Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
44113/24.3YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DA LUZ SEABRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
AÇÃO DECLARATIVA PARA COBRANÇA DE CRÉDITO
Nº do Documento: RP2025111144113/24.3YIPRT.P1
Data do Acordão: 11/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O regime consagrado no art. 17º-E nº 1 do CIRE foi objecto de várias modificações com a Lei nº 9/2022 de 11.01, entre as quais a de que a decisão a que se refere o nº 5 do art. 17º-C só obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade, tendo excluído expressamente desses efeitos as ações declarativas, assim como eliminado a alusão à extinção daquelas ações logo que fosse aprovado e homologado o plano de recuperação.
II - Ainda que se considerasse ser de incluir todas as ações declarativas de condenação na previsão consagrada no art. 17º-E nº 1 do CIRE na redação anterior, se o crédito for litigioso, designadamente porque a devedora o contesta, apesar de ter sido reconhecido no PER, sendo necessária uma definição jurisdicional que o reconheça para que possa ser exigido judicialmente, não deve ser declarada extinta a ação por inutilidade da lide.
III - A sentença homologatória do plano especial de revitalização (PER) não constitui título executivo, não existindo fundamento para a aplicação analógica da norma do art. 233.º n.º 1 al. c) do CIRE, atendendo às diferenças entre o regime do plano de pagamentos em insolvência e o do plano de recuperação em PER, designadamente porque a sentença homologatória do plano de revitalização não reconhece com carácter definitivo quaisquer créditos, não dirime créditos litigiosos, de modo que em caso de incumprimento do plano o credor não tem título que reconheça em termos definitivos o seu crédito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 44113/24.3YIPRT.P1

Juízo Local Cível de Felgueiras- Juiz 2


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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO


1. A... SA instaurou contra B... Unipessoal, Lda, requerimento de injunção, apresentado em 8.04.2024, peticionando a condenação da requerida a pagar-lhe a quantia de €34.657,96.

2. Foi apresentada oposição pela requerida, na qual suscitou a excepção da ilegitimidade da requerente, afirmando que esta não é titular de nenhum direito de crédito sobre ela, assim como alegou que em 15.07.2019 fora homologado Plano de Revitalização no âmbito do Processo nº 206/19.9T8AMT, tendo sido reclamado o crédito pela aqui requerente e nele reconhecido, impondo-se-lhe aquele Plano de revitalização, relevando o perdão de 30% do capital reconhecido, o perdão dos juros e devendo ser tomados em consideração os pagamentos por ela, concluindo serem manifestamente excessivos os montantes cujo pagamento a requerente peticiona.

3. Concedido o contraditório à requerente, foi deduzida oposição à excepção da ilegitimidade, bem como foi alegado que a requerente desconhecia a existência do processo de revitalização, que nele não reclamara créditos e que, da análise do Plano junto aos autos decorria que devia ter sido cumprido a partir de Julho de 2020 sem que o tenha sido, não tendo recebido qualquer pagamento por parte da requerida, e que desse incumprimento apenas se extrai a extinção da moratória e do perdão de parte do capital e dos juros, reiterando ser titular do crédito reclamado nesta acção.

4. Tendo sido solicitada informação sobre o estado do referido Processo Especial de Revitalização da Requerida, foi dado conhecimento nos autos que o mesmo entretanto fora arquivado, desconhecendo-se se fora ou não cumprido o Plano, e que não fora promovido processo de insolvência.

5. Designada data para realização da audiência prévia, veio a ser proferido despacho em 20.03.2025, Ref Citius 98159661, com o seguinte teor (transcrição):
“Nos termos do disposto no artigo 17º-F, nº 11, do CIRE a decisão de homologação do plano de recuperação conducente à revitalização da empresa vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no nº 5 do artigo 17º - C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.
Mais, segundo o artigo 194º do CIRE e o Principio da Igualdade, o Plano de Recuperação da empresa obedece ao Principio da igualdade dos credores, pelo que o referido Plano de Recuperação da empresa não pode atribuir preferência de pagamentos a credores privilegiados, cujos privilégios se extinguem com a declaração escrita a que se refere o nº l do artigo 17º-C do CJRE e a aprovação do Plano de recuperação, mesmo que os respectivos credores tenham votado contra o plano. (Neste; sentido, quanto aos créditos do Estado, Acórdão da Relação de Lisboa de 22 de Novembro de 2007 (Pedro Lupa Gonçalves) na CJ 32(2007), 5, pp. 98-100.). 47).
No caso dos autos, a dívida alegada e objecto dos autos encontra-se vencida em data anterior à instauração do PER e da Decisão de Homologação de acordo de revitalização, e o crédito alegado pela Requerente, embora não reclamado foi reconhecido no plano, pelo que, nos termos do artigo 217º, nº 1 do CIRE, sendo reconhecido o crédito o mesmo só será exigível de acordo com o que consta do Plano de Recuperação da executada, ora reclamante, e, em caso de incumprimento do referido Plano (PER), será a decisão de Homologação de acordo de revitalização, já transitada em julgado, que servirá de título executivo para a execução da mesma, nos termos do disposto no artigo 233º, nº 1, alínea c), do CIRE.
Nos termos do artigo 88º, nº 1, do CIRE, aplicável ao caso sub judice, por remissão do artigo 16º e 17º do CIRE, não podem as execuções prosseguir para penhora de bens e vendas dos mesmos, por se tratar de créditos vencidos em data anterior à instauração do PER e da Decisão de Homologação de acordo de revitalização.
O PER traduz-se num instrumento processual, de cariz negocial, que visa a revitalização dos devedores em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, tendo o objectivo específico de contribuir para a recuperação de uma empresa que seja ainda passível de viabilização económico-financeira.
Nos termos do artigo 17º-E do CIRE, a aprovação e homologação do plano de recuperação no âmbito do PER obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
Na expressão ações para cobrança de dívidas do artigo 17º-E, nº 1, do CIRE devem-se considerar abrangidas não só as ações executivas para pagamento de quantia certa, mas também as ações declarativas contra a devedor para obtenção da condenação deste no pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido.
Uma vez aprovado e homologado o plano de recuperação, todos os créditos reconhecidos aos credores, por existirem e poderem ser reclamados no PER na data da respetiva reclamação, caem na previsão do artigo 17º-E, nº 1, do CIRE, pelo que relativamente a estes créditos as ações para cobrança de dívidas devem ser declaradas extintas.
Veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23.06.2017, in www.dgsi.pt
Também n conforme se decidiu no Acórdão do STJ de 18.09.2018, in www.dgsi.pt:
“I - O n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE compreende tanto as ações executivas como as declarativas.
II - A letra do n.º 1 do artigo l7.º-E do CIRE vai além do pensamento legislativo nele vertido, não expressando o propósito da lei de excluir da extinção ali prevista as ações que versem sobre créditos litigiosos, não reclamados no PER nem regulados no plano de recuperação aprovado e homologado.
III - Está-se assim perante uma lacuna oculta, a implicar a redução teleológica da norma de modo a excluir do seu âmbito de aplicação a extinção das ações em que se discutem créditos que continuam carecidos de definição jurisdicional.”
No presente caso, o crédito da aqui Requerente já se encontra reconhecido no plano de recuperação conducente à revitalização da Requerida “B..., UNIPESSOAL, LDA” por decisão de 12.07.2019, proferida no Processo Especial de Revitalização nº206/19.9T8AMT, do Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 3.
Pelo que, mesmo a verificar-se o incumprimento do Plano de Recuperação sempre deverá a Requerente lançar mão da competente ação executiva e será a decisão de Homologação de acordo de revitalização, já transitada em julgado, que servirá de título executivo para a execução da mesma, nos termos do disposto no artigo 233º, nº 1, alínea c), do CIRE.
Pelos fundamentos supra expostos, verifica-se a inutilidade da presente lide pelo que se declara extinta a presente instância.
Valor: o indicado.
Custas a cargo da Requerente.
Registe e notifique.”



6. Inconformada com a referida sentença, a Requerente interpôs o presente recurso de apelação, no qual formulou as seguintes
CONCLUSÕES
1.ª A douta decisão recorrida extinguiu a instância por inutilidade superveniente da lide, por entender que, “mesmo a verificar-se o incumprimento do Plano de Recuperação sempre deverá a Requerente lançar mão da competente ação executiva e será a decisão de Homologação de acordo de revitalização, já transitada em julgado, que servirá de título executivo para a execução da mesma, nos termos do disposto no artigo 233º, nº 1, alínea c), do CIRE “
2.ª Nos autos está em causa o crédito da recorrente, reconhecido no Processo Especial de Revitalização da Recorrida que correu termos sob o número 206/19.9T8AMT – Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 2, sendo certo que nunca recebeu qualquer pagamento por conta das prestações do plano aprovado no referido processo, nem a requerida alegou tais pagamentos.
3.ª Pelo que, alegou a recorrente que face ao incumprimento do plano de revitalização, deveriam aplicar-se os efeitos previstos no art.- 218.º CIRE: os créditos recuperam a sua situação originária, pois só o cumprimento do plano exonera o devedor da totalidade das dívidas remanescente
4.ª Alegou também a recorrente que tais efeitos produzem-se desde que o credor interpele por escrito o devedor que se tenha constituído em mora e a prestação, sendo certo que, caso não seja alegada tal interpelação, este deve considerar-se interpelado para pagamento na data da notificação efectuada para a injunção.
5.ª Perante esta factualidade, o tribunal a quo entendeu sem qualquer fundamentação legal e contrariamente à doutrina e jurisprudência aplicável, que mediante o incumprimento do Plano de Recuperação, o meio processual adequado para a Recorrente obter o ressarcimento do seu crédito será lançar mão do processo executivo, sendo a decisão de Homologação de acordo de revitalização, já transitada em julgado, que servirá de título executivo para a execução da mesma, nos termos do disposto no artigo 233º, nº 1, alínea c), do CIRE.
6.ª Tal aplicação analógica do art. 233.º n.º 1 sl. C) CIRE colide com os critérios previstos no art. 10.º n.º 2 Código Civil já que, no caso omisso não procedem as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei, uma vez que as mesmas não se verificam no caso sub judice.
7.ª Na verdade, por um lado, o incumprimento do plano de revitalização apenas implica automaticamente a extinção do efeito da moratória e perdão de juros, repristinando o crédito às condições primitivas, anteriormente ao plano, afetando necessariamente a obrigação constante do acordo e excluindo qualquer efeito novatório que se quisesse atribuir ao plano.
8.ª A sentença homologatória do plano não é um título executivo, nos termos gerais do art. 703.º n.º 1 a) CPC, limitando-se à homologação de acordo de pagamento aos credores, cuja obrigação (modificada) cessa por força do incumprimento.
9.ª Por outro lado, a sentença homologatória do plano de insolvência nunca constitui por si só título executivo, mas sim sempre em conjugação com a sentença de verificação de créditos ou com a decisão proferida em acção de verificação ulterior, motivos pelos quais o artigo 233.º n.º 1 al. c) não pode ser aplicável à sentença proferida no processo de revitalização, uma vez que neste processo não existe sentença de verificação de créditos ou de verificação ulterior de créditos, motivos pelos quais nunca se poderia considerar que pudesse ser conferida à sentença homologatória do plano de recuperação uma força executiva que não é reconhecida à sentença homologatória do plano de insolvência por si só.
10.ª Donde decorre que não tem aplicação analógica o art. 233.º n.º 1 alínea c) CIRE ao processo de revitalização.
11.ª Sendo certo que, em caso de incumprimento do Plano de revitalização, os credores podem optar por requerer a insolvência da devedora ou instaurar acção judicial para cobrança do seu crédito, desconsiderando os efeitos previsto, quanto ao se crédito, no PER, como é entendimento jurisprudencial unânime.
12.ª Extinguindo a instância, com fundamento na aplicação do art. 233 n.º 1 c) CIRE ao processo de revitalização, o tribunal a quo violou as regras de interpretação legislativa previstas no art. 10.º n.º 2 CC, atribuindo força executiva à sentença proferida em PER, violando o disposto no art. 703.º CPC.
13.ª A decisão recorrida que violou o disposto no arts. 233.º n.º 1 alínea c) do CIRE, artigo 703.º n.º 1 alínea c) CPC e artigo 10.º n.º 2 Código Civil, devendo ser revogada e ser ordenado o prosseguimento dos autos, assim se fazendo Justiça.

7. Foram observados os vistos legais.

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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts 635º, nº 3 e 4, 639º, n.ºs 1 e 2 e 608º nº 2 do CPC- devendo o tribunal resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não estando obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, nem estando sujeito às alegações das partes no tocante á indagação, interpretação e aplicação das regras de direito- cfr. art. 5º nº 3 do CPC).

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A questão a decidir, em função das conclusões de recurso, é a seguinte:
- se a homologação de um Plano de Recuperação, posteriormente incumprido, impede a instauração de ação declarativa de condenação.

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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Para a decisão a proferir relevam os factos inerentes à tramitação processual e respectivas peças processuais constantes do relatório acima elaborado.


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FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.

Com a instauração da presente ação, em Abril de 2024, a Apelante pretendeu obter o reconhecimento de um crédito que alegou ter perante a Apelada, por fornecimento de bens, cujas facturas alegadamente se mostram vencidas desde 30.03.2018.
Em sede de oposição, a Apelada suscitou a questão da ilegitimidade da Apelante, afirmando não ser a mesma titular de nenhum crédito perante si, bem como pugnou serem manifestamente excessivos os montantes cujo pagamento a Apelante dela peticiona porque recorreu a Processo Especial de Revitalização que correu termos sob o nº 206/19.9T8AMT do Juízo de Comércio de Amarante, impondo-se à Apelante o perdão de 30% do capital que nele lhe foi reconhecido, bem como o perdão de juros, e devendo ser ainda contabilizados os pagamentos que lhe efectuou.
Em resposta a Apelante alegou desconhecer aquele processo de revitalização, nele não tendo reclamado qualquer crédito, e que como não recebeu até à data qualquer pagamento por parte da Apelada o Plano de revitalização terá sido incumprido, cessando os seus efeitos quanto à moratória, perdão de parte do capital e dos juros, reiterando manter-se titular do crédito reclamado nesta ação.
Na decisão recorrida o Tribunal a quo julgou a presente ação extinta por inutilidade, socorrendo-se do disposto no art. 17º-E do CIRE, entendendo que a presente ação engloba-se nas ações para cobrança de dívidas, e que ainda que se venha a verificar o incumprimento do plano de recuperação sempre deverá a Apelante lançar mão da competente ação executiva pois que a decisão de homologação de acordo de revitalização, já transitada em julgado, servirá de título executivo nos termos do disposto no art. 233º nº 1 al. c) do CIRE.
É deste entendimento que discorda a Apelante, defendendo que como nunca recebeu qualquer pagamento por conta das prestações do plano aprovado no referido processo de revitalização, face ao incumprimento do plano de revitalização, devem aplicar-se os efeitos previstos no art. 218º do CIRE, recuperando os créditos a sua situação originária pois só o cumprimento do plano exonera o devedor da totalidade das dívidas remanescentes.
Mais sustenta que o incumprimento do plano de revitalização apenas implica automaticamente a extinção do efeito da moratória e perdão de juros, repristinando o crédito às condições primitivas, anteriormente ao plano, afetando necessariamente a obrigação constante do acordo e excluindo qualquer efeito novatório que se quisesse atribuir ao plano, pelo que o art. 233º nº 1 al. c) do CIRE não pode ser aplicável à sentença proferida no processo de revitalização uma vez que neste processo não existe sentença de verificação de créditos que lhe permita conferir força executiva.
Concluiu a Apelante que, em caso de incumprimento do plano de revitalização os credores podem optar por requerer a insolvência da devedora ou instaurar acção judicial para cobrança do seu crédito, desconsiderando os efeitos previstos quanto ao seu crédito no PER.
Antecipamos ter razão a Apelante, conduzindo a decisão proferida pelo Tribunal a quo, de extinção da ação por inutilidade da lide, a um resultado que não acompanhamos, o qual obrigaria a Apelante a recorrer a nova ação declarativa de reconhecimento do direito de crédito da qual se arroga titular perante a aqui Apelada, porque o seu direito de crédito continua litigioso, e não ficou definido com a aprovação e homologação do plano de revitalização da Apelada.
Pormenorizemos os fundamentos de discordância relativamente às razões invocadas pelo Tribunal a quo para decidir extinguir a presente ação por inutilidade da lide.
Primeiramente, cumpre salientar que a presente ação deu entrada em 2024, quando o Plano de revitalização mencionado nos autos fora homologado por sentença de Julho de 2019, estando o Processo de revitalização há muito encerrado aquando da instauração desta ação.
Deste modo, o regime estabelecido no art. 17º -E do CIRE a que se fez alusão na decisão recorrida, não permitiria declarar extinta a presente ação por inutilidade pois que a mesma não se encontrava pendente à data das negociações e da aprovação e homologação do plano de revitalização.
De acordo com aquele preceito legal apenas eram declaradas extintas com a aprovação e homologação do plano de recuperação as ações para cobrança de dívidas que estivessem em curso, o que não era o caso dos presentes autos.
Quando muito o Tribunal a quo poderia ter considerado que, uma vez que fora aprovado e homologado plano de revitalização à Apelada, a ora Apelante estava impedida de propor a presente ação- efeito impeditivo e não extintivo-, por a tal obstar o mencionado preceito legal, e consequentemente deveria ter posto termo à ação tendo por fundamento a verificação de uma excepção dilatória inominada[1] que obstava a que conhecesse do mérito da causa e que dava lugar à absolvição da instância, nos termos do art. 576º nº 2 do CPC, não o tendo feito na decisão recorrida.
Para considerar aplicável ao caso dos autos o art. 17º -E nº 1 do CIRE o Tribunal a quo afirmou que “na expressão ações para cobrança de dívidas devem-se considerar abrangidas não só as ações executivas para pagamento de quantia certa, mas também as ações declarativas contra a devedor para obtenção da condenação deste no pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido.”
Esta afirmação foi proferida sem que tenha sido contextualizada a controvérsia quer doutrinal, quer jurisprudencial, atinente ao tipo de ações que se deviam considerar englobadas na mencionada expressão “ações para cobrança de dívidas”, assumindo o Tribunal a quo como boa, mas sem fundamentar, a posição outrora adoptada por um segmento da jurisprudência (embora expressivo mas não unânime), que pugnava pela inclusão das ações declarativas naquela expressão, por recurso maioritariamente a uma interpretação literal da norma.
Na jurisprudência acolheram tal posição, entre outros, o Ac STJ de 17.11.2016, proferido no Proc. nº; Ac RP de 3.03.2016, proferido no Proc. nº 596/11.1TVPRT.P1, Ac RP de 16.11.2015, proferido no Proc. nº 8176/11.5TBMTS.P1, Ac RP de 24.10.2022, proferido no Proc. nº 1121/21.1T8PNF.P1.
Considerando apenas abrangidas as ações executivas cfr o Ac RL de 4.02.2016, proferido no Proc. nº 234/14.0T8LSB.L1-8 e Ac RL de 25.08.2015, proferido no Proc. nº 7976/14.9T8SNT.L1-4.
Na doutrina, defenderam a inclusão das ações declarativas no conceito de ações de cobrança de dívida para efeitos do disposto no nº 1 do art. 17-E do CIRE, entre outros: Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2018, pág. 389; Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 3ª edição, 2015, pág. 160ss; Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, CIRE Anotado, 2013, pág. 64; Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 6ªedição, pág. 299; João Aveiro Pereira, A Revitalização Económica dos Devedores, O Direito, 2013, pág. 37; Alexandre Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016, pág. 521 ss; Fátima Reis Silva, Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência Recente, 2014, pág. 53 e Artur Dionísio Oliveira, Os efeitos processuais do PER e os créditos litigiosos, III Congresso do Direito da Insolvência, 2015, pág. 219 ss.
Por seu turno, defenderam a exclusão das ações declarativas, entre outros, Maria do Rosário Epifânio, O Processo Especial de Revitalização, 2015, pág. 33; Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER- O Processo Especial de Revitalização, 2014, pág. 100 ss; Madalena Perestrelo de Oliveira, O Processo Especial de Revitalização: o novo CIRE, Revista de Direito das Sociedades, 2012, nº 3, pág. 718; Luís Miguel Pestana de Vasconcelos, Recuperação de Empresas: O Processo Especial de Revitalização, 2017, pág. 63ss.
Não obstante a apontada controvérsia, o legislador veio entretanto alterar, em vários aspectos, o regime consagrado no referido art. 17º-E nº 1 do CIRE através da Lei nº 9/2022 de 11.01, estabelecendo expressamente o regime de que a decisão a que se refere o nº 5 do art. 17º-C só obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade, tendo retirado consequentemente desses efeitos as ações declarativas, assim como eliminou a alusão à extinção daquelas ações logo que fosse aprovado e homologado o plano de recuperação.
Era essa a redação do art. 17º-E nº 1 do CIRE, introduzida pela Lei nº 9/2022 de 11.04, quando a presente ação foi instaurada, sabendo-se que o PER já havia sido arquivado, sem que conste dos autos informação sobre se o Plano de revitalização nessa data ainda estava em curso- até porque o Tribunal a quo solicitou-a e não obteve resposta.
Assim sendo, a Apelante não estava impedida de instaurar esta ação contra a Apelada, independentemente de o seu crédito ter sido constituído antes do processo de revitalização, ter sido nele reconhecido e ter sido aprovado e homologado plano de recuperação.
Ainda que assim não se considerasse, a posição que se nos afigurava mais defensável sobre o tipo de ações abrangidas pelos efeitos do art. 17º-E nº 1 do CIRE ao tempo em que continha aquela expressão dúbia- ações para cobrança de dívidas-, era a posição que Nuno Salazar Casanova apelidou de “terceira via sustentada numa redução teleológica”, que perfilhava a interpretação de que as ações declarativas de condenação se suspendiam com o PER mas não se extinguiam quando continuassem a carecer de definição jurisdicional, posição essa perfilhada designadamente por Catarina Serra[2] e por Artur Dionísio Oliveira (Desembargador Adjunto no presente Acórdão).
Como escreveu este último, “(…) da leitura que fazemos da parte final do artigo 17.º-E do CIRE, conjugada com as finalidades próprias do PER, permite concluir com segurança que o legislador efectivamente não pretendeu incluir na extinção das acções por força da homologação do plano de recuperação aquelas onde se discutem créditos que continuam a necessitar de definição jurisdicional para que possam ser satisfeitos, ainda que em obediência àquele plano. (…)
Embora não o digam de forma expressa, cremos que o pensamento de Carvalho Fernandes e João Labareda vai neste sentido, quando afirmam o seguinte: «não se vê obstáculo a que, não tendo a decisão sobre a impugnação no processo de revitalização sido precedida da observância das garantias próprias da discussão em processo civil, nomeadamente por virtude da limitação da produção e apresentação de provas, a questão possa vir a ser reposta em sede de outro processo que, diferentemente do de revitalização, tenha por objectivo prioritário e fundamental a definição da situação jurídica controvertida».
Aqui chegados, estamos em condições de afirmar que a letra do preceito que vimos analisando vai além do pensamento legislativo nele vertido, pois não expressa uma restrição que esteve presente na formulação daquele pensamento, isto é, que corresponde à respectiva intencionalidade normativa.
Significa isto que estamos perante uma lacuna oculta (…), o preenchimento de tal lacuna leva-se a cabo acrescentando, pela via de uma “redução teleológica” da norma, a restrição omitida.»
Tal redução traduz-se, no caso, em excluir do âmbito de aplicação da norma que fixa como efeito da homologação de um plano de recuperação a extinção das acções para cobrança de dívidas pendentes contra o devedor, as situações em que os créditos continuam a necessitar de definição jurisdicional para que possam ser cobrados, ainda que com as limitações introduzidas pelo plano homologado. (…)”.[3]
Grande parte da jurisprudência[4], confrontada com os efeitos inaceitáveis decorrentes da inclusão de todas as ações declarativas na extinção prevista no art. 17º-E nº 1 do CIRE (na redação anterior à introduzida pela Lei 9/2022), acolheu aquela posição, de que é exemplo o Ac RP de 08.06.2022, proferido no Processo 22434/18.4T8PRT-A.P1, de cujo sumário consta o seguinte: “I - O processo especial de revitalização (PER) não se destina a resolver litígios sobre a existência e amplitude dos créditos, carecidos de uma mais profunda indagação e prova. II - O processo de recuperação visa permitir ao devedor estabelecer negociações com os credores então existentes com vista a permitir um acordo que permita a revitalização daquele; assim, as negociações são com os credores existentes e em relação aos créditos vencidos e não também com quaisquer eventuais credores em relação a eventuais créditos futuros. III - A decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental, logo não constitui caso julgado fora do processo (art. 91 CPC), destinando-se à formação e apreciação do quórum deliberativo. IV – Assim, não tendo o litígio sido regulado pelo plano de recuperação, (o qual não foi cumprido pelo devedor) todos os pedidos formulados pelo A., na petição inicial de acção posterior, incluindo os créditos vencidos antes da prolação do despacho que nomeou o administrador judicial provisório no PER, devem ser apreciados, sob pena de se criar uma situação de denegação de justiça, já que todo o crédito do Autor, incluindo o que reclamou no PER, é litigioso, conforme decorre da divergência entre as partes.”
Tal como Maria do Rosário Epifânio escreveu, perante o novo texto do art. 17º-E nº 1 do CIRE, as ações declarativas deverão seguir o seu curso, “os credores poderão ter interesse na sua prossecução, uma vez que, no PER, a verificação dos créditos (de natureza perfunctória) tem eficácia de caso julgado formal (só tem efeitos no âmbito do PER), para além de que as ações declarativas (que não afetam a existência ou consistência do acervo patrimonial)em nada prejudicam o ambiente negocial ou o posterior cumprimento do plano recuperatório, sendo, por isso, inócuas face à finalidade recuperatória do PER.”[5]
Independentemente da posição assumida pelo Tribunal a quo de considerar incluída no art. 17º-E nº 1 do CIRE a presente ação declarativa, se bem compreendemos o raciocínio subjacente à decisão recorrida o Tribunal a quo considerou que o Plano de revitalização a que a Apelada ficou submetida impõe-se perante todos os credores detentores de créditos constituídos à data da aprovação e homologação do plano de revitalização (o que está correcto à luz do art. 17º-F nº 11 do CIRE) e como “a dívida alegada e objecto dos autos encontra-se vencida em data anterior à instauração do PER e da Decisão de Homologação de acordo de revitalização, e o crédito alegado pela Requerente, embora não reclamado foi reconhecido no plano(…), nos termos do artigo 217º, nº 1 do CIRE, sendo reconhecido o crédito o mesmo só será exigível de acordo com o que consta do Plano de Recuperação (…) e, em caso de incumprimento do referido Plano (PER), será a decisão de Homologação de acordo de revitalização, já transitada em julgado, que servirá de título executivo para a execução da mesma, nos termos do disposto no artigo 233º, nº 1, alínea c), do CIRE.”
Porém, saber se o crédito só poderá ser exigido de acordo com o plano de recuperação é questão que deve ser apreciada nestes autos, caso os mesmos prossigam, como entendemos, pois que a apreciação da mesma depende do cumprimento ou incumprimento do plano, não constituindo argumento para declarar extinta esta ação por inutilidade na fase prévia à audiência prévia, como aconteceu.
É evidente que a instauração desta ação declarativa de condenação apenas assume utilidade caso se venha a demonstrar não ter sido cumprido pela devedora o plano de revitalização, como alega a Apelante ter sido o caso, pois que nessa hipótese, não querendo a Apelante requerer a declaração de insolvência da devedora, tem necessidade de ver judicialmente reconhecido o seu crédito (contestado nesta ação pela Apelada) para o poder oportunamente cobrar.
Diferente seria se a Apelada na oposição apresentada nesta ação apenas tivesse invocado que o Plano de revitalização estava a ser ou havia sido cumprido, e isso não fosse contrariado pela Apelante.
Tendo afirmado que a Apelante não é titular de nenhum direito de crédito sobre ela, e tendo a Apelante alegado que apesar de o crédito ter sido reconhecido no PER tal não obsta à instauração desta ação porque o plano não foi cumprido, não estando a Apelante na posse de qualquer título executivo que a dispense do reconhecimento do crédito que nesta ação pretende obter, sempre necessitará que o tribunal reconheça por sentença esse direito de crédito.
Deste modo, ainda que se considerasse ser de incluir todas as ações declarativas de condenação na previsão consagrada no art. 17º-E nº 1 do CIRE com a redação anterior, o que não concedemos, certo é que apesar de o crédito da ora Apelante ter sido vertido na lista de credores (sem que tenha sido reclamado pela Apelante) não houve propriamente um reconhecimento e verificação judicial desse crédito, resultando evidente destes autos que tal crédito mantém-se litigioso- pois que a ora Apelada não reconhece ser a Apelante titular de nenhum direito de crédito sobre ela, como se evidencia da oposição apresentada -sendo necessária uma definição jurisdicional que o reconheça para que possa ser exigido judicialmente pela Apelante, o que sempre determinaria a utilidade no prosseguimento desta ação, não se verificando a inutilidade defendida pelo Tribunal a quo.
Para obviar a tal argumentação, e justificar a inutilidade do prosseguimento da presente ação, foi ainda entendido pelo Tribunal a quo que a sentença que homologara o plano de revitalização a que se apresentou a Apelada constitui título executivo, permitindo á ora Apelante instaurar execução com base naquela sentença para exigir o cumprimento do crédito em caso de incumprimento do plano de revitalização.
Contudo, não acompanhamos esse entendimento, mas aquele que tem vindo a ser acolhido pela jurisprudência mais expressiva do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que “a sentença homologatória do plano de revitalização incumprido não constitui título executivo”, de que são exemplos, entre outros, o Ac STJ de 21.04.2022, proferido no Proc nº 4286/20.6T8ALM-D.L1.S1 e Ac STJ de 9.04.2019 proferido no Proc. nº 154/17.7T8ALD.C1.S2 (consultáveis www.dgsi.pt), cujos argumentos nos parecem os mais acertados, e que aqui nos permitimos citar pela clareza da argumentação:
“No que respeita o incumprimento do plano de revitalização, a cessação dos efeitos do plano reporta apenas à moratória e ao perdão, produzindo-se automaticamente. Se o incumprimento do plano implica automaticamente a extinção destes efeitos (da moratória e do perdão) tal significa a repristinação do crédito nas condições originais ou primitivas, anteriormente ao plano, afetando necessariamente a obrigação constante do acordo e excluindo qualquer efeito novatório que se quisesse atribuir ao plano. A sentença homologatória do plano não é, consequentemente um título executivo, nos termos gerais do art.703 nº 1 a) CPC, se ela homologa um acordo, cuja obrigação (modificada) cessa por força do incumprimento, daqui decorre que não possa servir de título executivo tendo por base um acordo extinto. As consequências do incumprimento do plano de recuperação judicialmente homologado não acompanham o paradigma e a natureza da execução das decisões judiciais fornecendo títulos de execução, mas antes conduzem, podem conduzir, à declaração de insolvência do devedor ou à exigência do pagamento do primitivo crédito que já se mostre judicialmente reconhecido.
Como antes se deixou mencionado, o PER não tem por finalidade resolver litígios sobre a existência e amplitude dos créditos, pois a decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental, não constituindo caso julgado fora do processo, visando, no essencial a formação e apreciação do quórum deliberativo. Daqui resulta que o reconhecimento de crédito não fazendo caso julgado fora do PER, a dispensa do ónus de reclamação não afasta o direito de impugnação por parte dos demais credores (cf., Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2.ª edição, 2013, pág. 159 e segs., Nuno Casanova/David Dinis, PER – O Processo Especial de Revitalização, 2014, pág. 78 e segs; Fátima Reis Silva, Ob. Cit, 45]. A própria sentença declarativa de insolvência é insuficiente para constituir título executivo por lhe faltar “a função e certificação de direitos individuais” que apenas se dá com a sentença de verificação de créditos (cf., por todos, Catarina Serra, A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito, pág. 279 e segs.).
Não tendo como função a determinação da existência e configuração do direito do credor nem força de caso julgado material própria de uma sentença, não se pode considerar que a lista de créditos reconhecidos no processo de revitalização contenha a declaração de acertamento que dispensa o recurso ao processo declarativo. E esta declaração encontra-se igualmente ausente da sentença homologatória do plano de revitalização aprovado no âmbito daquele processo, já que esta sentença se limita a declarar a validade formal e substancial do plano, conforme arts. 17.º-F, n.º 5, 215.º e 216.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A diferença vital entre o regime específico do processo especial de revitalização e o processo de insolvência que impede a aplicação analógica do art. 233.º, n.º 1, al. c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas à sentença homologatória do plano aprovado do processo de revitalização consiste, decisivamente, na falta de uma fase ou processo próprio de verificação de créditos destinados ao seu reconhecimento com caráter definitivo. E é por essa razão essencial que sentença homologatória do PER não constitui título executivo do próprio plano de revitalização. É distinto e bem diverso na sua natureza, finalidade e pressupostos o critério adotado pelo legislador para o incumprimento do plano de insolvência e a sua exequibilidade, o qual não se encontra presente no plano de revitalização. Exigindo-se no primeiro a prévia declaração de insolvência e o acertamento dos direitos individuais de cada um dos credores com a finalidade da satisfação dos credores, o plano de insolvência apresenta-se como alternativa à liquidação, de tal forma que a lei atribui ao administrador judicial poderes de fiscalização da execução do plano (art.220 CIRE), o que não sucede no PER. Neste, o plano de revitalização tem por objetivo recuperar o devedor da situação económica difícil, evitar a insolvência, sendo um procedimento pré-insolvencial, viabilizando a solvabilidade do devedor de modo a manter a garantia patrimonial dos seus bens.”
Nesse mesmo sentido havia já sido decidido no Ac. STJ de 9.04.2019 de cujo sumário se lê que “A sentença homologatória do plano especial de revitalização (PER) não constitui título executivo, não existindo fundamento para a aplicação analógica da norma do art. 233.º, n.º 1, al. c), do CIRE, porquanto as diferenças entre o regime do plano de pagamentos em insolvência e o do plano de recuperação em PER são flagrantes”, diferenças essas que foram abordadas no referido aresto, para cuja fundamentação remetemos.
No sentido de que a sentença homologatória do plano de revitalização proferida no PER não constitui título executivo em caso de incumprimento do plano elencamos ainda o Ac RP de 15.12.2021, proferido no Proc. nº 4689/17.3T8VNG.2.P1; Ac RE de 29.04.2021 proferido no Proc. nº 3909/18.1T8ENT.E1; Ac RC de 12.07.2017, proferido no Proc. nº 3528/15.4T8CBR.1.C1; Ac RC de 9.10.2018, proferido no Proc. nº 154/17.7T8ALD.C1;Ac RC de 17.09.2019, proferido no Proc. nº 12/14.7TBMGL.1.C1 e Ac RG de 13.02.2020, proferido no Proc. nº 7081/18.9T8VNF-B.G1.
Efectivamente no âmbito do PER a sentença homologatória do plano de revitalização não reconhece com carácter definitivo quaisquer créditos, não dirime créditos litigiosos, de modo que em caso de incumprimento do plano o credor não tem título de reconhecimento do crédito reclamado, necessitando de voltar a instaurar nova ação declarativa de condenação que o reconheça para o poder cobrar.
Para os que defendem que após a aprovação e homologação do plano de revitalização passa o credor a dispor, no caso de incumprimento, de título executivo que seria a sentença homologatória do plano de revitalização, não vemos como se possa defender subsistir tal título em caso de incumprimento, pois que incumprido o plano é a própria lei que diz que a moratória e/ou o perdão previstos no plano ficam sem efeito, à luz do art. 218º nº 1 do CIRE aplicável ao PER por força do art. 17º-F nº 13, o que se traduz na prática na repristinação do crédito original, de nada valendo aquela sentença, voltando o crédito a ser litigioso e a necessitar de definição jurisdicional se, como é o caso, o devedor o contestar.
Em suma, pelos motivos acima melhor expostos, não vemos razões para considerar que a mera aprovação e homologação do plano de revitalização da Apelada por sentença de Julho de 2019 imponha a extinção por inutilidade desta ação declarativa de reconhecimento de direito de crédito instaurada em 2024, sem que a Apelada tenha alegado ter cumprido os pagamentos a que se obrigara no plano aprovado perante a Apelante, para mais quando resulta evidente dos presentes autos que a Apelada não reconhece ser a Apelante titular de qualquer crédito perante si, o que só por si contraria a inutilidade subjacente à decisão de extinção desta ação, impondo-se consequentemente, a revogação da sentença recorrida.

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DECISÃO:

Em face do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente a presente apelação, revogando-se a sentença recorrida, determinando-se o prosseguimento dos demais termos da presente ação declarativa de condenação.

Custas do presente recurso a cargo da Apelante, que dele tirou proveito (art. 527º nº 1 do CPC).

Notifique.


Porto, 11.11.2025


Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
(Relatora)

João Diogo Rodrigues
(1º Adjunto)

Artur Dionísio Oliveira
(2º Adjunto)



(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)









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[1] Neste sentido já foi decidido no Ac RP de 7.04.2014, citado por Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 8ª edição, pág. 455
[2] Lições de Direito da Insolvência, p. 389, e 458
[3] Os efeitos processuais do PER e os créditos litigiosos, III Congresso do Direito da Insolvência, pág. 125 ss
[4] Ac STJ de 18.09.2018, proc. n.º 190/13.2TBVNC.G1.S1; Ac RL de 26-05-2021, Proc. 15326/19.1T8SNT.L1-4; Ac RG de 21.04. 2016, Proc. n.º 4726/15.6T8BRG.G1  e Ac TRC de 26-09-2017, Proc. 1122/16.41T8GRD – C1, www.dgsi.pt
[5] Manual de Direito da Insolvência, 8ª edição, pág. 456