Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
126391/14.1YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: PROCESSO DE INJUNÇÃO
INADEQUAÇÃO PROCESSUAL PARA DIRIMIR LITÍGIOS COMPLEXOS
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Nº do Documento: RP20151028126391/14.1YIPRT.P1
Data do Acordão: 10/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Vista a complexidade de direitos e deveres que o integram e a função económica e social que desempenha, o contrato de instalação de lojista em centro comercial configura-se como contrato atípico ou inominado, sujeito à liberdade contratual das partes, a que é aplicável o regime resultante das respetivas cláusulas acordadas, bem como o regime geral dos contratos e, se necessário (subsidiariamente), a disciplina de figuras contratuais próximas, como o é, em certa vertente, o contrato de arrendamento urbano, que, todavia, necessariamente se distingue daquele.
II - Os procedimentos especiais a que se reporta o DLei n.º 269/98, de 01/09, mormente de injunção, traduzem mecanismos marcados pela simplicidade e celeridade, vocacionados para a cobrança simples de dívidas, de molde a aliviar os tribunais da massificação decorrente de um exponencial aumento de ações de pequena cobrança de dívidas.
III - O processo de injunção não é meio processualmente adequado para peticionar e discutir indemnização por incumprimento contratual, mesmo que antecipadamente prevista no clausulado do contrato a título de penalidades por violação do mesmo.
IV - Nem para dirimir litígios, embora de cariz pecuniário, referentes a contratos de natureza complexa, pelos feixes de direitos e deveres recíprocos que se movimentam e entrecruzam no seu âmbito.
V - Não sendo o procedimento adotado pela parte o meio adequado, existe um obstáculo processual impeditivo do conhecimento de meritis, ocasionando exceção dilatória inominada, que determina a absolvição da instância.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 126391/14.1YIPRT.P1
1.ª Secção Cível
***
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
***
I – Relatório
B…, Ld.ª”, com os sinais dos autos,
apresentou requerimento de injunção contra
C…, Ld.ª”, também com os sinais dos autos,
pedindo o pagamento da quantia de € 15.402,63, entre outros, a título de penalidades por violações contratuais, estando em causa um contrato denominado contrato de integração de loja (de arrendamento ou de ocupação de espaço, para fins comerciais).
Com efeito, alegou, em síntese:
- ter-se a Requerida obrigado em contrato de integração de loja, com o dever, como contrapartida da exploração comercial da loja, de comparticipar nos custos e encargos de funcionamento, exploração e promoção do edifício em que tal loja se insere, mediante o pagamento mensal à Requerente de € 8,00 por cada m2 da área da loja, perfazendo € 968,00, acrescidos de IVA, num total de € 1.190,64;
- porém, a Requerida deixou de pagar, encontrando-se em dívida diversos montantes referentes a faturas vencidas, num total de € 4.167,24;
- o não pagamento de qualquer desses montantes confere à Requerente o direito a receber, a título de penalidade por violações contratuais, nos moldes contratados, uma quantia, de sanção pecuniária, calculada com base em fórmula vertida no contrato, variando o multiplicador de acordo com o previsto nas várias al.ªs do n.º 1 da cláusula 12.ª do contrato;
- o que determina que, quanto ao não pagamento pontual dos custos comuns, a Requerida se tenha constituído devedora, a título de penalidades, do montante de € 10.794,48;
- sendo ainda devidos juros moratórios, à taxa legal, sobre os montantes faturados e imputados a título de penalidades, ascendendo os devidos até 29/07/2014 a € 287,91.
A Requerida deduziu oposição, impugnando diversa factualidade alegada pela contraparte e invocando ter assinado documento contratual que foi pré-elaborado, de forma rígida, sem apresentação de anexos, sem prévia comunicação ou informação do conteúdo do clausulado pré-elaborado e imposto, o qual deve ser excluído do contrato ou, ao menos, objeto de equitativa redução (para o mínimo de € 1,00);
- o edifício vem apresentando sinais de degradação, o que denota incumprimento contratual da contraparte no contrato, com inerente reclamação da Requerida e invocação de compensação de créditos, fazendo face aos prejuízos sofridos;
- a Requerida foi privada do uso da loja e correspondente estabelecimento comercial, vindo depois a recuperá-los na sequência de restituição provisória de posse, não sem que tenha sofrido avultados prejuízos, pelo que nada aceita dever à Requerente, assim concluindo pela sua absolvição do pedido.
Remetidos os autos à distribuição, com transmutação em ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, respondeu a A./Requerente, impugnando a argumentação da contraparte e concluindo pela procedência integral do pedido formulado.
Frustrada tentativa de conciliação das partes, procedeu-se ao saneamento do processo, nessa sede se conhecendo da matéria de exceção dilatória inominada, julgando-se verificada a exceção inominada da inadequação processual, com a consequente absolvição da R. da instância.
Inconformada, veio a A. interpor o presente recurso, apresentando alegação, onde formulou as seguintes
Conclusões:
“1. Quer pela análise estrutural da relação, quer pelo exame funcional do acto, que o contrato de instalação de cada um dos lojistas no centro comercial (D…), nem se reduz quanto à sua complexa natureza jurídica, a um simples contrato de locação, nem cabe sequer no esquema angular do contrato misto de locação e prestação de serviços.
2. A pluralidade agregada ao contrato de utilização de lojas nos centros comerciais não é, obviamente, típica nem do arrendamento comercial, nem da cessão de exploração do estabelecimento comercial, também chamada locação de estabelecimento, por que estas são tipicamente individuais.
3. Assim, nunca poderá concluir-se que no caso dos autos nos encontramos perante um contrato de arrendamento ou similar, como refere a sentença em recurso, mas sim perante um contrato de utilização de loja em centros comerciais, contrato esse atípico e inominado, sujeito ao regime das clausulas contratuais gerais.
4. Estabelece o artº 1º do diploma preambular do DL 269/98 de 1 de Setembro, que é por aquele aprovado um regime especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00 €, consistindo o pedido formulado pela aqui Recorrente na condenação da aqui Recorrida em quantia pecuniária de 15.402,63 € decorrente de obrigações pecuniárias emergentes do contrato de utilização de loja em centro comercial, torna-se claro que utilizou adequadamente a Recorrente o procedimento de injunção.
5. Após a oposição deduzida pela aqui Recorrida, o facto de ter existido o contrato de utilização de loja no centro comercial celebrado por ambas as partes aqui em litígio ficou claramente assente.
6. Não tem o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto a 31/05/2010 qualquer aplicação nos presentes autos quer por não nos encontrarmos perante nenhum contrato de arrendamento, quer porque não se colocou em momento algum a questão da utilização do procedimento de injunção no âmbito da resolução do contrato de utilização de loja aqui em causa.».
Pugna, sem mais, pela procedência do recurso.
Contra-alegou a Recorrida, pugnando pelo bem fundado da decisão em crise, a dever, por isso, ser mantida.
O recurso foi admitido, como de apelação, com efeito meramente devolutivo e subida imediata e nos próprios autos, tendo sido ordenada a remessa do processo a este Tribunal ad quem.
Nada obstando, na legal tramitação recursória, ao conhecimento do mérito da impugnação, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso
Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado em sede de articulados – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –, está em causa na presente apelação saber, apenas, se deve proceder, ou não, a sancionada exceção dilatória inominada da inadequação processual.

III – Fundamentação
A) Da materialidade fáctica assente
A factualidade a considerar é a que consta enunciada no antecedente relatório.

B) Substância do recurso
Da exceção dilatória inominada da inadequação processual
Consta da fundamentação jurídica da decisão recorrida:
«Cabe afirmar que se entende que não se pode utilizar um regime tão simplificado, como o do DL 269/98, para discutir questões relacionadas com arrendamentos ou contratos similares.
Ora, o pedido formulado pela A., supra enunciado, pressupõe a discussão sobre a existência do referido contrato de integração de loja e o seu incumprimento.
No sentido expendido, ver, na jurisprudência, entre outros, www.dgsi.pt., o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 31/05/2010, do qual se retira que é inadequada a utilização do procedimento de injunção para apreciar questão relativas a contratos de arrendamento.
Assim, estamos perante uma exceção dilatória inominada, a qual é de conhecimento oficioso e determina a absolvição da Ré da instância (arts. 576, nº1 e nº 2, 577 e 578 C.P.C.)».
A Apelante começa por negar que estejamos perante contrato de arrendamento ou similar, mas antes perante contrato de instalação de lojista em centro comercial, contrato atípico e inominado, sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais.
Acrescenta que o seu pedido se traduz, simplesmente, na condenação da contraparte em quantia pecuniária, resultante de obrigações pecuniárias decorrentes de contrato (o de instalação de lojista em centro comercial).
Que dizer?
Vem discutido nos autos se o contrato a que as partes se reportam deve ser qualificado como de arrendamento ou de instalação de lojista em centro comercial.
Nesse âmbito, a parte Recorrente conclui que o contrato convocado é de instalação de lojista em centro comercial e, bem assim, que a decisão recorrida o entendeu erradamente como de arrendamento (para comércio).
Porém, não parece que a decisão recorrida tenha sido perentória quanto à qualificação de tal contrato, matéria, aliás, sobre que se não debruçou em profundidade, pois que se limitou a aludir a inaptidão o de regime simplificado, como o de injunção (referiu-se ao do DLei n.º 269/98, de 01-09), “para discutir questões relacionadas com arrendamentos ou contratos similares”.
E acrescentou que “o pedido formulado pela A. (…) pressupõe a discussão sobre a existência do referido contrato de integração de loja e o seu incumprimento”, sem esclarecer claramente, pois, se considerava tal vínculo contratual como de arrendamento ou de instalação de lojista em centro comercial (ou outro “similar”).
Ora, é certo – e bem consabido – que o contrato de arrendamento é necessariamente diverso do de instalação de lojista em centro comercial.
Com efeito, onde se tratar de diversas lojas integradas num conjunto de um centro comercial, o respetivo contrato celebrado, destinado, desde logo, à cedência temporária do gozo de tais lojas para fim comercial, escapa aos fins/interesses típicos do mero contrato de arrendamento, para se integrar num contrato, de conteúdo mais complexo, de instalação de lojista em centro comercial, onde interessa, a mais da cedência do espaço físico, todo um outro conjunto de direitos e deveres das partes, decorrentes da situação de funcionamento integrado do conjunto e inerentes necessidades.
Por isso é que, vista a função económica e social do contrato, a complexidade que o mesmo incorpora levou a doutrina e jurisprudência maioritárias a considerar que o contrato de instalação de lojista em centro comercial, transcendendo a figura do arrendamento, escapa ao regime característico desta – tendencialmente direcionado para a proteção do arrendatário, parte considerada débil da relação contratual e, por isso, carecida de proteção legal –, para se situar de pleno no campo da liberdade contratual [1], mormente quanto à conformação do conteúdo/clausulado dos contratos (cfr. art.º 405.º do CCiv.).
E, vista a complexidade de direitos e deveres que o integram, o contrato de instalação de lojista em centro comercial é visto como um contrato atípico ou inominado [2], a que é aplicável, desde logo, o regime resultante das respetivas cláusulas acordadas, bem como o regime legal geral dos contratos e, se necessário (subsidiariamente), a disciplina de figuras contratuais próximas, como o é, necessariamente, o arrendamento [3], enquanto negócio destinado à cedência temporária do gozo de imóvel, vertente também presente naquele contrato, porém sem a rigidez característica do regime típico do contrato de arrendamento urbano.
Porém, o cerne da questão dos autos não está tanto na qualificação jurídica do contrato em causa, para o que as partes teriam de fazer prova de determinados elementos de facto, designadamente atinentes à vinculação estabelecida e inerente amplitude e conjugação de direitos e deveres recíprocos – importando saber se o espaço do edifício é formado por uma continuidade de lojas, para exploração comercial conjunta/integrada e complementar, sob a gestão/supervisão geral de entidade cedente/gestora, de modo a que o valor e aptidão de desempenho comercial do todo ultrapasse a mera soma das lojas –, mas na peculiaridade dos montantes reclamados, sua causa e natureza, bastando, quanto ao complexo da relação contratual, reter que as partes esgrimem entre si a inobservância pela contraparte de deveres contratuais diversos mas interligados, ambas atribuindo incumprimento contratual à parte contrária.
E é essencialmente por causa desse imputado incumprimento – mormente no alegado pela A., e atentas as consequências que esta daí pretende extrair – que o Tribunal recorrido entende que a decisão do pleito pressupõe a discussão e decisão de questões complexas cujo cabal esclarecimento se não compadeceria com a simplicidade processual destes autos.
Na verdade, “considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro” (art.º 7.º do Anexo ao DLei n.º n.º 269/98, de 01/09, na redação dada pelo art.º 8.º do DLei n.º 32/2003, de 12/02).
O art.º 1.º do DLei n.º n.º 269/98 (diploma preambular), na redação do art.º 6.º do DLei n.º n.º 303/2007, de 24/08, alude aos procedimentos (especiais) destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000, cujo regime consta dos art.ºs 1.º a 5.º daquele Anexo ao DLei n.º 269/98.
A injunção apresentava-se como a providência que tem por fim conferir força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00 ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo DLei n.º n.º 32/2003, de 17/02 (atualmente, pelo DLei n.º n.º 62/2013, de 10/05).
É um mecanismo marcado pela simplicidade e celeridade, vocacionado para a cobrança simples de dívidas, de molde a aliviar os Tribunais da massificação decorrente de um exponencial aumento de ações de pequena cobrança de dívidas.
Como vem entendendo a jurisprudência, “Importa acentuar qual a realidade subjacente à criação do regime em apreço: o crescimento exponencial das acções de cobrança de dívidas por parte dos grandes utilizadores que invadindo os tribunais ameaçavam convertê-los, sobretudo nos grandes centros urbanos, em meras extensões dessas empresas, pondo em causa a decisão em tempo útil de outras questões que interessam aos cidadãos. Não esqueceu também o legislador que “ a par de um aumento explosivo da litigiosidade, esta se torna repetitiva, rotineira, indutora da «funcionalização» dos magistrados que gastam o seu tempo e as suas aptidões técnicas na prolação mecânica de despachos e sentenças”.
Foi confrontado com a necessidade de melhorar um sistema que estava a permitir uma instrumentalização do poder soberano dos tribunais, transformando-os em agências de cobranças de dívidas, que o legislador criou o procedimento da injunção.
Resulta do exposto que o objectivo do legislador foi aplicar este procedimento às situações em que está em causa apenas a cobrança de uma dívida emergente de um contrato, de valor não superior a € 15.000,00.” [4].
Sendo também de concordar que:
“I. O DL 32/2003, de 17.02, que transpôs a Directiva n° 2000/35/CE, a qual estabeleceu medidas contra os atrasos de pagamentos em transacções comerciais, excluiu expressamente da sua aplicação, no artigo 2.°/2 c), os pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil.
II. Logo, neste quadro normativo, o processo de injunção não é meio processualmente adequado a peticionar indemnização, por incumprimento contratual, antecipadamente fixada em contrato de prestação de serviços.”. [5].
Quer dizer, neste tipo de processos simplificados, não é fácil enquadrar, a bem da Justiça pretendida, situações factuais em que como causa de pedir emerge, além dos valores reportados às obrigações pecuniárias e juros em dívida, cláusulas penais reportadas à quebra do vínculo contratual com os inerentes encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato [6].
Tal como não é fácil enquadrar, a bem da mesma preocupação de Justiça, situações de contornos complexos referentes a responsabilidade civil obrigacional, cujos pressupostos não são de fácil e liminar verificação, antes exigindo, as mais das vezes, aturada discussão e trabalhosa decisão, mormente quando os próprios contratos em discussão são de natureza complexa pelos feixes de direitos e deveres recíprocos que movimentam.
Assim se compreende que “o processo simplificado que o legislador pretendeu com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere obtenção de um título executivo, em acções que geralmente apresentam grande simplicidade, não é adequado a decidir litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade, como obrigações decorrentes de contratos de utilização de lojas em centros comerciais.” [7].
E também é pacífico na jurisprudência que, “não sendo o procedimento adequado, existe um obstáculo que impede o tribunal de conhecer do mérito da causa, o que se configura como uma excepção dilatória, dando lugar à absolvição da instância.” [8].
Voltando ao caso dos autos, é patente – salvo o devido respeito – que o crédito global invocado, composto de diversas parcelas, não se configura como o mero cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de contrato, sem mais, nem o cumprimento de obrigações que sejam emergentes de transações comerciais (pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais).
Em causa está pedido referente a diversas faturas para cobrança de comparticipação em “custos comuns” de edifício onde se situa a loja aludida, perfazendo a quantia de € 4.167,24.
Mas não só.
A isto acrescem – além de tal cobrança de dívida faturada – as denominadas “penalidades por violações contratuais”, com as inerentes fórmulas de cálculo, decorrentes de “violação do dever de pagar pontualmente a comparticipação”, perfazendo – note-se – o montante (superior ao dobro do capital em dívida) de 10.794,48, donde um pedido global superior a € 15.000,00 [9].
Claro que, perante isto, a R. na oposição veio defender-se, para além do mais, com a exclusão/nulidade de cláusulas contratuais gerais alegadamente inseridas no contrato (as que considera serem-lhe desfavoráveis), com o incumprimento pela contraparte das obrigações a seu cargo decorrentes do contrato e com a exceção de não cumprimento do contrato.
Como é bom de ver, não se trata da simples cobrança de dívida de fácil delimitação, ou de uma mera transação comercial, não estando em discussão o simples cumprimento de obrigações pecuniárias. O litígio reporta-se à discussão referente à utilização de uma loja (alegadamente em centro comercial), cuja relação contratual assenta em vinculação materializada num complexo de direitos e deveres para ambas as partes, sobre cujo (in)cumprimento as partes estão manifestamente em desacordo.
Estamos longe, por isso, do “processo simplificado que o legislador teve em vista com a criação do regime especial da injunção, com vista a facultar ao credor de forma célere a obtenção de um título executivo, em acções que normalmente se revestem de grande simplicidade”, não sendo adequado em tramitação de autos como estes “decidir litígios decorrentes de contratos que revestem alguma complexidade, como são as obrigações decorrentes de contratos de utilização de lojas em centros comerciais” [10] ou outros de complexidade similar.
Tal como não é adequado este ritualismo processual simplificado para discutir e decidir sobre as ditas “penalidades por violações contratuais” ou incumprimento, o que implica ajuizar sobre a conduta das partes ao longo da execução do programa contratual e eventuais sanções por inadimplemento e seus montantes sancionatórios ou indemnizatórios, em campos onde o quantum do ressarcimento pelo pretenso incumprimento contratual surge antecipadamente fixado no clausulado do contrato, de si posto em causa pela contraparte por invocada invalidade.
Conclui-se, pois, também aqui, que foi feito pela Requerente um uso indevido do procedimento de injunção, configurando a exceção inominada aludida na decisão recorrida, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos do disposto nos art.ºs 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º e 578.º, todos do NCPCiv..
Nada, pois, a censurar à decisão recorrida, improcedendo as conclusões em contrário da parte apelante.
***
IV – Concluindo (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):
1. - Vista a complexidade de direitos e deveres que o integram e a função económica e social que desempenha, o contrato de instalação de lojista em centro comercial configura-se como contrato atípico ou inominado, sujeito à liberdade contratual das partes, a que é aplicável o regime resultante das respetivas cláusulas acordadas, bem como o regime geral dos contratos e, se necessário (subsidiariamente), a disciplina de figuras contratuais próximas, como o é, em certa vertente, o contrato de arrendamento urbano, que, todavia, necessariamente se distingue daquele.
2. - Os procedimentos especiais a que se reporta o DLei n.º 269/98, de 01/09, mormente de injunção, traduzem mecanismos marcados pela simplicidade e celeridade, vocacionados para a cobrança simples de dívidas, de molde a aliviar os tribunais da massificação decorrente de um exponencial aumento de ações de pequena cobrança de dívidas.
3. - O processo de injunção não é meio processualmente adequado para peticionar e discutir indemnização por incumprimento contratual, mesmo que antecipadamente prevista no clausulado do contrato a título de penalidades por violação do mesmo.
4. - Nem para dirimir litígios, embora de cariz pecuniário, referentes a contratos de natureza complexa, pelos feixes de direitos e deveres recíprocos que se movimentam e entrecruzam no seu âmbito.
5. - Não sendo o procedimento adotado pela parte o meio adequado, existe um obstáculo processual impeditivo do conhecimento de meritis, ocasionando exceção dilatória inominada, que determina a absolvição da instância.
***
IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo, por consequência, a decisão recorrida.
Custas da apelação e na 1.ª instância pela A./Apelante.

Porto, 28/10/2015
Escrito e revisto pelo relator.
Elaborado em computador.
Vítor Amaral (relator)
Luís Cravo
Fernando Samões
___________
[1] Como pode ler-se, quanto ao contrato de instalação de lojista em centro comercial, no Ac. STJ, de 30/06/2009, Proc. 1398/03.4TVLSB.S1 (Cons. Cardoso de Albuquerque), disponível em www.dgsi.pt., “o contrato objecto dos autos não se confunde com o contrato de arrendamento, de carácter vinculístico, regulado por disposições imperativas, que afastam o princípio geral da liberdade de estipulação, resultante do princípio da autonomia privada, tutelado constitucionalmente e ligado ao valor de auto determinação da pessoa, mas que deve estar em consonância com outros princípios como o da protecção das expectativas de confiança do destinatário e o princípio de protecção de segurança do tráfego jurídico”, e “a cedência do gozo de um prédio urbano ou de parte dele que decorre do contrato de arrendamento, confere ao arrendatário e ao senhorio poderes e deveres, diferentes dos do contrato acima documentado, pois a sua função económica e social é diferente do arrendamento e também do de mera prestação de serviços, como é entendimento dominante na jurisprudência e na doutrina”.
[2] Cfr., por todos, o aludido Ac. STJ, de 30/06/2009, relatado pelo Cons. Cardoso de Albuquerque, onde é efectuada desenvolvida indicação de doutrina, o Ac. STJ, de 13/09/2007, Proc. 07B1857 (Cons. Custódio Montes), e o Ac. STJ, de 01/07/2010, Proc. 4477/05.0TVLSB.L1-S1 (Cons. Alberto Sobrinho), estes também in www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Ac. STJ, de 11/04/2002, Proc. 02B826 (Cons. Quirino Soares), in www.dgsi.pt.
[4] Assim, por todos, o Ac. Rel. Porto, de 31/05/2010, Proc. 385702/08.8YIPRT.P1 (Rel. Maria de Deus Correia), em www.dgsi.pt.
[5] Sumário do Ac. Rel. Lisboa, de 12/05/2015, Proc. 154168/13.4YIPRT.L1-7 (Rel. Maria Amélia Ribeiro), disponível em www.dgsi.pt.
[6] Cfr. texto do Ac. por último citado.
[7] Assim o sumário do Ac. Rel. Lisboa, de 27/11/2014, Proc. 1946/13.3TJLSB.L1-8 (Rel. Octávia Viegas), em www.dgsi.pt.
[8] Cfr., por todos, o Ac. por último citado.
[9] No requerimento de injunção vem alegado (cfr. fls. 3): «9º O não pagamento de qualquer uma das quantias supra descritas, confere ainda à aqui Requerente o direito a receber, a título de penalidades por violações contratuais, nos termos da cláusula 12ª do contrato de integração de loja, e por cada uma considerada, uma quantia, a título de sanção pecuniária, "calculadas com base na Remuneração mensal prevista na Cláusula 3.ª, n.º 2, indicadas nas alíneas seguintes por meio de um número que constitui o factor de multiplicação aplicável ao valor da Remuneração mensal prevista na Cláusula 3.ª n.º 2". 10º Assim, em caso de violação de um qualquer dever contratual, a Requerente apresenta a possibilidade de fazer operar a respectiva penalidade prevista, calculada através de um operação de multiplicação, em que o multiplicando seria sempre a quantia prevista a título de remuneração, variando apenas o multiplicador de acordo com o previsto nas várias alíneas do n.º 1 da cláusula 12.ª do Contrato de Integração de Loja. 11º O factor de multiplicação a aplicar à violação do dever da Requerida de pagar pontualmente a comparticipação nos custos comuns é de 1, conforme alínea g) do n.º 1 da cláusula 12ª do contrato de integração de loja. 12º Assim, quanto ao não pagamento pontual dos custos comuns, a Requerida é devedora, a título de penalidades, da quantia de 10.794,48 Euros (2.698,62€ X 1) = (2.698,62€ X 4 meses de atraso).».
[10] Vide ainda o aludido Ac. Rel. Lisboa de 27/11/2014.