Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1628/19.0TELSB-I.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: MEDIDAS DE GARANTIA PATRIMONIAL
CAUÇÃO ECONÓMICA
ARRESTO PREVENTIVO
CONCEITO
IMPUGNAÇÃO
OPOSIÇÃO
REGIME LEGAL
Nº do Documento: RP202310181628/19.0TELSB-I.P1
Data do Acordão: 10/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO APRESENTADA PELA ARRESTADA.
Indicações Eventuais: 4.ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I – É consabido que a liberdade das pessoas pode ser restringida por virtude de exigências processuais de natureza cautelar, através de medidas de coacção ou de garantia patrimonial previstas na lei.
II – As medidas de garantia patrimonial têm um conteúdo essencialmente económico visando acautelar o pagamento da multa, custas ou outra dívida para com o Estado relacionadas com o crime ou, então, o pagamento da indemnização ou outras obrigações civis derivadas daquele, reconduzindo-se à caução económica e ao arresto preventivo, este a decretar nos termos da lei do processo civil.
III – O arresto consiste numa apreensão judicial de bens determinada pelo justo receio por parte do credor de perder a garantia patrimonial do seu crédito.
IV – Quando a audição prévia do requerido puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência, o contraditório pode ser relegado para momento subsequente ao decretamento da providência, podendo aquele, após a notificação da decisão que a ordenou, recorrer ou deduzir oposição.
V – Neste último caso, o juiz decide da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão que se constitui como complemento e parte integrante da inicialmente proferida.
VI – De todo este processado resulta evidente que o requerido visado pelo decretado arresto não pode impugnar ou deduzir oposição e, depois, recorrer de tal decisão, sem que antes tenha sido apreciado e decidido aquele requerimento anterior.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso PENAL n.º 1628/19.0TELSB-I.P1
2ª Secção Criminal

Conferência/Reclamação
[Arresto/Urgente]

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjuntos: Maria dos Prazeres Silva
Moreira Ramos

Comarca: Porto - Tribunal: Porto/Juízo de Instrução Criminal-J4
Processo: Arresto n.º 1628/0TELSB-A
[apenso ao Inquérito da Procuradoria Europeia da Delegação do Porto n.º 1628/0TELSB]
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Requerente: Ministério Público
Requerida/Recorrente/Reclamante: AA

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Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
a) Inconformada com a decisão sumária que não conheceu o recurso por si interposto, por intempestivo e ilegal, veio a recorrente AA, com os demais sinais dos autos, reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no art. 417º, n.º 8, do Cód. Proc. Penal, invocando, para o efeito, as seguintes razões: (transcrição)
(…)
Na sequência de arresto preventivo decretado em 28/11/22, a reclamante por requerimento autónomo invocou a nulidade da decisão de arresto e posteriormente recorreu da mesma.
Baseou aquele primeiro requerimento de nulidade no que segue:
a) O Ministério Público (doravante MP) não deduziu previamente liquidação;
b) O Ministério Público apurou estimativamente o valor da vantagem do crime e não alegou qual o valor do património incongruente da requerente AA aqui recorrente;
c) Havia falta de verificação dos pressupostos do arresto, pois que o MP não alegou ou provou qual o valor dos bens cujo arresto pretendia com violação do princípio da proporcionalidade e da subsidiariedade, não se alegando valores depositados ou a depositar ou oneração de bens a arrestar.
d) Ocorria inexistência de alegação ou prova de factos que levassem a concluir que a providência de arresto pedida era única que salvaguardava os interesses do Estado, quanto a uma possível decisão final de perdimento, assim afastando a aplicação de qualquer outra medida de garantia patrimonial, fosse a caução económica, o arresto clássico ou mesmo a medida de controlo das contas bancárias,
e) A decisão proferida não alinhava qualquer facto de onde extraísse que a aplicação de qualquer das outras medidas cautelares fosse insuficiente que não fossem os factos que decorrem da aplicação de qualquer outra medida de garantia patrimonial;
f) Quer na petição de arresto, quer na decisão a factualidade dada como provada ainda que indiciariamente era conclusiva, e, como tal, devendo ser considerada como não escrita (podendo ser apta à aplicação de qualquer outra das medidas cautelares previstas).
g) A remessa, na decisão de arresto, para os meios de prova indicados no Ministério Público, que não foram notificados dos documentos que lhe dizia respeito, nem na decisão, sendo ainda que na petição não se individualizam documentos ou se diz que folhas do processo se encontram.
h) Quanto a esta parte da decisão nenhuma fundamentação se apresentava, sendo certo que nenhum facto era alegado de suporte a tal pretensão do Ministério Público ou indício de que a requerente AA e outros requerentes podiam continuar a actividade criminosa, pois que se assim fosse, com certeza estaria submetido a uma medida de coacção, o que não aconteceu.
i) Depois, a decisão proferida determinou ainda que não ficasse impedido o lançamento a crédito de novas verbas nas contas arrestadas, mas estas ficaram contempladas pelo arresto, sendo que nenhuma fundamentação foi apresentada.
j) Depois, considerou-se que os meios de prova não foram identificados, não foram dados como provados ou não provados os factos alegados pelo MP pelo que a decisão sempre seria nula por falta de fundamentação, sendo que se referiu ainda que tal nulidade seria cognoscível em sede de recurso, mas que, sempre se deixava naquele requerimento alegada e invocada.
Por decisão de datada de 28/07/2023, o Mmo Juiz de Instrução Criminal, veio a dar sem efeito o despacho judicial de fls. 944, na parte em que admitiu o recurso interposto entre outros pela aqui Reclamante AA, rejeitando o recurso apresentado.
A arguida recorrente não se conformando com tal decisão apresentou reclamação junto do Venerando Presidente desta Relação que acabou por obter vencimento, ordenando-se o prosseguimento do recurso.
Posteriormente, e na sequência de apresentada reclamação veio o Venerando Tribunal da Relação do Porto, por intermédio da Veneranda Desembargadora Relatora, pronunciar-se através da presente decisão sumária decidindo não conhecer o recurso.
(…)
O requerimento que a decisão reclamada apelida como inominado não pode, de forma alguma, ser encarado como oposição ao arresto. Na verdade, a decisão reclamada aceitou, do ponto de vista da reclamante acriticamente, que o requerimento apresentado pela mesma constituía um articulado de oposição ao arresto.
Ora, tal requerimento nem formal, nem substancialmente é uma oposição ao arresto, nem poderia ser, como a seguir se verá.
Em primeiro lugar, apesar de “inominado”, no requerimento que se apresentou fez-se um pedido – o do decretamento da nulidade do despacho que decretou o arresto por falta de fundamentação, pelo que, desde logo tal requerimento não constitui ou constituía uma oposição ao arresto.
Em segundo lugar, dispõe o artº 372º do CPC que:
1 - Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 366.º:
a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367.º e 368.º.
2 – (…)
3 - No caso a que se refere a alínea b) do n.º 1, o juiz decide da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, e, se for o caso, da manutenção ou revogação da inversão do contencioso; qualquer das decisões constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.
O que venha a ser oposição ao arresto encontra-se taxativamente definido na al. b) do nº1 da referida norma.
Para que se considere oposição, o Oponente deve alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução.
Ora, no seu requerimento a reclamante não alegou factos (que aqui devem ser entendidos como factos novos relativamente à petição de arresto), nem os do arresto, nem factos novos, nem requereu a produção de meios de prova.
Daí que, não podendo ser considerado como oposição, o requerimento em causa nunca poderia fazer funcionar o nº3 da supra transcrita norma que determina que a decisão proferida sobre a oposição faz parte integrante desta.
Aliás, se o requerimento fosse entendido pelo Tribunal como oposição ao arresto – e não foi como a seguir se verá – este teria que ser liminarmente indeferido, precisamente por não alegar factos ou pretender a produção de meios de prova.
Daí que, não se pode afirmar (como o faz a decisão sumária) que o deduzido “requerimento (de invocação de nulidade) (…) invocou factos e discorreu longamente sobre as razões que, em seu entender, contrariavam os fundamentos da providência.”
Na verdade, naquele requerimento de invocação de nulidade não foram invocados factos “não tidos em conta pelo tribunal” (artº 372º nº 1 al, b).
O que se disse naquele requerimento foi que inexistiam os pressupostos do arresto, porquanto os factos dados como provados eram conclusivos e como tal deveriam ser considerados como não escritos e que a decisão padecia de nulidade por falta de fundamentação de facto.
Por outro lado, também não se pode afirmar igualmente que o Tribunal tenha levado em conta tal requerimento como sendo uma oposição.
Isto porque, desde logo resultaria incompreensível que o arresto tivesse sido decretado em Novembro de 2022 e a oposição julgada em Julho de 2023 – quase um ano depois.
Por outro lado, se o Tribunal entendesse que o requerimento constituía uma oposição, não deixaria de aplicar o Regulamento das Custas Processuais que imporia o pagamento de taxa de justiça inicial, ou a notificação da reclamante para efectuar tal pagamento.
Acresce que, o Tribunal a quo não procedeu à designação de audiência final nos termos do artº 367º do Código de Processo Civil, para produção de prova que, em face do alegado, determinasse oficiosamente ou que pudesse a “oponente” exercer contraditório em relação à “prova” do arresto ou sequer para alegações orais.
O que sucede (ou melhor, tem sucedido) é que o Tribunal e o MP em 1ª instância (e ao que parece junto desta Relação) alterna a aplicação do processo civil e do processo penal, conforme as posições dos arguidos.
A verdade é que as normas de processo civil aplicam-se ao arresto preventivo como àquele previsto na Lei 5/02 com as necessárias adaptações.
Com efeito, a aplicação do processo civil apenas se pode dar nos casos omissos – artº 4º do CPP – e, apesar da aplicação da norma do artº 372º do CPC dever ser aplicável ao arresto penal, certo é que já não se aplicam as normas do processo civil, porque nenhuma lacuna existe para integrar, quanto à arguição de nulidades.
E quanto à arguição de nulidade por falta de fundamentação do despacho que decreta o arresto preventivo, este Tribunal da Relação do Porto foi taxativo, designadamente no acórdão de 29/3/17, publicado in www.dgsi.pt e relatado por Lígia Figueiredo, no qual se disse em sumário:
I – O arresto previsto no artº 10º 1 da Lei nº 5/2002 é uma medida de garantia patrimonial, a que é aplicável o CPP, sendo decretado por despacho.
II – A falta de fundamentação de tal despacho constitui nulidade, devendo ser arguida no prazo de 10 dias perante o tribunal recorrido, sob pena de se mostrar sanada (artºs 120º 2 e 105º CPP), diz-se ainda no corpo do acórdão O arresto previsto no artº 10º nº1 da Lei 5/2002 é ainda uma medida de garantia patrimonial, à qual nos termos do nº4 daquele preceito, em tudo o que não contrariar o disposto naquele diploma legal, é aplicável o regime previsto no Código de Processo Penal.
Nas palavras de João Conde Correia, “A exclusão dos pressupostos referidos no artº 228º do CPP não afasta o regime geral das medidas de garantia patrimonial, aplicável por via da remissão para o regime do arresto preventivo.”[2]
Como tal sendo uma medida de garantia patrimonial à qual se aplica o regime previsto no CPP é nos termos do artº 194º nº1 do CPP aplicada por despacho. É pois a lei processual penal, que define a forma do acto decisório em causa, qualificando-o como despacho. E sendo um despacho, não é aplicável ao mesmo o regime da sentença previsto nos arts.374º nº 2 e 379 nº 1 do CPP.
Na verdade nos termos do artº 194º nº 6 do CPP “A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade:
a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo lugar e modo; b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;
c) A qualificação jurídica dos factos imputados;
d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos da aplicação da medida, incluindo os previstos nos artºs 193º e 204º do CPP.” Como tal, a existir falta de fundamentação no despacho que decretou o arresto preventivo, tal vício configuraria uma nulidade sanável, a qual não se integra em nenhuma das nulidades previstas no artº 120º nº2 do CPP, e que como tal devia ter sido arguida no prazo geral de 10 dias -artº. 105º do CPP- e perante o tribunal recorrido, uma vez que apenas para as nulidades da sentença previstas no artº 379º do CPP está prevista a sua arguição directamente no recurso interposto da sentença.
Tal nulidade a existir mostra-se pois sanada, não podendo o recorrente invocá-la no presente recurso.
Também neste sentido, o o acórdão do STJ, datado de 25-01-2023, proferido no processo 1524/22.4T8MTS.P1, disponível em www.dgsi/jstj.pt, onde de pode ler o seguinte:
“VI – O entendimento doutrinário e jurisprudencial tido como dominante vai no sentido de que o regime de nulidades e vícios formais aplicável ao procedimento de arresto e bem assim a disciplina do recurso da decisão que o decreta é o da lei de processo penal, que se sobrepõe em tudo quanto exista previsão própria, aliás em consonância com a estatuição do artigo 4º do Código de Processo Penal, já que o apelo às normas de processo civil apenas se justifica nos casos de remissão directa para tal ordenamento jurídico ou nos casos omissos, isto é, quando inexistam normas processuais penais susceptíveis de aplicação analógica e na estrita medida em que se harmonizem com o processo penal.
VII – Sendo patente que a constituição na qualidade de arguidos excedeu o prazo que a lei impõe para o efeito, ocorreu inobservância da lei, cominada com a nulidade do arresto, nos termos da previsão do artigo 192º, n.º 4, do Código de Processo Penal.
VIII – Porém, tal nulidade não foi densificada como insanável pelo legislador pelo que carecia de ter sido invocada em tempo e lugar próprios, o que, não sucedendo, leva à sua sanação.”
Acresce ainda que a aqui reclamante não podia ficar eternamente à espera de que o Mmo Juiz a quo apreciasse tal requerimento de nulidade, pois sempre lhe poderia ser assacado a preclusão do direito de recorrer daquele despacho que decidiu o arresto pelo decurso do respectivo prazo de recurso.
Aliás, durante o prazo de recurso daquele despacho de decretamento de arresto (30 dias), nenhum despacho de apreciação de nulidades foi exarado pelo Mmo Juiz a quo pelo que não restava outra opção à aqui reclamante que seguir a via de recurso, que repita-se tem todo cabimento legal
Diga-se também, a talho de foice que assumindo os presentes autos caracter urgente e tendo sido dado entrada do requerimento de invocação de nulidade em 02 de fevereiro de 2023, resulta de todo inadmissível e incompreensível que o Mmo Juiz a quo só se tenha pronunciado em 28 de julho de 2023, decorridos que foram quase seis meses depois da respectiva interposição!
Por fim, a reclamante não tinha que esperar pela decisão da arguição da nulidade para interpor recurso.
Com efeito, nenhuma norma do CPP assim o impõe e a única norma que poderia dar respaldo a tal tese – o artº 686º do CPC (DL 329-A/95 de 12/12 na versão do DL 180/096 de 25/9 – foi revogada pela Lei 41/13 de 26/6 que publicou o novo Código de Processo Civil.
Dizia essa norma:
1 - Se alguma das partes requerer a rectificação, aclaração ou reforma da sentença, nos termos do artigo 667.º e do n.º 1 do artigo 669.º, o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento.
2 - Estando já interposto recurso da primitiva sentença ou despacho ao tempo em que, a requerimento da parte contrária, é proferida nova decisão, rectificando, esclarecendo ou reformando a primeira, o recurso fica tendo por objecto a nova decisão; mas é lícito ao recorrente alargar ou restringir o âmbito do recurso em conformidade com a alteração que a sentença ou despacho tiver sofrido.
Mas, ainda assim, tal norma apenas se aplicava aos pedidos de rectificação, aclaração ou reforma da sentença e já não quanto às nulidades da sentença, cujo regime geral era o da sua arguição em recurso, apenas podendo ser arguidas perante o tribunal a quo quando da sentença não coubesse recurso.
Com efeito, dizia o artº 668º do anterior CPC que: 1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
f) Seja omissa no que respeita à fixação da responsabilidade por custas, nos termos do n.º 4 do artigo 659.º
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
(…)
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
E para o caso tal regime mantém-se actual pois que outra não é a redacção do actual artº 615º nº4 do CPC.
E quanto ao processamento subsequente à arguição de nulidade, diz o actual artº 617º do CPC:
1 - Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento.
2 - Se o juiz suprir a nulidade ou reformar a sentença, considera-se o despacho proferido como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão.
3 - No caso previsto no número anterior, pode o recorrente, no prazo de 10 dias, desistir do recurso interposto, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pela sentença, podendo o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo.
4 - Se o recorrente, por ter obtido o suprimento pretendido, desistir do recurso, pode o recorrido, no mesmo prazo, requerer a subida dos autos para decidir da admissibilidade da alteração introduzida na sentença, assumindo, a partir desse momento, a posição de recorrente.
5 - Omitindo o juiz o despacho previsto no n.º 1, pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido; se não puder ser apreciado o objeto do recurso e houver que conhecer da questão da nulidade ou da reforma, compete ao juiz, após a baixa dos autos, apreciar as nulidades invocadas ou o pedido de reforma formulado, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o previsto no n.º 6.
6 - Arguida perante o juiz que proferiu a sentença alguma nulidade, nos termos da primeira parte do n.º 4 do artigo 615.º, ou deduzido pedido de reforma da sentença, por dela não caber recurso ordinário, o juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada; porém, no caso a que se refere o n.º 2 do artigo anterior, a parte prejudicada com a alteração da decisão pode recorrer, mesmo que a causa esteja compreendida na alçada do tribunal, não suspendendo o recurso a exequibilidade da sentença.
E assim seria se não se desse o caso de se estar no âmbito do processo penal, no âmbito do qual as arguições de nulidade estão expressamente previstas, designadamente nos artºs 118º, 119º e 120º e no caso concreto no artº 194º nº6 do CPP, sendo que não se tratando de nulidades previstas no artº 119º e 120º do CPP, têm que ser arguidas no prazo geral de 10 dias previsto no artº 105º nº1 do CPP, como avisada e sabiamente se decidiu no acórdão desta Relação de 23/9/17 que supra se transcreveu.
A reclamante compreende que a presente decisão sumária não pôde deixar de ser influenciada pela decisão da reclamação contra o despacho que não admitiu o recurso que foi dizendo em claro excesso de pronúncia que apesar de ter de ser admitido o recurso, este não podia, em momento posterior ser conhecido, pelas razões exaradas na decisão sumária reclamada.
Mas, para além do facto de que o que aí ficou exarado constituir um claro excesso de pronúncia, a decisão da reclamação não vincula o tribunal de recurso – artº 405º nº4 do CPP.
(…)
Mas ainda que se aceitasse a tese da decisão sumária reclamada, o que não sucede, em coerência teria que se aplicar o artº 617º do CPC e o Relator deveria enviar o processo para conhecimento da arguição de nulidade à 1ª Instância.
Sucede é que a 1ª instância já decidiu e, portanto, o recurso deveria ser conhecido na parte remanescente em aplicação do princípio do aproveitamento dos actos processuais e não se esquecendo que se está em face de procedimento ou incidente urgente, porquanto se dúvidas existem sobre a admissibilidade dos recursos, as mesmas devem ser consideradas em favor da recorrente, pois estando o direito ao recurso inserido no domínio dos direitos e garantias de defesa, vale aqui a regra do favor reo e o princípio favorabilia amplianda, odiosa restringenda (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 2003, proferido no proc. n.º 243/03 - 3ª Secção e publicado in www.stj.pt).
Aliás, o primitivo despacho naufragado que deu sem efeito a admissão de recurso reconhece que “analisadas as peças (…) constatamos que parte dos argumentos invocados são coincidentes”. (sendo que nada se refere quanto às partes não coincidentes).
Ora, sempre seria necessário sindicar a “parte” não coincidente” (qual?) que o despacho obnubilava e se demitiu de considerar ou ponderar.
Como se afirmou supra, no recurso deduzido pela aqui reclamante e cuja sindicância pelo Tribunal da Relação se cuida aqui, para lá da invocação da nulidade por falta de fundamentação constante do requerimento deduzido pela mesma reclamante, esgrimiram-se também outros fundamentos para o naufrágio da decisão de 1ª instância, designadamente:
- A necessidade da audição presencial do arguido relativamente à medida de garantia patrimonial a ter lugar no mesmo prazo fixado para a constituição de arguido, ou seja, 72 horas com transmissão dos factos que determinaram a sua constituição como arguido e a aplicação de medida de garantia patrimonial (cfr. artºs 194º nº4 e 141º nº4 do Código de Processo Penal).
- A inconstitucionalidade da interpretação que se extraia do disposto nos artºs 61º nº1 als. a) e b), 192º nº1 e 3, 194º nº1, 4 e 5, 228º do Código de Processo Penal e do artº 10º da Lei 5/02 no sentido de que decretado o arresto sem audição prévia do arguido, estando este localizado e conhecendo-se o seu paradeiro, este pode ser ouvido relativamente à aplicação de tal medida de garantia patrimonial em momento posterior ao da sua constituição como arguido, ou seja mais de 72 horas após o decretamento do arresto;
- Invocação de nulidade insanável decorrente de que a “a audição prevista no nº 4 é pessoal (presencial) ressalvados os casos de impossibilidade devidamente fundamentada, sob pena de nulidade insanável” (artº 119º al. c) do Código de Processo Penal).
Daí que, ainda que o recurso seja de rejeitar, apenas o pode ser parcialmente, devendo ser conhecidas as restantes questões aí suscitadas.
b) Colhidos que foram os vistos e realizada a conferência, com observância das formalidades legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
1. A recorrente AA insiste na dispersão temática e disserta longamente, entre o mais, sobre a natureza do requerimento que apresentou nos autos de arresto, nulidades da sentença e nulidades gerais e bem assim sobre o regime do recurso em processo civil[1], questões que, de modo algum, se compaginam com os fundamentos da decisão reclamada.
Vejamos.
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2. Os trâmites com interesse para a decisão são, tal como especificado na decisão sumária ora reclamada, essencialmente, os seguintes:
a) No âmbito do inquérito supra referenciado, a correr termos na secção de processos do Porto da Procuradoria Europeia, investigam-se factos susceptíveis de integrar a prática, entre o mais, de crimes de associação criminosa, fraude fiscal, branqueamento e falsificação de documento.
b) Visando acautelar a eventual condenação da perda de vantagens obtidas com o produto dos crimes, com o valor provisório estimado de €50.812.500,00, o Ministério Público requereu ao M.mo JIC o arresto de bens e valores, sem prévia audição dos requeridos, entre os quais constava, no que ao caso interessa, AA.
c) Tal pretensão veio a ser apreciada e deferida por decisão proferida a 28/11/2022.
d) Concretizado o arresto e formalizada a constituição como arguidos, foram os requeridos notificados para, querendo exercerem o seu direito de defesa e contraditório.
e) Nessa sequência, a requerida AA, a 2 de Fevereiro de 2023, apresentou nos autos, por via electrónica, requerimento inominado, já que sem cabeçalho identificativo[2], que culmina com o pedido de nulidade da decisão por falta de fundamentação mas que é antecedido por longo excurso argumentativo sobre os pressupostos do arresto, seguido da conclusão de que os mesmos não se encontram preenchidos no caso e bem assim sobre a violação dos princípios da proporcionalidade e subsidiariedade (v., além do mais, arts. 7º e segs., 12º, 17º e 35º da exposição).
f) Nessa mesma data, outros requeridos visados pela decisão de arresto vieram aos autos deduzir oposição.
g) Subsequentemente, por requerimento apresentado electronicamente a 22 de Fevereiro de 2023, a requerida AA interpôs recurso da decisão que decretou o arresto, o qual veio a ser admitido, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, por despacho proferido nos autos a 09/05/2023, suscitando as questões da nulidade da petição formulada, por falta de invocação dos factos necessários ao decretamento da medida de garantia patrimonial, e da decisão recorrida, por falta de fundamentação, e bem assim a da desproporcionalidade do arresto decretado e da nulidade insanável prevista no art. 119º, al. c), do Cód. Proc. Penal, decorrente da omissão da sua audição presencial, sobre a aplicação da aludida medida de garantia patrimonial, no prazo legal de 72horas após o decretamento do arresto.
h) No dia 28 de Julho de 2023 foi proferida sentença pelo tribunal a quo no âmbito da qual foram apreciadas as oposições deduzidas e bem assim os requerimentos da aqui recorrente AA e requeridos BB, CC, “A..., L.da” e “B..., L.da”, aí se decidindo, entre o mais que:
«A observância do princípio do contraditório dos arrestados apenas é concretizada uma vez proferida decisão decretando o arresto e uma vez executada ou materializado este, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 372.º, do Código de Processo Civil, onde se estatui que quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 366.º:
a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367.º e 368.º.
Tratando-se de dois meios de reação contra a sentença que decrete a providência cautelar sem audiência prévia do requerido ou requeridos, que na expressão do n.º 1 do artigo 372.º são “alternativos”, daqui deriva, por um lado, que o requerido ou requeridos da providência cautelar não podem usar desses dois meios de reação em simultâneo, e por outro lado, não podem escolher livremente entre um desses meios de reação, pois que a opção por um ou outro dos meios de reação que a lei lhes faculta depende dos fundamentos que invoquem.
(…)
Ora, no caso em apreço nos autos constatamos que a oponente “C..., S.A.” apresentou oposição ao arresto, mas igualmente interpôs recurso da decisão judicial que decretou a providência – cfr. fls. 471 e 752, respectivamente.
De igual forma, os requerentes BB, AA, CC, “A..., L.da” e “B..., L.da.”, apesar de não terem apresentado uma peça processual que tenham denominado «oposição», reagiram à decisão judicial que decretou o arresto, apresentando requerimento onde invocam a nulidade, por falta de fundamentação, dessa mesma decisão judicial.
Analisadas tais peças processuais constatamos que parte dos argumentos invocados são manifestamente coincidentes, sem certo que na oposição que a oponente “C..., S.A.” apresentou são ainda invocados factos e apresentados meios de prova que, no entendimento da oponente, deveriam conduzir à redução da providência.
Por conseguinte, ressalvado o devido respeito por diferente opinião, não só o requerimento apresentado pelos requerentes BB, AA, CC, “A..., L.da.” e “B..., L.da” deve ser entendido como uma oposição à decisão judicial que decretou o arresto, como também, e no seguimento do entendimento supra expresso, impõe-se dar sem efeito o despacho judicial de fls. 944, na parte em que admitiu o recurso interposto pela oponente/recorrente oponente “C..., S.A.” e pelos requerentes BB e AA.»
i) Após a admissão do recurso supra referido [v. alínea g)], respondeu o Ministério Público sufragando a respectiva improcedência e manutenção do decidido.
j) O segmento da decisão proferida pelo tribunal a quo, a 28 de Julho de 2023, que considerava não escrita a admissão do recurso foi objecto de reclamação que foi deferida[3], sendo certo que, mesmo que assim não fosse, aquele nunca poderia vincular este tribunal ad quem e prejudicar a instância recursória já instaurada e pendente de decisão do tribunal superior competente para o efeito.
k) Neste Tribunal da Relação o Ex.mo Procurador Europeu Delegado emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, louvando-se nos fundamentos da resposta aludida.
l) Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, veio a recorrente arguir irregularidade decorrente da intervenção do Procurador Europeu na emissão do mencionado parecer e solicitar o respectivo desentranhamento por inútil e irregular, o que mereceu a oposição fundamentada daquele que se pronunciou no sentido do indeferimento, atento o regime específico instituído pelo Regulamento (UE) 2017/1939 do Conselho, de 12 de Outubro de 2017.
m) Por despacho proferido nos autos, a 21/08/2023, foi indeferida a invocada arguição de irregularidade, com base, além do mais, na estatuição conjugada dos arts. 18º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 112/2019, de 10/09, 13º§3, in fine, do citado Regulamento (UE) 2017/1939 e 53º, n.º 2, al. d), do Cód. Proc. Penal.
***
3. A decisão sumária
Tendo em vista os actos processuais e trâmites referenciados que os autos disponibilizavam, considerou-se, então, existir circunstância que obstava ao conhecimento do mérito do recurso e, no dia 18 de Setembro de 2023, foi proferida a decisão sumária aqui reclamada, cuja essência se reconduz ao seguinte:
“É consabido que a liberdade das pessoas pode ser restringida, por virtude de exigências processuais de natureza cautelar, através de medidas de coacção ou de garantia patrimonial previstas na lei.
As medidas de garantia patrimonial têm um conteúdo essencialmente económico visando acautelar o pagamento da multa, custas ou outra dívida para com o Estado relacionada com o crime ou então o pagamento da indemnização ou outras obrigações civis derivadas daquele, encontrando-se reguladas nos arts. 227º e 228º, do Cód. Proc. Penal, reconduzindo-se à caução económica e ao arresto preventivo, este a decretar nos termos da lei do processo civil, mas dispensando-se a prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica – cfr., n.º 1, do citado art. 228º.
O arresto consiste numa apreensão judicial de bens determinada pelo justo receio por parte do credor de perder a garantia patrimonial do seu crédito, como evidencia o estatuído no art. 391º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil.
Quando a audição prévia do requerido puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência, o contraditório pode ser relegado para momento subsequente ao decretamento da providência podendo aquele, após a notificação da decisão que a ordenou[4], reagir por uma de duas vias, nos termos do n.º 1, do art. 372º:
a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; ou
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367.º e 368.º.
Neste último caso, o juiz decide da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão que se constitui como complemento e parte integrante da inicialmente proferida (n.º 3, do citado art. 372º).
In casu, é ponto assente que a arrestada AA fez juntar aos autos um requerimento onde, além da nulidade da decisão que decretou o arresto, invocou factos e discorreu longamente sobre as razões que, em seu entender, contrariavam os fundamentos da providência.
Todavia, antes de qualquer apreciação da pretensão formulada, veio interpor recurso da decisão que decretou o arresto.
Por seu turno, o tribunal a quo, a 9 de Maio de 2023, necessariamente ciente da cumulação de requerimentos, admitiu, sem mais, o recurso da AA, apenas se pronunciando sobre o seu requerimento de 02/02/2022, na sentença que julgou as oposições deduzidas por outros requeridos, proferida a 28/07/2023, considerando que o mesmo, sob a aparência de uma mera invocação de nulidade, constituía uma verdadeira oposição ao decretado arresto, apreciando-o também, por conseguinte, nessa perspectiva.
Independentemente de tal decisão não ser ainda definitiva, o certo é que, no contexto actual, existe uma oposição da recorrente AA apreciada e decidida nos autos o que obsta ao conhecimento do mérito do recurso já que estão em causa vias de reacção ao decretamento da providência que são alternativas e não cumulativas.
Assim sendo, é patente que o recurso interposto pecou por antecipação - já que incidia sobre decisão ainda não definitivamente estabilizada por força de requerimento anteriormente deduzido - e se apresenta agora como inadmissível por virtude da decisão proferida no sentido da arrestada AA ter deduzido oposição à providência decretada, sendo inviável a apreciação do mérito respectivo por este tribunal ad quem.
Na verdade, em termos de preordenação lógica, confrontado com a apresentação do recurso, devia o tribunal a quo ter imediatamente apreciado o requerimento anterior e agido em conformidade.
Ou seja:
Considerando que havia sido suscitada previamente uma oposição e rejeitando, por inadmissibilidade legal, o subsequente e cumulativo recurso interposto, por violação do art. 372º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal; ou
Atendendo apenas a invocação de nulidade e considerando não escrito o demais arrazoado vertido no requerimento de 2 de Fevereiro, por falta de cabimento legal, e ordenando o desentranhamento do recurso por manifesta antecipação ou, pelo menos, sustando a apreciação da respectiva admissibilidade até ao trânsito da decisão desse primeiro requerimento.
Não o tendo feito e vindo, posteriormente, a subsumir e apreciar tal articulado à luz da figura da oposição ao arresto, o conhecimento do mérito do presente recurso constituiria uma flagrante violação à previsão do art. 372º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, possibilitando à recorrente o indevido usufruto cumulativo de dois meios que a lei quis e definiu como alternativos.
(…)
Neste conspecto, é perfeitamente cristalino que, no caso, a apresentação e admissão do recurso pecaram por manifesta antecipação já que ainda se encontrava pendente no tribunal a quo o requerimento que sufragava a nulidade da decisão proferida e invocava factos susceptíveis de afastar os fundamentos do arresto decretado, sendo o respectivo conhecimento inadmissível não só por essa extemporaneidade mas também por, entretanto, ter sido apreciado o primeiro requerimento, definido como sendo uma oposição, configurando-se circunstância impeditiva do conhecimento do mérito, nos termos das disposições conjugadas dos art.º 372º, n.º 1 e 417º n.º 6 al. a) do Código de Processo Penal. ”
***

4. Apreciação
Consoante evidencia o exposto, este tribunal ad quem não se pronunciou sobre a natureza do requerimento apresentado nos autos principais pela aqui reclamante, a 2 de Fevereiro de 2023.
Nem, aliás, tal lhe incumbia - ou incumbe agora - sendo perfeitamente despiciendos os considerandos da reclamante a tal propósito, bem como desnecessárias as considerações sobre os moldes e tempos da tramitação dos autos pelo tribunal a quo quando, nessa sede e em tempo oportuno, nada foi alegado ou requerido.
In casu, constatou-se apenas a realidade insofismável da existência de um requerimento, inegavelmente apresentado pela aí arrestada AA, que foi, entretanto, considerado e apreciado como sendo uma oposição à providência pelo tribunal da 1ª instância.
Consequentemente, tendo tal requerimento sido formulado em momento anterior ao do recurso aqui em causa e objecto de decisão igualmente anterior à apreciação daquele por este Tribunal ad quem, cremos ser por demais evidente que, enquanto subsistir a mencionada decisão, no segmento que imputa à arrestada AA a interposição de oposição ao arresto e faz a atinente apreciação, é inviável, por ilegal, atenta a previsão do art. 372º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, a apreciação e decisão do recurso.
A discordância da recorrente relativamente a tal entendimento do tribunal a quo terá que ser suscitada e discutida em sede própria no âmbito do direito ao recurso que lhe assiste quanto à aludida decisão.
E, tal como também foi anteriormente referido, tendo a aqui reclamante optado por invocar anteriormente uma nulidade da decisão por falta de fundamentação que, a ser reconhecida, poderia determinar a alteração total ou parcial do respectivo teor, não se vislumbra como é que poderia suscitar-se a intervenção do tribunal superior, nessa sede, sem que a própria decisão recorrida e, por conseguinte, o thema decidendum estivessem devidamente estabilizados[5].
Neste conspecto, resta concluir pela falta de fundamento legal da pretensão da recorrente já que nenhum vício inquina o juízo constante da decisão sumária quanto à existência de circunstância impeditiva do conhecimento do mérito na sua totalidade[6], nos termos das disposições conjugadas dos art.º 372º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil e 417º, n.º 6, al. a), do Cód. Proc. Penal.
***

III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em indeferir a reclamação apresentada pela arrestada AA e manter nos precisos termos a decisão sumária proferida nos autos.

Custas pela reclamante com 2 (duas) UC de taxa de justiça – cfr. Tabela III, anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

Notifique.
*
[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, n.º 2, do CPP[7]]


Porto, 18 de Outubro de 2023
Maria Deolinda Dionísio
Maria dos Prazeres Silva
Moreira Ramos
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[1] É consensual o entendimento que as regras que presidem à apreciação do pedido de arresto formulado no processo penal e, bem assim, naturalmente a oposição àquele, são as regras do processo civil, porém tal não significa que as normas de tal diploma se apliquem a todos os trâmites processuais e, nomeadamente, àqueles que não tenham especificidade própria do procedimento cautelar, os quais são determinados pelo processo penal, como é o caso do recurso interposto da decisão de arresto, porquanto em tal matéria o processo penal tem um regime completo e sem lacunas.
[2] Embora identificado perante a Secretaria como requerimento de nulidade da decisão.
[3] Consoante informação, entretanto, remetida e junta aos presentes autos.
[4] Cfr., art. 366º, n.ºs 1 e 6, do mesmo diploma legal.
[5] Veja-se o caso de uma alteração da decisão que, ainda assim, não satisfizesse a agora reclamante e que, por conseguinte, a voltaria a impugnar levando a sucessivas intervenções do tribunal de recurso sem qualquer amparo legal para o efeito
[6] O art. 372º, do Cód. Proc. Civil não contempla qualquer excepção que permita a cumulação de oposição e recurso relativamente à decisão de arresto.
[7] O texto do presente acórdão não observa as regras do acordo ortográfico – excepto nas transcrições que mantêm a grafia do original – por opção pessoal da relatora.