Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00043982 | ||
Relator: | FILIPE CAROÇO | ||
Descritores: | ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES FGADM | ||
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Nº do Documento: | RP201004221127/06.0TMPRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/22/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA. | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Na averiguação da ocorrência de circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que estiver estabelecido em matéria de alimentos no âmbito do exercício das responsabilidades parentais, o tribunal não tem que se orientar por um critério de legalidade estrita, devendo prosseguir na busca da verdade com vista à satisfação do interesse objectivo da criança. II – Tal oficiosidade não obsta a que as partes prestem informações e colaborem com o tribunal na prossecução daquele mesmo desiderato. III – Se a requerente se limita a alegar (apenas no requerimento inicial) que lhe constou que o rendimento mensal auferido pelo requerido é de montante superior a € 450,00 e a entidade policial informa, ainda com mais actualidade, que o progenitor está desempregado, não tem domicílio, pernoita em casas abandonadas e que, durante o dia, frequenta um determinado Largo da localidade, sendo ele conhecido da própria Polícia, o tribunal pode arquivar o processo, nos termos do art. 182º, nº4 da OTM, considerando o pedido infundado. IV – O Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (FGADM) – Lei nº 75/98, de 19.11), além do mais, pressupõe a obrigação judicial (e já não apenas “legal”) do requerido prestar alimentos a criança residente em Portugal, sendo, assim, indispensável que haja uma fixação, em sede de acção, de um “quantum” alimentício. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 1127/06.0TMPRT-A.P1 – 3ª Secção (agravo e apelação) Tribunal de Família e Menores do Porto Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Teixeira Ribeiro Adj. Desemb. Pinto de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Por iniciativa do MINISTÉRIO PÚBLICO, foi regulado o exercício do poder paternal do menor B………., nascido no dia 18.2.1998, filho de C…………. e de D…………, nos termos que se seguem, regularmente homologados no dia 2 de Outubro de 2006: «1° O menor ficará à guarda e cuidados da mãe que exercerá o respectivo poder paternal. 2° O pai poderá visitar o menor no ATL que o mesmo frequenta – Centro Social e Cultural da Paróquia de ……., às terças e quintas-feiras. 3° Não se fixa prestação alimentar a pagar pelo progenitor, uma vez que o mesmo se encontra desempregado há vários anos e não aufere qualquer rendimento, além de pagamentos esporádicos de trabalhos que realiza.» Por apenso àqueles autos, veio a requerida, agora nas vestes de requerente, manifestar a sua pretensão de alteração do referido regime de responsabilidade parental, alegando o seguinte, aqui sintetizado: O progenitor alheou-se por completo da vida do menor, o que não obstou a que a requerente continuasse a fazer face às despesas do filho e a dispensar-lhe os cuidados necessários à sua educação, apesar das suas dificuldades económicas que, actualmente, são graves. Com uma retribuição ilíquida de € 430,00 e sem outros rendimentos, tem que se sustentar a si e a dois filhos. O B………… apresenta agora problemas de saúde (asma e hiperactividade) que constituem também fonte de despesa. Sobrevivem com grandes dificuldades, também dependentes da ajuda económica de vizinhos. Não tem possibilidades de saber qual o rendimento mensal auferido pelo requerido, mas conforme lhe constou, o mesmo cifra-se em montante superior a € 450,00. Propugna pela fixação de uma prestação alimentar a favor do B………… da responsabilidade do requerido D………… no montante mensal de € 100,00. Após dificuldades na localização do requerido, este viria a ser citado para alegar o que tivesse por conveniente, mas quedou-se em omissão. Dos autos consta uma certidão emitida pela GNR de Gondomar, datada de 6.4.2009, dando fé de que um tio do requerido informou, aquando das diligências de citação, que o visado terá residido na Rua ……., casa …., ….., Gondomar, mas que já abandonara tal residência há cerca de oito anos e que costuma frequentar o largo ….., em Gondomar, onde é conhecido por “D1……..”. Acrescentou que ouviu dizer que o seu sobrinho costuma pernoitar em casas abandonadas da antiga padaria “E……….”, sitas na …….. – Gondomar. Por seu turno, com data de 3 de Maio de 2009, a PSP de Gondomar certificou ter averiguado a situação do D…………, informando o seguinte: «- O D……….. não tem domicílio; - Está desempregado; - Pernoita em casas abandonadas, e durante o dia costuma frequentar o Largo …….., e é conhecido desta Polícia.» Com base nestes elementos, o Ex.mo Juiz proferiu a seguinte decisão que se transcreve integralmente com os respectivos fundamentos: «Nos presentes autos de alteração a requerente C………., invocando situação de necessidade para o sustento do filho, veio pedir se fixasse a pensão de alimentos de € 100,00, uma vez que em sede de regulação não foi fixada qualquer prestação por o progenitor se encontrar desempregado, estando ele agora em condições de o fazer pois ganhará um montante superior a € 450,00. Foi citado o requerido e nada veio dizer. No âmbito das diligências realizadas para o encontrar a autoridade policial informou a fls. 67 que o requerido está desempregado, não tem domicílio, pernoita em casas abandonadas e durante o dia costuma frequentar o Largo ……, sendo conhecido da polícia. Tendo em consideração esta informação relevante e idónea, resulta desde logo que o peticionado pela progenitora não pode ter seguimento, pois o requerido mantém a situação de desempregado, e portanto, no que respeita ao próprio não houve alteração superveniente de circunstâncias, como, como não tem domicílio, pernoitando em casas abandonadas. Em face do exposto e ao abrigo do disposto no art. 182º n º 4 da OTM, mostra-se desnecessário e infundado o pedido de alteração, na medida em que a situação económica do progenitor não se alterou, não sendo possível ainda fixar qualquer pensão de alimentos. Destarte, determino o arquivamento dos presentes autos.» É desta decisão que, inconformada, a requerente recorre, sintetizando a sua apelação nos seguintes termos de conclusão: a) O tribunal deve decidir de harmonia com o interesse do menor, nos casos em que seja necessário regular/ alterar o exercício do seu poder paternal, conforme decorre dos artigos 1905.° do Código Civil e 180.°, n.° 1, da OTM. b) Tal interesse impõe que a sentença que regula a alteração da regulação deve fixar a pensão de alimentos a cargo do progenitor a quem o menor não foi confiado – já que prescreve a C.R.P. no seu art. 36.°, n.° 5, que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos - c) Não foi efectuada qualquer diligência no sentido de apurar a real situação económica do progenitor, devendo, no mínimo, ordenar-se a realização de um inquérito social completo, e não se fundamentar a decisão num suposto relatório que mais não é do que a versão parcial dos factos relevantes para a boa decisão da causa. d) Ainda que estivesse apurado – e (entendemos que) não está – que o requerido não aufere qualquer rendimento, tal não contenderia com aquela obrigação, já que é inerente à relação de paternidade a necessidade de realizar esforços e de ajustar a vivência por forma a que se consigam obter rendimentos que, além do mais, possam servir para prover às necessidades de quem, como o filho menor, não tem possibilidades de sobrevivência autónoma. e) Por outro lado, do artigo 69.° da C.R.P., resulta que as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral. f) E o art. 1878.°, n.° 1, do C.C., estatui que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento e dirigir a sua educação. g) E o artigo 1905.°, n.° 1 do C.C., impõe que a regulação do poder paternal contemple o destino do filho e os alimentos a este devidos e a forma de os prestar. h) Por alimentos nos termos do artigo 2003.° do C.C. entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, instrução e educação do alimentado, no caso de este ser menor. i) Nos termos do artigo 2004.º, n.°1 do C.C., os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e às necessidades daquele que houver de recebê-los. j) Assim e atento também o disposto no artigo 1905.° do Código Civil, aplicável ao caso dos autos por via dos artigos 1911.º e 1912.° do mesmo diploma, deveria ter sido fixada uma prestação alimentícia a favor do menor, a prestar pelo progenitor. k) O tribunal a quo não tomou em conta a alteração das circunstâncias que tornaram necessário alterar o acordo inicial homologado por sentença de 02-10-2006. l) A sentença é, portanto, violadora do disposto nos artigos 1878.º, 1885.º, n.º 1, 1905.º, 2003.º, 2004.º e 2009.º do C.C. e dos artigos 180.º e 182.º da O.T.M. m) Nos termos do artigo 2009.º, n.º 3 do C.C., a dispensa da obrigação de prestar alimentos e a sua transferência para outros obrigados depende da prova de que se não podem prestar. n) Cabe ao réu o ónus de provar que os meios de que dispõe não permitem realizá-la integral ou mesmo parcialmente. o) Cabe primeiramente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança e, em última instância, cabe à sociedade e ao Estado garantir as prestações existenciais que lhe proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna. p) Nos termos do disposto no artigo 2004.° do C.C., a medida dos alimentos obtém-se de acordo com o binómio necessidades/ possibilidades. q) As possibilidades dos pais para alimentarem os seus filhos, por modestas que sejam, partirão sempre de um patamar acima de zero, competindo-lhes a natural obrigação de tudo fazerem para garantir aos filhos o máximo que estiver ao seu alcance, ainda que o máximo se venha a traduzir na partilha da sua modesta condição sócio-económica. r) Verificando-se que a capacidade alimentar dos pais se mostra insuficiente ou relapsa, cabe ao Estado substituir-se-lhes, garantindo aos menores as prestações existenciais que lhe proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna. s) Com esta finalidade, a Lei n.º 75/98, de 19-11 criou o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, estabelecendo como condição primeira de acesso a fixação judicial do quantum de alimentos devidos a cada menor. t) Sem necessidade sequer de ponderar se, no caso concreto, estão reunidas as demais condições exigidas por lei para que o menor possa beneficiar dessa prestação de natureza social, a sua atribuição está dependente da prolação de uma sentença que lhe reconheça o direito a alimentos devidos pelo seu pai. u) Uma decisão como aquela que agora se questiona, não obrigando o pai a pagar pensão de alimentos ao filho, alimenta-lhe a irresponsabilidade e priva o menor da protecção que o Estado lhe pode e deve proporcionar, caso se verifique que dela venha a necessitar. v) A esta interpretação, de fixar alimentos, obriga a defesa do superior interesse da criança, uma vez que nos termos do artigo 3.° da C.D.C., todas as decisões relativas a crianças aterão primacialmente em conta o interesse superior da criança. w) E o artigo 180.°, n.° 1, da O.T.M., estabelece que na sentença o exercício do poder paternal será regulado de harmonia com os interesses do menor. x) Ora, na situação em apreço, dúvidas não temos de que a defesa do superior interesse do menor B……… impõe que seja fixada pensão de alimentos a cargo do pai. Termos em que, nos melhores de direito e com o suprimento de V. Exas., ser dado provimento à presente apelação, e por via disso: a) Revogar-se a decisão recorrida, condenando-se o Requerido a pagar ao menor B………. uma prestação mensal de alimentos no valor de € 100,00 (cem euros). Ou, a doutamente assim não ser entendido, b) Ordenar-se a realização de outras diligências no sentido de apurar a real situação económica do requerido, e o posterior prosseguimento dos autos (cfr. artigos 182.º, n.º 4, 174.º e 179.º da O.T.M.).» Apenas o Ministério Público produziu contra-alegações. A título de questão prévia, alegou que a recorrente não invocou as normas jurídicas violadas pela decisão recorrida, nem elaborou as conclusões do recurso de modo resumido, como é de lei, devendo ser convidada a reparar tais deficiências. Em matéria de fundo, alegou que a recorrente não invocou que o requerido tivesse tido uma melhoria de fortuna que pudesse consubstanciar uma circunstância superveniente capaz de fundamentar a atribuição de uma pensão de alimentos e em contrário do acordo inicial de regulação do exercício do poder paternal, pelo que deve ser confirmada o decisão recorrida. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* III. Nas questões a decidir tem o tribunal um amplo poder de conhecimento oficioso em razão da natureza do processo (jurisdição voluntária), mas considerará a delimitação dada pelas conclusões da apelação da requerente, acima transcritas [cf. art.ºs 660º, nº 2 e 684º e 685º-A, do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aqui aplicável (v.d. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra, 4ª edição, p.s 103 e 113 e seg.s)]. Importa decidir se devem ser levadas a cabo mais diligências para averiguar da capacidade económica do requerido para suportar uma pensão de alimentos a favor do filho e se, em qualquer caso, tenha ou não tenha capacidade económica, deve ser estabelecida uma prestação alimentícia a cargo do progenitor varão. Antes, porém, tomar-se-á posição sobre a questão prévia suscitada pelo Ministério Público. * IV.A questão prévia O requerimento de apelação contém referência a um conjunto de normas legais dispersamente invocadas nas alegações e nas conclusões, com base nas quais a recorrente faz a sua interpretação jurídica no sentido, designadamente, de dever ser fixada uma pensão de alimentos a cargo do requerido e nega a possibilidade da sua não fixação; o mesmo é dizer que o tribunal, ao decidir de modo diferente, não tendo estabelecido os alimentos e a respectiva medida, fez uma interpretação não consentida por aquelas normas. Como tal, são aquelas normas legais que a apelante teve como violadas pela decisão recorrida. E di-lo até de modo expresso, por exemplo, sob a al. L) das conclusões do recurso, acima transcritas, mas também sob o item 39º das alegações. Não vemos, pois, como concluir que não foi dado cumprimento, pela recorrente, ao disposto nas al.s a) e b) do nº 2 do art.º 685º-A do Código de Processo Civil. Acrescenta o Ministério Público que as conclusões são extensas em demasia. As conclusões devem ser uma síntese das alegações, espelhando resumidamente aquelas e nada lhes acrescentando. Se o não forem, são deficientes e devem ser objecto de correcção, sob pena de não se conhecer do objecto do recurso (nº 3 do citado art.º 685º-A). Assim, se as “conclusões” forem, praticamente, uma repetição do que já está no texto das alegações, não são, legalmente, conclusões. Mas não é isso que acontece. As alegações são compostas por 69 itens, enquanto as conclusões têm apenas 24 parágrafos. E são, efectivamente, uma síntese das alegações. Embora umas e outras pudessem ser mais breves, menos repetitivas, dão satisfação à dita exigência processual que não consente a crítica ao estilo linguístico utilizado. Aliás, também não devemos usar de especial exigência nesta matéria que, pela sua natureza e interesses em causa, impõe celeridade de tratamento e decisão. E se o zelo e a diligência se impõem de igual modo, as alegações não são complexas, nem obscuras; são perfeitamente perceptíveis. Com efeito, nada obsta à consideração das alegações qua tale, e ao conhecimento imediato do recurso. * O objecto do recursoEncontrando-se regulado o exercício das responsabilidades parentais, está em causa apenas a possibilidade da fixação de alimentos a favor da criança, da responsabilidade de seu pai, encontrando-se o B……… entregue à guarda da mãe. Pese embora a natureza do processo permita a alteração da decisão que regula o exercício destas responsabilidade, nem por isso a modificação do regime ocorre em qualquer caso, antes depende da verificação de pressupostos que o art.º 182º da OTM prevê: - Existência de uma situação de incumprimento da decisão final por ambos os pais; ou - Ocorrência de circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que estiver estabelecido. Encontrando-se a filiação estabelecida relativamente a ambos os progenitores, ambos divorciados e separados, tenham ou não tenham sido casados um com o outro, aplica-se ao exercício das responsabilidades parentais o disposto nos art.ºs 1905° a 1907° do Código Civil[1] (cf. subsequente art.º 1912º). Vinculada que está à verificação das supra referidas condições, a livre alterabilidade da decisão visa satisfazer o interesse da criança, ao mesmo tempo que salvaguarda a regra da estabilidade da sua vida, maxime das suas relações sócio-familiares. Por isso, o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, designadamente quando fixa os alimentos a seu favor (cf. art.ºs 1905º e 1906º). O art.º 36º, nº 5, da Constituição da República, dispõe que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos. A Convenção sobre os Direitos da Criança adianta no seu artigo 27.°, n.º l, que cabe primacialmente aos pais a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança. O dever de auxílio e assistência constitui um dos efeitos da filiação, sendo que o último compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar. Já, especialmente, no âmbito das responsabilidades parentais, até à maioridade dos filhos, compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens (art.ºs 1877º e 1878º). E só ficam desobrigados daquele dever de sustento e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar aqueles encargos pelo produto do seu trabalho ou outros os rendimentos. E, salvo o que a lei prevê nesta matéria no âmbito da adopção, os pais não podem renunciar às responsabilidades parentais nem a qualquer dos direitos que aquele regime especialmente lhes confere (art.º 1882º). Com efeito, a lei não consente a dúvida quanto à obrigação do pai, tal como da mãe, prestarem alimentos a favor do filho menor, sendo eles considerados como tudo o que é indispensável ao seu sustento, habitação e vestuário, neles se compreendendo também a instrução e educação do alimentado (art.º 2003º, nºs 1 e 2). Está em causa não apenas aquilo que é elementar para a sobrevivência da criança, mas também aquilo de que ela precisa para beneficiar de uma vida conforme as suas aptidões, estado de saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e emocional. A medida dos alimentos não depende apenas da necessidade daquele que houver de recebê-los, devendo também ser proporcional aos meios daquele que houver de prestá-los (art.º 2004º, nº 1) a aferir no momento da decisão. E pode ser modificada acaso se modifiquem as circunstâncias determinantes da sua fixação, reduzindo-se ou aumentando-se aquela medida (art.º 2012º). A obrigação alimentar cessa, entre a verificação de outras situações, quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los (art.º 2013º, nº 1, al. b)), sendo que esta impossibilidade não priva o alimentado de exercer o seu direito em relação a outros, igual ou sucessivamente onerados (nº 2 daquele preceito legal). Efectuada estas considerações liminares, entremos no âmago da questão recorrida. Entende a recorrente que não foi efectuada qualquer diligência no sentido de apurar a real situação económica do progenitor, devendo, no mínimo, ordenar-se a realização de um inquérito social completo (cf. conclusão c)). Não vemos motivo para desprezar duas informações policiais (uma da GNR e outra da PSP) actuais sobre a (in)capacidade económica do requerido prestar alimentos. Não são informações conclusivas, sendo a informação proveniente da PSP baseada em conhecimento directo da própria polícia, certificado na própria informação que reza assim: «- O D…………. não tem domicílio; - Está desempregado; - Pernoita em casas abandonadas, e durante o dia costuma frequentar o Largo ……, e é conhecido desta Polícia. - E por ser verdade, elaborei a presente certidão que por mim vai assinada.» Sobre o assunto, no seu requerimento inicial, a recorrente limita-se a alegar que “não tem possibilidades de saber qual o rendimento mensal auferido pelo requerido, mas conforme lhe constou, o mesmo cifra-se em montante superior a € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros)”. Também em matéria de alimentos, a nossa lei civil consagrou o brocado latino onus probandi ei incumbit qui dicit, nom qui negat. O autor não está dispensado de alegar e provar não só a sua necessidade de alimentos e incapacidade de os obter pelos seus próprios meios, mas também a possibilidade do réu os prestar em seu favor, alegando e provando minimamente factos concretos de onde se extraia a possibilidade efectiva do demandado os prestar. E só em face desta alegação poderá o réu excepcionar a sua impossibilidade total ou parcial de os prestar. Ou seja, terá de haver da parte do requerente de alimentos um princípio de prova das possibilidades do réu que justifique a constituição da sua obrigação alimentícia, cabendo a este, então, não só contrariar tais factos negando mesmo a existência de meios, como excepcionar despesas e encargos pessoais e familiares que reduzam ou extingam o direito que o autor pretende fazer valer, ou ainda invocar e provar a existência de meios próprios do requerente que afastem a sua necessidade de alimentos. Não olvidamos, porém, as especificidades da jurisdição voluntária. É certo que o princípio da oficiosidade e da investigação, de grande relevância nos processos de jurisdição voluntária, como é o caso da regulação das responsabilidades parentais e dos demais processos tutelares cíveis (art.º 150º da OTM), viabiliza uma investigação autónoma tendo em vista a salvaguarda do interesse do menor. Essa investigação há-de pautar-se também pela regra da necessidade, rejeitando-se o que for tido como desnecessário para uma decisão conscienciosa. Mas estas regras não anulam o princípio do dispositivo, admitindo-se, com grande amplitude, a colaboração das partes na investigação, recolhendo e dando informações e fazendo sugestões concretas que facilitem a investigação oficiosa e permitam atingir, tanto quanto possível, a demonstração da realidade dos factos. Havendo um interesse objectivo do menor na salvaguarda dos seus direitos, há, manifestamente, um interesse indirecto da progenitora que o tem à sua guarda na realização desses mesmos direitos, como, aliás, é patente no requerimento inicial para alteração do regime de alimentos e no recurso interposto. Mas limitar-se a alegar que o rendimento mensal do requerido se cifra em montante superior a € 450,00 e, simplesmente, que isso lhe constou, sem qualquer referência à pessoa que lhe transmitiu essa informação, à identificação da entidade patronal, local, tempo de trabalho, características da prestação de trabalho, ou quaisquer sinais de rendimento, mínimos que sejam (aquisição de determinados bens, etc.) é pouco mais que nada. Não há --- nem nas alegações de recurso --- da parte da requerente, qualquer indicação válida que aponte para a prestação de trabalho e obtenção efectiva de rendimento por parte do recorrido que contrarie a informação policial, quando, na realidade, requerente e requerido habitam e frequentam a área administrativa de Gondomar. Se a Polícia fornece uma informação concretizada do referido teor, em que afirma conhecimento directo de que o requerido está desempregado, não tem domicílio e pernoita em casas abandonadas, frequentando um determinado Largo da cidade de Gondomar, sem que a requerente indique qualquer facto concreto que justifique nova averiguação, estando até em condições de proximidade habitual para o fazer, não vemos que razão possa descredibilizar a informação já recolhida e justificar nova averiguação. Improcede, assim, a pretensão da apelante no sentido de se dever ordenar a realização de novas diligências relativas à eventual existência de rendimentos do requerido e, com efeito, não podemos deixar de aceitar que, por ilação lógica, própria das regras da experiência, se trata de uma pessoa indigente, sem trabalho nem rendimento. Prosseguindo… Como a própria recorrente reconhece e atrás já deixámos consignado, a medida dos alimentos obtém-se de acordo com o binómio necessidades/possibilidades. Não vemos, pois, como ultrapassar a regra prevista na conjugação do art.º 2004º, nº 1 como art.º 2013º, nº 1, al. b), segundo a qual o devedor só responde na medida ou proporção das suas possibilidades, não havendo obrigação quando haja impossibilidade de prestar os alimentos. Não se deve exigir ao obrigado que, para aquela prestação, ponha em perigo a sua própria manutenção de acordo com a sua condição, mas devendo sempre os pais proporcionar aos filhos um nível de vida semelhante ao seu. Já vimos que a condição de vida do recorrido é de penúria absoluta, nada possuindo que possa constituir uma vantagem para ele próprio, pelo que também nada há para, à custa dele, atribuir ao filho que não seja miséria, uma mão cheia de nada. Tem razão, a recorrente, quando refere que cabe ao Estado substituir-se aos pais quando seja necessário garantir às crianças as prestações existenciais. Com essa finalidade foi criado o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, aprovado pela Lei nº 75/98, de 19 de Novembro. Por via deste diploma fica garantido o pagamento dos alimentos devidos a crianças, quando os primitivos obrigados o não fazem e não se consegue cobrar tal dívida, assim se assegurando, nesses casos, o cumprimento do comando constitucional dos art.ºs 2°, 63°, nº 3, e 69º nº 2, da Constituição da República). Com efeito, a intervenção do Fundo está dependente da verificação de três requisitos cumulativos (cf. art.ºs 1º, 2º e 3º daquela lei)[2]: - Que a pessoa esteja obrigada judicialmente (e já não só «legalmente») a prestar alimentos a criança residente em Portugal, o que pressupõe que haja uma fixação, em sede de acção, de um quantum alimentício, por muito parco que seja[3]; - Que não tenha sido possível cobrar os alimentos em dívida pelo obrigado pela forma prevista pelo art.º 189.° da OTM (leia-se também pela forma do artigo 1118.° do Código de Processo Civil, urgindo fazer aqui uma interpretação extensiva da Lei n.º 75/98, na medida em que os alimentos a criança tanto podem ser cobrados coercivamente pelos meios do artigo 189.° da OTM, como através da execução de alimentos); e - Que o alimentado não possua rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre (esclarece depois o artigo 3.°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13-5, que «entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário»). Não nos cabendo discutir aqui a bondade da solução encontrada pelo legislador, fica fora da protecção do Fundo o interesse da criança que, sendo carente de alimentos --- e independentemente da medida dessa carência ---, não pode beneficiar da condenação judicial do progenitor a eles legalmente obrigado. Tal não significa que a criança deva ser automaticamente afastada do âmbito da protecção do Estado, mas apenas que fica fora da protecção do Fundo de Garantia dos Alimentos, havendo, com certeza, outros meios que podem ajudar o menor carente de alimentos no âmbito da segurança social. Segundo o art.º 182º, nºs 4 e 5, da OTM, efectuada a citação do requerido, quer este alegue, quer não alegue, findo o respectivo prazo, se o juiz considerar o pedido infundado ou desnecessária a alteração, mandará arquivar o processo. Para o efeito, o juiz pode determinar a realização prévia de diligências que considere necessárias. Já na conferência a que se refere o art.º 175º da OTM os pais do B………… haviam chegado a acordo, devidamente homologado por sentença, e do qual faz parte a seguinte cláusula: «3º Não se fixa prestação alimentar a pagar pelo progenitor, uma vez que o mesmo se encontra desempregado há vários anos e não aufere qualquer rendimento, além de pagamentos esporádicos de trabalhos que realiza.» Sendo devido acolhimento da regra da actualidade na alteração do montante dos alimentos, não ocorrem circunstâncias supervenientes que tornem necessário modificar o que ali foi estipulado no dia 2 de Outubro de 2006, notando-se até que a alteração da situação do requerido ocorreu para pior, agora sem trabalho e sem qualquer rendimento, até pernoitando em casas abandonados, num modus vivendi que, atentas as regras da experiência, faz presumir a indigência, por ilação lógica segura (art.º 349º e 351º). Deflui do exposto que, no caso, o tribunal recorrido andou bem em considerar infundado o pedido de alteração do regime das responsabilidades parentais, arquivando o processo, não sendo de fixar qualquer valor a título de pensão de alimentos a favor da criança[4] [5]. Por conseguinte, deve manter-se a decisão recorrida. * SUMÁRIO (art.º 713º, nº 7, do Código de Processo Civil):1. Na averiguação da ocorrência de circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que estiver estabelecido em matéria de alimentos no âmbito do exercício das responsabilidades parentais, o tribunal não tem que se orientar por um critério de legalidade estrita, devendo prosseguir na busca da verdade com vista à satisfação do interesse objectivo da criança. 2. Tal oficiosidade não obsta a que as partes prestem informações e colaborem com o tribunal na prossecução daquele mesmo desiderato. 3. Se a requerente se limita a alegar (apenas no requerimento inicial) que lhe constou que o rendimento mensal auferido pelo requerido é de montante superior a € 450,00 e a entidade policial informa, ainda com mais actualidade, que o progenitor está desempregado, não tem domicílio, pernoita em casas abandonadas e que durante o dia frequenta um determinado Largo da localidade, sendo ele conhecido da própria Polícia, o tribunal pode arquivar o processo nos termos do art.º 182º, nº 4, da OTM, considerando o pedido infundado. 4. O Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a Menores (Lei nº 75/98, de 19 de Novembro), além do mais, pressupõe a obrigação judicial (e já não apenas “legal”) do requerido prestar alimentos a criança residente em Portugal, sendo assim indispensável que haja uma fixação, em sede de acção, de um quantum alimentício. * V.Pelo exposto, acordam nesta Relação, em julgar a apelação improcedente, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida. * Custas pela recorrente.* Porto, 22 de Abril de 2010Filipe Manuel Nunes Caroço Manuel de Sousa Teixeira Ribeiro Fernando Manuel Pinto de Almeida _______________________ [1] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem. [2] Cf. Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família, Coimbra Editora, 2009, pág.s 228 e seg.s. [3] Daí que deva ser requerida nos respectivos autos de incumprimento a fixação do montante que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar. [4] Neste sentido, veja-se também Tomé Ramião, Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada, Lisboa, Quid Juris, 6ª Edição, pág.s. 142-144). [5] Cf. em sentido semelhante ao seguido neste acórdão quanto à não fixação de alimentos e impossibilidade legal de accionamento do Fundo de Garantia, com alusão a meios alternativos, o recente acórdão desta Relação de 1.2.2010, nº RP201002011307/08.4TMPRT.P1, in www.dgsi.pt. |