, não traz para a autora qualquer legitimidade para reivindicar direitos de veto ou decisão em relação ao destino ou à gestão corrente do património público. Não existindo prova de qualquer facto que funde o reconhecimento da pretensão deduzida pela autora, importa declarar a total improcedência da acção, não tendo a autora cumprido o ónus de prova que sobre si exclusivamente impendia. Em relação ao pedido de indemnização, para além de inexistir qualquer acto ilícito que sirva de fundamento à responsabilização extracontratual da ré, tal como foi adiantado em sede de saneamento do processo, não alegou a autora qualquer facto concreto passível de fundar a dedução de um pedido genérico que, como tal, estava carecido de causa de pedir e destinado à improcedência. Em conclusão, improcede a totalidade dos pedidos deduzidos pela autora, por manifesta falta de prova dos factos que são constitutivos do direito invocado." Ponderando a matéria de facto provada e os argumentos expostos, que observam o regime legal, concluímos que a decisão não merece censura, pelo que, ao abrigo do art.713º/5 CPC fazemos nossos os fundamentos expostos na sentença. Cumpre-nos apenas tecer algumas observações, perante as conclusões do recurso da apelante. No que concerne aos pontos 1 e 2 das conclusões de recurso - 1.ª Os cruzeiros são monumentos em pedra em forma de cruz, que se distribuem por todo o país, em regra um por cada freguesia; 2.ª Tais monumentos representam a cruz em que Jesus Cristo foi crucificado e a redenção;, - cumpre referir que a Autora não alegou os factos em referência e como tal, não foram objecto de apreciação pelo tribunal, sendo certo que em sede de recurso, ao tribunal “ad quem” apenas cumpre reapreciar os fundamento da decisão em recurso, estando vedado a apreciação de novos factos e novos fundamentos de sustentação do pedido ou da defesa (art. 676º CPC). No ponto 3 das conclusões de recurso considera a apelante que “a relação dos cruzeiros com as procissões e outras manifestações de culto religioso constitui um facto notório.” Com efeito, o art. 514º CPC prevê que certos factos não carecem de prova ou de alegação: “1. Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral. 2. Também não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções; quando o tribunal se socorra destes factos, deve fazer juntar ao processo documento que os comprove.” Resulta da análise do preceito que apenas os factos notórios não carecem de prova, pois os factos de que o tribunal tem conhecimento, carecem de prova, devendo o tribunal juntar documento se pretende servir-se deles. Como refere Lebre de Freitas: “são notórios os factos do conhecimento geral, isto é, conhecidos ou facilmente cognoscíveis pela generalidade das pessoas normalmente informadas de determinado espaço geográfico, de tal modo que não haja razão para duvidar da sua ocorrência. No domínio do processo civil, a esfera social que o caracteriza tem de abranger as partes e o juiz da causa.” (ob.cit., vol.II, 2ª ed., pag. 428) O facto notório caracteriza-se por ser “indiscutível a sua verificação, não carece de prova, nem é susceptível de prova contrária, sem prejuízo de poder impugnar-se a sua notoriedade.” (Lebre de Freitas, ob. cit., pag. 428) Os factos provados revelam que a forma como se faz uso de um cruzeiro não constitui um facto notório. Como resulta dos pontos m) n), o) e p) - m) Em 1940 a ré efectuou a inauguração do cruzeiro no … (9º). n) O cruzeiro foi edificado para assinalar o oitavo centenário da independência de Portugal (10º). o) E para assinalar o terceiro centenário da Restauração (11º). p) A ré efectuou, pelo menos uma vez, obras de reparação do cruzeiro (12º). - o cruzeiro em causa foi inaugurado em 1940, pela ré e foi edificado para assinalar o oitavo centenário da independência de Portugal e o terceiro centenário da restauração, ou seja, não foi edificado para ser usado no culto católico, mas para comemorar um evento histórico e de carácter socio-político. Acresce que a merecer relevância tal afirmação – “constitui um facto notório a relação dos cruzeiros com as procissões e outras manifestações de culto católico” -, apenas poderia ser ponderado em sede de reapreciação da decisão da matéria de facto, mas a apelante, como se começou por referir, não impugnou a decisão da matéria de facto. Nos pontos 4 a 9 das conclusões de recurso - 4.ª Na douta sentença recorrida foi dado como provado que ao longo dos anos o percurso das procissões realizadas por ocasião da comunhão das crianças de freguesia contornava o cruzeiro; 5.ª Admitiu o tribunal a quo que existia uma ligação comprovada entre o cruzeiro e o culto católico; 6.ª As procissões são consideradas pela Igreja Católica como actos de culto e, consequentemente, o cruzeiro sub judice não podia deixar de ser qualificado com monumento ou objecto de culto; 7.ª A circunstância de o culto em concreto ser, ao longo dos anos, prestado por ocasião das procissões e organizado em procissão, não permitia, como se fez na douta sentença, qualificar tais actos como tendo um “cariz ocasional”; 8.ª Ao admitir uma comprovada ligação entre o cruzeiro e o culto católico (por ocasião das procissões) não podia o tribunal a quo sentenciar que não existe prova de qualquer facto que funde o reconhecimento da pretensão deduzida pela autora e julgar assim a total improcedência da acção; 9.ª A sentença recorrida violou, entre outros comandos, o disposto no artigo 24.º n.º 1 da Concordata de 2004 .” – defende a recorrente, que provando-se que ao longo dos anos o percurso das procissões, realizadas por ocasião da comunhão das crianças da freguesia, contornava o cruzeiro, não se pode considerar que o seu uso era meramente ocasional. Entendemos que tal conclusão não pode ser atendida, face à matéria de facto provada e aos fundamentos da pretensão da apelante. Recaía sobre a apelante o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito, como decorre do art. 342º/1 CC. A Autora não veio peticionar que o tribunal reconheça que o cruzeiro faz parte do património da Igreja, mas apenas que este objecto está afecto ao culto católico. Funda a sua pretensão no regime previsto na Concordata celebrada entre a Santa Sé e a Republica Portuguesa, em 2004, na qual se determina, no art. 24º: “1. Nenhum templo, edifício, dependência ou objecto afecto ao culto católico pode ser demolido, ocupado, transportado, sujeito a obras ou destinado pelo Estado e entidades públicas a outro fim, a não ser mediante acordo prévio com a autoridade eclesiástica competente e por motivo de urgente necessidade pública. 2. Nos casos de requisição ou expropriação por utilidade pública, será sempre consultada a autoridade eclesiástica competente, mesmo sobre o quantitativo da indemnização. Em qualquer caso, não será praticado acto algum de apropriação ou utilização não religiosa sem que os bens expropriados sejam privados do seu carácter religioso. 3. A autoridade eclesiástica competente tem direito de audiência prévia, quando forem necessárias obras ou quando se inicie procedimento de inventariação ou classificação como bem cultural.” A apelante não logrou provar que o cruzeiro referido em C) a E) formava com o adro e a igreja um conjunto destinado à prática do culto católico (ponto 1 da base instrutória) e bem assim, que o sítio onde se localizava o cruzeiro servia também de local onde as pessoas se reuniam para orarem e se organizarem em cortejos litúrgicos (ponto 3 da base instrutória), nem ainda, que a existência do cruzeiro no local assinalado em C) ocorre desde data anterior a 1940 (ponto 8 da base instrutória). A recorrente não provou os factos que seriam idóneos para fundamentar a sua pretensão e sem os quais o tribunal não pode apreciar o direito que se arroga. Desta forma, a utilização que ao longo dos anos se deu ao cruzeiro, apenas pode ser interpretada como uso de “cariz ocasional”, como se referiu na sentença. Acresce que mesmo no uso que lhe foi dado – o percurso das procissões, realizadas por ocasião da comunhão das crianças da freguesia, contornava o cruzeiro -, não se incluía qualquer serviço religioso junto do cruzeiro. Em face do exposto, fica prejudicada a questão da restituição do cruzeiro ao local onde se encontrava. Conclui-se, assim, pela improcedência das conclusões de recurso, confirmando-se a sentença recorrida. - Nos termos do art. 446º CPC as custas são suportadas pela recorrente.- III. Decisão:Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida. - Custas a cargo da recorrente.* Porto, 22.10.2012* * (processei e revi – art. 138º/5 CPC) Ana Paula Pereira de Amorim José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira Manuel Domingos Alves Fernandes (dispenso o visto) |