Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
952/16.9T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO DE DANO
CLAÚSULAS CONTRATUAIS GERAIS
RESPONSABILIDADE CIVIL
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RP20231127952/16.9T8PVZ.P1
Data do Acordão: 11/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; DECISÃO ALTERADA.
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Relativamente ao contrato de seguro de dano, não pode dar-se como provado estar incluída a cobertura de atos de vandalismo, apenas pela circunstância de a seguradora não ter efetuado prova da comunicação à tomada do seguro de quais as coberturas não incluídas no contrato, pois o dever de comunicação constante do art. 5.º do DL 446/85, de 25.10, impõe apenas a comunicação à parte que as não redigiu e se limitou a aceitá-las das cláusulas por si subscritas, sob pena de serem consideradas excluídas no negócio (art. 8.º).
II - Nada se dizendo no contrato de seguro sobre atos de vandalismo não é de presumir estar essa fonte de dano incluída no contrato de seguro, quando o sinistro em causa foi um incêndio, estando este expressamente incluído no âmbito de cobertura do seguro.
III - Nos termos do art. 5.º do DL nº 446/85 de 25.10, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência, cabendo o ónus da prova dessa comunicação adequada e efetiva ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.
IV - O art. 8.º do mesmo diploma estatui que o incumprimento desse dever de informação determina a exclusão da cláusula dos contratos singulares, perante a ausência de demonstração pela seguradora da transmissão à demandante do conteúdo da cláusula em questão e do seu significado na economia do contrato.
V - A não comunicação ao tomador de seguro do conceito acolhido pela seguradora quanto ao que deve entender-se por incêndio (combustão acidental) determina a exclusão do contrato da cláusula não comunicada ou que a seguradora não demonstrou ter comunicado.
VI - Para um declaratário normal resulta da simples cobertura de “incêndio” que os incêndios causados por terceiros (dolosa ou negligentemente) não deixam de estar cobertos pelo seguro.
VII - Os juros de mora a aplicar à indemnização devida pela seguradora ao segurado (uma empresa), no âmbito de um contrato de danos (por incêndio) são os que resultam do § 3.º do art. 102, do Cód. Comercial, normativo entendido à luz regime decorrente do DL n.º 62/2013, de 10 de maio, cujo art. 4.º, n.º 1, prevê que os juros aplicáveis aos atrasos de pagamentos das transações comerciais entre empresas são os estabelecidos no Código Comercial ou os convencionados entre as partes nos termos legalmente admitidos.
VIII - A al. c) do n.º 2 do art. 2.º estabelece juros civis para os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, mesmo efetuados por companhias de seguros,
IX - Os seguros de responsabilidade civil estão definidos no art. 137.º da LCS e inserem-se no capítulo II, secção I intitulada seguros de responsabilidade civil, como sendo aqueles em que o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros.
X - O seguro de incêndio, previsto nos arts. 149.º a 151.º LCS, não é um seguro de responsabilidade civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 952/16.9T8PVZ.P1


Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

AUTORA: A... S.A., com sede na rua ..., ..., .... ..., Vila Nova de Famalicão.
RÉ: COMPANHIA DE SEGUROS B..., atualmente C..., S.A, com sede na Av. ... Lisboa.

Por via da presente ação declarativa, pretende a A. obter a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €390.463,34, acrescida de juros de mora, contados desde 13.2.2011.
Para tanto invoca contrato de seguro celebrado com a Ré, tendo por objeto um armazém de que a primeira era proprietária, à data do início do seguro, e, à data do sinistro, era locatária financeira. O sinistro consistiu num incêndio que ocorreu numa das partes do imóvel, originando a sua destruição e a necessidade de reparação, para o que se exige a quantia peticionada. Apesar de à Ré haver sido participado o sinistro, nunca esta indemnizou a A., sendo assim devidos juros de mora desde os 45 dias sobre o apuramento dos factos, isto é, desde 13.2.2011, conforme cláusula contratual.

Contestando, a Ré invocou a ilegitimidade da A. para o pedido que formula, uma vez que a beneficiária do seguro é a empresa de leasing que locou o espaço à demandante.
Mais afirmou não ser o incêndio em causa coberto pelo seguro porque se não tratou de uma combustão acidental, como pressuposto nas condições do contrato de seguro, mas de um incêndio causado de forma propositada, como apuraram a Polícia Judiciária e o MP no processo criminal que foi instaurado na sua sequência e que arquivado por falta de prova quanto à autoria do crime subjacente.
Mais impugna o valor dos danos alegados na pi.

A A. exerceu contraditório, dizendo ter legitimidade para a ação, uma vez que, além de tomadora, é beneficiária do contrato de seguro.
Ademais - diz - não lhe foi explicado pela Ré, ao subscrever o contrato, o alcance e efeitos do mesmo quanto à inclusão do credor hipotecário, nem do teor das cláusulas de exclusão do seguro, tendo as condições gerais e especiais sido remetidas, já depois da outorga do contrato de seguro. De modo que também o entendimento da Ré quanto ao que contratualmente se entende por incêndio – que não pode ser atribuível à A. – foi estabelecido de modo unilateral por aquela, no contrato de adesão, devendo a noção de incêndio aí vertida ser considerada nula e de nenhum efeito.
Suscita a intervenção principal provocada da locadora financeira, D... Leasing e Factoring, incidente que veio a ser indeferido.

Em ata de audiência prévia, foi a Ré convidada a exercer contraditório quanto ao oposto pela A., tendo aquela afirmado terem sempre sido transmitidas à A. as informações relevantes para a subscrição do contrato de seguro.

Foi proferido despacho saneador a 22.2.2018, julgando improcedente a exceção de ilegitimidade da A., mais julgando improcedente a defesa da Ré quanto à ausência de responsabilidade por alegada existência de fogo posto, uma vez não ter a Ré afirmado ter o mesmo sido dolosamente provocado pelo segurado ou por pessoa por quem este seja civilmente responsável, decisão que, em recurso e neste último segmento, veio a ser revogada por acórdão desta Relação, proferido a 13.6.2018.

Realizado julgamento, veio a ser emitida sentença, datada de 30.12.2022, julgando a ação parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar à A. a quantia de €273.204, 23, com juros de mora comerciais, desde 19.7.2016 e até integral pagamento, e absolvendo-a do restante contra si peticionado. Condenou em custas ambas as partes, na proporção de 51% para a A. e 49% para a Ré.
Desta sentença recorrem A. e Ré.
A primeira visa o seguinte:
a) julgar-se como escrito e incluído no contrato de seguro o risco de atos de vandalismo;
b) julgar-se a causa do incêndio dos autos como acidental, concluindo pela sua inclusão no risco de incêndio enquanto combustão acidental;
c) julgar-se devida a restituição do valor de €15.145,94 a título de trabalhos de demolição e remoção de escombros já efetuados;
d) julgar-se o valor total dos danos sofridos pela apelante nos termos peticionados em 19.º e 22.º da petição inicial, ao qual deverá ser aplicada a atualização de 7% quanto ao custo da mão de obra nos trabalhos de construção civil e de 10% quanto aos trabalhos de demolição e remoção de escombros, que perfazem os valores de 253.351,96 quanto a trabalhos de construção civil para reposição do imóvel, o valor de €112.149,80 quanto a trabalhos para reposição da instalação elétrica, o valor de €27.500,00 para os trabalhos de demolição e remoção de escombros, respetivamente, num total de €393.001,76, atendendo a que os autos permitem a liquidação imediata dos valores devidos;
e) julgar-se devidos juros de mora vencidos desde 13 de fevereiro de 2011 e vincendos até efetivo e integral pagamento;
f) alterar-se, em conformidade, o decaimento da ação e repartição da responsabilidade pelas custas.

Para tanto, invocou os argumentos que deixou expressos nas conclusões que ora se transcrevem:
I. O Thema Decidendum dos presentes autos centra-se em apurar da responsabilidade da Ré/Recorrida sobre o valor indemnizatório peticionado pela Autora/Recorrida, em virtude do incêndio ocorrido nas suas instalações na Maia, em função do contrato de seguro celebrado entre ambas.
II. Para tal é de primordial importância determinar as condições gerais e particulares do contrato de seguro de responsabilidade civil contratado pela Recorrente e Recorrida, determinar as causas do incêndio, para se apurar o enquadramento do mesmo no seguro existente, e ainda qual o valor dos danos que se encontram cobertos pelo mesmo e se devem ser ressarcidos pela Recorrida.
III. Salvo o devido respeito, a sentença recorrida julgou erroneamente, com o devido respeito, os seguintes factos da matéria de facto dada como provada: 12º, 13º, 30º, 31º, 32º, 33º, 41º, 52º, 54º, 55º, 56º, e 57º razão pela qual vão os mesmos impugnados, visando-se a respectiva alteração, nos termos do art.º 662.º, n.º 1 e 2, alíneas a) e d) do C.P.C.
IV. A sentença recorrida julgou ainda erroneamente, com o devido respeito, os seguintes factos da matéria de facto dada como não provada: b) c) d), l), m), n), o), p) e q), porquanto, compulsados os autos verifica-se que a prova produzida impunha uma resposta diferente quanto a estes factos, dando-os como provados, alterando por conseguinte a decisão proferida, razão pela qual vão os mesmos impugnados, visando-se a respectiva alteração, nos termos do art.º 662.º, n.º 1 e 2, alíneas a) e d) do C.P.C.
V. Atenta a complexidade do litígio dos autos, dividiremos a nossa exposição por categorias, por forma a facilitar a tarefa do Tribunal a quo na reapreciação da matéria de facto, a saber:
i) Das condições contratuais associadas ao seguro contratado com a Recorrida tal como foi pretendido pela segurada, aqui recorrente (factos provados nº12º, 13º, factos não provado l), m), n), o), p, q);
ii) Dos custos suportados pela Recorrente com os trabalhos de demolição e remoção de escombros (facto provado nº41, facto não provado b) e c));
iii) Fixação do quantum indemnizatório das obras de engenharia civil, incluindo trabalhos de demolição e remoção de escombros à luz dos preços correntes e da taxa de inflação, e da engenharia eletrotécnica à luz dos preços correntes e da taxa de inflação (factos provados nº52, 54, 55, 56);
iv) Das causas do incêndio (factos provados n.º 30, 31, 32, 33);
v) Mora da seguradora (Facto não provado d);
VI. Nos termos do artigo 640º, nº1, al.d) do Código Civil, a Recorrente considera assim que foram incorrectamente julgados e por isso vão impugnados, os pontos de facto constantes da fundamentação de facto da sentença recorrida referidos no ponto anterior (diga-se, que a grande parte da matéria de facto encontra-se indevidamente julgada, à exceção da matéria de facto relativa ao incumprimento dos deveres de informação e comunicação da seguradora no âmbito do contrato que foram devidamente julgados pela sentença recorrida) cujo sentido decisório vem inquinado por erro de julgamento e que mereciam resposta em sentido diametralmente oposto, em face da prova documental junta aos autos, da prova perícial produzida e respetivos esclarecimentos prestados pelo senhores peritos da engenharia civil e da engenharia eletrotécnica, bem como, dos restantes depoimentos gravados em sistema digital.
VII. O Tribunal a quo ter decidido de considerar como PROVADOS os factos não provados constantes das alíneas l), m), n), o), p, q) da sentença recorrida e, por conseguinte, considerar que o contrato de seguro incluía a cobertura de atos de vandalismo conforme constava das condições do contrato de locação financeira, bem como, da intenção da Recorrente que foi a de sempre ter esta cobertura incluída.
VIII. A SEGURADORA/RECORRIDA NÃO FEZ QUALQUER PROVA DE QUE AS CONDIÇÕES DO SEGURO VERTIDAS NO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA CELEBRADO ENTRE RECORRENTE E D... LEASING, QUE TINHA CONHECIMENTO CONFORME DE RESTO ADMITIU NO ARTIGO 4º DA SUA CONTESTAÇÃO NÃO ESTAVAM INCLUÍDAS NA APÓLICE, SENDO QUE NUNCA DEMONSTROU PERANTE O TRIBUNAL A QUO QUE CUMPRIU COM OS DEVERES DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO DAS CONDIÇÕES DO CONTRATODE SEGURO – ÓNUS QUE LHE INCUMBIA AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ARTIGO 342º DO CÓDIGO CIVIL.
IX. A SEGURADORA/RECORRIDA NÃO DEMONSTROU COMO LHE INCUMBIA QUE AS CONDIÇÕES DE SEGURO NÃO INCLUIAM ATOS DE VANDALISMO CONFORME ERA NECESSÁRIO POR CONTA DO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA CELEBRADO ENTRE A RECORRENTE E A D... LEASING QUE TINHA EM SUA POSSE DESDE QUE LHE FOI ENVIADA PELA RECORRENTE A CARTA DE APROVAÇÃO DA LOCAÇÃO FINANCEIRA PARA EMISSÃO DA DECLARAÇÃO DE 15.06.2010 QUE ESTEVE ASSOCIADA AO CONTRATO DA LOCAÇÃO FINANCEIRA JUNTO NA PETIÇÃO INICIAL.
X. Ora, o facto não provado n) da sentença recorrida deveria ter sido considerado como provado, porquanto, tal factualidade – entrega do contrato de locação financeira celebrado com a D... Leasing e o conhecimento das coberturas de seguro exigidas pela locadora – foi admitido e confessado pela Recorrida na sua contestação apresentada nos autos no dia 07.10.2016, nomeadamente nos artigos 3º. 4º, 5º e 6º da contestação, em que a Recorrida reporta-se ao contrato de locação financeira celebrado com a D... Leasing e respetivas condições, referindo no artigo 4º da contestação que “no âmbito do supra identificado contrato de locação financeira imobiliária, outorgado em 23.06.2010, a D... Leasing Factoring Instituição Financeira de Crédito, S.A., impôs à autora a obrigação de contratar e custear, durante a respectiva vigência, um contrato de seguro a seu favor, tendo por objecto o referido imóvel, que cobrisse os riscos a que o mesmo se encontrava sujeito, nomeadamente e para o que aqui releva, o risco de incêndio, queda de raio e explosão – vide contrato de locação financeira junto pela autora com a p.i., sob o documento n. 1 que, por uma questão de economia processual, aqui se dá por integralmente reproduzido.”
XI. A carta de aprovação das condições do contrato de locação financeira da D... Leasing datada de 24 de Maio de 2010 foi remetida pela Recorrente à Recorrida para assegurar todas as coberturas de seguro solicitadas pela D... Leasing e consequente emissão de declaração a favor do credor hipotecário (cf. doc.2 junto ao requerimento da Recorrente de 22.01.2021), tendo sido referido pela testemunha AA que a própria entregou a referida carta ao mediador da Recorrida, no seu depoimento de 13.01.2021, a rotações 18:13 a 28:51, tendo, nesta senda, sido junto o requerimento da Recorrente a 22.01.2021 juntando a carta de aprovação da locação financeira como doc.1, por ordem do tribunal a quo.
XII. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº1 do artigo 640º CPC, deve, para o efeito serem considerados, o depoimento de parte de BB, na audiência de 07/02/2020, segmentos 00:01:49 a 00:04:33, no mesmo dia a rotações 11:41 a 12:34, 16:27:44 – 17:02:11, bem como, o depoimento de parte de BB na audiência de 19/02/2020, a rotações 17:21 a 21:28, onde esclarece o tribunal a quo que a propósito do novo contrato de leasing com a D... Leasing que foi entregue ao mediador da Recorrente a carta de aprovação das condições que a D... Leasing exigia e para que o mediador verificasse se o seguro existente estava em conformidade com aquelas exigências, o que foi garantido pelo mediador.
XIII. A rotações 17:45 a 18:30 o depoente BB esclarece o tribunal como foi comunicado à seguradora o contrato de leasing e como o mediador naquela data assegurou que o seguro existente estava em conformidade, ou seja, que incluía a cobertura de atos de vandalismo, “É o mesmo contrato senhora doutora juiz. Única e simples, e simplesmente nessa altura chamei o mediador, mostrei-lhe novamente a carta que a D... Leasing exigia... para ele ver se todos os seguros que a gente tinha estavam corretos ou não, como a D... queria, porque eu não queria ter problemas com a D.... Ele disse-me que sim senhor, não havia problemas que, que… estava tudo de acordo, aliás, nessa altura, eu até tive uma, uma reação um bocado, com ele um bocado áspera, porque disse “Então nem precisas de verificar, tu já sabes tudo de cor? Sabes que... não precisas de verificar, foste, de verificar as... o que estão aqui a pedir, e se há alterações ou não?”, “Não, não, isso está tudo bem, está descansado que está tudo bem”. OK, pronto.”
XIV. A rotações 02:22 a 02:59 da gravação áudio de 07/02/2020, o depoente BB esclarece o tribunal que “Tínhamos, sim. Tínhamos, sim. Temos uma cláusula, que foi isso que pagámos ao mediador de seguros para ele fazer precisamente aquilo que era preciso (impercetível) leasing” e que entregaram o leasing ao mediador para tratar e que o seguro “Quem tem de comunicar ao leasing éramos nós. Mas para fazer o seguro como leasing não dava.”
XV. Atente-se ainda ao depoimento de parte de BB, na gravação áudio de 19/02/2022, a rotações 24:03 a 25:59, novamente a explicar a instâncias do Ilustre Mandatário da Recorrida, que sempre considerou e entendeu que o seguro vigente incluía todas as coberturas previstas no leasing, incluindo, atos de vandalismo.
XVI. No depoimento de BB, dia 19.02.2020, a rotações 28:03 a 30:43, explicou ao Tribunal a quo o modus operandi de contratação que tinha com o mediador de seguros da Recorrida, fruto da relação de amizade entre ambos, sendo que o mediador tratou da proposta de seguro referenciada no facto provado n.º 5 da sentença recorrida, e com todos os formulários que na vigência da apólice o mediador lhe trazia para que fosse introduzida alguma alteração que fosse necessária por conta dos contratos de locação financeira celebrados, fosse, muitas vezes, da própria iniciativa do mediador alegando visar alterações nos prémios e melhores preços.
XVII. Assim vieram comprovar, a testemunha CC referiu no seu depoimento referiu que estava convencido que a proposta de seguro continha todas as coberturas exigidas pela locadora financeira, incluindo atos de vandalismo, vejamos a rotações de 11:22 a 15:26 e 16:26 a 16:43 e que o mediador da Recorrente tratava sempre do preenchimento de todas as propostas de seguro, conforme referiu no seu depoimento constante da gravação de 13.01.2021, a rotações 34:30 a 36:55; e a testemunha AA, na gravação de 13.01.2021, a rotações 14:37 a 16:44.
XVIII. A Recorrente sempre esteve convicta de que o contrato de seguro estaria, por força das suas indicações, de acordo com as exigências vertidas no contrato de locação financeira, relativamente às quais a seguradora foi notificada e emitiu a declaração de 15.06.2010 junta como doc.2 ao requerimento da Recorrente de dia 22.01.2021.
XIX. A comprovar, veja-se o depoimento de parte de BB, da gravação de 19.02.2020, a rotações 35:09 a 38:02, onde refere expressamente que entregou ao mediador da Recorrida a carta de aprovação junta aos autos no requerimento da Recorrente de 22.01.2021, bem como, o contrato de locação financeira efetivamente celebrado, instruindo o mediador para garantir que o contrato de seguro vigente garantia todas as coberturas exigidas pela D... Leasing na cláusula 10.1 das Condições Particulares do Contrato.
XX. Ficou ainda demonstrado pelo depoente BB que o mediador garantiu que o seguro estava em conformidade com as exigências da D... Leasing, sendo que jamais o mediador informou a Recorrente que a cobertura de atos de vandalismo não estaria incluída, até porque, caso não tivesse incluída, a Recorrente não teria qualquer interesse em contratar o seguro – cf. Gravação de 19/02/2020 a rotações 42:54 a 46:29 e 56:54 a 57:24.
XXI. Da mesma forma é certo que quando estamos perante um contrato de locação financeira, e enviamos para a seguradora as condições exigidas, como fez a Autora, ora Recorrente, nos presentes autos e, a seguradora em causa (a Ré, ora Recorrida), emite a declaração para o banco, onde assegura a sua conformidade com todas as coberturas exigidas e, nessa sequência, o banco faz a escritura, não há porque duvidar, que a apólice contratada, não contemple todas as coberturas, ainda para mais, quando nada é dito em sentido contrário e explicado à Autora!
XXII. Nenhum dos peritos ou funcionários da Recorrida veio demonstrar o contrário (veja-se o depoimento das testemunhas DD e EE) já que nenhuma das testemunhas indicadas pela Recorrente teve presente no momento em foram entregues à Recorrida as condições da carta de aprovação com as condições do contrato de locação financeira!
XXIII. No depoimento da testemunha DD, na gravação de 08/07/2020, a rotações 14:51 a 16:45, onde se verifica que não tem qualquer conhecimento dos termos da contratação efetuada diretamente com a Recorrente, resultando que todos os factos que tem conhecimento advêm de documentos da própria seguradora, ou seja, tem conhecimento indireto e apenas do que está inserido no sistema da seguradora, que não garante qualquer fiabilidade e credibilidade.
XXIV. Já a testemunha EE, colaborador da Recorrida, referiu expressamente em sede de depoimento, constante da gravação de 15.01.2021, a rotações 55:27 a 56:16 e 58:31 a 59:06, que não esteve presente na contratação do seguro, que não sabe se as condições foram ou não explicadas à Recorrente e que todo o conhecimento que tem advém do sistema informático, suporte administrativo da Recorrida e interposta pessoa.
XXV. A sentença recorrida considera válidos e mais credíveis os depoimentos das testemunhas DD e EE que nunca estiveram presentes nas negociações do contrato de seguro nem na sua execução nem dos seus depoimentos se pode concluir que as condições contratuais do seguro foram informadas e explicadas à Recorrente e desvaloriza, sem qualquer fundamento, o depoimento do administrador da Recorrente, BB, que foi quem efetivamente contratou a apólice (veja-se a referência à celebração do contrato de seguro a rotações 11:41 a 12:43 do depoimento de parte de 19.02.2020), efetuou o negócio da locação financeira, comunicou ao mediador o mesmo contrato e locação e deu indicações para tratar do seguro em conformidade com o exigido pela D... Leasing, e quem sofreu severamente com as consequências do sinistro, ou então de CC e AA que acompanharam a contratação do seguro na data dos factos e em especial a testemunha AA era contabilista certificado da Recorrente que tinha conhecimento de toda a atividade da empresa.
XXVI. Assim deveria o tribunal a quo ter decidido de considerar como provados os factos não provados constantes das alíneas l), m), n), o), p, q) da sentença recorrida, e, por conseguinte, considerar que o contrato de seguro incluía a cobertura de atos de vandalismo conforme constava das condições do contrato de locação financeira, bem como, da intenção da Recorrente que foi a de sempre ter esta cobertura incluída.
XXVII. Ao considerar-se os factos não provados das alíneas l), m), n), o), p, q) como factos provados, a sentença recorrida determinaria a condenação da Recorrida com base na cobertura de atos de vandalismo e não com base na cobertura de incêndio relativa à combustão acidental.
XXVIII. De facto, os factos provados 12 e 13 da sentença recorrida estão erroneamente julgados, não podia o Tribunal a quo conferir qualquer tipo de credibilidade relativamente ao documento denominado “formulário do pedido de alteração de fls. 200” dos autos, porquanto, o mesmo é completamente fabricado pela seguradora, ora Recorrida, para “justificar” que a Autora, ora Recorrente, sabia que a cobertura contratada não incluída actos de vandalismo, o que não corresponde de todo à verdade nem tal conclusão se poderá retirar de tal documento completamente falso!
XXIX. A documentação que sustenta os factos 12 e 13 da sentença recorrida está ferida de vício de apreciação e valoração da prova (o documento fls. 200 referenciado na sentença recorrida) e dos autos constam outros documentos que impunham decisão diversa (artigos 3º a 6º da contestação).
XXX. A assinatura no documento de fls. 200 retratado nesta alegação, na parte do tomador do seguro até poderá pertencer ao administrador da Recorrente, BB, contudo, todo o restante escrito não advém do seu punho, conforme esclareceu o administrador da Recorrente, BB, em sede de audiência, o mesmo jamais viu este documento como foi apresentado em sede de audiência de julgamento, jamais foi notificado pela seguradora/Recorrida sobre a recusa de um putativo pedido de cobertura de atos de vandalismo e jamais pediu qualquer alteração ao contrato para incluir atos de vandalismo pois sempre considerou que esta cobertura já fazia parte da apólice contratada à Recorrida, conforme se pode comprovar no seu depoimento na audiência de 19.02.2020, a rotações 19:37 a 21:28 da gravação.
XXXI. O ADMINISTRADOR DA RECORRENTE, BB, DEMONSTROU EM SEDE DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO, NA GRAVAÇÃO DE 19.02.2020, A ROTAÇÕES 19:37 A 21:28 QUE NUNCA SOLICITOU QUALQUER TIPO DE COBERTURA ADICIONAL DE ATOS DE VANDALISMO E QUE APENAS TOMOU CONHECIMENTO DO DOCUMENTO DE FLS 200 NOS PRESENTES AUTOS, JÁ QUE TUDO O QUE ALI CONSTA NÃO CORRESPONDE DA SUA CALIGRAFIA NEM DE QUALQUER PEDIDO APRESENTADO, ATÉ PORQUE SEMPRE FOI SUA CONVIÇÃO QUE OS ATOS DE VANDALISMO ESTAVAM INCLUÍDOS NA APÓLICE CONTRATADA JÁ QUE ESTA COBERTURA ERA EXIGIDA PELA D... LEASING E A RECORRENTE REMETEU À SEGURADORA A CARTA DE APROVAÇÃO COM AS CONDIÇÕES DO LEASING (DOC.1 JUNTO AO REQUERIMENTO DA RECORRENTE DE 22.01.2021) E COM BASE NESTA CARTA DE APROVAÇÃO, ONDE CONTINHA AS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS E APÓLICE DE SEGURO, ONDE SE INCLUIU ATOS DE VANDALISMO, A SEGURADORA EMITIU A DECLARAÇÃO CORRESPONDENTE AO DOC.2 DO REQUERIMENTO APRESENTADO PELA RECORRENTE EM 22.01.2021, NÃO VALORADO ERRONAMENTE PELO TRIBUNAL.
XXXII. No depoimento da testemunha FF, constante da gravação de 13.01.2021, a rotações 34:13 a 38:09 e a 45:39 a 46:26, quando confrontada com o teor do documento de fls 200, esta testemunha referiu de forma espontânea e imediata que nunca tinha visto o referido documento e que qualquer recusa de alteração do contrato de seguro seria efetuada por carta registada com aviso de receção, dando como exemplo uma situação de uma recusa comunicada pela seguradora por esta via, que até motivou que a MMª Juiz ordenasse à Recorrente a junção da respetiva documentação de suporte, o que esta veio a fazer em requerimento de 22.01.2021.
XXXIII. Os factos provados nº12 e 13 colidem com os factos doutamente considerados não provados r), s) e t) da sentença recorrida, porquanto, jamais a Recorrente solicitou qualquer alteração ao contrato para incluiu atos de vandalismo e, ainda que o tivesse feito (que não fez), a seguradora não demonstrou que tivesse comunicado à Recorrente que tinha recusado essa cobertura, quer através da ausência de prova documental nesse sentido, quer através de prova testemunhal (em causa o depoimento da testemunha EE) apenas se pronunciou num sentido abstrato no âmbito dos procedimentos da seguradora, mas não do que efetivamente aconteceu durante a negociação e execução do contrato dos autos.
XXXIV. A testemunha EE não interveio na contratação da apólice de seguro nem em qualquer alteração solicitada, tendo apenas conhecimento dos factos através de informações que constam em sistema informático da seguradora, portanto, com informações controladas e colocadas por esta, quer por interposta pessoa (GG) que também não interveio na contratação da apólice ou das suas alterações.
XXXV. Em momento algum da sua inquirição, a testemunha EE nem qualquer outra apresentada pela Recorrida, afirmou que esteve presente no ato da contratação do seguro e alterações e que explicou o conteúdo e alcance das suas cláusulas gerais e especiais à aqui Recorrente, ou que tenha comunicado à Recorrente o documento de fls 200, quer quanto à alteração alegadamente ali referida, quer quanto à alegada recusa, escrita à mão.
XXXVI. Toda a informação que esta testemunha EE transmitiu decorre do que observou no sistema informático da Recorrida cujos comprovativos tão-pouco se encontram juntos aos autos, e da informação transmitida por interposta pessoa, pelo que, o seu depoimento não tem qualquer relevância nem credibilidade para efeitos de fixação da matéria de facto dos pontos 12 e 13, pelo que, incorreu o Tribunal a quo em claro erro de julgamento!
XXXVII. O tribunal a quo não poderia ter valorado o depoimento desta testemunha para dar como provado que a Recorrente sabia que não tinha incluída a cobertura de atos de vandalismo quando esta testemunha jamais presenciou os factos relativos à contratação do seguro, pelo que, a testemunha EE não tem qualquer credibilidade e não confere qualquer tipo de contributo para a descoberta da verdade e boa decisão da causa já que não tem conhecimento direto dos factos, para considerar provada matéria dos pontos 12 e 13 da sentença recorrida!
XXXVIII. O tribunal a quo não poderia ter valorado o documento de fls 200 supra referenciado, o qual é, com o devido respeito, um insulto à justiça e apenas descredibiliza o papel dos tribunais na obtenção da justiça material, sendo de resto surpreendente que o tribunal a quo assente grande parte da sua decisão em regras da experiência e depois vá dar relevância a um documento e a uma decisão de “recusa” que está manuscrita, sem qualquer referência a quem apôs tal expressão, onde e quando e, principalmente, se a mesma foi informada à Recorrente!
XXXIX. As regras da experiência impunham ao tribunal uma análise crítica do documento junto a fls 200 no sentido de que, tal documento não pode configurar um pedido de alteração e muito menos um ato de “recusa” formal de qualquer tipo de condição ou alteração!
XL. Sempre se diga, que ainda que a Recorrente tivesse concreta e conscientemente solicitado a alteração ao contrato de seguro no sentido da inclusão da referida cobertura de “Actos de vandalismo” – o que não sucedeu – de tal facto não dimana o efeito referido pelo tribunal a quo no sentido de que, ao fazê-lo, a Recorrente estaria inteiramente ciente de que o contrato de seguro apenas garantia eventos súbitos, imprevistos e acidentais, porquanto nunca nada lhe foi explicado a esse conspecto.
XLI. Porquanto, exigindo a seguradora um determinado formalismo para solicitar uma alteração contratual, naturalmente que a sua resposta terá que cumprir o mesmo formalismo contratual, aliás, é a própria seguradora que impõe o formalismo das alterações contratuais, nomeadamente na Cláusula 32ª das condições gerais juntas pela Recorrente aos autos no requerimento de 24/10/2016.
XLII. O próprio colaborador da seguradora, o Sr. EE, referiu expressamente no seu depoimento que o documento de fls 200 é “interno” e que a recusa é comunicada através de carta endereçada ao cliente, como de resto aconteceu aquando a recusa de cobertura de danos a título de perda de rendas que foi comunicada à Recorrente através de carta registada datada de 02/08/2010 e junta aos autos pela Recorrente no dia 22.01.2021 (requerimento com a referência nº 37803990).
XLIII. O documento a fls 200 referido na sentença recorrida não merece qualquer credibilidade nem faz qualquer prova de que a Recorrente tenha solicitado a alteração ali referida e que tenha vindo a ser recusada e comunicada à Recorrente.
XLIV. Assim, contrariamente ao entendimento do tribunal, a prova carreada para os autos, nomeadamente, o depoimento de BB, administrador da Recorrente, e até da própria testemunha EE, e bem assim, das regras da experiência comum, jamais a aposição da expressão manuscrita num documento denominado “pedido de alteração” poderá considerar-se como tomada de declaração negocial por parte da seguradora!
XLV. O Tribunal a quo não valorou devidamente o depoimento de parte BB, na gravação de 19/02/2020, a rotações 30:48 a 32:05, 49:13 a 50:49, e 51:49 a 52:05, o qual foi corroborado pelas testemunhas AA e CC nos termos supra referidos, confirmando que foi solicitado à mediadora que ajustasse o seguro vigente às condições que estavam a ser exigidas pela D... Leasing, onde se incluiu o risco “atos de vandalismo”.
XLVI. A junção da carta de recusa de 02.08.2010 é prova bastante para colocar em causa o documento de fls 200, no sentido de que o escrito ali referido “recusa” seja ato válido e eficaz perante a Recorrente, porquanto, não é e jamais poderia ser por estar inclusive em confronto com os próprios formalismos definidos pela seguradora!
XLVII. O documento a fls 200 não foi redigido pelo representante do Autor, que jamais viu o documento preenchido e jamais foi notificado de qualquer recusa de inclusão de cobertura de atos de vandalismo até porque a sua convicção era de que apólice tinha todas as coberturas exigidas pela D..., conforme era sabido pela seguradora que teve acesso e conhecimento dos documentos da locação financeira, onde se incluiu as exigências quanto às coberturas do seguro (onde se inclui o vandalismo).
XLVIII. O documento a fls 200 não resulta que: 1) a caligrafia do texto ali contudo resulte do punho do representante do Autor BB; 2) que a expressão “recusa” inserida sem mais naquele formulário, sem qualquer data nem identificação do seu signatário, constitua um ato válido e eficaz de recusa perante a segurada.
XLIX. A expressão “recusa” constante a documento a fls 200 não é mais do que uma inserção propositada, efetuada especificamente para ser junta aos autos pela seguradora e levar a crer o tribunal que é fidedigna.
L. Aliás, o tribunal a quo mal andou na sua fundamentação ao considerar como provados os factos 12 e 13 e tão pouco referir em lado algum da sua decisão a referida carta de 02/08/2010 junta aos autos no dia 22.01.2021 a pedido do tribunal, pelo que, o tribunal a quo podia e deveria ter valorada a referida carta para efeitos de qualificar o referido documento de fls 200.
LI. O tribunal não elaborou este exercício de análise crítica - que se lhe impunha -, preconizando uma omissão de pronúncia sobre questão que o tribunal podia e deveria apreciar, o que conduz à nulidade da sentença nos termos do artigo 615º, nº1, al. d) do CPC - que se invoca para todos os efeitos legais.
LII. A sentença omite completamente os documentos juntos pela Recorrente no seu requerimento de dia 22.01.2021, nomeadamente, a carta da seguradora datada de 02.08.2010, dado que não se descortina se a MMª Juiz a quo este levou ou não em consideração tais elementos de prova, a que não é feita referência na motivação da convicção, sendo absolutamente relevante na análise das condições contratuais associadas à apólice contratada, e quando foi a própria MMª Juiz a quo solicitou a junção dos documentos juntos pela Recorrente a 22.01.2021, logo, o tribunal devia e podia analisar criticamente a carta de 02/08/2010 e deveria ter concluído que o documento a fls 200 não merece qualquer credibilidade, por configurar um documento feito à revelia da Recorrente e relativamente à qual a Recorrente jamais foi notificada sobre qualquer recusa - Invoca-se assim a nulidade da sentença por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615º, al. d) do CPC.
LIII. As circunstâncias que levaram à emissão do documento de fls 200 jamais correspondem às circunstâncias retratadas nos autos, pelo que, da fundamentação da sentença e do que resulta do depoimento dos depoimentos da parte, das testemunhas EE, CC e AA, o Tribunal a quo mal andou a decidir como decidiu na sentença recorrida ao julgar provados os factos 12 e 13 da sentença recorrida, porquanto, da prova carreada para os autos (a carta de 02.08.2010 junta aos autos no requerimento de 22.01.2023, depoimentos supra referidos), e bem assim das regras da experiência quanto aos formalismos existentes na generalidade das seguradoras relativamente a qualquer pedido de alteração de condições contratuais e das respetivas comunicações, as quais ocorrem sempre por escrito.
LIV. Ao considerar-se como não provados os factos nº12 e 13 e provados os factos não provados das alíneas l), m), n), o), p, q) referenciados na sentença ora recorrida, a par da falta do cumprimento dos deveres de informação e esclarecimento previstos nos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, a sentença recorrida deveria ter considerado que a cobertura de atos de vandalismo como fazendo parte integrante da apólice do seguro contratada junto da Recorrente, pelo que, o incêndio reportado nos autos seria sempre considerado sinistro coberto pela apólice contratada.
LV. O facto nº41 da matéria de facto da sentença encontra-se erroneamente julgado, porquanto, os autos elucidavam em sentido contrário.
LVI. Na verdade, encontra-se junto como doc. n.º 3 da petição inicial e para prova do alegado em 19º da petição inicial, a fatura nº...76..., de fls 15, no valor de 15.145,94€, emitida pela sociedade E... S.A., datada de 31.12.2010, com o seguinte descritivo “Demolição e remoção de escombro do edifício situado na Rua ... resultantes de um incêndio”, reportando-se, nomeadamente, ao incêndio reportado nos autos.
LVII. A fatura da Se mural corresponde a uma fatura fiscal emitida ao abrigo do artigo 36º, Nº5 do CIVA, na qual se encontra liquidado IVA à taxa legal de 6%, ou seja, não é qualquer orçamento ou proforma, como erroneamente entendeu o tribunal a quo, a fatura emitida pela E... contém os requisitos previsto no artigo 36º, nº5 do CIVA, encontrando-se devidamente liquidado o IVA, sendo ainda de sublinhar que a referência a menção constante da mesma “serviços colocados à disposição durante o corrente mês”, por si só não retiram a validade da fatura e mais, de que efetivamente o serviço tenha sido prestado e pago!
LVIII. Ora, é facto comprovado, nomeadamente no ponto 30 dos factos provados da sentença recorrida, que a realização dos trabalhos de demolição e remoção dos escombros foi absolutamente necessária para garantir a segurança do local e do edificado vizinho, com a coordenação da polícia judiciária, os quais decorreram entre 27 de julho e 16 de agosto de 2010.
LIX. Além da prova testemunhal produzida em sede julgamento e da fatura já junta à petição inicial, em virtude das diligências que haviam sido encetadas pela Recorrente em momento anterior ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, foi possível obter junto da E... as 2ª vias dos recibos de quitação emitido por esta sociedade por referência à nº...76..., de fls 15, no valor de 15.145,94€, e cuja junção desde já se requer como doc.1 a 5 e se são integralmente por reproduzidos e cuja junção só foi agora possível, porquanto, só agora a E... envio os recibos de quitação que haviam sido solicitados pela Recorrente.
LX. Da ampliação da matéria de facto dada como provada: Pelo que deveria a MMª Juiz a quo considerar provado que:“A Autora despendeu a quantia de €15.145,94 c/ IVA à taxa legal nos trabalhos referidos em 40) [artigo 19º da petição inicial).”
LXI. A MMª Juiz a quo deveria ainda ter considerados como provados os factos não provados das alíneas b) e c) e, em virtude, ser ampliada a matéria de facto dada como provada, nestes termos: “Os trabalhos referidos em 40) foram executados por “E..., Ld.ª, pagando-lhe a quantia de €15.145,94 pela demolição e remoção dos escombros.”
LXII. Consequentemente, e em virtude de tal alteração à matéria de facto dada como provada, deverá ser fixado no montante dos prejuízos indemnizatórios que a Recorrida tem a pagar à Recorrente a quantia de € 15.145,94 despendida com os trabalhos de demolição e remoção dos escombros, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a data da constituição em mora (13/02/2011), até efetivo e integral pagamento.
LXIII. Os factos provados nº 54, 55 e 57 da sentença recorrida estão erroneamente julgados, porquanto, a avaliação dos trabalhos de engenharia civil, demolições e remoção de escombros e dos custos da sua realização está erroneamente fixada e a fundamentação da sentença recorrida subverte e contraria as conclusões idóneas da perícia realizada, do parecer da maioria dos peritos, além de desvalorizar por completo o fator de atualização de preço dos materiais e custos de mão de obra que foram referenciados por todos os peritos em sede de esclarecimento na audiência de discussão e julgamento e que mereciam a valorização do tribunal a quo.
LXIV. Do relatório pericial junto aos autos 2 de novembro de 2018 e complemento de 5 de fevereiro de 2019, relativo à parte da construção civil, resulta que no local onde se verificou o incêndio, não existe qualquer edifício uma vez que o mesmo foi na sua totalidade demolido (resposta ao quesito 1 do relatório de 2.11.2018).
LXV. Em resposta ao quesito relativo aos custos para repor o imóvel na situação antes do incêndio, respondeu o perito do Réu que conheceu o imóvel depois do incêndio (foi o autor do orçamento da F... solicitado pela Recorrida) que o custo seria de 211.821€; já os peritos do Tribunal e da Recorrente informaram que os custos com a reposição do imóvel impunham a sua reconstrução total, pelo que, o custo com a reconstrução e reposição seria de 447.745€ - cf. Depoimentos dos peritos constantes da gravação áudio 07.02.2020, a rotações 15:03:16 – 16:25:22.
LXVI. Conforme se verifica nos registos fotográficos constantes do relatório da Polícia Cientifica de fls. 53 vº a 66 dos autos, constata-se que praticamente a nave poente foi destruída e a cobertura sobrevivente de 100 m2 não apresentava quaisquer condições de segurança para ser aproveitada.
LXVII. Resulta da perícia realizada que os peritos da Recorrida e do Tribunal entendem, é necessário efetuar-se a total reconstrução do imóvel, calculado os valores tendo em conta os materiais correntes e de acordo com os preços de mercado que sofreram uma atualização de 7% (mão de obra) em relação aos orçamentos apresentados em 2011.
LXVIII. Atendendo a esta realizada que foi referenciada pelos peritos, a par do facto por si relatado quanto à impossibilidade de reconstrução do armazém devido ao estado de deterioração e derrocada da cobertura pela ação do fogo, fumo, água e da atividade de combate a incêndio, o tribunal deveria ter valorado este facto e ter concluído que para reposição do edifício na situação ante incêndio era necessária a construção de um edifício novo, com o valor fixado em 447.745€, ao qual deveria ser deduzida a quantia de 37.500€ relativo à área de 100,00m2 de cobertura que não colapsou.
LXIX. Ora, por um lado o tribunal a quo refere que o relatório pericial não pode ser valorado porque não corresponde ao objeto da perícia mas depois considera os valores apresentados pelo perito da Recorrida, que elaborou o orçamento da F... junto pela Recorrida aos autos, quando os valores apresentados por este perito de 211,821€ nem sequer correspondem aos valores do orçamento da F... da sua própria autoria, sendo inferiores aos que foram por si apresentados logo aquando o incêndio!
LXX. O tribunal desconsidera por completo o teor do relatório pericial e da posição da maioria dos peritos relativamente aos trabalhos necessários para a reconstrução do imóvel e da sua reposição antes do incêndio, já que resulta da perícia que o imóvel foi completamente demolido e que não se verificariam condições de segurança para aproveitar qualquer cobertura que não tivesse colapsado.
LXXI. Por conseguinte, o facto 54 encontra-se erroneamente julgado, devendo ser substituído por outro que considere provado que os trabalhos de construção civil necessários à reposição do imóvel na situação anterior à do sinistro implicam a reconstrução total do imóvel, no valor total de 447.745€, conforme referenciado na resposta ao quesito 7 do relatório pericial da engenharia civil.
LXXII. Subsidiariamente, caso assim não se entende, sempre terá que se considerar o facto 54 como erroneamente julgado, devendo ser substituído por outro que considere provado que os trabalhos de construção civil necessários à reposição do imóvel na situação anterior à do sinistro implicam serviços de mão de obra e fornecimento de materiais com o custo total de €253.351,96, valor atualizado de acordo com a valorização de 7% de mão de obra que corresponde a 70% do valor, que consistiam no seguinte:
- Fornecimento e aplicação de chapa de fibronatura na cobertura, incluindo acessórios de fixação – Euro 36.260,00
- Fornecimento e aplicação de caleiros em chapa galvanizada de 1,5 mm de espessura, incluindo acessórios de fixação – Euro 4.500,00
- Fornecimento e aplicação da platibanda interior em chapa perfilada, incluindo acessórios de fixada – Euro 5.850,00
- Fornecimento e aplicação de cumeeira em chapa de fibronatura incluindo acessórios de fixação – Euro 1.304,10
Fornecimento e aplicação de duas portas de correr, estruturas em perfis tubulares revestidos em chapa em ambas as faces nas seguintes dimensões 4,00 x 3,70 – Euro 2.000,00
- Fornecimento e aplicação de duas portas de correr, estruturas em perfis tubulares revestidos em chapa em ambas as faces nas seguintes dimensões 2,00 x 1,00 – Euro 740,00- Fornecimento e aplicação de uma porta de correr, estruturas em perfis tubulares revestidos em chapa em ambas as faces nas seguintes dimensões 3,00 x 3,00 – Euro 800,00
- Fornecimento e aplicação de duas portas de correr, estruturas em perfis tubulares revestidos em chapa em ambas as faces nas seguintes dimensões 1,50 x 2,00 – Euro 400,00 - Fornecimento e aplicação de uma porta de alumínio 3,00 x 2,40 – Euro 1.080,00
- Fornecimento e aplicação de 81 vidros 0,50 x 0,50 – Euro 1012,50 - Fornecimento e aplicação de 18 vidros de várias medidas (alçado sul) – Euro 460,00
- Reposição das ombreiras do portão – Euro 370,00 - Execução de parede em tijolo de 15 c/ acabamento areado fino nas duas faces (250m2) – Euro 10.000,00
- Execução de parede em tijolo de 15 c/ acabamento em uma só face (832 m2 ) – Euro 27.456,00
- Execução de parede em tijolo de 11 c/ acabamento nas duas faces (80m2) – Euro 2.960,00
- Execução de chumbadouros para os pilares – Euro 5.300,00
- Reparação de paredes cuja reparação é menos onerosa que a reconstrução
- Euro 2.600,00
- Recuperação do pavimento (1500m2) – Euro 33.000,00
- Pintura em tinta plástica (3280 m2 ) – Euro 16.400,00
- Reparação e recuperação de tectos (103 m2) – Euro 2.575,00
- Trabalhos de reconstrução de toda a estrutura metálica de suporte à cobertura bem como todo o trabalho de serralharia necessário – Euro 86.450,00.
LXXIII. Devendo para o efeito serem considerados os meios de prova já constantes dos autos, como sejam o relatório pericial da engenharia civil junto aos autos a fls 440 a 443 e 497 a 498, o documento nº4 relativo ao orçamento da G... junto à petição inicial da Recorrente, e bem assim, os depoimentos dos peritos HH e GG, cfr. gravação realizada no sistema habilus, supra transcrita, meios de prova estes cuja análise crítica e conjugada impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
LXXIV. O facto provado nº55 encontra-se erroneamente julgado porquanto, a MMª Juiz do Tribunal a quo não considerou o aumento do valor dos escombros de 10-15% devido à necessidade de uso de depósitos diferenciados (previsto na legislação), mais o aumento de custos (como por exemplo os combustíveis), conforme foi referenciado pelos peritos em sede de esclarecimentos na audiência de julgamento, conforme se comprova através dos depoimentos dos peritos na gravação de 07.02.2010 a rotações 11:08 a 12:06.
LXXV. Não pode colher a posição da MMª Juiz ao referir “que não foi apresentado articulado superveniente onde fossem alegados factos associados ao encarecimento da mão de obra, com impacto nos valores finais” para justificar o facto de não contabilizar o aumento de 10%-15% dos custos de remoção dos escombros, porquanto, tal posição colide manifestamente com o princípio da verdade material já que era impossível contabilizar a atual taxa de inflação e aumento de custos com a atividade de remoção de escombros aquando a apresentação da petição inicial e durante o desenrolar do processo, atendendo a que, a Recorrente não poderia saber quando iria ser proferida a sentença, nem tinha como controlar os preços.
LXXVI. A MMª Juiz do Tribunal a quo deveria ter determinado, ao abrigo do principio da descoberta da verdade material e da boa decisão da causa, que os custos com os trabalhos de construção civil e remoção de escombros deveriam ser relegados para liquidação em execução de sentenças nos termos do artigo 565º do Código Civil e 609º, nº2 do Código do Processo Civil, a fim de serem apurados os respetivos acréscimos decorrentes do aumento do custo da mão de obra, materiais e das atividades de remoção de escombros.
LXXVII. O facto 55 encontra-se erroneamente julgado, devendo ser substituído por outro que considere provado que os trabalhos de demolição e remoção de escombros correspondem ao valor de 25.000€, conforme referenciado na resposta ao quesito 11 do relatório pericial da engenharia civil, devendo ainda ser aplicada o acréscimo de 10% ao referido valor, relativo à atualização do valor de mercado, o que totaliza a quantia de 27.500€.
LXXVIII. Devendo para o efeito serem considerados os meios de prova já constantes dos autos, como sejam o relatório pericial da engenharia civil junto aos autos a fls. 440 a 443 e 497 a 498, o documento nº4 relativo ao orçamento da G... junto à petição inicial da Recorrente, e bem assim, os depoimentos dos peritos HH e GG, cfr. gravação realizada no sistema habilus, supra transcrita, meios de prova estes cuja análise crítica e conjugada impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
LXXIX. O facto provado nº56 está erroneamente julgado, porquanto, não ficou demonstrado nos autos tal significa que o projecto da instalação elétrica para a potencia não existisse e que o mesmo se encontrasse na posse da EDP, porquanto, para esta entidade aumentar a potência 4 vezes superior à licenciada (que era de 315 kVA) teria quer ter o projeto retificativo.
LXXX. Esclareceram ainda os senhores peritos em resposta ao quesito 4º do relatório pericial de fls 461 a 488, que os cabos atinentes à força motriz que existia no imóvel em apreço nos autos estavam ligados materialmente ao imóvel, de forma fixa e permanente.
LXXXI. Ora, daqui decorre que os factos provados 52 e 57 estão incorretamente julgados, porquanto, contrariamente ao que ali vem referido, não foi feita qualquer prova no sentido de se concluir que a força motriz das máquinas era parte amovível e, como tal, não fazia parte integrante do edifício.
LXXXII. Da prova pericial produzida resultou precisamente o contrário, na verdade, a resposta ao quesito 4º do relatório pericial esclarece precisamente que os cabos da força matriz estavam estabelecidos de forma fixa, logo, permanente, fazendo parte do edifício.
LXXXIII. Devem assim os pontos 52 e 57 da matéria de facto serem alterados no sentido de se fazer constar que a força matriz era parte do edifício e, como tal, parte dos trabalhos de reposição da instalação elétrica a realizar, devendo considerar-se provado que os danos da instalação elétrica incluem os trabalhos de reposição da forma motriz das máquinas.
LXXXIV. Ademais, os senhores peritos esclareceram no relatório pericial que, toda a instalação elétrica existente foi destruída, sendo necessária a sua integral reconstrução, foi por isso que a Recorrente apresentou o projeto de instalação elétrica da autoria da H... (documento nº13 e 14 da contestação), que orçamentou os trabalhos de execução no valor de €112.149,80.
LXXXV. Ora, com o devido respeito, tendo resultado provado que toda a instalação elétrica foi destruída e que o local dispunha de potência contratada de 1260 kVA, conforme resulta da fundamentação da sentença, o tribunal a quo deveria ter valorado o valor orçamentado pela G..., junto à petição inicial, que incluiu uma rubrica destinada aos trabalhos de execução da instalação elétrica, no valor total de € 112.149,80, repondo de acordo com as novas técnicas em vigor.
LXXXVI. Devia assim o Tribunal a quo ter aceitado o valor dos orçamentos apresentados pela Recorrente na sua petição inicial (autoria da G...) e pela Recorrida na contestação (autoria da H... e que corresponde ao projeto remetido pela Recorrente), e considerado como provado que os trabalhos para a instalação elétrica ascendiam ao montante de €112.149,80, valor que deverá ser devidamente atualizado à taxa de inflação e vigor – cf. Depoimento dos peritos a 02.03.2020 a rotações 39:17 a 41:31.
LXXXVII. Assim o valor total dos trabalhos necessários para repor a instalação elétrica no imóvel é aquele que resulta dos orçamentos da G... e da H..., referenciados pela Recorrente e Recorrida respetivamente, no valor de €112.149,80, atualizado à taxa de inflação em vigor, razão pela qual se impõe alterar o ponto 56 da matéria de facto provada, considerando-se provado que os custos de reposição da instalação elétrica ascendem ao valor dos orçamentos apresentados.
LXXXVIII. Os factos provados 30, 31, 32, 33 compulsados os autos, depoimentos das testemunhas referenciadas na fundamentação da sentença recorrida e demais relatórios da ocorrência e da investigação, não resulta, contrariamente ao que vem veiculado pela MMª Juiz do tribunal a quo, que a causa do incêndio provenha de ato humano!
LXXXIX. A exclusão de origem do incêndio em causa elétrica, assenta em pressupostos com falta de rigor científico e em factos que não correspondem à verdade, constituindo ao invés suposições e teorias de “muita probabilidade” que não estão corroboradas em qualquer prova que foi recolhida pela Polícia Judiciária e pela Polícia Científica.
XC. Não pode a Recorrente conformar-se com a decisão proferida pelo tribunal a quo, porquanto, além de se encontrar assente em pressupostos errados, incorreu em erro de julgamento ao desvalorizar por completo os pareceres técnicos juntos pela Recorrente e esclarecimentos prestados pelo Engº II, para elucidar o tribunal quanto às causas do incêndio, bem como, trazer rigor científico que falta à Polícia Científica para analisar este caso!
XCI. Da análise da motivação e fundamentação da sentença recorrida, constata-se que se encontram em oposição, atendendo a que a motivação utilizada pelo tribunal a quo impunha necessariamente um fundamentação e decisão diferentes relativamente às causas do incêndio.
XCII. Pelo que, a sentença recorrida enferma de nulidade nos termos do artigo 615º, nº1, al. c) do CPC, porquanto, existe ambiguidade e oposição entre a motivação do tribunal a quo e a fundamentação colhida para a decisão.
XCIII. Resulta das conclusões do relatório elaborado pelo Laboratório da Polícia Científica (“LPC”) de fls 344 a 375 dos autos (juntos pela LPC em 10 de abril de 2018), “que o incêndio em apreço teve a sua origem em múltiplos focos localizados em zonas distintas do pavilhão admitindo-se como muito provável o recurso a substâncias acelerantes de combustão”.
XCIV. Acresce que, conforme consta da motivação da sentença recorrida, os vestígios a que se reporta o facto provado 16 foram recolhidos cinco dias depois da deflagração do incêndio, ou seja, já depois de terminadas as atividades dos bombeiros de combate ao incêndio, com recurso a água, carros de bombeiros, máquinas de remoção de escombros, de corte, que estavam abastecidos e com combustível e outras substâncias petrolíferas, ou seja, já o local do incêndio havia sido contaminado com outras substâncias alheias ao próprio incêndio mas que influem na determinação das suas causas.
XCV. Os vestígios recolhidos pela Polícia Cientifica foram analisados em sede laboratorial e dos ensaios e exames realizados, junto aos autos a fls. 340 a 342 e com melhor resolução a fls. 359 a 375, elaborado no âmbito do processo crime 1086/10.5JAPRT que terminou com despacho de arquivamento por não terem sido recolhidos indícios que sustentassem a acusação e subsequente julgamento dos arguidos identificados em 21) dos factos provados, a saber o Sr. BB e o Sr. JJ.
XCVI. Aliás, escalpelizando os vestígios recolhidos pela LPC, constata-se que o produto petrolífero a que corresponde o vestígio 4, não está identificado, não pode resultar do incêndio, porquanto, conforme resulta da ciência e dos pareceres técnicos juntos aos autos, a gasolina desparece se for exposta a temperaturas 300 graus / 400 graus, ora, no caso dos autos, as temperaturas do incêndio chegaram a 1000 graus logo, todo o combustível desapareceu.
XCVII. A referida amostra correspondente ao vestígio 4 é proveniente das atividades de combate ao incêndio, conforme de resto referido na motivação da sentença.
XCVIII. De igual modo, dos vestígios 1, 3ª, 3B e 3C, que revelaram a presença de gasóleo, não se pode retirar qualquer conclusão sobre as causas do incêndio, atendendo a que este combustível para entrar em combustão tem que ser atomizado, logo não poderia constituir o tal “acelerante” de combustão, ficando aqui manifestada uma vez mais a falta de rigor do relatório da LPC.
XCIX. Ou seja, na verdade, os vestígios recolhidos e analisados pela Polícia Cientifica NÃO CONSTITUEM PROVAS CONCRETAS de que o incêndio foi doloso e não acidental, motivo pelo qual, o facto provado 31º foi incorretamente julgado.
C. Ora não se pode determinar com rigor qual foi a causa do incêndio, muito menos, uma causa com origem dolosa, sem que haja qualquer vestígio ou prova evidente para o efeito, que não resulte de palpites ou juízos de valor.
CI. Com efeito, esclarece o parecer técnico da autoria do Engº II, junto pela Recorrente a fls 570 a 578 (junto pela Autora em 14 de Outubro de 2019), o qual não foi valorado pelo tribunal a quo, que “Só se pode falar em “FOCOS DE INCÊNDIO” como prova de incêndio intencional se a composição dos detritos for homogénea. Além de não ser homogénea (rolos de malha ardem muito mais devagar do que bobines de poliéster) foi remexida durante o combate ao incêndio bem como nas operações de rescaldo e nas subsequentes operações que os próprios examinadores pediram.” – cf. Depoimento de 08.07.2020, rotações 15:42:09 – 17:08:28.
CII. Da análise técnica realizada, concluiu o Engº II que não é possível excluir a causa elétrica proveniente de um curto circuito como a responsável pelo incêndio dos autos, atendendo a que, conforme referido em depoimento de parte pelo Sr. BB e pela testemunha KK, o quadro elétrico estava sempre ligado, ou seja, estava sempre com energia e carga elétrica a circular, o que significa que independentemente da iluminação estar fundida ou não, o risco de curto circuito existe sempre, vejamos o seu depoimento a rotações 36:31 a 39:47 da gravação de 8.7.2020.
CIII. Para auxiliar o tribunal na boa decisão da causa e descoberta da verdade, principalmente para elucidar o tribunal sobre as verdadeiras causas do incêndio, a Recorrente juntou a fls 667 a 696 (junto pela Autora em 28 de Abril de 2020), ainda o parecer técnico do Professor Engº LL, Mestre em Segurança Contra Incêndio pela Universidade de Coimbra, acostumado a analisar as causas de incêndio, dando inclusive formações a Bombeiros no combate ao fogo.
CIV. Contudo o tribunal a quo uma vez mais não considerou o parecer técnico apresentado pela Recorrente pela data da sua elaboração (abril de 2020) e alegada ausência de contacto do seu autor com o imóvel onde ocorreu o sinistro (que não responde à verdade, pois o autor foi ao local para elaborar o parecer), bem assim, no seu entendimento não se foca no evento em análise nos autos e nas concretas circunstâncias em que ocorreu.
CV. Ao não considerar os pareceres técnicos juntos pela Recorrente o tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento na determinação das causas do incêndio.
CVI. Dos pareceres técnicos juntos pela Recorrente aos autos acompanhados pelo depoimento do Engº II que teve efetivamente no local do incêndio aquando a sua deflagração em julho de 2010, resulta com rigor cientifico que não existiu qualquer acelerante com capacidade de potenciar combustão em três locais distintos, até porque a absoluta remoção e alteração do local do incêndio por força da intervenção dos bombeiros e da necessidade de remover os escombros de forma sucessiva e contínua para combater os reacendimentos, não o permitia determinar.
CVII. A fundamentação do tribunal assenta na tese na Polícia Científica de que existem três zonas distintas de maior destruição que manifestam um padrão que parece não ser compatível com incêndio de origem elétrica, concluindo que a violência do incêndio (que chegou a temperaturas superiores a 600 graus) em três locais distintos aponta para ato humano, chegando a esta conclusão sem calcular a carga térmica do incêndio, que no fundo é o que determina a amplitude do incêndio e as altas temperaturas, conforme é referido pela testemunha Engº II, no seu depoimento de 8.7.2020, a rotações 41:26 a 43:41.
CVIII. A tese da causa elétrica do incêndio foi defendida pelos Engº II e LL nos pareceres técnicos juntos pela Recorrente e que o tribunal a quo erroneamente não considerou, quando resulta do estudo apresentados por estes especialistas que, ao contrário do que vem referido pelos especialistas da LPC, um incêndio com origem elétrica tem uma propagação igual ou maior do que um incêndio com acelerantes de combustão, dependendo sobretudo da carga térmica em causa.
CIX. Atente-se ainda que logo no dia do incêndio, foi referido pelo Sr. BB à Polícia Judiciária no local o motivo da sua deslocação e do motorista ao local para descarregar paletes de malha felpina e tentar levar um cofre, a comprovar, veja-se o depoimento de parte de BB, na gravação de 19.02.2020, a rotações 01:20:01 a 01:21:54 e a 01:26:20 a 01:26:54, onde explica ao tribunal de forma espontânea que logo quando chegou ao armazém no dia do incêndio referiu à Polícia Judiciária que tinha saído entre as 19h-19h15 e que não tinha notado nada de estranho na nave, referindo esta circunstância sem que fosse solicitado ou perguntado pela Polícia Judiciária.
CX. Ora se o incêndio tivesse causa em “acelerantes de combustão” que nem sequer estão identificados, certamente se teriam apercebido de quaisquer cheiros, fumos ou barulhos, o que não sucedeu nem está demonstrado nos autos!
CXI. Neste segmento, pronunciaram-se os técnicos Engº II e Engº LL, sendo que este último, reportando-se aos registos fotográficos constantes do relatório da LPC de fls 344 a 375, EXPLICA QUE O INCÊNDIO PODERÁ TER TIDO INÍCIO NO QUADRO ELÉTRICO, NÃO SENDO POSSIVEL EXCLUIR ESTA HIPÓTESE EM FACE DO QUE FOI APURADO NOS AUTOS.
CXII. A possibilidade do incêndio ter tido o seu ponto de ignição num balastro foi extensivamente esclarecida e referida pelo Engº II no seu depoimento no dia 08.07.2020, a rotações 15:12, 16:05 a 17:49, 22:09 a 23:27 da gravação, a 39:13 a 39:47, a 1:22:15 a 1:22:39, e ainda no depoimento de dia 14.07.2020 a rotações 34:24 a 48:17, onde explica ao Tribunal que o incêndio com causa elétrica assim que se inicia tem progressão rápida e proporções gigantescas, dependendo do ar (oxigénio) e combustível existente, que no caso concreto era poliéster, altamente inflamável, esclarecendo ainda que a propagação do incêndio ao restante pavilhão é feita através do calor que a chama liberta, pela radiação e convecção, que aquece o material existente rapidamente.
CXIII. Ora, a conclusão da MMª Juiz está cientificamente errada e não pode excluir a causa elétrica apenas porque as duas luminárias estavam fundidas há mais de um mês, porquanto, O FACTO DAS LUMINIÁRIAS ESTAREM FUNDIDAS NÃO SIGNIFICA QUE O RISCO ELÉTRICO ESTEJA EXCLUÍDO, POIS CONFORME FOI REFERIDO PELA TESTEMUNHA JJ E BB, O QUADRO ELÉTRICO ESTAVA SEMPRE LIGADO, OU SEJA, ESTAVA SEMPRE COM CORRENTE ELÉTRICA, INDEPENDEMENTE DAS LUZES ESTAREM OU NÃO FUNDIDOS.
CXIV. O curto circuito ocorre independentemente de as luzes estarem ou não fundidas ou ligadas! O curto circuito ocorre no quadro elétrico e o quadro elétrico estava sempre ligado, pelo que, é altamente possível e provável que ocorresse curto circuito nestas circunstâncias, afetando os balastros que constituíram ponto de ignição alastrando depois para o tecto falso em lã de rocha altamente inflamável e propagasse através das paletes repletas de bobines de fio até ao tecto, conforme vem reportado nos autos!
CXV. Por conseguinte, os três pontos de maior destruição na nave se reportam aos local onde se verifica mais carga térmica com bobines de poliéster acumulado até ao tecto e onde se verifica mais arejamento, logo, maior circulação de oxigénio, o referido efeito “chaminé” que permite a propagação do fogo e causa mais danos nas zonas ardidas.
CXVI. Na verdade, compulsado o relatório da LPC, verifica-se que os peritos limitaram-se a observar os padrões de incêndio existentes no local para entenderem erroneamente, por exclusão de partes, que se tratou com probabilidade de incêndio iniciado com uso de acelerantes de combustão, não identificados nos resultados do laboratório.
CXVII. Contudo, elucida-nos o Engº LL no parecer técnico junto pela Recorrente no requerimento de 28/04/2020, nomeadamente a folhas 34 a 43, que a investigação de qualquer incêndio através de padrões de destruição e incêndio é altamente subjetiva e errada.
CXVIII. Explicou ainda o Engº II em sede de depoimento em audiência a rotações 15:12, 16:05 a 17:49, 22:09 a 23:27, 38:14 a 42:44 e 1:22:15 a 1:22:39 da gravação de 08.07.2020, e ainda no depoimento de dia 14.07.2020 a rotações 34:24 a 48:17, toda a dinâmica do incêndio com causa elétrica, com proveniência no quadro elétrico ou balastros, e como esta causa é aplicável ao caso concreto, corroborado pelo parecer técnico do Engº LL, não valorados pelo tribunal a quo.
CXIX. ACRESCE QUE O QUADRO ELÉTRICO ESTAVA SEMPRE LIGADO, O QUE SIGNIFICAVA QUE A ENERGIA ESTAVA SEMPRE EM CARGA, PELO QUE O FACTO DE ESTAREM OU NÃO AS LAMPADAS LIGADAS OU FUNDIDAS É IRRELEVANTE PARA O CURTO CIRCUITO QUE TEVE NA ORIGEM DO INCENDIO NESTE AUTOS.
CXX. NÃO HÁ PROVAS DE ACELERANTE NO PISO DE ACORDO COM AS AMOSTRAS RECOLHIDAS PELA LPC, NÃO HÁ PROVAS DE UTILIZAÇÃO DE GASÓLEO, NÃO HÁ PROVAS DE VASILHAMES COM VESTÍGIOS DE GASOLINA!
CXXI. POR CONSEGUINTE, NÃO HÁ QUALQUER PROVA CIENTÍFICA QUE SUSTENTE A CONCLUSÃO VERTIDAS PELOS PERITOS DA LPC E PELO TRIBUNAL A QUO.
CXXII. O RELATÓRIO DA LPC NÃO TRAZ QUAISQUER CERTEZA, referido apenas “MUITA PROBABILIDADE”, já que não há certezas absolutas que tenha origem em mão humana E POR NÃO SE CONSIDERAR SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO DETERMINOU O ARQUIVAMENTO DO PROCESSO CRIME Nº1088/10.5JAPRT.
CXXIII. Na verdade, os peritos da Polícia Cientifica concluem como “MUITO PROVÁVEL o recurso a substâncias acelerantes de combustão” por exclusão de partes e não com base em factos e explicações científicas relativamente ao início e propagação do fogo.
CXXIV. Não existiu qualquer acelerante com capacidade de potenciar combustão em três locais distintos como vem principiado na sentença ora recorrida, até porque a absoluta remoção e alteração do local do incêndio por força da intervenção dos bombeiros e da necessidade de remover os escombros de forma sucessiva e contínua para combater os reacendimentos – sem sucesso, pois verificaram-se reacendimentos no local -, não o permitiria determinar com rigor técnico e científico que se exige.
CXXV. Não se pode excluir que o incêndio tenha sido provocado por curto circuito no quadro elétrico no local, totalmente destruído, ou nos balastros da iluminária que existia no tecto, até porque a instalação elétrica que exista não foi analisada pela LPC devido à queda do tecto, não obstante, os detritos estavam no chão (veja-se que no relatório da LPC é referido a fls 25 que “a queda do telhado impossibilitou leituras detalhadas da instalação elétrica”).
CXXVI. O Parecer do Engº LL, Engenheiro Mestre e PhD, a fls junto com o requerimento da Recorrente de 28/04/2020, defende trata-se de um incêndio acidental e que não existem provas do mesmo ter sido intencional.
CXXVII. Não está demonstrado que o incêndio tivesse início com acelerantes de combustão, até porque, os resultados laboratoriais não detetaram acelerantes nas amostras recolhidas no pavilhão que ardeu.
CXXVIII. Não está demonstrado, nem há indícios que tenham sido utilizados acelerante ou auxiliares de fogo.
CXXIX. Não está demonstrada a progressão do incêndio, pois não é possível fazê-lo depois da remoção de escombros e movimentação total dos detritos e a sua distribuição não tinha composição uniforme nem as características de comportamento ao fogo eram iguais.
CXXX. Não há qualquer prova ou indício de fogo intencional!
CXXXI. Em face do exposto, compulsada a prova carreada nos autos, deveria o tribunal a quo ter concluído que não é possível determinar com certezas e rigor técnico e científico e, bem assim, considerar como NÃO PROVADOS os factos nº30,31,32 e 33 da sentença recorrida, substituindo-os por um ponto único com a seguinte redação: “Das averiguações efetuadas concluiu-se que o incêndio terá tido causas desconhecidas e que não foi possível identificar as concretas causas do incêndio”.
CXXXII. A sentença proferida enferma de erro de julgamento, devendo considerar-se como provado o facto o ponto d) dos factos não provados, resultando assim que desde 29/12/2010 que a Recorrida está munida de todos os elementos atinentes ao sinistro e apuramento de danos.
CXXXIII. A sentença recorrida não merece qualquer reparo relativamente à nulidade da cláusula referente à combustão acidental, tal como vem redigida no contrato de seguro, por não ter sido demonstrado pela seguradora – ónus que lhe incumbe pelo artigo 342º do Código Civil -, o cumprimento dos deveres de comunicação e informação quanto à referida cláusula no sentido de estarem excluídos atos voluntários de terceiro não identificado.
CXXXIV. Contudo os pressupostos de facto que conduziram à decisão do direito estão, como vimos, feridos de erro de julgamento, e por conseguinte, o presente recurso é também relativo à matéria de direito na parte o em que tribunal o quo fez errónea subsunção dos factos ao direito.
CXXXV. Recai sobre a seguradora o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva e do cumprimento do dever de informação sobre os aspectos em que ele especialmente se verifique.
CXXXVI. Nos presentes autos, a Recorrente demonstrou que sempre pretendeu contratar uma apólice que estivesse com consonância com as exigências da locação financeira, onde se inclui a cobertura de atos de vandalismo.
CXXXVII. Nas condições gerais, artigo 2º, al. d), apenas se encontram excluídos da apólice os atos ou omissões dolosas do tomador de seguro, segurador ou de pessoas por quem estes sejam civilmente responsáveis, não referindo qualquer ato de vandalismo como sendo uma “exclusão geral”, pelo que, a Recorrente não sabia nem tinha que saber porque não lhe explicaram que os atos de vandalismo não estavam inseridos no contrato de seguro, porquanto, sempre teve intenção que essa cobertura estivesse contemplada.
CXXXVIII. Na senda da matéria de facto dada como provada e que aqui se impugnou, por erro de apreciação da prova e erro de julgamento, adicionalmente à posição de direito que veio a manifestar, o tribunal a quo deveria ter concluído que o incêndio retratado nos autos sempre seria coberto pela apólice de seguro atendendo a que no caso concreto não ficou demonstrado que o incêndio tivesse origem criminosa de terceiro, do próprio segurado ou de alguém a mando dele!
CXXXIX. A prova produzida em juízo bem como as regras da experiência permitem concluir, na posição de um destinatário comum, que tendo a Recorrente solicitado um contrato de seguro com vista à celebração de um contrato de locação financeira que continha condições quanto a coberturas que deveriam estar incluídas, entre as quais, se incluiu, atos de vandalismo, e tendo a Recorrida seguradora emitido declaração em 15 de Junho de 2010 a confirmar as condições do seguro referidas nas condições da locação financeira que foram remetidas pela Recorrente e a declarar a locadora financeira como credora hipotecária e beneficiária do seguro, deveria o tribunal a quo ter decido no sentido de que o incêndio nos presentes autos está coberto pelo risco de incêndio, ocorrido por combustão acidental, estranha a uma fonte normal de fogo.
CXL. Relativamente aos juros vencidos, resultam dos autos prova que determinam decisão em contrário, pelo que, a Recorrida encontra-se em mora desde 13.02.2011, por ter sido neste dia que se completaram os 45 dias previstos nas cláusulas gerais para a seguradora indemnizar os danos provocados pelo incêndio.
CXLI. Só caberia ao tribunal a quo liquidar juros vencidos desde 13.01.2011 para efeitos de condenação da Ré/Recorrida ao seu pagamento e não para decidir contra a Autora/Recorrente, parte vencedora da ação, ao determinar um decaimento e repartição de custas injusto e que não colhe com a decisão proferida na sua globalidade.
CXLII. A liquidação dos juros vencidos aquando a apresentação da petição inicial não foi determinante, pelo contrário, o Tribunal nunca suscitou essa questão no processo nem convidou a Autora, ora Recorrente, para aperfeiçoar a sua petição inicial e liquidar os respetivos juros.
CXLIII. Nesta conformidade, com o devido respeito, o tribunal a quo mal andou ao não condenar a Ré/Recorrida no pagamento dos juros vencidos liquidados na sentença no valor de 147.819,27€, e ao invés, considerá-los para efeitos de repartição de custas e decaimento da ação, sem condenação da Ré/Recorrida, quando nunca suscitou a falta de quantificação de juros no processo, constituindo assim uma decisão surpresa, proibida nos termos do artigo 3º, n.º 3 do CPC.
CXLIV. Em face do exposto, neste segmento a sentença recorrida preconizou uma violação do disposto nos artigos 3º, nº3 e 662º, nº2 do CPC, devendo ser alterada em conformidade.
CXLV. De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão proferida nos presentes autos:
i. Enferma de erro na apreciação da prova e de erro de julgamento (640º do CPC);
ii. É nula nos termos do artigo 615º, nº1, al. c) e d) do CPC, por omissão de pronúncia relativamente a questão que devesse apreciar e contradição clara e manifesta dos fundamentos e a decisão;
iii. Violou o disposto no artigo 3º, nº3 do CPC, 609º, n.º 2 do Código do Processo Civil.
iv. Preconizou uma errada interpretação e aplicação dos artigos 280º, 281º, 342º, 406º, 483º, 762º, 798º do Código Civil;
v. Preconizou uma errada interpretação e aplicação dos artigos 5º, 6º, 8º, 10º, 11º e 15º e seguintes do Decreto-Lei nº446/85, de 25.10, no sentido supra das alegações supra expostas, nomeadamente, da necessidade de vir a ser declarada como escrita e incluída no contrato de seguro a cobertura de atos de vandalismo.

Também a Ré recorreu da sentença, visando a sua revogação, com base nos argumentos que assim alinhou:
1. O presente recurso visa discutir a decisão proferida acerca da matéria de facto e de direito que recaiu sobre a questão em mérito nos autos (inclusive, com recurso à gravação dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento), visando a reapreciação de ambas, a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que julgue totalmente improcedente o pedido deduzido pela autora.
2. A recorrente não se conforma com a decisão recorrida acerca da matéria de facto alegada no ponto 6º do articulado de exercício do contraditório constante da acta da audiência prévia, cujo teor aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos;
3. A mencionada factualidade prende-se, como é bom de ver, sobretudo, com o facto de a apelada saber que o contrato de seguro em apreço nos presentes autos apenas garantia eventos imprevistos e acidentais, derivados de acção involuntária, ou seja, de natureza não dolosa.
4. Entende a apelante que a circunstância de a apelada ter conhecimento, aquando do sinistro, que o seguro dos autos só garantia eventos imprevistos e acidentais, mas não dolosos, consubstancia factualidade com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, pelo que o Tribunal recorrido incorreu em manifesto erro de julgamento quanto à sobredita factualidade, julgando-a despicienda para a decisão a proferir, o que impõe a reapreciação do conjunto da prova produzida nos autos, com vista à alteração dessa decisão.
5. Quanto a esta questão, importa analisar o teor do depoimento testemunhal prestado pela testemunha EE em 15.01.2021, entre as 16:29 e as 17:31, tal como registado na respectiva acta da audiência de julgamento.
6. A referida testemunha, funcionário da aqui contestante, esteve envolvida na averiguação do sinistro aqui em apreço, acompanhando-a técnica e administrativamente desde o início. (Cf. depoimento da testemunha EE, entre o minuto 01:00 e o minuto 02:00);
7. A testemunha EE afirmou que, no ano de 2006, a autora apresentou à ré pedido de inclusão na apólice da cobertura de actos de vandalismo, asseverando que o aludido pedido não visou acrescentar quaisquer outras coberturas adicionais, como a de fenómenos sísmicos, mas única e exclusivamente a de actos de vandalismo. (Cf. depoimento da testemunha EE, entre o minuto 20:30 e o minuto 22:40).
8. A testemunha EE foi também inquirida no sentido de esclarecer se a apólice de seguro em mérito garantia, de alguma forma, actos voluntários, de natureza dolosa, ao que esta respondeu claramente que o contrato de seguro não garantia eventos dessa natureza. (Cf. depoimento da testemunha EE, entre o minuto 28:35 e o minuto 28:50).
9. A indicada testemunha foi inquirida a respeito do facto de a apelada ter ou não conhecimento de que a apólice de seguro, tal como foi celebrado entre as partes e se manteve ao longo do tempo, não garantia actos ou eventos dolosos, por contraposição a actos de natureza acidental, e respondeu que a autora sabia que o contrato de seguro não garantia actos ou eventos dolosos, mais esclarecendo, a este propósito, que uma vez que aquela tinha manifestado interesse em subscrever a cobertura de actos de vandalismo é porque sabia que o contrato não garantia eventos dessa natureza e, por conseguinte, conhecia o seu contrato de seguro. (Cf. depoimento da testemunha EE, entre o minuto 29:20 e o minuto 30:04).
10. Decorre do depoimento da citada testemunha que em 2006 a autora tentou incluir na apólice dos autos a cobertura de actos de vandalismo, ou seja, actos voluntários de carácter doloso, a qual não foi aceite pela ré, bem sabendo aquela, até por esse motivo, que o seu contrato só garantia eventos acidentais, por contraposição a eventos dolosos.
11. O conhecimento das coberturas contratuais garantidas pela apólice dos autos, por parte da autora, nomeadamente, de que o contrato não garantia eventos dolosos, saiu reforçado pelo depoimento de parte prestado pelo Administrador da autora, de seu nome BB.
12. Veja-se o teor do depoimento de parte prestado por BB na sessão de julgamento do dia 19.02.2020, entre as 14:32 e as 16:41, tal como registado na respectiva acta da audiência de julgamento.
13. No depoimento que prestou, o Administrador da autora, quando confrontado com o pedido de inclusão da cobertura de actos de vandalismo na apólice, afirmou que nunca efectuou tal pedido à ré (Cf. depoimento de BB, entre o minuto 14:00 e o minuto 14:15).
14. Confrontado com o documento de fls. 200 verso, junto aos autos com o articulado de exercício do contraditório e constante da acta do despacho saneador, consubstanciado no pedido de alteração do contrato para subscrição da cobertura de actos de vandalismo, o administrador da ré, numa falta clamorosa à verdade, unicamente justificada pelo receio de ser confrontado com o facto de saber que o contrato de seguro não garantia actos dolosos, afirmou peremptoriamente que não conhecia o aludido documento, que nunca o tinha visto, que não o tinha assinado e que nunca tinha sido com ele confrontado (vide depoimento de BB, entre o minuto 26:15 e o minuto 27:50).
15. E fê-lo sem sequer ter verificado, em Audiência de Julgamento, se a assinatura constante do dito documento era sua ou não…! (Cf. depoimento de BB, entre o minuto 30:40 e o minuto 31:00).
16. Mas mais: confrontado com a assinatura que apôs no documento de fls. 200 verso, o depoente, no mesmo passo do seu depoimento, negou tê-lo assinado, esquecendo, porém, que a própria autora já tinha reconhecido nos autos que a assinatura constante daquele documento era do seu administrador BB – vide item 12º do articulado junto ao processo pela apelada em 04.12.2017. (Cf. depoimento de BB, entre o minuto 30:40 e o minuto 31:00)
17. Nenhuma justificação tinha o sobredito BB para mentir e negar a autoria da assinatura do mencionado documento, que era patentemente sua, senão para obstaculizar a prova de que a autora tinha conhecimento de que o contrato dos autos não garantia actos dolosos e que apenas garantia eventos de natureza súbita e acidental.
18. O depoimento testemunhal prestado por EE e o depoimento de parte prestado por BB, assinalados supra, conjugado este último com o articulado da autora de 04.12.2017, impunham ao Tribunal recorrido resposta diversa da proferida quanto à factualidade vertida no ponto 6º do articulado de exercício do direito ao contraditório da recorrente, constante da acta da audiência prévia de fls…
19. Em face do exposto e, bem assim, o teor do facto provado n.º 12 da sentença recorrida, a decisão acerca da matéria de facto ora em apreço deve ser revogada por Vossas Excelências e substituída por outra que julgue provado o seguinte: “A autora estava ciente de que o presente contrato de seguro apenas garantia eventos súbitos, imprevistos e acidentais, isto é, ocorridos por mero acaso.”, o que se requer.
20. A decisão de condenação da aqui apelante assentou, para além do mais, no preceituado nos artigos 5º e 8º do DL nº 446/85 de 25 de Outubro;
21. Nos termos da decisão recorrida, a aqui apelante não logrou demonstrar que transmitiu à recorrida o conteúdo do conceito de combustão previsto nas cláusulas contratuais gerais que configuram o contrato de seguro dos autos, aquando da sua celebração, situação que a Lei comina com a exclusão da cláusula contratual geral em apreço, o que fez, conduzindo à condenação da recorrente.
22. A apelante não concorda com a decisão recorrida, e por vários motivos.
23. A ratio legis dos artigos 5º e 8º do DL 446/85, de 25.10, está associada à ideia de protecção do contraente que adere a cláusulas contratuais gerais, as quais, na generalidade das situações são propostas ao aderente para aceitação, ou não, sem qualquer margem de negociação ou e conformação do seu conteúdo, procurando-se, além do mais, o equilíbrio contratual.
24. Para atingir esse desiderato, o legislador cominou com a exclusão da aplicabilidade da cláusula não conhecida pelo contraente aderente, quando o contraente que se serviu de um clausulado contratual geral não demonstra que comunicou à contraparte aderente o teor do referido clausulado.
26. Ora, salvo o devido respeito por opinião diversa, a situação em apreço nos autos não versa sobre um caso de desconhecimento do clausulado contratual por parte do contraente que aderiu ou limitou-se a subscrever um clausulado contratual geral que lhe foi apresentado para o efeito.
27. Aquando da ocorrência do incêndio aqui em apreço, ou seja, no dia 22/07/2010, “a autora estava ciente de que o presente contrato de seguro apenas garantia eventos súbitos, imprevistos e acidentais, isto é, ocorridos por mero acaso.”
28. De resto, e por esse motivo, antes da mencionada data, mais concretamente “em 11 de Abril de 2006, a autora à data sob a denominação I..., S.A. dirigiu à Ré uma proposta de alteração da apólice identificada em 6) por via da qual pretendia incluir no acordo a cobertura de actos de vandalismo” [facto provado 12], “que a ré recusou” [facto provado 13].
29. Como tal, não se mostra ajustada a aplicação ao caso do preceituado nos artigos 5º e 8º do DL 446/85, de 25.10, na medida em que na situação vertente já se mostra notoriamente alcançado do equilíbrio do contrato: aquando da ocorrência do incêndio, a autora tinha pleno conhecimento de que o contrato não garantia eventos dolosos, mas apenas eventos verdadeiramente acidentais.
30. A exclusão da sobredita cláusula contratual, nos sobreditos termos, configura, o estabelecimento de um verdadeiro desequilíbrio contratual a favor da apelada, na medida em que esta estava ciente de que o contrato não garantia eventos de caracter doloso ou não acidental.
31. Revertendo para o caso dos autos, importa concluir que ficou demonstrado que o incêndio que deflagrou no imóvel objecto do contrato de seguro teve origem em acto voluntário humano doloso, com recurso a acelerante de combustão não concretamente apurado, dando-se aqui por reproduzidos os pertinentes factos provados, acima referidos;
32. A cobertura de incêndio prevista no contrato de seguro celebrado entre a autora e a ré destinou-se tão-somente combustões com causas acidentais e de propagação pelos próprios meios, pelo que, em os casos de combustão originada por acto humano voluntário doloso não se incluem no âmbito do contrato.
33. Os casos de combustão originada por acto humano voluntário e doloso subsumem-se na cobertura de actos de vandalismo, prevista no contrato, mas não subscrita pela autora aquando da celebração do contrato e recusada pela ré, quando, em 11 de Abril de 2006, aquela propôs a esta uma alteração do contrato, tendo em vista a subscrição da referida cobertura facultativa de actos de vandalismo.
34. Estando, além do mais, provado, que a autora tinha conhecimento de que o contrato de seguro dos autos não garantia incêndios (ou quaisquer eventos) dolosos, mas apenas de causas acidentais, não restam dúvidas que não deve ser aplicado ao caso o preceituado nos artigos 5º e 8º do DL 446/85, de 25.10.
35. E assim, não se mostrando o sinistro em apreço incluído no âmbito das garantias da apólice, por não se ter tratado de uma combustão acidental, mas dolosa, impõe-se a absolvição da apelante de todos os pedidos contra ela formulados pela apelada.
36. A decisão que condenou a apelante a pagar à apelada a quantia de € 273.204,23, acrescida de juros de mora, deve ser revogada e substituída por outra que julgue a acção totalmente improcedente e absolva a apelante de todos os pedidos contra ela formulados nos presentes autos. O que se requer.
37. Para a hipótese de se vir a entender que a aqui apelante não tem razão no que deixou dito supra, o que não se concebe, nem se concede, uma outra razão impõe a absolvição total da apelante.
38. Atentas as sucessivas renovações do contrato de seguro dos autos, este regia-se, não só pelas suas condições gerais, especiais e particulares da apólice, mas também pelo DL 72/2008, de 16.04, que entrou em vigor no dia 01.01.2009.
39. Neste regime, o legislador relegou o preenchimento do conceito de incêndio para as condições gerais e particulares da apólice, tal como propostas pela seguradora e aceites pelo segurado, o mesmo não sucedendo quanto ao conteúdo dos seguros obrigatórios de incêndio.
40. Nestes, a autoridade administrativa e reguladora da actividade seguradora (o Instituto de Seguros de Portugal, actual ASF (Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões) fez publicar em Jornal Oficial, no âmbito das suas específicas atribuições, o conceito padrão que preencheria esse elemento essencial — a figura do sinistro de incêndio — integrante do regime legal deste tipo de contrato seguro.
41. Por efeito da aludida iniciativa administrativa de regulamentação, este conceito de incêndio obteve pleno acolhimento em todos os tipos de seguros de danos, incluindo os seguros de danos de natureza facultativa, como é o do caso dos autos, vigorando, além do mais e sem excepção, em todos os contratos de seguro de danos de natureza facultativa existentes no nosso ordenamento jurídico.
42. Tal conceito, é aquele que consta do contrato de seguro nos autos, como emerge do facto provado 10: “A combustão acidental, com desenvolvimento de chamas, estranha a uma fonte normal de fogo, ainda que nesta possa ter origem, e que se pode propagar pelos seus próprios meios”.
43. A autora, na defesa apresentada, limitou-se a invocar, como causa de exclusão da aplicação da cláusula contratual que fixou o conceito de incêndio previsto no contrato, o facto de a ré não lhe ter comunicado do teor dessa cláusula contratual, não aduzindo, e muito menos provado, qual era o seu entendimento acerca do mencionado conceito de incêndio, aquando da ocorrência do sinistro em mérito, nem tão-pouco que teve qualquer dúvida relativamente ao sentido, alcance e limites do conceito de incêndio fixado no contrato.
44. A autora não alegou, e muito menos provou, que o conceito de incêndio adoptado no contrato de seguro que celebrou com a ré gorou as suas expectativas, nomeadamente quanto ao seu âmbito de abrangência, por entender que nele estava incluída a cobertura de incêndios com origem em actos dolosos.
45. A cláusula contratual que a autora pretendeu afastar, por não lhe ter sido comunicada e esclarecida pela ré, sem que aduzisse qual era a sua expectativa relativamente ao seu âmbito de abrangência, é precisamente aquela que, no plano da normatividade do próprio contrato de seguro de incêndio, foi adoptada e contemplada pela lei e é utilizada, sem excepção, por todos os contratos de seguro de danos, sejam os de natureza obrigatória, sejam os de natureza facultativa.
46. Em bom rigor, tendo em conta o teor do clausulado do seguro de incêndio, tal como este resultou tipificado pelo legislador, qualquer contraente minimamente diligente e de boa-fé deve contar, pelo menos, com o conteúdo típico do conceito de incêndio ali previsto, a menos que o segurador, em cumprimento do dever de comunicação do concreto clausulado contratual o esclareça noutro sentido.
47. Concedendo, é certo, que o contrato de seguro dos autos não configura um seguro obrigatório, a verdade é que o mesmíssimo conceito de incêndio (decalcado do seguro tipificado na lei) não podia ser objecto de aplicação do regime jurídico previsto no DL 446/85, de 25.10, se se estivesse perante um seguro daquela natureza…! (vide al. a) do art.º 3º do DL 446/85, de 25.10)
48. Ao afastar a aplicação da cláusula contratual que fixou o conceito de incêndio previsto no contrato como “combustão acidental”, nos sobreditos termos, a sentença recorrida corporiza e cauciona uma situação de verdadeiro abuso de direito, por parte da autora, tal como este é configurado pelo artigo 334º do C. Civil.
49. A mera invocação da excepção prevista nos artigos 8º e 5º do DL 446/85, de 25/10, perante a cláusula que fixa o conceito de incêndio previsto no contrato de seguro dos autos, comum a todos os seguros de danos e tipificada pelo legislador, desacompanhada da alegação de que esse incumprimento do dever de informação gorou as suas expectativas relativamente a tal cobertura, configura um ilegítimo exercício do referido direito por parte da autora, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé.
50. Atento o teor do clausulado do seguro de incêndio, tal como este resultou tipificado pelo legislador, qualquer contraente minimamente diligente e de boa-fé, a autora incluída, contaria, pelo menos, com o conteúdo típico do conceito de incêndio previsto pelo legislador (combustão acidental), a menos que o segurador, em cumprimento do dever de comunicação do concreto clausulado contratual a subscrever o esclarecesse noutro sentido.
51. Mal andou o Tribunal recorrido ao ter decidido ser de afastar, no caso em apreço, a aplicação da cláusula contratual que fixa o conteúdo do conceito de incêndio previsto no contrato, apenas baseado na circunstância de apelada não ter cumprido o ónus de demonstração de que comunicou à autora o teor da referida cláusula contratual.
52. Tal decisão deve ser revogada e substituída por outra que aplique ao caso dos autos a cláusula do contrato que fixa o conteúdo do conceito de incêndio, tal como ele emerge do ponto 10º dos factos provados da sentença.
53. Importa por fim, referir, que apelante, na esteira do entendimento perfilhado pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 19 de Outubro de 2022, que se pronunciou sobre a cláusula de contrato de seguro que acolhe a definição de incêndio também prevista no contrato dos autos, pelo que, versando a situação em mérito sobre um incêndio de etiologia voluntária e dolosa, a cobertura dos danos dele emergentes extravasa do âmbito do contrato de seguro celebrado entre a apelante e a apelada, que se limita a garantir danos decorrentes de combustões de carácter acidental e não de caracter doloso.
54. Por conseguinte, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que absolva a recorrente de todos os pedidos contra ela formulados pela autora, com as necessárias consequências legais.
55. Em qualquer dos casos, a recorrente não se conforma com a decisão de condenação em juros de mora à taxa prevista para os juros comerciais.
56. A apelada não alegou que a situação em apreço configura um incumprimento contratual e os actos praticados por ambas as partes, no que ao contrato de seguro diz respeito, se caracterizam por serem actos de comércio, praticados no âmbito das suas actividades comerciais.
57. Autora e ré são duas entidades que exercem actividades comerciais diferentes e a verdade é que a primeira intentou a presente acção contra a segunda, não por ser detentora de um crédito sobre esta, resultante da sua actividade comercial e do incumprimento contratual, mas antes por ter celebrado um contrato de seguro de danos.
58. Não estamos no âmbito de relações comerciais entre estas duas empresas que levaram à existência de um crédito titulado pela autora, que determinasse a aplicação da taxa prevista para os juros comerciais, mas sim perante um pedido de indemnização por danos resultantes da ocorrência de um sinistro.
59. Como tal, a serem devidos, apenas são devidos juros moratórios à taxa de juro supletiva e não à taxa de juros comerciais. Cf. artigos 805.º, n.º 1 e 806.º, n.º 1 do Código Civil”.
60. O segmento da decisão que condenou a apelante no pagamento de juros moratórios à taxa de juros comerciais deve ser revogado e substituído por decisão que a condene a pagar à apelada juros de mora sobre o valor indemnizatório fixado, calculados à taxa de juros supletiva, desde a citação e até integral pagamento.
61. A decisão ora em apreço viola o preceituado nos artigos 334º, 406º, 805º e 806º do Código Civil, bem como, o preceituado nos artigos 8º e 5º do DL 446/85, de 25/10.

Ambas as partes contra-alegaram.

Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, nºs 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil):
- da impugnação da decisão de facto por A. e Ré.
- da nulidade da sentença;
- da cobertura do contrato de seguro e da definição de incêndio;
- do valor dos danos apurados;
- da atualização oficiosa desse valor;
- dos juros de mora.


FUNDAMENTAÇÃO

Fundamentos de facto
Foram dados como provados em primeira instância os seguintes factos:
1. A Ré é uma empresa de seguros, que atua em Portugal, exercendo a atividade seguradora e disponibilizando produtos (seguros e resseguros) nos ramos não vida, devidamente autorizada e licenciada pelo Instituto de Seguro de Portugal para o efeito [ponto 1º da matéria assente do despacho em referência].
2. Em 23/06/2010, a Autora celebrou com a “D... Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” um contrato de locação financeira imobiliária, mediante o qual a aludida instituição bancária cedeu à Autora, mediante o pagamento da respetiva renda mensal, o imóvel constituído pelo prédio urbano composto por edifício de rés-do-chão, destinado a indústria, armazém e escritórios e um salão amplo, situado na ..., freguesia ..., concelho da Maia, descrito na 1ª Conservatória de Registo Predial da Maia ...35, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...39 [ponto 2º da matéria assente do despacho em referência].
3. Tal locação financeira correspondeu a um negócio de financiamento da Autora, que, antes da sua celebração, foi proprietária do respetivo imóvel [ponto 3º da matéria assente do despacho em referência].
4. No dia 22/07/2010, cerca das 19.45 horas, no sobredito imóvel sito à Rua ..., ..., deflagrou um incêndio [ponto 4º da matéria assente do despacho em referência].
5. Em 31/03/2004, a Autora que, à data, girava sob a designação “I..., Lda.”, celebrou com a “J..., Companhia de Seguros, S.A.”. o contrato de seguro denominado “Seguro de Multi-Empresarial”, titulado pela Apólice nº ...05, tendo como local de risco o objeto seguro o imóvel, sito na Rua ..., ..., então sua propriedade [ponto 5º da matéria assente do despacho em referência].
6. A referida apólice de seguro foi, entretanto, adquirida pela ora Ré, de acordo com a transferência de carteira devidamente aprovada pelo Instituto de Seguros de Portugal, e com efeitos reportados a 01/07/2004, tendo sido renumerada e, nessa medida, passando a vigorar entre a Autora, respetiva tomadora, e a ora Ré como apólice nº ...05 [ponto 6º da matéria assente do despacho em referência].
7. À data do incêndio, a apólice de seguro celebrada entre a Autora e a Seguradora Ré encontrava-se válida e em vigor [ponto 7º da matéria assente do despacho em referência].
8. A referida apólice contempla, entre outras, a cobertura designada “incêndio, raio e explosão”, sendo o valor do capital seguro para o aludido período e risco de € 2.101.250, sendo aplicável, em caso de sinistro, uma franquia de 5% do valor do sinistro, com o valor mínimo de € 25 [ponto 8º da matéria assente do despacho em referência].
9. A apólice contempla ainda, em primeiro risco, a cobertura de “demolição e remoção de escombros” com o capital seguro de € 78.769,88, sendo aplicável, em caso de sinistro, uma franquia de 5% do valor do sinistro, com o mínimo de € 25 [ponto 9º da matéria assente do despacho em referência].
10. De acordo com a definição de riscos que consta das condições gerais da apólice identificada em 5) “incêndio” corresponde a combustão acidental, com desenvolvimento de chamas, estranha a uma fonte normal de fogo, ainda que nesta possa ter origem, e que se pode propagar pelos seus próprios meios [resposta aos artigos 14º, 55º da contestação].
11. Além da garantia relativamente aos danos diretamente causados aos bens identificados nas condições particulares, a cobertura referida em 10) garantia ainda os danos diretamente causados aos mesmos bens em consequência dos meios empregues para o combater, calor, fumo ou vapor resultantes imediatamente do incêndio e ainda remoções ou destruições executadas por ordem de autoridade competente ou praticadas com o fim de salvamento, se o forem em razão dos factos previstos [resposta aos artigos 27º da petição inicial, 13º da contestação].
12. Em 11 de Abril de 2006, a Autora à data sob a denominação I..., S.A. dirigiu à Ré uma proposta de alteração da apólice identificada em 6) por via da qual pretendia incluir no acordo a cobertura de atos de vandalismo [resposta ao artigo 7º do articulado de exercício do contraditório apresentado pela Ré em sede de audiência prévia].
13. A Ré recusou por ter definido que as apólices transitadas da J... não seriam alteradas [resposta ao artigo 7º do articulado de exercício do contraditório apresentado pela Ré em sede de audiência prévia].
14. Na data referida em 4) o imóvel identificado em 2) encontrava-se dividido em duas naves autónomas, nascente e poente, separadas por um corredor interior central, na direção norte – sul que dava acesso ao exterior através de um portão em ferro situado no extremo sul, bem como um posto de transformação [resposta aos artigos 8º da petição inicial, 23º da contestação].
15. O edifício foi construído em finais da década de 1970, pertencera a uma indústria de produção de fios têxteis designada “K..., S.A.” que o ocupou no exercício da sua atividade até ser declarada insolvente [resposta aos artigos 9º da petição inicial, 22º da contestação].
16. O edifício era constituído por paredes em tijolo rebocado, com cobertura em chapa de fibrocimento assente numa estrutura metálica, dotado de teto falso forrado a lã de vidro [resposta aos artigos 10º da petição inicial, 23º da contestação].
17. De acordo com a planta, a descrição referida em 14) dizia respeito a duas edificações independentes e posto de transformação (18 m2), separadas por um corredor de passagem (275 m2) e a seguinte composição:
- nave nº 1 situada à direita por referência à fachada principal: espaço amplo com 2.585 m2; - nave nº 2 situada à esquerda com a mesma referência: diversas compartimentações, identificadas em planta, com a área de 2.108 m2, com as seguintes ocupações: divisões administrativas (150 m2); refeitório, laboratório (98 m2); armazém (283 m2); oficina (100 m2); produção (1.000 m2); balneários e corredor de acesso (477 m2) [resposta aos artigos 11º da petição inicial, 22º, 23º da contestação].
18. Por escrito datado de 1 de Junho de 2009, a Autora, representada pelo presidente do conselho de administração, BB, declarou “arrendar” a Empresa L..., Ld.ª, representada por MM, que declarou aceitar, a nave esquerda do prédio identificado em 2) pelo prazo de um ano, com início nessa data, renovável por iguais períodos, destinado à fabricação de tecidos, mediante a contrapartida anual de € 60.000, a pagar em duodécimos mensais de € 5.000 cada [resposta ao artigo 12º da petição inicial].
19. Na data referida em 4) a sociedade identificada em 18) utilizava a nave poente como armazém de mercadorias, na sua maioria fio têxtil e malhas [resposta ao artigo 12º da petição inicial].
20. No interior da nave nº 2, situada à esquerda por referência à fachada principal do imóvel, estavam armazenadas várias máquinas retrocedoras pertencentes a “M..., Ld.ª assim como rolos de tecidos de poliéster e algodão acondicionados em paletes de madeira e bobinas de fio do mesmo material pertencentes à sociedade identificada em 18) [resposta aos artigos 34º e 35º da contestação].
21. Entre as 19h00 e 19h15 da data referida em 4), o administrador da Autora, BB, deslocou-se ao imóvel, na companhia de KK, motorista da sociedade N... – Empresa de Transportes, S.A. também por aquele administrada, com o intuito de retirar de uma divisão administrativa, um cofre, o que não conseguiram, face à dimensão deste [resposta aos artigos 24º, 26º da contestação].
22. O referido administrador aproveitou a ida do motorista ao imóvel para descarregar uma encomenda de malha felpa Italiana – 52/48% polyester, no total de 1.292,50 kg, a pedido da sociedade referida em 16) [resposta ao artigo 25º da contestação].
23. Tanto o administrador da Autora como o motorista afirmaram nada terem detetado de anormal no imóvel que pudesse supor o incêndio [resposta ao artigo 27º da contestação].
24. Cerca das 19h30, NN, gerente da sociedade “O..., Unipessoal, Ld.ª” cuja sede se situa no pavilhão a poente do edifício identificado em 2) encontra-se a fechar o estabelecimento quando se apercebeu de ruídos no telhado, que foram aumentando e saindo constatou tratar-se de detritos que caíam sobre aquele e que da zona poente da cobertura do pavilhão da Autora saiam fumo e labaredas [resposta aos artigos 29º, 30º 31º da contestação].
25. Dado o alerta do incêndio para os bombeiros pelas 19h41, a primeira corporação saiu do quartel dos bombeiros voluntários de ... pelas 19h45 chegando ao local cerca de 5 minutos depois [resposta aos artigos 32º, 33º da contestação].
26. O incêndio atingiu rapidamente elevadíssimas proporções, tendo sido dado como extinto já depois das 15h00 do dia seguinte, não obstante o esforço de 53 bombeiros, apoiados por vinte viaturas de nove corporações de bombeiros e o apoio da GNR, da Polícia Judiciária, da Cruz Vermelha, da Câmara Municipal e da Proteção Civil da Maia [resposta ao artigo 36º da contestação].
27. Para apuramento das causas do incêndio foi instaurado processo de inquérito que correu termos com o nº 1088/10.5JAPRT com investigação a cargo da Polícia Judiciária. [resposta aos artigos 37º, 38º da contestação].
28. Em 28/07/2010, a Autora participou o sinistro à seguradora Ré, acionando a apólice de seguro em causa nos presentes autos [ponto 10º da matéria assente do despacho em referência].
29. Por seu turno, a seguradora Ré recebeu a participação do sinistro, procedeu à abertura do correspondente processo e efetuou e/ou diligenciou no sentido da realização das averiguações que considerou adequadas [ponto 11º da matéria assente do despacho em referência].
30. Durante os trabalhos de remoção dos escombros e análise do local realizados em 27 de Julho e 16 de Agosto de 2010, realizados com coordenação da Polícia Judiciária, a equipa do Laboratório de Polícia Cientifica recolheu diversos vestígios, registados da seguinte forma:
- vestígio 1 – recolha de líquido de cor acastanhada que se encontrava dentro de um garrafão plástico com a capacidade de 5 Lt. e com rótulo “Arauto – Água desmineralizada”, localizado do lado direito à entrada do corredor de acesso aos pavilhões;
- vestígio 2 – recolha de um liquido de açor acastanhada que se encontrava no interior de um jerrican cortado, localizado do lado esquerdo à entrada do corredor de acesso aos pavilhões junto a um saco de plástico com aparas de madeira;
- vestígio 3 – saco de papel com três garrafões plásticos de água, com capacidade de 5 Lt. E com rótulo “Outeirinha” entre outros, localizado no exterior das instalações por baixo de um canteiro de flores, sendo vestígio 3A – recolha de um líquido de cor amarelada de um dos garrafões; vestígio 3B – recolha de um liquido de cor acastanhada de um dos garrafões; vestígio 3C – recolha de um líquido de cor azulada de um dos garrafões; - vestígio 4 – recolha de fragmentos de tecido carbonizado que se encontravam na zona do pavilhão mais próxima da entrada;
- vestígio 5 – recolha de material não identificado carbonizado junto ao piso na zona de fragmentação do mesmo [resposta aos artigos 40º, 41º, 42º, 52º da contestação].
31. Submetidos a análise química foi detetada a presença de:
- gasóleo nas amostras dos vestígios 1, 3A, 3B e 3C;
- um produto inflamável de origem petrolífera na amostra do vestígio 2;
- gasolina na amostra do vestígio 4 [resposta ao artigo 42º da contestação].
32. Os danos observados no que sobrou das mercadorias e equipamentos existentes no interior do imóvel, assim como nas paredes e pavimento, permitiram identificar três focos de incêndio simultâneos, distintos e sem linhas de propagação entre si, situados, respetivamente, na zona central da nave poente, onde estavam amontoadas várias paletes com bobines de fio e rolos de tecido, na zona próxima do quadro elétrico e na zona de armazenamento de tecidos, situada do lado esquerdo da entrada nessa nave [resposta ao artigo 43º da contestação].
33. A investigação realizada concluiu pela exclusão de origem o incêndio em causa elétrica e pela existência de vestígios de ato voluntário humano com recurso a acelerantes de combustão com o seguinte fundamento:
- aquando da chegada dos bombeiros, pelas 19h50, a estrutura da cobertura em fibrocimento, assente em asnas metálicas e revestido a teto falso e placas de aglomerado havia colapsado, na zona central;
- a amplitude dos danos provocados pelo fogo e o curto espaço de tempo em que o incêndio se desenvolveu eram compatíveis com um fogo rápido;
- os incêndios com origem em problemas elétricos têm combustão lenta progredindo a partir do(s) local/locais onde a avaria/curto circuito se verifica(m);
- múltiplos focos localizados em zonas distintas do imóvel;
- chão fragmentado no local do foco central compatível com escorrência de líquido infamável;
- progressão ascendente numas zonas e descendente noutras, compatível com derramamento de líquido inflamável em diversos locais e alturas diferentes, mas foi proferido despacho de arquivamento por não terem sido recolhidos indícios que sustentassem a acusação e subsequente julgamento dos arguidos, identificados em 21) [resposta aos artigos 44º, 45º, 46º,47º, 50º da contestação].
34. Na data e local em causa não se registou qualquer trovoada ou outra intempérie que pudesse ter dado azo ao incêndio dos autos [resposta ao artigo 53º da contestação].
35. O imóvel estava à venda, encontrando afixado um reclame publicitário fixado na platibanda da cobertura do imóvel, com a inscrição “Vende / Arrenda”, afeto à mediadora imobiliária “P... /...” [resposta ao artigo 21º da contestação].
36. A referida imobiliária vinha tentando, sem sucesso, a pedido da Autora, comercializar o aludido edifício, há mais de um ano, por referência à data do incêndio, sem ter recebido qualquer proposta para a compra [resposta ao artigo 61º da contestação].
37. O incêndio consumiu a quase totalidade da nave poente do edifício [resposta ao artigo 14º da petição inicial].
38. Em consequência do incêndio e dos trabalhos levados a efeito pelos bombeiros em ordem à respetiva extinção, a nave poente ficou danificada no interior, incluindo paredes divisórias, teto e pavimento, assim como a cobertura, que veio a ruir, ficando em pé as paredes exteriores e uma zona situada a sul [resposta aos artigos 14º, 15º da petição inicial].
39. Por efeito do incêndio e do seu combate, a nave poente registou a destruição de:
- cobertura em chapa de fibrocimento (1.960 m2);
- estrutura metálica de suporte à cobertura em: pilares IPE 300 e 200 (6.650 kg), vigas IPE 270, 240 e 100 (19.795 kg), madres refaz Ómega 130 (8.100 kg) e chapa de ligação (2.300 kg);
- platibanda interior da cobertura chapa perfilada (300 m2) e caleiros em chapa galvanizada (200 ml);
- tetos falsos em placas cartonadas (1.400 m2), pintura e reboco de paredes (3.280 m2);
- paredes divisórias em tijolo de 15 (1.082 m2) e de 11 (80 m2);
- pavimentos em cimento (1.500 m2);
- portas, portões interiores metálicos e vidros;
- instalação elétrica [resposta aos artigos 16º da petição inicial, 77º da contestação].
40. Em face do elevado grau de destruição causado na nave poente do edifício em consequência do incêndio, com vista a evitar o risco de danos nas construções vizinhas, devido ao perigo de derrocada dos elementos do edifício que, ainda que carbonizados, ficaram erigidos, a Autora diligenciou pela sua demolição parcial e ulterior remoção de escombros, o que foi concretizado durante o mês de Agosto de 2010 [resposta aos artigos 17º, 18º da petição inicial].
41. A Autora despendeu quantia não concretamente apurada nos trabalhos referidos em 40) [resposta ao artigo 19º da petição inicial].
42. Os compartimentos de divisões administrativas, registaram apenas danos ao nível da cobertura e pintura de tetos e paredes, pelo efeito do fumo e da água [artigo 78º da contestação].
43. Para o apuramento dos valores necessários à reparação dos indicados danos, na primeira reunião com o administrador da Autora, os averiguadores da Ré solicitaram-lhe documentos para instruírem o processo, a saber: planta do imóvel, orçamento discriminado (área, custo e trabalhos) para a reparação do imóvel [resposta ao artigo 81º da contestação].
44. Em data não concretamente apurada reiteraram o pedido por não lhe terem sido facultados os elementos referidos em 43) [resposta ao artigo 82º da contestação].
45. Em 20 de Setembro a Autora remeteu dois orçamentos elaborados por “G..., Ld.ª” e “Q..., Ld.ª” nos valores de € 231.254,50 e € 278.900, respetivamente, para a reconstrução do imóvel [resposta ao artigo 83º da contestação].
46. Posteriormente, o administrador da Autora transmitiu aos averiguadores que os referidos orçamentos não refletiam os custos necessários à reconstrução do imóvel e enviaria outros [resposta ao artigo 84º da petição inicial].
47. Em 16 de Novembro e 3 de Dezembro de 2010, na ausência de qualquer resposta por parte da Autora, os averiguadores da Ré solicitaram certidão de autoridade, projeto elétrico e orçamento discriminado por trabalho, área e custos unitários para a reparação do imóvel [resposta ao artigo 87º da contestação].
48. O envio do orçamento referido em 46) concretizou-se através de missiva datada de 27 de Dezembro de 2020, recebida pela Ré no subsequente dia 29, no valor de € 375.317,40 da primeira sociedade identificada em 42) justificando a Autora “1. A área de pintura a ter em conta foi corrigida para o valor real; 2. Os valores da construção metálica foram corrigidos obedecendo ao tipo de perfis que têm de ser utilizados; 3. O valor da remoção de escombros foi corrigido para o valor real” [resposta aos artigos 22º da petição inicial, 84º, 89º da contestação].
49. Na missiva referida em 45) foi igualmente remetido um projeto elétrico elaborado pela “H...”, e um orçamento no valor de € 112.149,80, referindo a Autora que “o valor de reconstrução do sistema elétrico foi corrigido tendo em conta o projeto que V. Exas. exigiram que fosse executado” [resposta ao artigo 88º da contestação].
50. Em 4 de Janeiro de 2011, os averiguadores comunicaram à Autora “em nenhuma comunicação efectuada ou contacto havido, solicitámos a elaboração de um projecto eléctrico, antes, manifestámos e reiterámos a necessidade de apresentação do projecto eléctrico do imóvel sinistrado, executado aquando da sua construção, que na eventualidade de não se encontrar em vossa posse terá de ser solicitado à Direcção Geral de Energia” [resposta ao artigo 90º da contestação].
51. Por missiva datada de 24 de Janeiro de 2011, a Autora comunicou à Ré que para requerer o projeto mencionado em 49) não precisavam que o fizesse e que não toleraria mais atitudes desse tipo [resposta ao artigo 91º da contestação].
52. O interesse da Ré no projeto elétrico original do imóvel prendeu-se com o facto de se ter apercebido, pelos orçamentos apresentados pela Autora, que o referido em 49) configurava um projeto novo que contemplava, nomeadamente, o custo da instalação de iluminação e força motriz de apoio a maquinaria industrial, que não fazem parte integrante do edifício [resposta ao artigo 92º da contestação].
53. A Autora não entregou à Ré o projeto elétrico executado aquando da construção do edifício [resposta ao artigo 93º da contestação].
54. Os trabalhos de construção civil necessários à reposição do imóvel na situação anterior à do sinistro implicam serviços de mão-de-obra e fornecimento de materiais com o custo total de € 211.821, acrescido de IVA, que consistiam no seguinte:
a) paramentos verticais em alvenaria:
- de 0,15m com acabamento areado nas duas faces: € 9.250;
- de 0,15m com acabamento areado numa face: € 24.000;
- de 0,11m com acabamento nas duas faces: € 2.500;
b) pintura e fornecimento de vidros: € 2.100;
c) portões metálicos (fornecimento e montagem de três portões): € 4.200;
d) cobertura (fornecimento/montagem revestimento metálico perfilado): € 46.100;
e) fornecimento/montagem de estrutura metálica: € 85.551;
f) fornecimento e montagem do sistema de recolha águas pluviais: € 8.300;
g) pavimento: fornecimento e montagem pavimento em betão reforçado: € 29.820 [resposta aos artigos 22º da petição inicial, 95º, 96º da contestação].
55. A obra em causa carecia de trabalhos de demolição e remoção de escombros nos seguintes valores:
a) demolição de paramentos verticais: €6.500;
b) demolição de pavimentos: €8.450,00;
c) desmonte da estrutura metálica e elementos suporte existentes: €6.500, no total: €21.450, acrescido de IVA [respostas aos artigos 22º da petição inicial, 97º da contestação].
56. Com base no orçamento aludido em 49), excluindo serviços de mão-de-obra e de fornecimento de materiais não existentes à data do sinistro, o custo da instalação elétrica no local do sinistro ascende a €54.307,40, acrescido de IVA, com a seguinte discriminação:
a) rede de distribuição em baixa tensão:
- tubo PEAD 160mm, 250 metros a € 8,20/m: € 2.050;
- cabo XV-U5 x 1,5mm2, 52 metros a € 1,80/m: € 93,60;
- cabo XV-U5G6mm2, 18 metros a € 5/m: € 90;
- cabo XV-R5G16 mm2, 110 metros a € 11,50/m: € 1.265;
- cabo XV-R 3X95+2G50mm2, 35 metros a € 50/m: € 1.750;
b) quadros elétricos:
- 1 quadro geral: € 10.800;
- 1 quadro da zona administrativa: € 1.640;
- 1 quadro da copa: € 480;
- 2 botoneiras de emergência a € 70/unidade: €:140;
d) terra de proteção: fornecimento e montagem de cabo Nu e piquetes de terra: € 250;
d) iluminação normal e de emergência:
- fornecimento e montagem de tubo embebido VD 20 ml, 240 metros a € 1,40/m: € 336;
- fornecimento e montagem de tubo VD20 assente em abraçadeiras 730 metros a € 2,20/m: € 1.606;
- 16 caixas derivação embeber a € 4,70/unidade: € 75,20;
- 84 caixas derivação saliente a € 5,70/unidade: € 478,80;
- 27 aparelhagens a € 1,20/unidade: € 32,40;
- fornecimento e montagem de cabo XV-U 2X1,5 85 metros a €1,20/m: € 102;
- fornecimento e montagem de cabo XV-U 3G1,5, 1.565 metros a € 1,30/m: € 2.034,50;
- fornecimento e montagem de cabo XV-U 5G1,5, 320 metros a €1,80/m: € 576;
- fornecimento e montagem de cabo XV-U 10X1,5, 12 metros a €3,20/m: € 38,40;
- fornecimento e montagem cabo XV-U 24X1,5, 30 metros a € 6/m: € 180; - 13 interruptores de aparelhagem a € 8,50/unidade: €110,50;
- 5 comutadores de lustre a € 11,50/unidade: € 57,50;
- 8 comutadores de escada a € 10/unidade: € 80,00;
- 1 célula de emergência: € 40;
- 2 caixa comando iluminação a € 350/unidade: € 700;
- 2 luminárias Tipo A1 a € 120/unidade: € 240;
- iluminação normal e emergência:
- 2 luminárias Tipo A2, € 115/unidade: € 230;
- 7 luminárias Tipo A3.1 a € 90/unidade: € 630;
- 10 luminárias Tipo A3.2 a € 110/unidade: € 1.100;
- 1 luminária Tipo 4: € 36;
- 8 luminárias Tipo A5.1 a € 45/unidade: € 360;
- 1 luminária Tipo A5.2: € 80;
- 3 luminárias Tipo A6.1 a € 65/unidade: € 195;
- 174 luminárias Tipo A6.2 a € 90/unidade: € 15.660;
- 9 luminárias de emergência Tipo E1 2X8w a €130/unidade: €1.170;
- 7 luminárias de emergência Tipo E2 2X35w a € 490/unidade: €3.430;
e) tomadas usos gerais e alimentação equipamentos:
- fornecimento e montagem de tubo Isogris 20mm, 360 metros a €1,20/m: € 432;
- fornecimento e montagem de tubo Isogris 25mm, 185 metros a €1,70/m: € 314,50;
- tubo para prumadas hidronil 40mm, 96 metros a € 5,10: € 489,60;
- fornecimento e montagem de 26 caixas derivação embebida a €4,70/unidade: € 122,20;
- fornecimento e montagem de 64 caixas derivação a €5,70/unidade: € 364,80;
- 22 caixas de aparelhagem a € 1,20/unidade: € 26,40;
- 43 caixas de aparelhagem duplo fundo a € 5/unidade: € 215;
- fornecimento e montagem cabo XV-U 3G2,5, 380 metros a €1,60/m: € 608;
- fornecimento e montagem cabo XV-U 5G2,5, 420 metros a €2,40/m: € 1.008;
- esteira metálica 100x60mm, 85 unidades a € 11/unidade: € 935;
- esteira metálica 200x60mm, 102 unidades a € 12,50/unidade: €1.275;
- 20 calhas DLP de rodapé 105x50mm a €19/unidade: €380 [resposta aos artigos 22º da petição, 102º da contestação].
57. O valor referido em 56) não contempla fornecimento e montagem de cabos elétricos afetos à força motriz de maquinaria de fiação que em tempos ali esteve instalada, por serem amovíveis e adaptados à atividade industrial de fiação já não exercida no imóvel à data do sinistro [resposta aos artigos 105º, 106º, 107º da contestação].
58. Ao abrigo da cláusula 8ª b) do acordo identificado em 2) a instituição financeira autorizou a Ré a proceder ao pagamento da indemnização por danos emergentes do sinistro ocorrido em 22 de Julho de 2010 até ao montante máximo de €390.463,34 diretamente à Autora [resposta ao artigo 23º do requerimento de exercício do contraditório apresentado pela Autora em 24 de Outubro de 2016].
59. Correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, sob o processo n.º 476/11.0TJVNF, ação executiva tendo como exequente OO e a Autora como executada, para cobrança de € 410.219,18 [resposta ao artigo 59º da contestação].
60. Por referência à apólice nº ...33 outorgada entre “M..., Lda., identificada em 20) e J..., Companhia de Seguros, S.A., também integrada na carteira de seguros da Ré, a primeira intentou contra a terceira ação que correu no 2º Juízo de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão sob nº 3345/11.0TJVNF, reclamando indemnização no valor de €498.375,80, alegadamente correspondente ao valor de 11 máquinas retrocedoras que teriam resultado destruídas no incêndio [resposta aos artigos 71º, 72º da contestação].
61. A ação identificada em 60) foi julgada totalmente improcedente em 1ª instância com fundamento na origem por ato voluntário humano do incêndio e por não cobertura de atos de vandalismo [resposta ao artigo 72º da contestação].
62. Interposto recurso da sentença referida em 61) a mesma veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, transitando posteriormente em julgado [resposta ao artigo 73º da contestação].
63. A Autora participou à Ré um alegado furto de toda a instalação elétrica da parte do imóvel identificado em 2) não foi afetada pelo incêndio, bem como danos no teto falso [resposta ao artigo 62º da contestação].
64. A Autora intentou igualmente ação devido ao furto da instalação elétrica do posto de transformação que integra o imóvel identificado em 2) [resposta ao artigo 66º da contestação].
65. Com vista à outorga do acordo referido em 2) a Autora solicitou ao mediador PP, com quem há largos anos trabalhava, que diligenciasse pela associação da locadora financeira como beneficiária da apólice identificada em 5), o que sucedeu [resposta ao artigo 5º do articulado de exercício de contraditório apresentado em 4 de Dezembro de 2017].

Deram-se ali como não provados os factos seguintes:
a) por efeito do incêndio e do seu combate, o escritório, a oficina, o refeitório, o laboratório e os balneários da nave poente ficaram destruídos;
b) os trabalhos referidos em 40) foram executados por “E..., Ld.ª”;
c) a Autora pagou à sociedade referida em b) a quantia de €15.145,94 pela demolição e remoção dos escombros;
d) em 29/12/2010, a Ré estava habilitada com todos os elementos atinentes ao sinistro e apuramento de danos, tendo sido para esse efeito pela Autora, após solicitação;
e) a situação financeira da Autora já era deficitária, de tal modo que foi movida contra ela a execução identificada em 59);
f) a imobiliária identificada em 35) no período ali referido não tinha recebido qualquer proposta efetiva para o “aluguer” do imóvel;
g) o evento referido em 63), supostamente ocorrido entre 28.10.2010 e 03.11.2010, terá segundo a Autora, causado prejuízos na ordem dos € 112.221,40 na instalação elétrica e dos €54.212,95 no teto falso;
h) a Autora instaurou contra a Ré ação que corre termos na 2ª Secção Cível da Instância Central da Comarca do Porto – J1, sob o processo n.º 427/14.0T8PVZ, no qual reclama a quantia de €167.725,85 de prejuízos com o dito furto, acrescida da quantia de €23.154,43, a título de juros de mora;
i) a Ré veio a descobrir recentemente que a aqui Autora dispunha de um contrato de seguro “Multirriscos – R...Total Empresarial”, tendo como objeto o imóvel identificado em 2) enquanto locadora e uma cobertura para bens móveis (conteúdo do edifício) no valor de € 130.000;
j) a Autora participou a “R..., SA.” o alegado furto do posto de transformação referido em 64), ocorrido entre os dias 07.12.2012 e 10.12.2012;
k) a Autora intentou ação distribuída na 1ª Secção Cível da Instância Central de Lisboa, correspondente ao processo n.º 3098/14.4T8LSB, reclamando da seguradora referida em j) o pagamento da quantia de €150.571,92;
l) a seguradora referida em j) deduziu incidente de intervenção principal provocada da Ré figurando esta como interveniente principal;
l[1]) a proposta que deu origem ao acordo referido em 5) foi preenchida pelo mediador da Ré e não pela Autora que apenas apôs na mesma a sua assinatura;
m) nem no momento referido em 5) nem posteriormente, foi prestado à Autora qualquer informação/esclarecimento a propósito do teor e alcance das concretas cláusulas que compunham o contrato de seguro, nomeadamente, no que diz respeito às cláusulas que compõem as respetivas condições gerais e especiais que só lhe foram remetidas anos depois;
n) aquando da outorga referida em 2) a Autora entregou o contrato de leasing ao mediador da Ré;
o) o mediador da Ré trazia à Autora, para esta assinar, a maior parte das vezes ainda em branco, a documentação que fosse necessária para as alterações fruto de contratos de locação financeira celebrados e, muitas vezes, da própria iniciativa, alegando visar alterações nos prémios, que depois preenchia conforme melhor o entendesse;
p) o referido em o) também sucedeu com a proposta identificada em 12) que o mediador solicitou à Autora que assinasse para alteração do contrato de seguro, sem que esta, na altura, percebesse muito bem com que concreta finalidade;
q) só depois do sinistro dos autos a Autora veio a ter conhecimento que, afinal, o contrato de seguro nunca tinha estado de acordo o que solicitava ao mediador, ou seja, com as coberturas exigidas pela locadora financeira;
r) aquando da celebração do contrato de seguro em causa nos autos, quer aquando das suas alterações verificadas ao longo do tempo da sua vigência, foram sempre prestadas todas as informações relevantes para a subscrição do mesmo, nomeadamente as suas principais características, o âmbito das garantias prestadas e exclusões dele constantes;
s) aquando da celebração do contrato, foi fornecida à Autora uma nota informativa com o resumo das condições e especiais aplicáveis ao contrato;
t) no ato da celebração do contrato de seguro em apreço foram ainda explicadas à Autora e colocadas à sua disposição, as condições gerais aplicáveis à apólice de seguro em causa.

Impugnação da decisão de facto formulada pela A., pela ordem apresentada nas conclusões:
A A. começa por considerar dever ser dado como provado o facto constante da al. n) dos não provados. Trata-se de saber se a A. entregou à Ré, na pessoa do seu mediador, o contrato de leasing celebrado a 23.6.2010. Fala, depois, das als. l) a q) que entende deverem ser provadas.
Diz a A. ter a Ré admitido tal facto na contestação apresentada a 7.10.2016 (arts. 3.º a 6.º), mas não lhe assiste razão, nesta parte, uma vez que neste arts. da contestação se limitou a Ré a mencionar o que consta do contrato de locação financeira que a A. juntou com a pi, não admitindo tê-lo recebido antes ou depois da sua celebração.
AA, contabilista da A., disse que, quando veio a aprovação do leasing pela D... Leasing ligámos (não sabia se tinha sido ela ou o Sr. BB) para PP, o mediador, a fim de que passasse na empresa da A. para ver se o seguro estava conforme com as exigências da locadora. Lendo partes do doc. 1, junto a 22.1.2021, afirmou tê-la entregue àquele mediador, logo acrescentando não ter arquivado qualquer resposta da Ré quanto a seguro que incluísse todas as coberturas ali contidas, senão as que resultaram contratadas em 2004. Disse que o Banco não teria efetuado a escritura com a A. se não estivessem incluídas todas as coberturas que solicitou (o que acabou por suceder), mas a verdade é que o documento da Ré a aceitar estas coberturas em concreto não surge nos autos (o doc. 3 junto na mesma data pela A. acha-se datado de agosto de 2010 e é, por isso, posterior ao próprio contrato de leasing), não se referindo às coberturas exigidas pelo Banco. Este depoimento difere neste aspeto do de BB – em si, um depoimento não isento, porque manifestamente interessado num desfecho da ação favorável da A. – porque este afirma ter sido ele quem falou com o mediador, a quem teria exibido a carta da D... Leasing para que visse as coberturas exigidas, acrescentando que aquele até nem quis verificar o que ali se continha, o que é muito diferente da afirmação de ter sido entregue ao mediador (e, por isso, à Ré), o documento em causa.
Também o depoimento de CC é imprestável porque o seu eventual convencimento subjetivo sobre o que estava ou não seguro é indiferente para dar como provado ou não qualquer facto.
Ademais, realça-se outra observação pertinente da motivação da decisão de facto contida na p. 19 da sentença, quando o tribunal a quo enuncia os documentos em que fundou a sua convicção:
na cópia das condições particulares da apólice identificada no ponto 6) da fundamentação de facto, a fls. 18 vº a 20 (documento 5 junto com a petição inicial), que especifica as coberturas, os capitais e franquias:
- honorários de técnicos;
- incêndio, raio ou explosão;
- inundações;
- outros riscos – estabelecimento J..., que integrava:
-- derrame acidental de óleo;
-- impacte;
-- mudança temporária;
-- queda de aeronaves;
-- quebra e queda de antenas;
-- responsabilidade civil exploração/proprietário: capital seguro €50.000;
-- responsabilidade civil exploração: capital seguro €50.000;
-- responsabilidade civil proprietário: capital seguro €50.000;
-- aumento do custo reconstrução: capital seguro €78.796,96;
-- tempestades;
»» o documento em causa encontrava-se na posse da Autora, refere-se ao início em 15 de Junho de 2010 e ao vencimento anual em 31 de Março, pelo que a mesma não podia ignorar, pela sua literalidade, em momento anterior ao sinistro (tem aposto carimbo com a data de 13.07.2010) que os atos de vandalismo não se encontravam abrangidos;
Por estas razões, mantêm-se como não provados os pontos l) a q).
Quanto aos pontos 12 e 13 – que a A. pretende ver não provados -, a sentença realça o facto de o documento ali mencionado (a proposta de alteração da apólice que se encontra a fls. 200) se achar assinada pelo administrador da A., conforme a parte reconheceu em articulado que apresentou a 4.12.2017. A sentença censurou depois a circunstância de o mesmo administrador ter procurado negar essa admissão, o que é suficiente – a par da sua manifesta defesa do pedido formulado pela A. – para se desconsiderar em absoluto este depoimento.
Não se vê que o administrador de uma sociedade, que já então revestia a forma de sociedade anónima e era beneficiária e tomadora de um contrato de seguro que cobria um edifício por mais de dois milhões de euros, assinasse um documento em branco proveniente da seguradora. As regras da experiência também não permitem que se aceite tal facto. Diga-se, ainda, que sequer era necessário que do doc. em causa constasse manuscrita a menção de recusado. Para que se considerasse a inexistência de cobertura de atos de vandalismo, bastaria nada ter sido transmitido à A. no sentido da inclusão dessa garantia.
Ademais, não se vê por que razão haveria a Ré de fabricar – como afirma a A. – um pedido de alteração do âmbito de cobertura de serviço reportado a 2006, no sentido de aí se incluírem atos de vandalismo. Sequer a inexistência de uma carta formal da Ré (comparativamente ao procedimento adotado em 2010, com o doc. 3, junto a 22.1.2021) recusando tal cobertura, constitui motivo para desvalorizar aquele documento, também assinado pelo mediador da A.
Assim, para o efeito em causa – manutenção dos pontos 12 e 13 – sequer seria necessário o depoimento do funcionário da Ré, EE, cuja explicação para a impossibilidade de junção da carta de recusa enviada ao cliente ser junta aos autos – tem a ver com a fusão de seguradoras -, se nos afigura absolutamente aceitável.
O testemunho de FF, a contabilista, também não permite considerar falso o documento de fls. 200, por um lado porque admitiu que estes assuntos eram tratados diretamente entre o administrador da A. e o mediador de seguros; por outro, porque afirmou expressamente não ter conhecimento deste documento.
Finalmente, não se verifica qualquer contradição entre estes factos e os não provados em r) a t). Desde logo, porque a não prova de um facto não significa coisa alguma, pelo que o nada não pode estar em contradição com o provado. Depois, não se contêm nestes factos não provados algo que infirme o pedido de alteração da apólice constante em 12 e a recusa constante em 13.
Mantêm-se, pois, os factos provados constantes em 12 e 13.
Pretende a A. que, em 41, se considere que na demolição levada a efeito em agosto de 2010, após o incêndio, foi despendida a quantia constante do doc. de fls. 17 - € 15.145, 94 – emitido por E....
Concomitantemente, deveriam ser dados como provados os factos não provados em b) e c).
Estes trabalhos tiveram efetivamente lugar, como se refere em 30. Eram necessários, perante o risco de derrocada.
Todavia, entendeu o tribunal a quo não ser de atender àquele documento, não só porque não acompanhado do recibo de quitação, não constando que tenha dado entrado na contabilidade da A., mas porque, e passamos a transcrever:
“levanta sérias dúvidas se estará em causa uma fatura proforma, equivalente a orçamento, na medida em que se encontra aposta a seguinte frase “serviços colocados à disposição durante o corrente mês” (dezembro de 2010), “particularmente porque se apurou que os trabalhos de demolição e remoção tiveram lugar durante o mês de Agosto de 2010, como, de resto, a demandante alega e a Ré aceita”.
Com o recurso, a A. apresentou o que diz serem as segundas vias dos recibos de quitação.
Todavia, estes documentos juntos com as alegações de recurso e datados de 2012 e 2013, não podem ser aceites nesta fase do processo e, mesmo que o fossem, seriam inócuos, atentas as suas datas e a putativa fatura relativa a “serviços colocados à disposição durante o corrente mês”, datada de dezembro de 2010 e relativa a trabalhos de agosto desse ano.
Os documentos não podem ser aceites nesta altura, de um ponto de vista formal, porque, como refere a recorrida, ultrapassam o prazo previsto no art. 425.º CPC (aplicável por força do disposto no art. 651.º CPC).
Na fase de recurso, a junção de documentos reveste natureza excecional, só sendo admissível no caso de impossibilidade de apresentação até ao encerramento da discussão em primeira instância ou de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido no tribunal a quo.
A impossibilidade de apresentação anterior ao momento do encerramento da discussão em primeira instância pode resultar de: a) o documento se ter formado posteriormente, mas referir-se a facto já anteriormente alegado; b) a parte só posteriormente ter tido conhecimento da existência do documento (o documento apenas veio ao conhecimento da parte após aquele momento); c) ocorrência de um impedimento inultrapassável à sua apresentação tempestiva; d) o facto probando ser posterior ao encerramento da discussão.
A junção será considerada necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância se a decisão recorrida contiver elementos de novidade, isto é, que tenha sido absolutamente surpreendente para o apresentante do documento, face ao que seria de esperar em face dos elementos do processo.
Quando a questão respeita ao resultado probatório a que chegou o tribunal recorrido, é indispensável, para que se admita a junção do documento, que o julgamento proferido seja inovatório e imprevisível em face dos elementos probatórios recolhidos no âmbito do processo, seja por na sentença se formular uma exigência probatória com que razoavelmente não se podia contar ou por se sustentar a necessidade de provar facto cuja relevância não tinha sido equacionada em face da forma como foram expostos os fundamentos da ação ou da defesa ou da delimitação do objeto factual relevante efetuada pelo tribunal.
No caso dos autos, os documentos juntos agora datam de 2012 e 2103; a ação deu entrada em 2016; o documento inicial – a fatura a que se referirão os recibos ora juntos - foi impugnado pela Ré na contestação; a última sessão de audiência de julgamento teve lugar a 22.4.2022.
Por isso, alegar-se que “só agora a E... enviou os recibos” é imprestável e insuficiente para fundar uma impossibilidade objetiva ou subjetiva de apresentação atempada dos documentos numa ação que deu entrada há mais de sete anos.
Não se admitindo tais documentos, condena-se a apresentante em multa de ½ UC (art. 443.º CPC).
Sempre se dirá, ainda, caber a prova dos factos que invoca à demandante, não estando a mesma impedida de, a seu tempo, ter indicado como testemunha quem, da referida E..., corroborasse a fatura impugnada. O poder inquisitório do tribunal não tem em vista substituir a parte na produção da prova que lhe compete, a não ser em situações em que a mesma, justificadamente, alegue impossibilidade de obtenção do meio de prova.
Concorda-se com a posição sufragada no aresto mencionado em 171 do corpo alegatório, quanto à extensão e limites da intervenção do tribunal da Relação no que tange à impugnação da decisão de facto, razão por que, também por isso, se mantém a redação do ponto 41 dos factos provados e não provados em b) e c).
Prossegue a recorrente na impugnação da matéria de facto relativa ao custo dos trabalhos de construção civil, demolição e remoção de escombros e custo da instalação elétrica. Impugna, por isso, os pontos 54 a 57.
O facto 54 respeita aos trabalhos de construção civil necessários para repor o edifício na situação anterior ao sinistro, tendo o tribunal recorrido acolhido o parecer emitido pelo perito nomeado pela Ré porque este conhecia o edifício antes da sua demolição, tsendo autor de um orçamento junto pela demanda a fls. 102 v.º a 104. Fixou, por isso, o valor dos trabalhos de reconstrução civil necessários à reposição do imóvel na situação anterior à do sinistro em € 211.821, montante a que o perito da Ré chegou em relatório pericial apresentado nestes autos.
Já a A. entende dever atender-se à posição da maioria dos peritos, perito nomeado pelo tribunal e perito nomeado pela recorrente, que apontam para um valor na ordem dos € 447.745, 00 (fls. 442).
Neste último segmento – não aceitação do parecer maioritário – acolhemos inteiramente o raciocínio exposto pela primeira instância, que funda essa sua opção no facto de o perito indicado pela Ré ter conhecido o espaço, ainda que já em escombros, circunstância ignorada pelos outros dois peritos que o afirmam especificamente a fls. 441 e 442. Estes peritos consideraram, por isso, os projetos licenciados da construção existente, sendo certo que estes não têm a ver com a construção do imóvel que foi destruído e que remonta à década de 70 do século passado.
Ora, sendo certo que nem os materiais, nem as exigências legais são hoje as mesmas que há cerca de 50 anos atrás, a verdade é que a A. não especifica as diferenças entre um e outro momento, de modo a podermos considerar que, a ser construída hoje, a nave destruída ascenderia a quase meio milhão de euros. Depois, como se acentua na motivação da decisão recorrida, verificando as fotografias da nave nascente (não atingida pelo incêndio), juntas pela A. a 15.10.2019 (doc. 2 e fls. 570 e ss.), o estado de degradação (veja-se, por exemplo, o pavimento), era já acentuado, de modo que o valor adiantado ad hoc pelos dois peritos não tem qualquer explicação sustentável e objetivamente sindicável.
Sendo assim, parece-nos correta a opção do tribunal pela opinião pericial de quem visitou o local na época do sinistro e foi autor de um orçamento então elaborado (aludindo a acabamentos idênticos aos existentes – ponto 7 da proposta de orçamento) e que a própria Ré entendeu ser de juntar aos autos, constando de fls. 103 e 104.
Esse orçamento contempla vários trabalhos e alude a um valor final, sem IVA, de € 233.271, 01, dizendo a A. não ter o perito da Ré explicitado a razão por que, em outubro de 2010 (data do orçamento) o valor da reconstrução era diferente do que ofereceu, depois, já nestes autos, em novembro de 2018.
Sucede que, na época, também a A. solicitou um orçamento a terceira empresa, a G..., doc. que juntou a fls. 17.º v. e 18. Neste orçamento, atingiu-se um valor de € 375.317, 40, sem IVA.
Comparando estes dois orçamentos efetuados na proximidade temporal do incêndio, temos, como afirma a A., dois orçamentos não muito distintos quanto ao valor final pois se ao primeiro – de € 375.317, 40 – se retirar, pelo menos, o valor relativo à instalação elétrica (€ 112.149, 80), item não incluído no orçamento da F... ou na perícia dos autos, temos um orçamento de € 263.167, 60, pouco superior aqueloutro elaborado então pelo ora perito da demandada.
A A. pretende, subsidiariamente, se opte pelo orçamento que apresentou como a pi. Porém, nesta parte, concordamos com a sentença, que observa, na p. 31, “existe uma verba, em separado, no valor de € 86.450 para “trabalhos de reconstrução de toda a estrutura metálica à cobertura bem como todo o trabalho de serralharia necessários” quando os itens 2, 4 e 5 se reportam ao fornecimento e aplicação de chapa, platibanda interior em chapa perfilada, incluindo acessórios de fixação e cumieira em chapa, todos incluindo acessórios de fixação, acrescendo a previsão de 81 vidros 50x50 cm (que é um manifesto exagero e não corresponde ao edifício original, contemplando uma área envidraçada de 2.025 m2) e 18 de medidas variadas para o alçado sul, correspondente à fachada, que não sofreu quaisquer danos”.
De modo que afastamos o orçamento da G... e, bem assim, a perícia maioritária destes autos, pelos motivos expostos, sendo de aceitar o orçamento da F..., que corresponde afinal ao indicado pelo perito da Ré.
É que o valor de € 233, 271, 01, constante do orçamento apresentado pela Ré corresponde ao valor do custo dos trabalhos de construção civil mencionados em 54, acrescendo o valor de €21.450,00, para os trabalhos de demolição e remoção de escombros que está provado em 55.
Todavia, é bem verdade terem os peritos referido em audiência que os valores apurados em 2010 já não são os mesmos que hoje vigoram. O valor da mão de obra, correspondente a 70% do custo de reconstrução, sofreu um aumento de 7%.
Afigura-se-que, em abono da verdade, apurada – e sem curar de saber se à A. cabe ou não receber este aumento ou atualização -, o ponto 54 passa a ter a seguinte redação:
54. Os trabalhos de construção civil necessários à reposição do imóvel na situação anterior à do sinistro implicam serviços de mão-de-obra e fornecimento de materiais que, em 2010, tinham um custo de € 211.821, 00, acrescido de IVA, tendo desde então e até à atualidade, a mão de obra – que corresponde a 70% daquele valor – sofrido um aumento de 7%. Tais trabalhos consistiam no seguinte: (mantém-se aqui o demais constante sob o ponto 54)
Quanto ao facto constante em 55, afigura-se-nos assistir razão à A. posto que os três peritos, a fls. 442, mencionam ser de €25.000,00, o valor para remoção dos escombros e, em audiência, concordam que tal valor seria hoje de mais 10-15%, por força da necessidade de materiais diferenciados (conforme legislação atual) e do aumento de custos como, por ex., do combustível. Mais uma vez advertimos que é em sede direito e não de facto que se decide se à A. é devido o valor de 2010 ou o atual porque, no âmbito dos factos, o que deve dar-se como provado é o que realmente se apurou.
Por esta razão, o ponto 55 passa a ter a seguinte redação:
55. A obra em causa carecia de trabalhos de demolição e remoção de escombros que, em 2010, ascendiam a € 25.000,00, mais IVA, valor que seria hoje de mais 10-15%, por força da necessidade de materiais diferenciados (conforme legislação atual) e do aumento de custos, designadamente com combustível.
O ponto 56 contempla o custo com a instalação elétrica no local, ascendendo este a €54.307, 00, mais IVA.
A A. entende dever tal trabalho ser fixado em € 112.149, 80, valor indicado pela G..., no ponto 23 do respetivo orçamento (fls. 17 v.º) e, bem assim, pela H..., conforme consta descrito em 49 dos factos assentes. Pretende, ainda, que tal valor seja atualizado de acordo com a taxa de inflação em vigor.
A sentença não atendeu propriamente à perícia levada a efeito nos autos – fls. 461 a 488 – e que fixou estes custos em €43.059,90, tendo considerado facto confessado pela Ré, na sua contestação, o que consta por si alegado em 100.º a 103.º, local onde a Ré alega ter designado averiguadores que apuraram que a reparação da instalação elétrica implica o fornecimento e montagem de materiais que ascendem a €54.307, 40.
Os dois valores (o da perícia dos autos e o aceite pela Ré na contestação) são muito próximos e os obtidos pela A. junto das empresas G... (doc. de fls. 83 e 84) vão para mais do dobro, sem que a A. consiga justificar a razão pela qual se hão-de considerar, sem mais explicações, estes últimos valores, tanto mais que a testemunha DD que, ao serviço de empresa contratada pela Ré para fazer a avaliação dos danos do sinistro, explicou ter sido considerado aquele valor mais baixo porque a A. não apresentou projeto elétrico onde constasse a potência dos ramais, as saídas, projeto que se mantém em falta e sequer é colmatado com a alegação conclusiva da recorrente contida em 227 das alegações. Cabia à A. diligenciar pela apresentação do doc. em falta, nomeadamente o projeto retificado que explicasse a diferença entre a potência contratada de 585, 90 kVA, e a instalada de 1260 kVA. Não o tendo feito, falhou no ónus de prova que lhe competia.
Ademais, os peritos nomeados deslocaram-se ao local e quedaram-se sem saber o que ali esteve instalado, uma vez que estava vazio o posto de transformação.
Sendo assim, é de manter o valor constante do ponto 56, sendo que qualquer atualização – a dever ter lugar – ocorrerá em sede de decisão de direito, sendo certo que, em audiência, os peritos mencionaram não ser significativo o decurso do tempo para aumento dos preços neste domínio, com exceção do cobre.
Neste contexto, resta apurar se aqueles orçamentos que ultrapassam os € 100.000,00, incluíam o custo da instalação de iluminação e força motriz de apoio a maquinaria industrial que não faz parte integrante do edifício. Em causa, assim, os factos 52 e 57, por via dos quais considerou o tribunal a quo não poder contemplar-se no orçamento para a instalação elétrica, o fornecimento e montagem de cabos elétricos afetos à força motriz da maquinaria de fiação que, em tempos, ali esteve instalada, por serem amovíveis e já nem corresponderem à atividade a ser exercida efetivamente ao tempo do incêndio.
Ora, ao contrário do que aduz a recorrente, em resposta ao ponto 4.º (fls. 465) no relatório pericial, não afirmaram os peritos que os cabos em causa estivessem ligados material, fixa e permanentemente ao imóvel, pois que o não puderam sequer constatar. O que dizem é apenas o que observaram com base nas fotografias dos autos, deduzindo, estarem estabelecidos de forma fixa e permanente.
Que essa maquinaria não funcionava está bem explicitado na sentença que, na p. 22, refere: “na fatura de fls. 314 (documento 14 junto pela Autora em 8 de Março de 2018), emitida por EDP serviço universal em 16 de Abril de 2010, em nome de K..., S.A. indicando potência instalada de 1.260 kw e potência contratada de 685 kw em Agosto de 2008; no período compreendido entre 17 de Março e 16 de Abril de 2010 indica consumos num total de 1.235, no valor global de €959,27 acrescido de €47,96 de IVA; clarifica que pelo menos desde Agosto de 2008 e meses antes do sinistro não havia máquinas em funcionamento”.
Depois, o próprio perito da A. mencionou ter-lhe sido fornecido pelo administrador da A. o layout das máquinas, mas não a potência de cada uma, sendo incompreensível que, existindo tal potência instalada, o espaço fosse usado como simples armazém, o que foi reforçado pelo perito indicado pela Ré que explicitou que o valor indicado na perícia teve em conta a força motriz das máquinas que existiam no projeto primitivo, quadros correspondentes, tomadas, iluminação e quadro condutor de energia do quadro situado na nave nascente.
Sendo assim, mantêm-se os pontos 52 e 57.
Questiona a recorrente, logo após, os pontos 30 a 33, matéria relativa à causa do incêndio.
Diremos desde já, e para encurtar razões, concordar em absoluto não ter este incêndio sido acidental, sendo evidente a origem criminosa que levou à abertura de inquérito criminal no qual foram constituídos arguidos o administrador da A. e o motorista, últimas pessoas que ali estiverem, poucos minutos antes da deflagração de um incêndio que, em minutos, destruiu por completo área significativa, não obstante a pronta intervenção dos bombeiros que, só no dia seguinte, cerca de 20 horas depois do seu início, o conseguiram debelar.
O processo criminal terminou com decisão de arquivamento pelo MP apenas porque não foi recolhida prova direta da participação dos dois arguidos, sendo certo que existem indícios a que não podemos ficar alheios, como seja, desde logo, o facto de a Ré ter adquirido o imóvel – que já era seu anteriormente – em situação de locação financeira apenas para obter financiamento, em 23.6.2010, e o incêndio ter deflagrado escassos 29 dias após.
De modo que, aceitamos a perícia efetuada pela Polícia Judiciária e secundamos inteiramente o teor do despacho de arquivamento do inquérito, datado de 26.2.2013 (doc. de fls. 67) o qual, após profusa indagação probatória (veja-se o extenso rol de diligências de investigação que se acha elencado a fls. 67 v.º a 69), concluiu:









Este incêndio foi já também objeto de ação cível instaurada contra a B..., por uma outra empresa (M..., SA, mencionada ora no facto provado 20), com vista a recuperar o valor das máquinas que tinha depositadas no armazém ardido, as quais terão ficado igualmente destruídas. Nesse provou-se, no ponto 23 que “o incêndio acima referido foi intencionalmente criado por ação humana”, o que foi objeto de recurso para esta Relação e secção que, por acórdão de 8.9.2014, coonestou tal conclusão factual (doc. de fls. 212 e ss.).
Procurando rebater estas decisões criminal e cível e, ainda, a sentença recorrida que, como não podia deixar de ser, afastou causas acidentais da origem do incêndio, a recorrente parece confundir ausência de prova direta (de incêndio causado por ato humano, doloso ou negligente) com a demonstração do contrário (incêndio acidental, por ex., resultante de um curto-circuito), rebatendo a prova indiciária (constituída não só pelo relatório pericial do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, mas por inúmeras outras diligências levadas a cabo no inquérito, como inquirição de testemunhas, relatórios elaborados pelos bombeiros, informação sobre telemóveis e Imeis’s, etc…) com pareceres técnicos que juntou a estes autos, sendo um (doc. de fls. 570 e ss.) elaborado a seu pedido, mais de nove anos após o sinistro, e sem exercício prévio de contraditório ou participação de perito da Ré, e outro, datado de quase 10 anos depois (fls. 698 e ss.), padecendo do mesmo vício.
Estes pareceres e testemunhos respetivos não podem ser aceites pelo tribunal para descredibilizar a extensa prova do contrário pois haveriam de ter contado com a participação isenta de perito nomeado no âmbito dos autos e de perito da confiança da Ré, com conhecimento e experiência nas mesmas áreas que os dois contratados pela A.
Igualmente imprestáveis, as declarações das pessoas visadas no processo criminal, sendo uma delas absolutamente interessada no pedido aqui formulado pela A.
Razão por que, tal como o tribunal de primeira instância, a prova validamente recolhida aponta para origem não acidental do incêndio, assim se mantendo os pontos de facto provados em 30 a 33.
É também de manter a al. d) dos factos não provados, sendo inequívoco não estar a Ré, desde dezembro de 2010, de posse de todos os elementos necessários para decisão sobre o pedido da A. para que lhe pagasse os valores que solicitou. E a razão é elementar: volvidos mais de treze anos sobre aquela data, e realizadas inúmeras diligências de prova, ainda se discutem atualmente as causas do incêndio, os valores de reconstrução, a interpretação das cláusulas do contrato de seguro, a ausência de elementos para avaliar, p. ex., os danos na instalação eletréca e sua reconstrução, etc…, razão por que se mantém o facto não provado em d), sendo certo que, como assinala a recorrente, se verifica uma imprecisão no ponto 48.º, pois onde consta “2020”, deve ler-se “2010”.
Em sede de impugnação de facto, também a Ré se insurge contra a decisão de facto.
Começamos por afirmar não assistir razão à A. quando, em contra-alegações, entende não ter sido cumprido pela Ré o ónus previsto no art. 640.º, n.º 1 b) e n.º 2, daí concluindo não poder a mesma beneficiar do prazo de mais 10 dias que resulta do art. 638.º, n.º 7, CPC.
É que, por um lado, o alargamento do prazo de 10 dias, em caso de impugnação da decisão de facto, não depende do cumprimento do ónus previsto no art. 640º CPC.
É essa a solução sustentada pelo STJ, como pode ver-se no ac. de 24.10.2019, Proc. 3150/13.0TBPMT.E1.S1, onde se citam diversos arestos no mesmo sentido, como o Ac. do STJ de 28-04-2016 – Proc.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1“A extensão do prazo de 10 dias previsto no art. 638º, nº 7, do CPC, para apresentação do recurso de apelação quando tenha por objecto a reapreciação de prova gravada depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação. Tendo o recorrente demonstrado a vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada, a verificação da tempestividade do recurso de apelação não é prejudicada ainda que houvesse motivos para rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento na insatisfação de algum dos ónus previstos no art. 640º, nº 1, do CPC.”
O Ac. do STJ de 06-06-2018 – Proc.º nº 4691/16.2T8LSB.L1.S1: “… Apesar de não haver lugar à reapreciação da prova gravada, por não fazer parte do objeto da apelação, continua a justificar-se o alongamento do prazo, por mais 10 dias, para a interposição da apelação, se na alegação o recorrente tiver impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente, indicando e transcrevendo os trechos dos depoimentos gravados que, no seu entender, impõem a alteração da matéria de facto.”
O Acórdão do STJ, de 22-10-15 – Proc.º n.º 2394/11.3TBVCT.G1.S1: “Contendo a alegação apresentada pelo recorrente uma impugnação séria, delimitada e minimamente consistente da decisão proferida acerca da matéria de facto, deve ter-se por processualmente adquirido, em termos definitivos, que se verificou a prorrogação do prazo para recorrer por 10 dias, independentemente do preciso juízo que ulteriormente se faça acerca do cumprimento do ónus de exacta indicação das passagens da gravação – que naturalmente poderá condicionar o conhecimento de tal impugnação, sem, todavia, pôr em causa a tempestividade do recurso de apelação.”
Por outra parte, a seguradora indicou especificamente a matéria impugnada, alegando omissão da decisão quanto a facto que identificou de forma precisa (cfr. conclusões 2 e 4 das respetivas alegações de recurso); indicou a prova em que assentava esta sua pretensão (pontos 5 a 18), não sendo sequer obrigatória a transcrição dos depoimentos, como resulta da parte final da al. a) do n.º 2 do art. 640.º; tendo ainda discriminado os locais das gravações onde se achariam os segmentos dos depoimentos que coonestavam a sua pretensão (conclusões 5, 6, 7, 8, 9, 1214, 15, 16 e 18).
Insurge-se a Ré contra a não inclusão, entre os factos provados, de uma circunstância que alegou no ponto 6.º do seu articulado de exercício de contraditório, constante da ata de 22.11.2017 (fls. 204 v.º), com o seguinte conteúdo:
(…) fruto de tais esclarecimentos decorrentes do sobredito dever de informação, a autora ficou bem ciente de que o presente contrato de seguro apenas garantia eventos súbitos, imprevistos e acidentais, isto é, ocorridos por mero acaso e, se derivados de acção humana, apenas aqueles eventos que tenham origem em acção involuntária.
Este ponto 6 surge na sequência de outros em que a Ré alegava ter cumprido para com a tomadora de seguro o dever de esclarecimento do contéudo do contrato de seguro[2].
Todavia, dar como provado esse facto entraria em colisão com factos não provados e que o não foram examente por a Ré não ter logrado demonstrá-los, como lhe competia.
Referimo-nos aos pontos m) nem no momento referido em 5) nem posteriormente, foi prestado à Autora qualquer informação/esclarecimento a propósito do teor e alcance das concretas cláusulas que compunham o contrato de seguro, nomeadamente, no que diz respeito às cláusulas que compõem as respetivas condições gerais e especiais que só lhe foram remetidas anos depois; r) aquando da celebração do contrato de seguro em causa nos autos, quer aquando das suas alterações verificadas ao longo do tempo da sua vigência, foram sempre prestadas todas as informações relevantes para a subscrição do mesmo, nomeadamente as suas principais características, o âmbito das garantias prestadas e exclusões dele constantes; s) aquando da celebração do contrato, foi fornecida à Autora uma nota informativa com o resumo das condições e especiais aplicáveis ao contrato; t) no ato da celebração do contrato de seguro em apreço foram ainda explicadas à Autora e colocadas à sua disposição, as condições gerais aplicáveis à apólice de seguro em causa.
A pretensão da Ré de ver incluído entre os factos provados o que agora indica colide frontalmente com os factos não provados que ora se transcreveram e que a Ré não impugnou. Acaso se deferisse tal pedido da Ré gerar-se-ia uma contradição entre esse facto provado e estes não provados, pois se se afirma estar a A. ciente da garantia coberta a respeito de eventos súbitos, imprevistos e acidentais, como manter, por exemplo, a al. m) onde se refere que não foi prestada à Autora qualquer informação/esclarecimento a propósito do teor e alcance das concretas cláusulas que compunham o contrato de seguro, nomeadamente, no que diz respeito às cláusulas que compõem as respetivas condições gerais e especiais que só lhe foram remetidas anos depois?
Tanto bastaria para indeferir a impugnação de facto formulada pela Ré.
Acrescente-se, ademais, que do facto constante em 12, que se mantém como provado nos termos já anteriormente analisados, não resulta a confirmação do facto que a Ré pretende aditar, face ao que resulta não provado e que acima ficou transcrito. Não é por, em 2006, a A. ter proposto a inclusão de atos de vandalismo na cobertura da apólice que se conclui que, em 2010, estava bem ciente de que o contrato de seguro apenas garantia eventos súbitos, imprevistos e acidentais, isto é, ocorridos por mero acaso, até porque o risco de incêndio estava especificamente coberto e apenas por força do que consta nas condições gerais – que a Ré não demonstrou ter dado a conhecer à Ré -, quanto ao que deve entender-se por incêndio, surge este indicado como sendo combustão acidental, assim se excluindo o fogo posto.
Os factos provados são assim os constantes da sentença, com as alterações que agora ficaram decididas:
1. A Ré é uma empresa de seguros, que atua em Portugal, exercendo a atividade seguradora e disponibilizando produtos (seguros e resseguros) nos ramos não vida, devidamente autorizada e licenciada pelo Instituto de Seguro de Portugal para o efeito [ponto 1º da matéria assente do despacho em referência].
2. Em 23/06/2010, a Autora celebrou com a “D... Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A.” um contrato de locação financeira imobiliária, mediante o qual a aludida instituição bancária cedeu à Autora, mediante o pagamento da respetiva renda mensal, o imóvel constituído pelo prédio urbano composto por edifício de rés-do-chão, destinado a indústria, armazém e escritórios e um salão amplo, situado na ..., freguesia ..., concelho da Maia, descrito na 1ª Conservatória de Registo Predial da Maia ...35, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...39 [ponto 2º da matéria assente do despacho em referência].
3. Tal locação financeira correspondeu a um negócio de financiamento da Autora, que, antes da sua celebração, foi proprietária do respetivo imóvel [ponto 3º da matéria assente do despacho em referência].
4. No dia 22/07/2010, cerca das 19.45 horas, no sobredito imóvel sito à Rua ..., ..., deflagrou um incêndio [ponto 4º da matéria assente do despacho em referência].
5. Em 31/03/2004, a Autora que, à data, girava sob a designação “I..., Lda.”, celebrou com a “J..., Companhia de Seguros, S.A.”. o contrato de seguro denominado “Seguro de Multi-Empresarial”, titulado pela Apólice nº ...05, tendo como local de risco o objeto seguro o imóvel, sito na Rua ..., ..., então sua propriedade [ponto 5º da matéria assente do despacho em referência].
6. A referida apólice de seguro foi, entretanto, adquirida pela ora Ré, de acordo com a transferência de carteira devidamente aprovada pelo Instituto de Seguros de Portugal, e com efeitos reportados a 01/07/2004, tendo sido renumerada e, nessa medida, passando a vigorar entre a Autora, respetiva tomadora, e a ora Ré como apólice nº ...05 [ponto 6º da matéria assente do despacho em referência].
7. À data do incêndio, a apólice de seguro celebrada entre a Autora e a Seguradora Ré encontrava-se válida e em vigor [ponto 7º da matéria assente do despacho em referência].
8. A referida apólice contempla, entre outras, a cobertura designada “incêndio, raio e explosão”, sendo o valor do capital seguro para o aludido período e risco de €2.101.250, sendo aplicável, em caso de sinistro, uma franquia de 5% do valor do sinistro, com o valor mínimo de € 25 [ponto 8º da matéria assente do despacho em referência].
9. A apólice contempla ainda, em primeiro risco, a cobertura de “demolição e remoção de escombros” com o capital seguro de €78.769,88, sendo aplicável, em caso de sinistro, uma franquia de 5% do valor do sinistro, com o mínimo de € 25 [ponto 9º da matéria assente do despacho em referência].
10. De acordo com a definição de riscos que consta das condições gerais da apólice identificada em 5) “incêndio” corresponde a combustão acidental, com desenvolvimento de chamas, estranha a uma fonte normal de fogo, ainda que nesta possa ter origem, e que se pode propagar pelos seus próprios meios [resposta aos artigos 14º, 55º da contestação].
11. Além da garantia relativamente aos danos diretamente causados aos bens identificados nas condições particulares, a cobertura referida em 10) garantia ainda os danos diretamente causados aos mesmos bens em consequência dos meios empregues para o combater, calor, fumo ou vapor resultantes imediatamente do incêndio e ainda remoções ou destruições executadas por ordem de autoridade competente ou praticadas com o fim de salvamento, se o forem em razão dos factos previstos [resposta aos artigos 27º da petição inicial, 13º da contestação].
12. Em 11 de Abril de 2006, a Autora à data sob a denominação I..., S.A. dirigiu à Ré uma proposta de alteração da apólice identificada em 6) por via da qual pretendia incluir no acordo a cobertura de atos de vandalismo [resposta ao artigo 7º do articulado de exercício do contraditório apresentado pela Ré em sede de audiência prévia].
13. A Ré recusou por ter definido que as apólices transitadas da J... não seriam alteradas [resposta ao artigo 7º do articulado de exercício do contraditório apresentado pela Ré em sede de audiência prévia].
14. Na data referida em 4) o imóvel identificado em 2) encontrava-se dividido em duas naves autónomas, nascente e poente, separadas por um corredor interior central, na direção norte – sul que dava acesso ao exterior através de um portão em ferro situado no extremo sul, bem como um posto de transformação [resposta aos artigos 8º da petição inicial, 23º da contestação].
15. O edifício foi construído em finais da década de 1970, pertencera a uma indústria de produção de fios têxteis designada “K..., S.A.” que o ocupou no exercício da sua atividade até ser declarada insolvente [resposta aos artigos 9º da petição inicial, 22º da contestação].
16. O edifício era constituído por paredes em tijolo rebocado, com cobertura em chapa de fibrocimento assente numa estrutura metálica, dotado de teto falso forrado a lã de vidro [resposta aos artigos 10º da petição inicial, 23º da contestação].
17. De acordo com a planta, a descrição referida em 14) dizia respeito a duas edificações independentes e posto de transformação (18 m2), separadas por um corredor de passagem (275 m2) e a seguinte composição:
- nave nº 1 situada à direita por referência à fachada principal: espaço amplo com 2.585 m2; - nave nº 2 situada à esquerda com a mesma referência: diversas compartimentações, identificadas em planta, com a área de 2.108 m2, com as seguintes ocupações: divisões administrativas (150 m2); refeitório, laboratório (98 m2); armazém (283 m2); oficina (100 m2); produção (1.000 m2); balneários e corredor de acesso (477 m2) [resposta aos artigos 11º da petição inicial, 22º, 23º da contestação].
18. Por escrito datado de 1 de Junho de 2009, a Autora, representada pelo presidente do conselho de administração, BB, declarou “arrendar” a Empresa L..., Ld.ª, representada por MM, que declarou aceitar, a nave esquerda do prédio identificado em 2) pelo prazo de um ano, com início nessa data, renovável por iguais períodos, destinado à fabricação de tecidos, mediante a contrapartida anual de €60.000, a pagar em duodécimos mensais de €5.000 cada [resposta ao artigo 12º da petição inicial].
19. Na data referida em 4) a sociedade identificada em 18) utilizava a nave poente como armazém de mercadorias, na sua maioria fio têxtil e malhas [resposta ao artigo 12º da petição inicial].
20. No interior da nave nº 2, situada à esquerda por referência à fachada principal do imóvel, estavam armazenadas várias máquinas retrocedoras pertencentes a “M..., Ld.ª assim como rolos de tecidos de poliéster e algodão acondicionados em paletes de madeira e bobinas de fio do mesmo material pertencentes à sociedade identificada em 18) [resposta aos artigos 34º e 35º da contestação].
21. Entre as 19h00 e 19h15 da data referida em 4), o administrador da Autora, BB, deslocou-se ao imóvel, na companhia de KK, motorista da sociedade N... – Empresa de Transportes, S.A. também por aquele administrada, com o intuito de retirar de uma divisão administrativa, um cofre, o que não conseguiram, face à dimensão deste [resposta aos artigos 24º, 26º da contestação].
22. O referido administrador aproveitou a ida do motorista ao imóvel para descarregar uma encomenda de malha felpa Italiana – 52/48% polyester, no total de 1.292,50 kg, a pedido da sociedade referida em 16) [resposta ao artigo 25º da contestação].
23. Tanto o administrador da Autora como o motorista afirmaram nada terem detetado de anormal no imóvel que pudesse supor o incêndio [resposta ao artigo 27º da contestação].
24. Cerca das 19h30, NN, gerente da sociedade “O..., Unipessoal, Ld.ª” cuja sede se situa no pavilhão a poente do edifício identificado em 2) encontra-se a fechar o estabelecimento quando se apercebeu de ruídos no telhado, que foram aumentando e saindo constatou tratar-se de detritos que caíam sobre aquele e que da zona poente da cobertura do pavilhão da Autora saiam fumo e labaredas [resposta aos artigos 29º, 30º 31º da contestação].
25. Dado o alerta do incêndio para os bombeiros pelas 19h41, a primeira corporação saiu do quartel dos bombeiros voluntários de ... pelas 19h45 chegando ao local cerca de 5 minutos depois [resposta aos artigos 32º, 33º da contestação].
26. O incêndio atingiu rapidamente elevadíssimas proporções, tendo sido dado como extinto já depois das 15h00 do dia seguinte, não obstante o esforço de 53 bombeiros, apoiados por vinte viaturas de nove corporações de bombeiros e o apoio da GNR, da Polícia Judiciária, da Cruz Vermelha, da Câmara Municipal e da Proteção Civil da Maia [resposta ao artigo 36º da contestação].
27. Para apuramento das causas do incêndio foi instaurado processo de inquérito que correu termos com o nº 1088/10.5JAPRT com investigação a cargo da Polícia Judiciária. [resposta aos artigos 37º, 38º da contestação].
28. Em 28/07/2010, a Autora participou o sinistro à seguradora Ré, acionando a apólice de seguro em causa nos presentes autos [ponto 10º da matéria assente do despacho em referência].
29. Por seu turno, a seguradora Ré recebeu a participação do sinistro, procedeu à abertura do correspondente processo e efetuou e/ou diligenciou no sentido da realização das averiguações que considerou adequadas [ponto 11º da matéria assente do despacho em referência].
30. Durante os trabalhos de remoção dos escombros e análise do local realizados em 27 de Julho e 16 de Agosto de 2010, realizados com coordenação da Polícia Judiciária, a equipa do Laboratório de Polícia Cientifica recolheu diversos vestígios, registados da seguinte forma:
- vestígio 1 – recolha de líquido de cor acastanhada que se encontrava dentro de um garrafão plástico com a capacidade de 5 Lt. e com rótulo “Arauto – Água desmineralizada”, localizado do lado direito à entrada do corredor de acesso aos pavilhões;
- vestígio 2 – recolha de um liquido de açor acastanhada que se encontrava no interior de um jerrican cortado, localizado do lado esquerdo à entrada do corredor de acesso aos pavilhões junto a um saco de plástico com aparas de madeira;
- vestígio 3 – saco de papel com três garrafões plásticos de água, com capacidade de 5 Lt. E com rótulo “Outeirinha” entre outros, localizado no exterior das instalações por baixo de um canteiro de flores, sendo vestígio 3A – recolha de um líquido de cor amarelada de um dos garrafões; vestígio 3B – recolha de um liquido de cor acastanhada de um dos garrafões; vestígio 3C – recolha de um líquido de cor azulada de um dos garrafões; - vestígio 4 – recolha de fragmentos de tecido carbonizado que se encontravam na zona do pavilhão mais próxima da entrada;
- vestígio 5 – recolha de material não identificado carbonizado junto ao piso na zona de fragmentação do mesmo [resposta aos artigos 40º, 41º, 42º, 52º da contestação].
31. Submetidos a análise química foi detetada a presença de:
- gasóleo nas amostras dos vestígios 1, 3A, 3B e 3C;
- um produto inflamável de origem petrolífera na amostra do vestígio 2;
- gasolina na amostra do vestígio 4 [resposta ao artigo 42º da contestação].
32. Os danos observados no que sobrou das mercadorias e equipamentos existentes no interior do imóvel, assim como nas paredes e pavimento, permitiram identificar três focos de incêndio simultâneos, distintos e sem linhas de propagação entre si, situados, respetivamente, na zona central da nave poente, onde estavam amontoadas várias paletes com bobines de fio e rolos de tecido, na zona próxima do quadro elétrico e na zona de armazenamento de tecidos, situada do lado esquerdo da entrada nessa nave [resposta ao artigo 43º da contestação].
33. A investigação realizada concluiu pela exclusão de origem o incêndio em causa elétrica e pela existência de vestígios de ato voluntário humano com recurso a acelerantes de combustão com o seguinte fundamento:
- aquando da chegada dos bombeiros, pelas 19h50, a estrutura da cobertura em fibrocimento, assente em asnas metálicas e revestido a teto falso e placas de aglomerado havia colapsado, na zona central;
- a amplitude dos danos provocados pelo fogo e o curto espaço de tempo em que o incêndio se desenvolveu eram compatíveis com um fogo rápido;
- os incêndios com origem em problemas elétricos têm combustão lenta progredindo a partir do(s) local/locais onde a avaria/curto circuito se verifica(m);
- múltiplos focos localizados em zonas distintas do imóvel;
- chão fragmentado no local do foco central compatível com escorrência de líquido infamável;
- progressão ascendente numas zonas e descendente noutras, compatível com derramamento de líquido inflamável em diversos locais e alturas diferentes, mas foi proferido despacho de arquivamento por não terem sido recolhidos indícios que sustentassem a acusação e subsequente julgamento dos arguidos, identificados em 21) [resposta aos artigos 44º, 45º, 46º,47º, 50º da contestação].
34. Na data e local em causa não se registou qualquer trovoada ou outra intempérie que pudesse ter dado azo ao incêndio dos autos [resposta ao artigo 53º da contestação].
35. O imóvel estava à venda, encontrando afixado um reclame publicitário fixado na platibanda da cobertura do imóvel, com a inscrição “Vende/Arrenda”, afeto à mediadora imobiliária “P... /...” [resposta ao artigo 21º da contestação].
36. A referida imobiliária vinha tentando, sem sucesso, a pedido da Autora, comercializar o aludido edifício, há mais de um ano, por referência à data do incêndio, sem ter recebido qualquer proposta para a compra [resposta ao artigo 61º da contestação].
37. O incêndio consumiu a quase totalidade da nave poente do edifício [resposta ao artigo 14º da petição inicial].
38. Em consequência do incêndio e dos trabalhos levados a efeito pelos bombeiros em ordem à respetiva extinção, a nave poente ficou danificada no interior, incluindo paredes divisórias, teto e pavimento, assim como a cobertura, que veio a ruir, ficando em pé as paredes exteriores e uma zona situada a sul [resposta aos artigos 14º, 15º da petição inicial].
39. Por efeito do incêndio e do seu combate, a nave poente registou a destruição de:
- cobertura em chapa de fibrocimento (1.960 m2);
- estrutura metálica de suporte à cobertura em: pilares IPE 300 e 200 (6.650 kg), vigas IPE 270, 240 e 100 (19.795 kg), madres refaz Ómega 130 (8.100 kg) e chapa de ligação (2.300 kg);
- platibanda interior da cobertura chapa perfilada (300 m2) e caleiros em chapa galvanizada (200 ml);
- tetos falsos em placas cartonadas (1.400 m2), pintura e reboco de paredes (3.280 m2);
- paredes divisórias em tijolo de 15 (1.082 m2) e de 11 (80 m2);
- pavimentos em cimento (1.500 m2);
- portas, portões interiores metálicos e vidros;
- instalação elétrica [resposta aos artigos 16º da petição inicial, 77º da contestação].
40. Em face do elevado grau de destruição causado na nave poente do edifício em consequência do incêndio, com vista a evitar o risco de danos nas construções vizinhas, devido ao perigo de derrocada dos elementos do edifício que, ainda que carbonizados, ficaram erigidos, a Autora diligenciou pela sua demolição parcial e ulterior remoção de escombros, o que foi concretizado durante o mês de Agosto de 2010 [resposta aos artigos 17º, 18º da petição inicial].
41. A Autora despendeu quantia não concretamente apurada nos trabalhos referidos em 40) [resposta ao artigo 19º da petição inicial].
42. Os compartimentos de divisões administrativas registaram apenas danos ao nível da cobertura e pintura de tetos e paredes, pelo efeito do fumo e da água [artigo 78º da contestação].
43. Para o apuramento dos valores necessários à reparação dos indicados danos, na primeira reunião com o administrador da Autora, os averiguadores da Ré solicitaram-lhe documentos para instruírem o processo, a saber: planta do imóvel, orçamento discriminado (área, custo e trabalhos) para a reparação do imóvel [resposta ao artigo 81º da contestação].
44. Em data não concretamente apurada reiteraram o pedido por não lhe terem sido facultados os elementos referidos em 43) [resposta ao artigo 82º da contestação].
45. Em 20 de Setembro a Autora remeteu dois orçamentos elaborados por “G..., Ld.ª” e “Q..., Ld.ª” nos valores de €231.254,50 e €278.900, respetivamente, para a reconstrução do imóvel [resposta ao artigo 83º da contestação].
46. Posteriormente, o administrador da Autora transmitiu aos averiguadores que os referidos orçamentos não refletiam os custos necessários à reconstrução do imóvel e enviaria outros [resposta ao artigo 84º da petição inicial].
47. Em 16 de Novembro e 3 de Dezembro de 2010, na ausência de qualquer resposta por parte da Autora, os averiguadores da Ré solicitaram certidão de autoridade, projeto elétrico e orçamento discriminado por trabalho, área e custos unitários para a reparação do imóvel [resposta ao artigo 87º da contestação].
48. O envio do orçamento referido em 46) concretizou-se através de missiva datada de 27 de Dezembro de 2010, recebida pela Ré no subsequente dia 29, no valor de € 375.317,40 da primeira sociedade identificada em 42) justificando a Autora “1. A área de pintura a ter em conta foi corrigida para o valor real; 2. Os valores da construção metálica foram corrigidos obedecendo ao tipo de perfis que têm de ser utilizados; 3. O valor da remoção de escombros foi corrigido para o valor real” [resposta aos artigos 22º da petição inicial, 84º, 89º da contestação].
49. Na missiva referida em 45) foi igualmente remetido um projeto elétrico elaborado pela “H...”, e um orçamento no valor de € 112.149,80, referindo a Autora que “o valor de reconstrução do sistema elétrico foi corrigido tendo em conta o projeto que V. Exas. exigiram que fosse executado” [resposta ao artigo 88º da contestação].
50. Em 4 de Janeiro de 2011, os averiguadores comunicaram à Autora “em nenhuma comunicação efectuada ou contacto havido, solicitámos a elaboração de um projecto eléctrico, antes, manifestámos e reiterámos a necessidade de apresentação do projecto eléctrico do imóvel sinistrado, executado aquando da sua construção, que na eventualidade de não se encontrar em vossa posse terá de ser solicitado à Direcção Geral de Energia” [resposta ao artigo 90º da contestação].
51. Por missiva datada de 24 de Janeiro de 2011, a Autora comunicou à Ré que para requerer o projeto mencionado em 49) não precisavam que o fizesse e que não toleraria mais atitudes desse tipo [resposta ao artigo 91º da contestação].
52. O interesse da Ré no projeto elétrico original do imóvel prendeu-se com o facto de se ter apercebido, pelos orçamentos apresentados pela Autora, que o referido em 49) configurava um projeto novo que contemplava, nomeadamente, o custo da instalação de iluminação e força motriz de apoio a maquinaria industrial, que não fazem parte integrante do edifício [resposta ao artigo 92º da contestação].
53. A Autora não entregou à Ré o projeto elétrico executado aquando da construção do edifício [resposta ao artigo 93º da contestação].
54. Os trabalhos de construção civil necessários à reposição do imóvel na situação anterior à do sinistro implicam serviços de mão-de-obra e fornecimento de materiais que, em 2010, tinham um custo de € 211.821, 00, acrescido de IVA, tendo desde então e até à atualidade, a mão de obra – que corresponde a 70% daquele valor – sofrido um aumento de 7%. Tais trabalhos consistiam no seguinte:
a) paramentos verticais em alvenaria:
- de 0,15m com acabamento areado nas duas faces: €9.250;
- de 0,15m com acabamento areado numa face: €24.000;
- de 0,11m com acabamento nas duas faces: €2.500;
b) pintura e fornecimento de vidros: €2.100;
c) portões metálicos (fornecimento e montagem de três portões): € 4.200;
d) cobertura (fornecimento/montagem revestimento metálico perfilado): €46.100;
e) fornecimento/montagem de estrutura metálica: €85.551;
f) fornecimento e montagem do sistema de recolha águas pluviais: € 8.300;
g) pavimento: fornecimento e montagem pavimento em betão reforçado: €29.820 [resposta aos artigos 22º da petição inicial, 95º, 96º da contestação].
55. A obra em causa carecia de trabalhos de demolição e remoção de escombros que, em 2010, ascendiam a €25.000,00, mais IVA, valor que seria hoje de mais 10-15%, por força da necessidade de materiais diferenciados (conforme legislação atual) e do aumento de custos, designadamente com combustível.
56. Com base no orçamento aludido em 49), excluindo serviços de mão-de-obra e de fornecimento de materiais não existentes à data do sinistro, o custo da instalação elétrica no local do sinistro ascende a €54.307,40, acrescido de IVA, com a seguinte discriminação:
a) rede de distribuição em baixa tensão:
- tubo PEAD 160mm, 250 metros a € 8,20/m: €2.050;
- cabo XV-U5 x 1,5mm2, 52 metros a € 1,80/m: €93,60;
- cabo XV-U5G6mm2, 18 metros a € 5/m: € 90;
- cabo XV-R5G16 mm2, 110 metros a € 11,50/m: €1.265;
- cabo XV-R 3X95+2G50mm2, 35 metros a € 50/m: €1.750;
b) quadros elétricos:
- 1 quadro geral: € 10.800;
- 1 quadro da zona administrativa: € 1.640;
- 1 quadro da copa: € 480;
- 2 botoneiras de emergência a € 70/unidade: €:140;
d) terra de proteção: fornecimento e montagem de cabo Nu e piquetes de terra: € 250;
d) iluminação normal e de emergência:
- fornecimento e montagem de tubo embebido VD 20 ml, 240 metros a € 1,40/m: € 336;
- fornecimento e montagem de tubo VD20 assente em abraçadeiras 730 metros a € 2,20/m: € 1.606;
- 16 caixas derivação embeber a € 4,70/unidade: €75,20;
- 84 caixas derivação saliente a € 5,70/unidade: € 478,80;
- 27 aparelhagens a € 1,20/unidade: €32,40;
- fornecimento e montagem de cabo XV-U 2X1,5 85 metros a €1,20/m: € 102;
- fornecimento e montagem de cabo XV-U 3G1,5, 1.565 metros a € 1,30/m: € 2.034,50;
- fornecimento e montagem de cabo XV-U 5G1,5, 320 metros a €1,80/m: € 576;
- fornecimento e montagem de cabo XV-U 10X1,5, 12 metros a €3,20/m: € 38,40;
- fornecimento e montagem cabo XV-U 24X1,5, 30 metros a € 6/m: €180; - 13 interruptores de aparelhagem a € 8,50/unidade: €110,50;
- 5 comutadores de lustre a € 11,50/unidade: € 57,50;
- 8 comutadores de escada a € 10/unidade: €80,00;
- 1 célula de emergência: € 40;
- 2 caixa comando iluminação a € 350/unidade: €700;
- 2 luminárias Tipo A1 a € 120/unidade: € 240;
- iluminação normal e emergência:
- 2 luminárias Tipo A2, € 115/unidade: € 230;
- 7 luminárias Tipo A3.1 a € 90/unidade: € 630;
- 10 luminárias Tipo A3.2 a € 110/unidade: € 1.100;
- 1 luminária Tipo 4: € 36;
- 8 luminárias Tipo A5.1 a € 45/unidade: € 360;
- 1 luminária Tipo A5.2: € 80;
- 3 luminárias Tipo A6.1 a € 65/unidade: € 195;
- 174 luminárias Tipo A6.2 a € 90/unidade: € 15.660;
- 9 luminárias de emergência Tipo E1 2X8w a € 130/unidade: €1.170;
- 7 luminárias de emergência Tipo E2 2X35w a € 490/unidade: €3.430;
e) tomadas usos gerais e alimentação equipamentos:
- fornecimento e montagem de tubo Isogris 20mm, 360 metros a €1,20/m: € 432;
- fornecimento e montagem de tubo Isogris 25mm, 185 metros a €1,70/m: € 314,50;
- tubo para prumadas hidronil 40mm, 96 metros a € 5,10: €489,60;
- fornecimento e montagem de 26 caixas derivação embebida a €4,70/unidade: €122,20;
- fornecimento e montagem de 64 caixas derivação a €5,70/unidade: € 364,80;
- 22 caixas de aparelhagem a € 1,20/unidade: € 26,40;
- 43 caixas de aparelhagem duplo fundo a € 5/unidade: €215;
- fornecimento e montagem cabo XV-U 3G2,5, 380 metros a €1,60/m: € 608;
- fornecimento e montagem cabo XV-U 5G2,5, 420 metros a €2,40/m: € 1.008;
- esteira metálica 100x60mm, 85 unidades a €11/unidade: €935;
- esteira metálica 200x60mm, 102 unidades a € 12,50/unidade: €1.275;
- 20 calhas DLP de rodapé 105x50mm a € 19/unidade: €380 [resposta aos artigos 22º da petição, 102º da contestação].
57. O valor referido em 56) não contempla fornecimento e montagem de cabos elétricos afetos à força motriz de maquinaria de fiação que em tempos ali esteve instalada, por serem amovíveis e adaptados à atividade industrial de fiação já não exercida no imóvel à data do sinistro [resposta aos artigos 105º, 106º, 107º da contestação].
58. Ao abrigo da cláusula 8ª b) do acordo identificado em 2) a instituição financeira autorizou a Ré a proceder ao pagamento da indemnização por danos emergentes do sinistro ocorrido em 22 de Julho de 2010 até ao montante máximo de €390.463,34 diretamente à Autora [resposta ao artigo 23º do requerimento de exercício do contraditório apresentado pela Autora em 24 de Outubro de 2016].
59. Correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, sob o processo n.º 476/11.0TJVNF, ação executiva tendo como exequente OO e a Autora como executada, para cobrança de €410.219,18 [resposta ao artigo 59º da contestação].
60. Por referência à apólice nº ...33 outorgada entre “M..., Lda., identificada em 20) e J..., Companhia de Seguros, S.A., também integrada na carteira de seguros da Ré, a primeira intentou contra a terceira ação que correu no 2º Juízo de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão sob nº 3345/11.0TJVNF, reclamando indemnização no valor de €498.375,80, alegadamente correspondente ao valor de 11 máquinas retrocedoras que teriam resultado destruídas no incêndio [resposta aos artigos 71º, 72º da contestação].
61. A ação identificada em 60) foi julgada totalmente improcedente em 1ª instância com fundamento na origem por ato voluntário humano do incêndio e por não cobertura de atos de vandalismo [resposta ao artigo 72º da contestação].
62. Interposto recurso da sentença referida em 61) a mesma veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, transitando posteriormente em julgado [resposta ao artigo 73º da contestação].
63. A Autora participou à Ré um alegado furto de toda a instalação elétrica da parte do imóvel identificado em 2) não foi afetada pelo incêndio, bem como danos no teto falso [resposta ao artigo 62º da contestação].
64. A Autora intentou igualmente ação devido ao furto da instalação elétrica do posto de transformação que integra o imóvel identificado em 2) [resposta ao artigo 66º da contestação].
65. Com vista à outorga do acordo referido em 2) a Autora solicitou ao mediador PP, com quem há largos anos trabalhava, que diligenciasse pela associação da locadora financeira como beneficiária da apólice identificada em 5), o que sucedeu [resposta ao artigo 5º do articulado de exercício de contraditório apresentado em 4 de Dezembro de 2017].
Não provados todos os restantes factos, designadamente os já acima transcritos e constantes da sentença recorrida.

Das nulidades da sentença arguidas pela A.:
Ao longo das conclusões, nomeadamente a propósito da impugnação da decisão de facto, a A. esgrime com a nulidade da sentença, invocando o disposto no art. 615.º, n.º 1 al. d) CPC. Tratar-se-ia de omissão de pronúncia de questões que o tribunal devesse apreciar.
Dispõe o art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC, ser nula a sentença quando o juiz se não pronuncie sobre questões que devesse apreciar.
Trata este normativo de uma das situações de deficiência da sentença quanto aos seus limites, regulando o aspeto da omissão sobre questões cuja apreciação foi submetida ao tribunal. Ou seja, deve o juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e de todas as exceções invocadas.
Tal normativo constitui o contraponto do disposto no art. 608.º, n.º 2 que impõe que a sentença resolva as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
As questões que as partes submetem à apreciação são aquelas que constituem o pedido e a causa de pedir, isto é, o objeto da ação, e, bem assim, as que integram a defesa excetiva.
É, pois, evidente que a desconsideração de um meio de prova ou a ausência de um determinado raciocínio entre meios de prova apresentados, raciocínio que a recorrente entende dever ser efetuado, não integra aquela noção de questões, nem se impõe ao juiz que, a propósito de todos os documentos ou meios de prova os coteje com outros em ordem a extrair a conclusão que interessa à parte.
Para além disso, como expôs o tribunal a quo, no despacho de 18.5.2023, os meios de prova em causa foram concretamente ponderados na sentença, aliás exaustiva e detalhadíssima em matéria de motivação da decisão de facto.
É, pois, improcedente a nulidade arguida em LI e LII das conclusões de recurso da A.

Fundamentação de Direito
Neste contexto, ambas as partes recorrem quanto ao âmbito de cobertura do seguro. Por tal razão, no que concerne a tal segmento, começamos por ponderar os argumentos de A. e Ré, por se mostrarem interligados.
A sentença recorrida efetuou corretamente o enquadramento jurídico do contrato ajuizado como sendo um contrato de seguro de danos, explicitando que «Atualmente, decorre do artigo 32.º n.º 1 do diploma anexo ao DL n.º 72/2008 que a validade do contrato de seguro não depende da observância de forma especial, no entanto, prevê no n.º 2 que o segurador é obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro, e a entregá-lo ao tomador do seguro, devidamente datado e assinado. Tal entrega é essencial na medida em que não são oponíveis pelo segurador clausulas que não constem da apólice, sem prejuízo do regime do erro negocial, sendo que em caso de atraso na entrega não são oponíveis pelo segurador clausulas que não constem de documento escrito assinado pelo tomador do seguro ou a ele anteriormente entregue.
Contudo, a apólice continua a ser um instrumento fundamental para aferir da convenção dos contraentes. Tal decorre do artigo 37.º que dispõe que a apólice inclui todo o conteúdo do acordado pelas partes, nomeadamente, as condições gerais, especiais e particulares aplicáveis, dela devendo constar, no mínimo, os seguintes elementos:
a) a designação de “apólice” e a identificação completa dos documentos que a compõem;
b) a identificação, incluindo o número de identificação fiscal, e o domicílio das partes, bem como, justificando-se, os dados do segurado, do beneficiário e do representante do segurador para efeito de sinistros;
c) a natureza do seguro;
d) os riscos cobertos;
e) o âmbito territorial e temporal do contrato;
f) os direitos e obrigações das partes, assim como do segurado e do beneficiário;
g) o capital seguro ou o modo da sua determinação;
h) o prémio ou a fórmula do respetivo cálculo;
i) o início de vigência do contrato, com indicação de dia e hora, e a sua duração;
j) o conteúdo da prestação do segurador em caso de sinistro ou o modo de o determinar;
l) a lei aplicável ao contrato e as condições de arbitragem.
Prevê o n.º 3, ainda, que a apólice deve incluir escritas em caracteres destacados e de maior dimensão do que os restantes:
a) as cláusulas que estabeleçam causas de invalidade, de prorrogação, de suspensão ou de cessação do contrato por iniciativa de qualquer das partes;
b) as cláusulas que estabeleçam o âmbito das coberturas, designadamente, a sua exclusão ou limitação;
c) as cláusulas que imponham ao tomador do seguro ou ao beneficiário deveres de aviso dependentes de prazo.»
Pretende a A. se considere dado como provado estarem incluídos nas garantias de cobertura da apólice dos autos os danos decorrentes de atos de vandalismo, circunstância que, não estando escrita na apólice, nem nas respetivas condições gerais ou particulares, corresponderia ao pretendido pela A., face às exigências da locadora financeiras, não estando, por outro lado, excluída nas condições gerais – art. 2.º d).
Todavia, a primeira consideração a fazer é a que respeita à ausência desta pretensão entre os factos constantes da pi, pois nunca aí se afirmou decorrer a responsabilidade da seguradora da existência de um seguro por atos de vandalismo, aludindo-se apenas à cobertura por “incêndio, raio e explosão”. Sequer na resposta à contestação, pelo articulado de 24.10.2016, em que invoca a violação pela Ré do dever de informação quanto ao teor das cláusulas contratuais gerais, se refere a demandante aos atos de vandalismos como tendo sido contratados e, mesmo assim, permanecerem omissos nas cláusulas escritas.
A pretensão da A., em fase de recurso, é, por isso, inaceitável porque violadora do princípio do dispositivo, alterando a causa de pedir e desprezando o direito de defesa da Ré.
Ora, a causa de pedir só pode ser alterada existindo acordo da parte contrária ou resultando de confissão do R., o que aqui não sucede (arts. 264.º e 265.º, n.º 1, CPC).
Por outra parte, não serve para dar como provado o facto de estar incluído no contrato de seguro a cobertura de atos de vandalismo a circunstância de a Ré não ter efetuado prova, como lhe competia, da comunicação à A. de quais as coberturas não incluídas no contrato, pois o que o dever de comunicação constante do art. 5.º do DL 446/85, de 25.10, que instituiu o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, impõe a comunicação à parte que as não redigiu e se limitou a aceitá-las do conteúdo das cláusulas por si subscritas, sob pena de serem consideradas excluídas no negócio (art. 8.º).
Nada se dizendo no contrato de seguro sobre atos de vandalismo é de presumir estar essa fonte de dano incluída no contrato de seguro, quando o sinistro em causa foi um incêndio e sendo certo estar este expressamente incluído no âmbito de cobertura do seguro, mas com uma extensão e definição que não foi dada a conhecer à A.?
A resposta é, necessariamente, negativa.
Se se exigisse a exclusão expressa dos atos de vandalismo do âmbito da cobertura, que sentido teria a referência contratual à cobertura de incêndio (a despeito do que posteriormente ali se contempla quanto ao que deve entender-se por tal)?
E que equilíbrio negocial teríamos, sendo que, não tendo assumido esse risco, a Ré também não cobrou – nem a A. o pagou – o prémio correspondente a essa cobertura?
Não pode, assim, considerar-se incluída no contrato a garantia por atos de vandalismo, até porque a A., já anteriormente à locação financeira, pretendeu incluir expressamente essa cobertura no seguro e o certo é que, como se diz na sentença recorrida (p. 19), das condições particulares da apólice (fls. 18 v.º a 20) não consta a cobertura de atos de vandalismo e esse documento, que se “encontrava na posse da A., refere-se ao início de 15.6.2010 e ao vencimento anual de 31.3, pelo que a mesma não podia ignorar, pela sua literalidade, em momento anterior ao sinistro (tem aposto carimbo com a data de 13.07.2010) que os atos de vandalismo não se encontravam abrangidos”.
A questão essencial desloca-se, então, para o que deve entender-se por incêndio, este coberto pela apólice.
A situação foi resolvida na sentença recorrida da seguinte forma (p. 66 e ss.):
«Coloca-se, no entanto, a questão de saber se, ainda assim, a Autora poderá ser indemnizada pela Ré pelos prejuízos sofridos pelo incêndio, em função da noção comum desse evento, acessível à população em geral, não detentora de conhecimentos jurídicos, designadamente, em contraposição à definição corrente de ato de vandalismo.
Realizando várias pesquisas, verificamos que a primeira palavra é associada a “fogo destruidor, que lavra com intensidade, geralmente assumindo grandes proporções”, “destruição provocada pelo fogo” ou “combustão não controlada” e a segunda a “acto próprio de vândalo”, “destruição ou mutilação do que é notável pelo seu valor artístico ou tradicional”, “ato que procura deliberadamente destruir ou danificar propriedade alheia, pública ou privada, sem outro propósito que o de causar ruína”, “destruição de património que a sociedade valoriza pela sua importância cultural, histórica, etc.”.
É certo que o recente Acórdão Uniformização de Jurisprudência de 19 de Outubro de 2022, pronunciando-se sobre uma cláusula de contrato de seguro que acolhe a definição também prevista no negócio jurídico que nos ocupa, salienta que:
“- a combustão acidental que constitui conceptualmente o sinistro no contrato de seguro de incêndio é aquela que nasce espontaneamente, sem programação ou premeditação, de forma fortuita e casual, inadvertidamente, o que não sucede quando o incêndio é provocado voluntariamente, de forma dolosa, por terceiro”.
- “a exclusão da cobertura por actos dolosos do segurado ou das pessoas por quem seja civilmente responsável, sendo óbvia e incontornável, não consente a possibilidade de extrair dela qualquer outra ilação em termos interpretativos, em especial, por um raciocínio de pretenso e enviesado a contrario sensu, a de que o seguro passaria a partir daí a abranger a cobertura em relação aos actos dolosos de terceiro (como se unicamente se devesse excluir do seu âmbito aquela categoria de actos do próprio segurado – enquanto infractor e beneficiário dos efeitos da sua infracção -, evidentemente não cobertos).
- os direitos do segurado poderão ser, em contraponto, tutelados e assegurados pelo escrupuloso cumprimento dos deveres de comunicação e informação que incumbem à predisponente, nos termos gerais dos artigos 5º e 6º do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro, atento o ónus de prova fixado no nº 3 do artigo 5º do citado diploma (sob pena da exclusão prevista no artigo 8º, alínea a)), desde que seja devidamente invocado pelo interessado, no processo judicial respectivo, o seu incumprimento pela seguradora (…)
- não poderá, portanto, ser acolhida a tese de que a cobertura do incêndio abrange indiscriminadamente qualquer tipo de combustão, fortuita ou provocada, a qual, de todo o modo e mesmo assim, sempre poderia ser, na prática, facilmente contornada pela segurada através da pertinente cláusula de exclusão nesse âmbito dos actos de vandalismo (neste caso respeitantes à destruição intencional de bem alheio pelo atear voluntário de um fogo que o consuma ou danifique seriamente)”.
No entanto, este aresto teve diversos votos de vencido, entre os quais o do Exmo Juiz Conselheiro Oliveira Abreu que defende “a seguradora é responsável pelo pagamento dos danos provocados pelo incêndio, interpretando a cláusula contratual no sentido de a mesma não excluir do seu âmbito e alcance as situações em que o incêndio é dolosamente provocado por terceiro, ainda que sem demonstração da identificação do respetivo autor” e, citando o regime das cláusulas contratuais gerais, em particular o artigo 11.º n.º 1, acerca das cláusulas ambíguas, que manda adotar a teoria da impressão do destinatário, em conjugação com o artigos 150,º n.º 1, e 46.º, da Lei nº 72/2008, afirma “é seguro concluir que, no contexto do contrato, conjugando as aludidas cláusulas, a expressão “combustão acidental” ínsita na definição de incêndio (…) só pode ser interpretada no sentido de que o contrato de seguro cobre o risco de incêndio que não derive, direta ou indiretamente, de ato ou omissão dolosas do tomador do seguro, do segurado ou de pessoas por quem sejam civilmente responsáveis.” e propõe como resposta uniformizadora “a cláusula contratual geral ínsita em contrato de seguro em que se define o sinistro “incêndio” como “combustão acidental”, cobre, no seu âmbito e alcance, o incêndio que não derive, direta ou indiretamente, de ato ou omissão dolosas do tomador do seguro, do segurado, ou de pessoas por quem sejam civilmente responsáveis.”.
Também o Exmo Juiz Conselheiro Rijo Ferreira, igualmente vencido, apresenta os seguintes argumentos:
- “o conceito de ‘declaratário normal’ adoptado no projecto de acórdão extravasa a situação social e o contexto negocial típicos da contratação de seguros, consubstanciando uma pessoa com bons conhecimentos sobre o contrato de seguros, com uma acurada diligência e avultada sagacidade; quando na realidade quotidiana da contratação de seguros (e que todos conhecemos por experiência própria) o segurado/tomador de seguros não tem grande literacia na matéria”;
- “na ponderação das posições da seguradora e do segurado não se pode deixar de ter em conta que (para além da obrigação de informação) impende sobre a seguradora o ónus de formular cláusulas contratuais de modo compreensível, conciso e rigoroso, não sendo exigível ao segurado que, no momento em que adere à proposta contratual uma especial diligência de, desconsiderando aquela obrigação da seguradora, vislumbrar as especiosidades decorrentes da conjugação das diversas cláusulas contratuais”;
- “nesse conspecto compete à seguradora formular as cláusulas contratuais no sentido deixar claramente expresso que estão excluídos do risco de incêndio os comportamentos dolosos de terceiros (e não apenas do segurado); bem como de informar o tomador do seguro da eventual possibilidade de segurar esse risco com a cobertura de actos de vandalismo”;
- “o que nos ensina a experiência comum de vida é que quem celebra um seguro de incêndio visa acautelar a eventualidade de o bem seguro vir a sofrer dano ou a perecer em virtude da ocorrência de incêndio que se mostre imprevisto e inesperado, na medida em que não pode ser imputado, directa ou indirectamente, à sua vontade”.
Afigura-se que os raciocínios explanados nestes votos de vencido devem ser acompanhados pois correspondem à interpretação ajustada ao ordenamento jurídico português e aos cidadãos dele destinatários.
Neste contexto e ponderando que:
- nos termos do artigo 5.º do DL nº 446/85 de 25 de Outubro, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência, cabendo o ónus da prova dessa comunicação adequada e efetiva ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais;
- o artigo 8.º do mesmo diploma estatuir que o incumprimento desse dever de informação determina a exclusão da cláusula dos contratos singulares, perante a ausência de demonstração pela Ré da transmissão à demandante do conteúdo da cláusula em questão e do seu significado na economia do contrato, impõe-se concluir que a noção restrita de incêndio acolhida nas condições gerais da apólice, interpretada no sentido de excluir atos voluntários de terceiro não identificado, não pode ser imposta à Autora e, portanto, a mesma tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos decorrentes do sinistro ocorrido a 22 de Julho de 2010.»
A A. concorda com esta solução.
Porém, a Ré, no seu recurso, partindo do princípio de que se daria como provado estar a A. ciente de que o contrato apenas garantia eventos súbitos, imprevistos e acidentais, frutos do acaso - o que, como vimos, não ficou demonstrado – afasta o incumprimento, por sua parte, do dever de informar sobre o conceito adotado quanto ao risco de incêndio.
Vemos, todavia, que o conteúdo das als, r), s) e t) não provadas, relativas à falta de esclarecimento pela Ré quanto à extensão do conceito de incêndio coberto pelo seguro, não deixa margem para dúvidas sobre o incumprimento pela Ré do ónus de prova relativamente à obrigação de informação cabal que a lei lhe impõe.
E a noção de incêndio referida em 10 dos factos provados nada têm a ver com o pedido que, em 2006, a A. apresentou para introdução de garantia dos atos de vandalismo, pois se o incêndio doloso pode ser considerado um ato de vandalismo, os atos de vandalismo não se circunscrevem ao incêndio doloso.
Assim, mesmo a ter-se demonstrado ter o incêndio dos autos sido causado dolosamente (e pode tê-lo sido de forma involuntária), não tendo resultado apurado que o tivesse sido por alguém relacionado com a A. ou outrem a seu mando – caso em que o art. 46.º do DL 72/2008, de 16.4 (LCS, já vigente ao tempo da renovação do contrato dos autos), excluiria a obrigação de indemnizar a cargo da seguradora – a não comunicação à tomadora do conceito acolhido pela seguradora quanto ao que deve entender-se por incêndio (combustão acidental) determina a exclusão do contrato da cláusula não comunicada ou que a seguradora não demonstrou ter comunicado.
Por uma outra perspetiva, entende a Ré que o conceito de incêndio contido nas condições gerais da apólice, de que não deu conhecimento à A., é afinal um conceito legal e não contratual, pois corresponde à intenção do legislador de 2008 (LCS) que remeteu a regulamentação do seguro de incêndio para o âmbito e menções especiais da apólice. Sendo a noção de incêndio constante do seguro dos autos a fixada pela autoridade administrativa e reguladora da atividade seguradora (o então, o Instituto de Seguros de Portugal), como conceito padrão que vigora em todos os contratos, sejam obrigatórios ou facultativos, conclui-se não ser necessário comunicar tal conceito ao segurado porquanto qualquer contraente minimamente diligente já contaria com o mesmo. Estaria, assim, fora da regulamentação do regime das cláusulas contratuais gerais.
Discordamos deste argumento.
É que, mesmo para os juristas que dispõem de seguro multirriscos, associado, por exemplo, ao mútuo bancário para aquisição de habitação, da afirmação contida na apólice sobre estar incluída cobertura contra incêndio não resulta, de imediato, a ausência de cobertura quando terceiro – por exemplo, um intruso que invada a habitação para furtar – cause um incêndio não acidental no objeto seguro. O conceito adotado pela autoridade administrativa não se revela intuitivo, nem inerente à lógica do contrato de seguro, pelo que a comunicação ao segurado sobre a delimitação da noção de incêndio que está coberta torna-se necessária.
Quantos de nós, perante este argumento, não sentirão necessidade de verificar os seus contratos de seguro para averiguar se deles consta uma qualquer cláusula que limite a noção de incêndio no sentido proposto pela Ré?
Sendo assim, acompanhamos o Exmº Sr. Conselheiro Cura Mariano, quando refere, em voto de vencido ao mencionado AUJ: Da leitura conjugada da definição dos riscos cobertos pelo seguro, pela positiva e pela negativa, para um declaratário normal, sem que este seja colocado na posição do real declaratário, uma vez que, nesta fase de apreciação do recurso, estamos a uniformizar jurisprudência e não a decidir um caso concreto, resulta que os incêndios causados dolosamente por terceiros não deixam de estar cobertos pelo seguro, uma vez que quando se excluíram os incêndios dolosamente provocados apenas se restringiu essa exclusão àqueles que foram provocados pelo próprio segurado ou por pessoas por quem este seja civilmente responsável.
O facto de, na definição pela positiva, dos riscos seguros, se adjetivar a combustão de acidental, só por si, não é insuscetível de conduzir a uma leitura diferente daquela que é induzida pelo âmbito restrito da cláusula de exclusão. O termo acidental não reúne uma capacidade de delimitação dos possíveis eventos geradores de incêndio, que permite dela excluir, aos olhos do declaratário normal, as situações em que o incêndio é provocado por ato doloso de terceiro.
Deste modo, não se vê como pode a Ré referir que a A. – que não conheceu a noção de incêndio pretendida pela demandada – haveria de alegar ter ficado prejudicada pelo incumprimento do dever de informação, pois esse prejuízo resulta concretizado: ser ou não indemnizada dos danos sofridos.
Também se não vê que, invocando desconhecimento da definição de incêndio contida no contrato (definição que, como acabado de referir, consente mesmo as situações em que o incêndio é dolosamente provocado por terceiro), esteja a A. a abusar do seu direito de ação ou de exceção pois que se há campo em que é pertinente o regime das cláusulas contratuais é exatamente o dos seguros, não impondo a lei ao lesado a invocação de outros argumentos, como parece pressupor a Ré, ao aludir a um certo erro-vício ou vício de vontade (a A. teria que alegar que a não informação gorou as suas expetativas?!).
Recorde-se a observação prática e certeira oposta pelo Exm.º Conselheiro Rijo Ferreira àquele AUJ: Afigura-se-me que o conceito de ‘declaratário normal’ adoptado no projecto de acórdão extravasa a situação social e o contexto negocial típicos da contratação de seguros, consubstanciando uma pessoa com bons conhecimentos sobre o contrato de seguros, com uma acurada diligência e avultada sagacidade; quando na realidade quotidiana da contratação de seguros (e que todos conhecemos por experiência própria) o segurado/tomador de seguros não tem grande literacia na matéria.
Por outro lado, na ponderação das posições da seguradora e do segurado não se pode deixar de ter em conta que (para além da obrigação de informação) impende sobre a seguradora o ónus de formular cláusulas contratuais de modo compreensível, conciso e rigoroso, não sendo exigível ao segurado que, no momento em que adere à proposta contratual uma especial diligência de, desconsiderando aquela obrigação da seguradora, vislumbrar as especiosidades decorrentes da conjugação das diversas cláusulas contratuais.
Nesse conspecto compete à seguradora formular as cláusulas contratuais no sentido de deixar claramente expresso que estão excluídos do risco de incêndio os comportamentos dolosos de terceiros (e não apenas do segurado); bem como de informar o tomador do seguro da eventual possibilidade de segurar esse risco com a cobertura de actos de vandalismo.
O que nos ensina a experiência comum de vida é que quem celebra um seguro de incêndio visa acautelar a eventualidade de o bem seguro vir a sofrer dano ou a perecer em virtude da ocorrência de incêndio que se mostre imprevisto e inesperado, na medida em que não pode ser imputado, directa ou indirectamente, à sua vontade.
O incêndio dos autos tem origem criminosa (dolosa ou negligente), mas não se demonstrou que a mesma se tenha ficado a dever à A., seus representantes ou terceiros por si instigados, sendo certo que a cláusula em apreço – mesmo que entendida como ficou exposto no AUJ – não foi comunicada à A. e deveria tê-lo sido.
Assim, a definição de incêndio constante do ponto 10 dos factos provados, não tem validade, sendo de considerar apenas a noção geral de incêndio.
Cabe, assim, à Ré proceder ao pagamento à A. do valor dos danos cobertos pelo contrato de seguro e causados pelo incêndio ajuizado.
Aqui chegados, resta apurar dos danos indemnizáveis e dos juros de mora fixados.
A A. pretende ver-se restituída da quantia de €15.145,94, a título de trabalhos de demolição e remoção dos escombros.
Recorde-se que a A. formulou um pedido global de €390.463,34, correspondendo tal valor à soma das seguintes parcelas: €15.145,94, pagos à E... pelos trabalhos de demolição e remoção dos escombros, e € 375.317,40, pela reconstrução/reposição da nave poente do edifício.
No tocante ao primeiro segmento, não se tendo demonstrado ter a A. pago aquele valor à referida E..., mas sabendo-se que esse trabalho foi efetivamente feito (ponto 30), remete-se para liquidação posterior o respetivo apuramento (art. 609.º, n.º 2 CPC), e sem prejuízo da franquia de 5% prevista no contrato.
No demais, o que se apurou é o que consta 54 - €211.821,00, pelos trabalhos de construção civil necessários à reposição do imóvel – em 55 - €25.00,00, para os trabalhos de demolição e remoção dos escombros – e €54.307,40, para a instalação elétrica.
O total é, assim, de €291.128, 40, valor a que a sentença entendeu não dever ser de fazer acrescer o IVA, uma vez que a A. poderia deduzi-lo, nos termos do art. 10.º do Código do IVA, solução que nenhuma das partes contestou em recurso.
A este montante será de deduzir os 5% de franquia (€14.556,42), resultando assim a quantia de € 276.571, 89.
Pretende a A., em recurso, a atualização destes valores:
Em 7% quanto ao custo de mão de obra e em 10% quanto aos trabalhos de demolição e remoção dos escombros.
A Ré opõe que os factos de que emerge a obrigação a cargo da Ré ocorreram em 2010 e que a ação foi proposta em 2016. Tratando-se de um seguro sobre coisas e não cabendo à Ré a restituição do status quo ante, não pode a atualização retroceder senão a 14.7.2016 (data da propositura da ação).
Além disso, a A. não formulou qualquer pedido nesse sentido, não tendo sequer ampliado o pedido no decurso do processo, pelo que a pretendida atualização não pode ser-lhe concedida.
Cremos assistir razão à Ré.
A A. não formulou, em 2016, qualquer pedido de atualização dos valores indemnizatórios peticionados. Tendo a ação decorrido, desde então, até 2023, apurando-se um agravamento dos custos de mão de obra e/ou de materiais, poderia ter ampliado o pedido até ao encerramento da discussão em primeira instância, uma vez que se tratava de desenvolvimento do pedido primitivo (art. 265.º, n.º 2, CPC), e o art. 569.º CC não impede que, no decurso da ação, se exija reclamação mais elevada do que a inicialmente peticionada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos.
A A. não formulou qualquer pretensão nesse sentido e nem a Ré pôde contraditar tal ampliação que surge apenas agora em alegações de recurso.
Ora, já no então acórdão do STJ de fixação de jurisprudência, de 25.2.1997, se estabelecia que O tribunal não pode, nos termos do artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil[3], quando condenar em dívida de valor, proceder oficiosamente à sua actualização em montante superior ao valor do pedido do autor.
A mesma razão está também subjacente ao a. do STJ, de uniformização de jurisprudência, datado de 14.5.2015, segundo o qual Se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros, explicando que, quanto ao conteúdo, a sentença deve ater-se aos limites definidos pela pretensão formulada na acção, o que é considerado "núcleo irredutível" do princípio do dispositivo. É a essa pretensão assim definida que o tribunal está adstrito, não podendo decretar um outro efeito, alternativo, apesar de legalmente previsto. Como afirma Paula Costa e Silva, "o acto (postulativo) tem não só uma eficácia vinculante para o tribunal, como também uma função delimitadora da actuação do tribunal"; esse acto tem uma "função constitutiva insubstituível". É o princípio do pedido, como sublinha a mesma Autora, que "determina que o tribunal se encontra vinculado, no momento do proferimento da decisão, ao decretamento das consequências que o autor do acto postulativo lhe requerera. Não pode decidir-se por um maius, nem por um aliud". A violação da referida regra –se o juiz condena em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido – determina a nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, nº 1, e), do CPC. "Ao autor incumbe formular e definir a pretensão. É direito que lhe assiste mas, ao mesmo tempo, é um ónus que sobre si impende e cuja insatisfação – total ou parcial – contra si reverte". Assim, se o autor não actua em conformidade, não exercitando, em toda a sua virtualidade, o aludido princípio, não pode mais tarde, ultrapassada a fase em que seria processualmente admissível a ampliação (cfr. art. 265º, nº 2, do CPC), pedir ao tribunal que supra a sua omissão, nem este o pode fazer oficiosamente. Se o fizer, estará a ferir de nulidade a sentença, nos termos referidos. Aliás, se o tribunal o fizer incorre também em excesso de pronúncia, por apreciar questão não suscitada pelas partes, o que é igualmente causa de nulidade, nos termos do art. 615º, nº 1, d), do CPC. Será de acrescentar que esta vinculação do tribunal aos termos em que o pedido foi formulado, que caracteriza o princípio do pedido, sendo ditada por razões de certeza e segurança jurídicas, tem subjacentes também a disponibilidade da relação material e os princípios da liberdade e da autonomia da vontade das partes e da auto-responsabilidade destas. Mas não só. Como flui do que se disse, também tem por escopo essencial a tutela da posição do demandado, permitindo-lhe que se defenda em relação ao conteúdo concreto daquele pedido. Só assim se assegura e cumpre o princípio do contraditório (cfr. art. 3º do CPC) que aquele princípio igualmente visa preservar.
Não tendo a A., em tempo oportuno, formulado pretensão de ampliação do pedido, não lhe é agora possível obter oficiosamente a atualização da indemnização em percentagens que indica de modo mais ou menos casuístico.
Resta a verificação do início da contagem dos juros moratórios, que a sentença fixou desde a citação da Ré, em 19.7.2016, pretendendo a demandante que sejam desde 13.2.2011, data em que se completaram 45 dias previstos nas cláusulas gerais para a seguradora indemnizar a A.
Alega em abono desta pretensão que, a 29.12.2010, já a Ré estava habilitada com todos os elementos atinentes ao sinistro e ao apuramento dos danos.
Admitindo que as condições gerais contivessem tal obrigação a cargo da Ré, a verdade é que, no final de 2010 e começo de 2011, estava ainda a decorrer o inquérito criminal no âmbito do qual foi constituído arguido o administrador da A., suspeito da autoria ou coautoria do incêndio e tal inquérito só veio a ser arquivado em 26.2.2013, pelo que, antes disso, não tinha sequer a Ré de proceder à entrega de qualquer indemnização, conforme consta do art. 28.º, nº 5[4], das condições gerais juntas a fls. 120 e ss.
Acresce que, ao contrário do afirmado pela A., ficou ainda exposto acertadamente na sentença que: «resultou provado que, a solicitação e insistência dos averiguadores incumbidos pela Ré de realizar a avaliação dos danos, em 20 de Setembro de 2010, a Autora facultou dois orçamentos, um de €231.254,50 e outro de €278.900 referentes à reconstrução do imóvel, vindo o seu administrador a informar, posteriormente, que, afinal, não refletiam os custos necessários e que lhes remeteria outros; nas comunicações de 16 de Novembro e 3 de Dezembro de 2010, os averiguadores solicitaram certidão de autoridade, projeto elétrico e orçamento discriminado por trabalho, área e custos unitários para a reparação do imóvel, vindo a receber a 29 desse mês um orçamento no valor de €375.317,40, com a justificação da necessidade de correção da área de pintura, dos valores dos perfis metálicos e da remoção do escombros, acrescendo, no que tocava ao sistema elétrico, o projeto elétrico afirmando que lhe tinham exigido a sua execução. Contudo, o que fora pedido à Autora era algo distinto e que se prendia com o projeto elétrico original, ou seja, aquele que correspondia à realidade construída à data do sinistro e não, naturalmente, um projeto novo; após troca de correspondência entre 4 e 24 de Janeiro de 2011, na qual os averiguadores clarificaram que se tratava do projeto elétrico executado aquando da construção do imóvel, informando que se não estivesse na posse da Autora, poderia ser solicitado à Direção Geral de Energia, esta reagiu de forma algo desabrida comunicando diretamente à Ré que não tolerava as atitudes dos averiguadores, os quais não precisavam da sua colaboração para o requerer. Na verdade, enquanto segurada, cabia à Autora fornecer os elementos necessários à determinação dos danos, sendo um deles o projeto das instalações elétricas correspondente ao edificado; ainda que fosse possível obtê-lo através de solicitação direta à Direção Geral de Energia, o que desconhecemos uma vez que, tratando-se de informações privadas, só com o consentimento da titular ou a invocação de interesse atendível poderiam ser prestadas, é de presumir que não fossem acessíveis, não cabe ao segurado eximir-se do cumprimento das suas obrigações contratuais “delegando” na seguradora a prestação que lhe incumbe. Assim, estando a Autora em mora, os juros apenas são devidos a partir da citação, ocorrida a 19 de Julho de 2016.»
Tanto basta para considerar dever a mora ter início com a interpelação para a ação (arts. 804.º e 805.º, nº 1).
Quanto à taxa de juros aplicável, foram considerados na decisão os arts. 102.º, par. 3.º, do Cód. Comercial e a Portaria 277/2013, de 26.8, tendo sido fixados juros comerciais, atualmente de 7%, conforme Avisos publicados pela Direção-geral do Tesouro e Finanças, referenciados na sentença.
Nesta parte, diverge a Ré, expondo no seu recurso que tal taxa apenas se aplicaria caso o pedido da A. emergisse de contrato celebrado por esta no exercício do seu comércio. Seriam, assim, aplicáveis as taxas relativas aos juros civis (art. 559.º CC), atualmente de 4%.
O tribunal a quo socorreu-se do § 3.º do art. 102, do Cód. Comercial que estabelece: Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.
Este normativo deve ser integrado pelo regime decorrente do DL n.º 62/2013, de 10 de maio, que instituiu medidas contra os atrasos no pagamento de transações comerciais, transpondo para a ordem jurídica nacional Diretiva Europeia, tendo em vista “medidas adicionais para dissuadir os atrasos de pagamentos nas transações comerciais. Esta diretiva regula todas as transações comerciais, independentemente de terem sido estabelecidas entre empresas (a estas se equiparando os profissionais liberais) ou entre empresas e entidades públicas, tendo em conta que estas são responsáveis por um considerável volume de pagamentos às empresas. Por conseguinte, regula todas as transações comerciais entre os principais adjudicantes e os seus fornecedores e subcontratantes. Todavia, não se aplica às transações com os consumidores, aos juros relativos a outros pagamentos, como por exemplo os pagamentos efetuados nos termos da legislação em matéria de cheques ou de letras de câmbio, ou aos pagamentos efetuados a título de indemnização por perdas e danos, incluindo os efetuados por companhias de seguro. Assim, e conforme já resulta do enquadramento legal vigente, o regime previsto neste diploma não é aplicável às operações de concessão de crédito bancário, que são reguladas por lei especial” (preâmbulo do diploma), não deixando o art. 4.º, n.º 1, de prever que os juros aplicáveis aos atrasos de pagamentos das transações comerciais entre empresas são os estabelecidos no Código Comercial ou os convencionados entre as partes nos termos legalmente admitidos.
Todavia, no art. 2.º, relativo ao âmbito de aplicação desta lei, dispõe-se o seguinte:
1 - O presente diploma aplica-se a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais.
2 - São excluídos do âmbito de aplicação do presente diploma:
a) Os contratos celebrados com consumidores;
b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais;
c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros.
De modo que, de acordo com esta al. c), os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, mesmo efetuados por companhias de seguros, estão excluídos do diploma, ou seja, não se lhe aplicam os juros estabelecidos no Cód. Comercial.
Ora, o seguro de incêndio, previsto nos arts. 149.º a 151.º LCS, não é um seguro de responsabilidade civil.
Os seguros de responsabilidade civil estão definidos no art. 137.º da LCS e inserem-se no capítulo II, secção I intitulada seguros de responsabilidade civil, como sendo aqueles em que o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros.
Já os seguros de incêndio surgem no mesmo capítulo, mas na secção seguinte, a secção II, fora do âmbito dos seguros de responsabilidade civil.
Quer isto dizer que os pagamentos de indemnizações ocorridas no âmbito deste seguro – que não é de responsabilidade civil – segue o regime do diploma em apreço, que remete para o Cód. Comercial, assim se impondo que, sendo duas empresas, ainda que o contrato apenas respeite à atividade comercial de uma delas, são aplicáveis juros comerciais.
As custas da ação cabem a ambas as partes, na proporção do decaimento.


Dispositivo
Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar parcialmente procedente o recurso apresentado pela A., revogando parcialmente a sentença e condenando a Ré a pagar à A. a quantia de €276.571,89, acrescida de juros comerciais, desde a citação e até integral pagamento.

Mais se condena a Ré a pagar à A. o que se liquidar em incidência posterior, quanto ao despendido pela A. com os trabalhos referidos em 40 e 41, com aplicação da franquia de 5%.
Julga-se improcedente o recurso apresentado pela Ré.

Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento.



Porto, 27.11.2023
Fernanda Almeida
Teresa Fonseca
Miguel Baldaia de Morais
______________
[1] Na sentença de primeira instância existem duas letras l) nos factos não provados.
[2] Nesse articulado, é o seguinte o teor dos anteriores artigos:
(3º) Na verdade, quer aquando da celebração do contrato de seguro em causa nos autos, quer aquando das suas alterações verificadas ao longo do tempo da sua vigência, foram sempre prestadas todas as informações relevantes para a subscrição do mesmo, nomeadamente as suas principais características, o âmbito das garantias prestadas e exclusões dele constantes;
(4º) Acresce que, aquando da celebração do contrato, foi fornecida à autora uma nota informativa com o resumo das condições e especiais aplicáveis ao contrato, sendo ainda certo que no ato da celebração do contrato de seguro aqui em apreço, foram ainda explicadas à autora e colocadas à sua disposição, as condições gerais aplicáveis à apólice de seguro em causa nos autos, nomeadamente aquela a que a autora se reporta no item 64 do articulado a que se responde;
[3] Atual art. 609.º, n.º 1, CPC.
[4] Que dispõe: No caso de, em virtude de sinistro, ter sido intentado procedimento judicial contra o tomador de seguro ou o segurado, ou o seu representante legal, a seguradora tem o direito de diferir o pagamento da indemnização até que lhe seja documentalmente comprovado que o processo foi arquivado ou sobre ele recaiu sentença de absolvição com trânsito em julgado.